Lançamento: 01 de setembro de 1977 | Tour Book
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2112 A FAREWELL TO KINGS HEMISPHERES
1. A Farewell To Kings - 5:51 2. Xanadu - 11:08 3. Closer to the Heart - 2:53 4. Cinderella Man - 4:21 5. Madrigal - 2:35 6. Cygnus X-1 - 10:21 |
Em 1977, após um ano tocando exaustivamente e se aperfeiçoando cada vez mais em seus instrumentos, as habilidades criativas dos três canadenses os guiavam para novos horizontes musicais. O primeiro fator responsável por mudanças foi a aquisição de novos equipamentos. Geddy Lee decidiu que os teclados viriam definitivamente a calhar no som do Rush, passando a utilizar sintetizadores Moog e o versátil Taurus Pedals, o que permitiu ao vocalista simular acordes de baixo e tocar teclados com os pés. Alex Lifeson também passou a utilizar o Taurus Pedals, onde poderia disparar sons sintetizados, adquirindo também novas guitarras como uma Gibson semi acústica modelo ES-355 e outra Doubleneck (dois braços), com 6 e 12 cordas. Já Neil Peart incrementaria sua bateria com sinos, woodblocks, glockenspiel e uma série de outros instrumentos percussivos.
Para a mudança ser completa, o Rush decidiu cruzar o Atlântico para gravar seu novo álbum, A Farewell To Kings. A escolha foi o Rockfield Studios, um ambiente bastante bucólico e pastoril localizado no interior do País de Gales.
O lançamento mundial do disco aconteceu em setembro daquele ano. Se houve uma nítida evolução na proposta da banda em seu anterior 2112, esse novo trabalho ampliaria esse fator ao extremo. A abertura barroca da faixa título denunciava o que estava por vir: virtuosismo, melodias mais apuradas e climas marcados por grande dramaticidade.
Para esse disco, Peart traz influências das mais variadas em suas composições líricas: Ernest Hemingway, Samuel Taylor Coleridge, Frank Capra, entre outros. Além disso, pela primeira vez ocorreria um convite para uma pessoa fora do trio participar da elaboração de uma letra.
Sobre o conceito da capa, diz o artista gráfico Hugh Syme, "O céu e o primeiro plano não são no mesmo lugar. Os prédios e o céu são de Toronto, e o primeiro plano era um armazém demolido em Buffalo. Adoraria que fosse uma catedral naquela mesma condição, ou algo mais notório pelo que pretendíamos sentir olhando para um prédio antigo naquele estado. Iniciamos alguns trocadilhos com aquele álbum, com aquele rei na condição de fantoche. Houve uma série de críticas ao Trono nas duas últimas décadas, como sendo uma herança que não podemos desconsiderar, mas que certamente não levam tão à sério como estamos acostumados".
O ano de 1977 teve início da mesma maneira que 1976 terminou, com o Rush tocando em vários lugares nos EUA, mais precisamente entre Houston, Texas e Pittsburgh, Pensilvânia. Porém, nesse momento, havia um novo sentimento de confiança entre os integrantes da banda: eles haviam conseguido vários discos de ouro e expandiram sua esfera de apresentações a fim de cobrir todo o continente norte-americano. "Parece que já estamos na estrada há quatro anos e que tiramos apenas um único dia de folga", afirma Lifeson. Ele confirmava que era praticamente impossível dividir a agenda em turnês separadas. Todas as datas pareciam coincidir umas com as outras.
A essa altura, houve uma nova decisão dentro do planejamento da banda: os integrantes decidiram dar mais tempo a si mesmos buscando trabalhar nos álbuns ao invés de compô-los no escasso tempo que tinham na estrada. Uma das possibilidades que surgiram no final de 1976 foi a decisão da banda ir para a Inglaterra na metade do ano seguinte, a fim de gravar o próximo disco. Com isso, muitos fãs ingleses deduziram que se houve a opção pela folga, os canadenses poderiam fazer também algumas apresentações – as primeiras deles fora da América do Norte.
A decisão de tentar gravar na Inglaterra foi interessante. A banda jamais havia gravado fora de Toronto, pelo menos não com sucesso.
No final de 1976 o Rush tentou trabalhar no Electric Lady Studios em Nova York – famoso estúdio montado por Jimi Hendrix e imortalizado em seu álbum Electric Ladyland. No entanto, os canadenses descartaram o material realizado por não terem ficado totalmente satisfeitos com os resultados. Uma das razões levantadas na época foi que, aparentemente, não se sentiram 'em casa' gravando em um estúdio norte-americano. Curiosa afirmação, pois o Rush já estava habituado a passar a maior parte do tempo nos Estados Unidos naquela época.
O estúdio favorito para o novo álbum nesse momento parecia ser o londrino George Martin's AIR, localizado na Oxford Street. Este era, sem dúvidas, um dos melhores locais para gravações da Inglaterra, o que seria uma escolha natural para o trio canadense. O George Martin's poderia oferecer, além de sua ótima estrutura, algum tipo nostalgia para Peart, que chegou a trabalhar no país como vendedor de souvenirs, mais precisamente na Carnaby Street, em Londres. Por fim, acabou sendo escolhido o Rockfield Studio, no sul do País de Gales, onde foram realizados os trabalhos de A Farewell To Kings. Porém, antes disso, o Rush passaria por mais algumas apresentações.
Em janeiro de 1977, o trio era ovacionado pela crítica especializada em Houston, Texas, que se encontrava estupefata por sua música, afirmando estarem "numa rara e estimada companhia".
A banda havia marcado uma única apresentação em Columbus, Ohio, porém os ingressos se esgotaram em menos de uma semana, sendo então um segundo show adicionado. Na ocasião, uma repórter local do jornal Columbus Dispatch pareceu atônita com o fato de o heavy metal ainda ser popular. "Qualquer um", ela escreveu, "que tivesse enfrentado neve ou ventania para vivenciar esses shows estaria longe de apenas se aquecer. Eles seriam 'fritos' pelo Rush".
Nesse mesmo momento, começavam a surgir muitos comentários de críticos que abordavam o curioso fato de como o Rush havia chegado onde chegou sem muito ou qualquer suporte das rádios, o que previamente era tido como essencial para o sucesso de qualquer banda de rock nos Estados Unidos. Essa realidade acabava por eclodir grande preocupação entre as gravadoras de bandas norte-americanas. Não havia problema se o Rush se matava para tocar em cada oportunidade oferecida, o rádio seria muito mais eficiente quanto à obtenção de fãs, mesmo que decidissem ficar na estrada até o inferno congelar.
Por conta disso, um plano surgiu. A Phonogram / Mercury decidiu juntar um álbum especial que seria oferecido para as rádios dedicadas ao rock com faixas dos últimos três trabalhos de estúdio do Rush. Além disso, prepararam uma extensa campanha publicitária dedicada aos cinco álbuns da carreira banda.
Disse Jules Abramson, vice-presidente sênior de marketing da Mercury: "Estamos oferecendo o catálogo inteiro de álbuns do Rush porque sentimos que quem assiste a banda num show ou ouve um LP recente fatalmente vai querer os outros materiais do grupo".
Esse álbum especial foi espertamente intitulado Everything Your Listeners Ever Wanted to Hear by Rush... But You Were Afraid to Play - ou seja, Tudo Que Seus Ouvintes Sempre Quiseram Ouvir do Rush... Mas Que Tiveram Medo de Tocar. Trazia cinco faixas de Fly By Night, três de Caress Of Steel e quatro de 2112: "Fly by Night", "Making Memories", "Bastille Day", "Something for Nothing", "Lakeside Park", "Anthem", "2112 Overture" / "Temples of Syrinx", "The Twlight Zone", "Best I Can", "Bacchus Plateau" e "In the End".
Um promotor da gravadora adicionou, "Algumas vezes os gostos dos programadores das rádios não coincidem com o dos ouvintes. Tanto Aerosmith quanto Kiss eram obrigatórios na programação devido à demanda. E agora o Rush também. Um grupo desta natureza pode facilmente ir do disco de ouro ao de platina apenas tocando nas rádios".
Se esse esquema das gravadoras teve algum efeito real é difícil dizer atualmente. Certa vez um repórter conversou com Geddy e Neil e ambos estavam conformados com o fato de nunca conseguirem ver seus discos tocando nas rádios.
"Parece que o pessoal das rádios não acreditam que existimos", diz Geddy. "Não importa quantos shows lotados façamos, não importa quantos álbuns consigamos vender, mesmo assim eles ainda não se interessariam. Não acho que haja amargura com relação a isso. Contanto que continuemos atraindo público e vendendo discos, ainda acreditaremos estar fazendo a coisa certa. De qualquer modo, estamos na estrada há um bom tempo e acho que não poderíamos imaginar qualquer outro estilo de vida".
Anos mais tarde, a revista Rolling Stone ainda comentava sobre "rádios julgando que bandas cuja marca era o 'progressive aggro-rock' não se encaixavam nas programações".
Entre 8 de abril e 21 de maio de 1977, o Rush fez uma série de shows concentrados principalmente no Nordeste dos Estados Unidos – a área mais fraca para eles – além de algumas apresentações no Meio Oeste. Eles abriram sua pequena turnê em Toledo (Ohio) e fecharam em Chicago, com duas noites no Aragon Ballroom.
Depois de uma pequena parada, a banda dirigiu-se para, enfim, sua primeira turnê europeia. As três primeiras datas foram agendadas para a Inglaterra – Manchester Free Trade Hall no dia 2 de junho, Birmingham Odeon no dia 3 e London Hammersmith Odeon no dia 4. Depois tocaram na Suécia, Alemanha e Holanda, países em que crescia um pequeno mas poderoso culto ao Rush – propagado boca a boca.
Havia uma quieta confiança no 'acampamento Rush' sobre as apresentações que estavam por vir, mais significativamente sobre os ingressos dos três shows na Inglaterra postos à venda antecipadamente (cerca de sete semanas antes). Esses ingressos se esgotaram em poucos dias. Para compreender a significância deste feito, lembramos que era verão de 1977, com o Clash cantando "London's Burning" e com o Sex Pistols tendo dificuldades para conseguir qualquer lugar para tocar despretensiosamente – buscando máxima publicidade para suas excentricidades.
A maior surpresa entre os críticos de rock britânicos era o fato de uma banda como o Rush ter vindo do Canadá. O escritor Dave Redshaw, que fez uma resenha sobre o show acontecido em Manchester, lembrou de sua atonicidade ao perceber que o Canadá – terra de Joni Mitchell e The Band – poderia gerar algo como o Rush.
Redshaw se concentrou na afeição da banda por Ayn Rand – uma ideia definitivamente fora de moda nos dias punks – e também comparou a voz de Geddy com a de David Surkamp, do relativamente obscuro Pavlov's Dog, associação que foi repetida muitas vezes na imprensa britânica nos anos seguintes.
O mais importante sobre estas primeiras apresentações na Inglaterra foi que o Rush, apesar de uma pequena senão qualquer promoção, tinha uma quantidade suficiente de fãs para lotar shows em qualquer lugar do país. Além disso, esses fãs foram leais a ponto de procurar por todos os álbuns do Rush para importação. Como disse Redshaw: "Eles pareciam conhecer cada riff que o Rush tocava".
Com todos os créditos obtidos nessas apresentações, o trio seguiu rapidamente para o sul do País de Gales, mais precisamente para o Rockfield Studios. Começaram a trabalhar num álbum que teve primeiramente o título de Closer To The Heart. Pouco antes de ser lançado, em setembro de 1977, foi alterado para A Farewell to Kings.
O Rush, fiel à sua palavra (onde descreviam o ao vivo All The World's A Stage como o fim do começo, o encerramento da 'Fase Um'), acabava de trazer um álbum bastante experimental e revigorante. Depois de tocarem de forma exaustiva enquanto se aperfeiçoavam em seus instrumentos, as habilidades criativas dos canadenses os guiavam para novos horizontes musicais.
Era possível notar que havia um sentimento pastoril em algumas faixas – talvez devido à vizinhança bucólica do Rockfield – mas a banda também parecia mais relaxada e mais certa de suas capacidades.
A ficção científica sempre inspirou Peart. Suas leituras sobre o tema foram frequentes enquanto morava em Londres e, uma vez escrevendo as letras para a banda, seguia incorporando diversos elementos dessa influência literária. Novas músicas como "Xanadu" e "Cygnus X-1" estavam cheias de citações, e eram baseadas em autores do gênero. "Cygnus X-1", a derradeira faixa, culmina com a queda de um herói piloto de uma espaçonave num buraco negro – uma clara versão sci-fi com final em suspense. Eles retornariam?
"Closer To The Heart" foi outro destaque e se transformou em uma das mais especiais nos shows da banda.
"Aves podem ser ouvidas na introdução de um exercício de fantasia chamado 'Xanadu', certamente a obra mais complexa e multi texturizada que realizamos", diz Peart. "Pegamos mais leve na canção de amor 'Madrigal'. Uma mudança de cenário e nos encontramos nos limites do espaço sideral, no buraco negro de 'Cygnus X-1'. É a primeira parte de uma história épica que concluiremos no próximo álbum. Deve ser uma das coisas mais fortes que fizemos. Senão mexer com você, é porque não está ouvindo alto o suficiente".
O Rush realizou algumas tarefas extras para A Farewell to Kings no Advision Studio, localizado nos confins do Oeste de Londres.
"Naquela época, havia acabado de me tornar assessor de imprensa da banda na Phonogram em Londres", diz o jornalista Brian Harrigan. "Todos na gravadora estavam conscientes de que tínhamos um potencial 'quente' nas mãos na forma do Rush e minha tarefa seria a de fornecer assessoria de imprensa a eles. No dia 13 de julho me flagrei na companhia de Chris Welch, da Melody Maker, responsável pelo Advision, dentro de uma limousine. Fomos apresentados e eu disse algumas pequenas palavras de introdução antes de evitá-los. Existe um código de conduta informal em entrevistas que diz que você nunca deve se situar numa discussão entre um entrevistador e um artista. Você deve restringir ambos os estilos e acabar com uma conversa artificialmente formal. Fui ver o Rush novamente – só me fiz de vagamente conhecido deles alguns dias depois. Decidi que deveria beber umas cervejas comigo mesmo pra me tornar mais 'bem-vindo'. Fui cumprimentado educadamente e falamos disso e daquilo, mas inevitavelmente era somente uma pequena conversa e de algum jeito percebi que estava ficando mais e mais embaraçado. Era óbvio que eles queriam continuar no que estavam fazendo – pressão com relação ao tempo e tudo aquilo – então deixei a banda e Terry Brown com suas coisas e fui embora rapidamente".
"Lembro-me que pensava que eles eram daquele tipo de pessoas reservadas, frias e nada simpáticas e imaginava o que fazia as coisas parecerem tão desconfortáveis e não naturais", continua. "Percebi mais tarde – muito mais tarde – que o Rush coletivamente possui o mais intenso poder de concentração. Eles se aplicam numa tarefa devotando todo seu tempo e toda sua energia até que a mesma esteja completa. Disse anteriormente que foi na abertura da turnê inglesa, em fevereiro de 1977, que os conheci pela primeira vez. Mesmo os tendo visto no Advision mais de seis meses antes, ainda sinto que foi naquela turnê a primeira vez que os encontrei. No começo de agosto uma fita chegou aos escritórios da Phonogram em Londres – uma fita do novo álbum, A Farewell To Kings. Um playback dele foi arranjado, e isso era uma tradição da gravadora que permitia às pessoas que irão trabalhar no assunto a se acostumarem com o material antes do lançamento, além de permitir também observar de que maneira deverão apresentar o mesmo quando ele estiver se aproximando dos executivos da gravadora ou dos críticos. Decidimos que esta era a oportunidade ideal para dar a Geoff Barton da Sounds uma versão prévia do material. Ele foi o principal suporte do Rush na Inglaterra desde que os álbuns deles começaram a 'pingar' no país e, além disso, percebemos que se oferecêssemos a ele uma exclusividade poderíamos conseguir uma melhor e maior cobertura do lançamento. É uma tática comum das gravadoras. Porém Barton não foi encontrado. Ele estava de férias ou na estrada com alguém – ou algo do tipo. Então optamos por Pete Makowski, o segundo após Barton em termos de fanatismo pelo Rush. Ele ligou o playback na Phonogram no dia 4 de agosto, pontualmente às 6:30, e todos nos acomodamos para ouvir. O desastre estava bem perto da esquina. Um lado do tocador quebrou e infelizmente estávamos ouvindo uma versão muda, como se fosse sufocada do disco. Fui verbalmente assassinado pelo meu chefe, mas Makowski foi mais que generoso e nada fez comigo".
O álbum foi lançado mundialmente em setembro de 1977. Essa foi a primeira vez que um álbum do Rush era lançado ao mesmo tempo nos Estados Unidos e no Reino Unido. No momento do lançamento, o Rush começava outra turnê nos Estados Unidos – já na Inglaterra a Phonogram fazia o máximo para divulgar o álbum, atacando a mídia de todos os modos que poderiam imaginar.
Através de uma combinação do brilhantismo latente do álbum e do empurrão promocional, A Farewell to Kings começou a vender em quantidades inimagináveis.
Em novembro de 1977, nos Estados Unidos, três álbuns foram certificados com disco de ouro no mesmo dia: 2112, All The World’s A Stage e A Farewell to Kings. A velocidade com a qual o último foi vendido foi uma verdadeira indicação de como o Rush havia crescido nos Estados Unidos nos últimos anos.
No fim de 1977, foi anunciado que o trio faria uma turnê de dezesseis datas na Inglaterra. A procura pelos ingressos foi colossal e todos se esgotaram dois meses antes da primeira data da turnê, marcada para o Birmingham Odeon no dia 12 de fevereiro de 1978.
As apresentações na Inglaterra foram, na verdade, parte da turnê mundial A Farewell To Kings, juntamente com as norte-americanas que tiveram início em setembro de 1977. A turnê terminou em junho de 1978, finalizando um período no qual a banda atraiu mais de um milhão de espectadores em todos seus shows.
A turnê britânica foi uma das mais alarmantes, surpreendentes e reveladoras já presenciadas. A performance da banda foi consistentemente imaculada, sempre com um som claro e cristalino acompanhado de um show de luzes jamais vistos anteriormente. A iluminação foi operada pelo altamente experiente gerente de turnê do Rush, Howard Ungerleider, que já estava com eles mesmo antes de Neil se juntar à banda.
O jornalista Brian Harrigan encontrou Ungerleider pela primeira vez poucos dias antes da turnê de 1978. Os dois, juntamente com o gerente de produtor Alan Philips jantaram em um restaurante perto do Marble Arch, estudando vários problemas ou acontecimentos que eram passíveis de surgir durante a turnê.
Ungerleider, pesado no tamanho mas um verdadeiro gentleman em personalidade, contou história após história sobre sua carreira de gerente de turnê. Uma delas foi quando ele cuidava dos shows do Savoy Brown. Eles estavam em um voo doméstico nos Estados Unidos, quando Ungerlieder olhou rapidamente pela janela e avistou um par de calças voando, seguida por camisas e outros objetos. O motivo: alguém havia esquecido de bater a porta do compartimento de carga do avião e metade dos equipamentos da banda voou pelos ares.
Ungerleider nunca perde o controle por não conseguir realizar suas tarefas, considerando o grande número de equipamentos que a banda leva e a pesada responsabilidade que traz nos ombros. Mas ele sempre teve certeza que estava com boas pessoas à sua volta – particularmente o magnificamente Lurch, que tinha mais de dois metros de altura. A sina de Lurch era ter que dormir em camas meio metro menores do que ele toda vez que a banda fazia turnês fora dos Estados Unidos. Uma das grandes vantagens do gigante era que ele só tinha que dar um passo no quarto e qualquer causador de problema tomaria o dobro de cuidado, ficando quieto quase que instantaneamente.
Durante aquela turnê ficava evidente que o Rush e a equipe de roadies eram uma família feliz – piegas, mas verdadeira. Ao contrário de muitas outras bandas que poderiam ser mencionadas, Peart, Lee e Lifeson nunca pareciam impor barreiras entre eles e sua equipe de apoio. Toda a banda era infalivelmente educada em turnê. Ocasionalmente, repórteres da imprensa local poderiam falhar, como deixá-los esperando numa sala fria em algum lugar no interior de um teatro. Mesmo assim aqueles que estavam por perto não lembram de terem os visto reclamar sequer uma vez.
O mais próximo que um deles chegou ao ponto de irritação foi na ocasião em que Harrigan marcou uma série de entrevistas antes de uma apresentação. Neil participou de todas e depois sugeriu com um tom de voz quieto e racional que ele preferia participar de entrevistas depois dos shows – ele precisava de um tempo antes das apresentações para se concentrar.
Os canadenses pareciam sempre dispostos a falar sobre qualquer assunto. Em Newcastle, o repórter levou Robin Smith da Record Mirror para assistir o show e fazer uma entrevista ao final da apresentação. No hotel Holiday Inn – localizado em Wideopen – Smith se acomodou para conversar com a banda. Ele percebeu que havia muitos carrinhos de controle remoto espalhados pela sala e começou perguntando sobre eles. Logo Neil explicou que uma das ocupações favoritas do Rush era apostar corridas com aqueles carrinhos pelos palcos durante as passagens de som.
O Rush tocou duas noites no Hammersmith Odeon na turnê daquele ano, no domingo e na segunda, dias 19 e 20 de fevereiro. Um dos atrativos que a Phonogram planejou foi colocar um balão de ar quente voando sobre o Hammersmith com a palavra "Rush" escrita nele. Infelizmente o balão, pilotado por um homem chamado Mike Glue, não saiu do chão no local de lançamento no domingo. Entretanto, no dia seguinte, levantou voo.
Na segunda feira, a banda concordou em fazer uma série de entrevistas no hotel em que estavam hospedados. Um dos jornalistas a aparecer foi Miles da NME – um altamente graduado e respeitado escritor pelos parâmetros de qualquer um que fosse.
Miles foi apresentado a Peart e os dois se detiveram em discussões animadas. Um dos tópicos nos quais eles divagaram foi sobre a política filosófica do Rush e sobre a fascinação deles pelo anti coletivismo de Ayn Rand. Uma semana depois a entrevista apareceu na NME. Miles levou o Rush a ser "um pouquinho mais do que um bando de cripto-fascistas", divulgando possíveis perigos contra a desejabilidade de tal tipo de banda tocar em público.
Mais tarde, quando Peart e os demais da banda leram a reportagem, ficaram pasmos. É claro, não há dúvida que Miles escreveu do jeito que ele viu e não havia o que se questionar do trabalho finalizado, mas de qualquer maneira os resultados pareceram de fato incriminatórios.
Finalmente o tumulto encerrou-se. E, enquanto Peart ainda lembra da peça e da entrevista claramente, nunca mais falou sobre o assunto. De um modo curioso, o artigo do Miles ajudou a estabelecer a banda de algum modo. Talvez um outro caso de má propaganda – mesmo que possa soar sentimental.
Exceto esta, as reportagens tendiam a ser muito entusiastas sobre o Rush e sobre o show deles. No final das contas, era justo dizer que a banda arrebentou na Inglaterra, conseguindo arrastar mais de um milhão de pessoas.
Para ajudá-los a se estabilizar ainda mais, a Phonogram lançou um box a um preço baixo contendo os três primeiros álbuns da banda, chamado Archives. Esse lançamento atingiu uma vendagem extremamente saudável.
No fim da turnê mundial, o Rush se encontrava de volta ao seu lar no Canadá, onde foram premiados com o segundo Juno, desta vez por Melhor Grupo do Ano".
Depois de uma pequena pausa eles voltaram à Inglaterra, novamente ao Rockfield Studios, a fim de trabalhar em seu próximo disco.
FICHA TÉCNICA
Neil Peart
Drums, orchestra bells, tubular bells, temple blocks, cowbells, wind chimes, bell tree, triangle, vibra-slap
Geddy Lee
Bass guitar, twelve string guitar, Mini Moog, bass pedal synthesizer, vocals
Alex Lifeson
Six and twelve string electric guitar, six and twelve string acoustic guitar, classical guitar, bass pedal synthesizer
Produced by Rush and Terry Brown
Recorded at Rockfield Studios, Wales, June 1977
Engineered by Pat Moran and Terry Brown (Broon)
Mixed at Advision Studios, London
Engineered by Terry Brown, Assisted by Declan (not Norman!) O'Doherty and Ken Thomas
Art direction and graphics by Hugh Syme
Cover photography by Yosh Inouye
Sleeve photography by Roger Stowell
Liner photographs by Fin Costello
Design assistance by Bob King
Mastered at JAMF, Toronto by George Graves
Management by Ray Danniels, SRO Management, Inc., Toronto
Executive Production-Moon Records
Roadmaster and lighting director-Howard (Herns) Ungerleider
Concert sound engineer and effects consultant-Major Ian Grandy
Stage right technician-Liam (Elfbjörn) Birt
Stage left technician-Skip (Slider) Gildersleeve
Centre stage technician-Larry (The Saint) Allen
Stage Manager-Mike (Lurch) Hirsh Chauffeur extraordinaire-(Ms.) Jorge Hoadley
Hello and thank you to National Sound and Crew, See Factor Lighting and Crew (U.K. too!), Electrosound U.K. and Crew, Graham The Coach Driver, Alans Moore and Kearsley, all at Rockfield and Pat (Duffo) Moran, (Farewell to Kingsley), Max Websters' Dancing and Crew, the Cult and Crew, Fabrissio, The Percussion Centre, Tony (Old School Thai) Kelly, Continental Tom Berry, and all our friends in the U.K. (and everywhere!) we remember Brooklyn.
A special thank you to Dirk, Lerxst, and Pratt.
Our thanks also go out to the good people of Gibson Guitars, Rickenbacker Guitars, and Slingerland Drums for their personal help and consideration.
Dedicated to Nancy, Charlene, and Jacqueline
Mercury/Polygram, September 1977
© 1977 Mercury Records © 1977 Anthem Entertainment
Para a mudança ser completa, o Rush decidiu cruzar o Atlântico para gravar seu novo álbum, A Farewell To Kings. A escolha foi o Rockfield Studios, um ambiente bastante bucólico e pastoril localizado no interior do País de Gales.
O lançamento mundial do disco aconteceu em setembro daquele ano. Se houve uma nítida evolução na proposta da banda em seu anterior 2112, esse novo trabalho ampliaria esse fator ao extremo. A abertura barroca da faixa título denunciava o que estava por vir: virtuosismo, melodias mais apuradas e climas marcados por grande dramaticidade.
Para esse disco, Peart traz influências das mais variadas em suas composições líricas: Ernest Hemingway, Samuel Taylor Coleridge, Frank Capra, entre outros. Além disso, pela primeira vez ocorreria um convite para uma pessoa fora do trio participar da elaboração de uma letra.
Sobre o conceito da capa, diz o artista gráfico Hugh Syme, "O céu e o primeiro plano não são no mesmo lugar. Os prédios e o céu são de Toronto, e o primeiro plano era um armazém demolido em Buffalo. Adoraria que fosse uma catedral naquela mesma condição, ou algo mais notório pelo que pretendíamos sentir olhando para um prédio antigo naquele estado. Iniciamos alguns trocadilhos com aquele álbum, com aquele rei na condição de fantoche. Houve uma série de críticas ao Trono nas duas últimas décadas, como sendo uma herança que não podemos desconsiderar, mas que certamente não levam tão à sério como estamos acostumados".
O ano de 1977 teve início da mesma maneira que 1976 terminou, com o Rush tocando em vários lugares nos EUA, mais precisamente entre Houston, Texas e Pittsburgh, Pensilvânia. Porém, nesse momento, havia um novo sentimento de confiança entre os integrantes da banda: eles haviam conseguido vários discos de ouro e expandiram sua esfera de apresentações a fim de cobrir todo o continente norte-americano. "Parece que já estamos na estrada há quatro anos e que tiramos apenas um único dia de folga", afirma Lifeson. Ele confirmava que era praticamente impossível dividir a agenda em turnês separadas. Todas as datas pareciam coincidir umas com as outras.
A essa altura, houve uma nova decisão dentro do planejamento da banda: os integrantes decidiram dar mais tempo a si mesmos buscando trabalhar nos álbuns ao invés de compô-los no escasso tempo que tinham na estrada. Uma das possibilidades que surgiram no final de 1976 foi a decisão da banda ir para a Inglaterra na metade do ano seguinte, a fim de gravar o próximo disco. Com isso, muitos fãs ingleses deduziram que se houve a opção pela folga, os canadenses poderiam fazer também algumas apresentações – as primeiras deles fora da América do Norte.
A decisão de tentar gravar na Inglaterra foi interessante. A banda jamais havia gravado fora de Toronto, pelo menos não com sucesso.
No final de 1976 o Rush tentou trabalhar no Electric Lady Studios em Nova York – famoso estúdio montado por Jimi Hendrix e imortalizado em seu álbum Electric Ladyland. No entanto, os canadenses descartaram o material realizado por não terem ficado totalmente satisfeitos com os resultados. Uma das razões levantadas na época foi que, aparentemente, não se sentiram 'em casa' gravando em um estúdio norte-americano. Curiosa afirmação, pois o Rush já estava habituado a passar a maior parte do tempo nos Estados Unidos naquela época.
O estúdio favorito para o novo álbum nesse momento parecia ser o londrino George Martin's AIR, localizado na Oxford Street. Este era, sem dúvidas, um dos melhores locais para gravações da Inglaterra, o que seria uma escolha natural para o trio canadense. O George Martin's poderia oferecer, além de sua ótima estrutura, algum tipo nostalgia para Peart, que chegou a trabalhar no país como vendedor de souvenirs, mais precisamente na Carnaby Street, em Londres. Por fim, acabou sendo escolhido o Rockfield Studio, no sul do País de Gales, onde foram realizados os trabalhos de A Farewell To Kings. Porém, antes disso, o Rush passaria por mais algumas apresentações.
Em janeiro de 1977, o trio era ovacionado pela crítica especializada em Houston, Texas, que se encontrava estupefata por sua música, afirmando estarem "numa rara e estimada companhia".
A banda havia marcado uma única apresentação em Columbus, Ohio, porém os ingressos se esgotaram em menos de uma semana, sendo então um segundo show adicionado. Na ocasião, uma repórter local do jornal Columbus Dispatch pareceu atônita com o fato de o heavy metal ainda ser popular. "Qualquer um", ela escreveu, "que tivesse enfrentado neve ou ventania para vivenciar esses shows estaria longe de apenas se aquecer. Eles seriam 'fritos' pelo Rush".
Nesse mesmo momento, começavam a surgir muitos comentários de críticos que abordavam o curioso fato de como o Rush havia chegado onde chegou sem muito ou qualquer suporte das rádios, o que previamente era tido como essencial para o sucesso de qualquer banda de rock nos Estados Unidos. Essa realidade acabava por eclodir grande preocupação entre as gravadoras de bandas norte-americanas. Não havia problema se o Rush se matava para tocar em cada oportunidade oferecida, o rádio seria muito mais eficiente quanto à obtenção de fãs, mesmo que decidissem ficar na estrada até o inferno congelar.
Por conta disso, um plano surgiu. A Phonogram / Mercury decidiu juntar um álbum especial que seria oferecido para as rádios dedicadas ao rock com faixas dos últimos três trabalhos de estúdio do Rush. Além disso, prepararam uma extensa campanha publicitária dedicada aos cinco álbuns da carreira banda.
Disse Jules Abramson, vice-presidente sênior de marketing da Mercury: "Estamos oferecendo o catálogo inteiro de álbuns do Rush porque sentimos que quem assiste a banda num show ou ouve um LP recente fatalmente vai querer os outros materiais do grupo".
Esse álbum especial foi espertamente intitulado Everything Your Listeners Ever Wanted to Hear by Rush... But You Were Afraid to Play - ou seja, Tudo Que Seus Ouvintes Sempre Quiseram Ouvir do Rush... Mas Que Tiveram Medo de Tocar. Trazia cinco faixas de Fly By Night, três de Caress Of Steel e quatro de 2112: "Fly by Night", "Making Memories", "Bastille Day", "Something for Nothing", "Lakeside Park", "Anthem", "2112 Overture" / "Temples of Syrinx", "The Twlight Zone", "Best I Can", "Bacchus Plateau" e "In the End".
Um promotor da gravadora adicionou, "Algumas vezes os gostos dos programadores das rádios não coincidem com o dos ouvintes. Tanto Aerosmith quanto Kiss eram obrigatórios na programação devido à demanda. E agora o Rush também. Um grupo desta natureza pode facilmente ir do disco de ouro ao de platina apenas tocando nas rádios".
Se esse esquema das gravadoras teve algum efeito real é difícil dizer atualmente. Certa vez um repórter conversou com Geddy e Neil e ambos estavam conformados com o fato de nunca conseguirem ver seus discos tocando nas rádios.
"Parece que o pessoal das rádios não acreditam que existimos", diz Geddy. "Não importa quantos shows lotados façamos, não importa quantos álbuns consigamos vender, mesmo assim eles ainda não se interessariam. Não acho que haja amargura com relação a isso. Contanto que continuemos atraindo público e vendendo discos, ainda acreditaremos estar fazendo a coisa certa. De qualquer modo, estamos na estrada há um bom tempo e acho que não poderíamos imaginar qualquer outro estilo de vida".
Anos mais tarde, a revista Rolling Stone ainda comentava sobre "rádios julgando que bandas cuja marca era o 'progressive aggro-rock' não se encaixavam nas programações".
Entre 8 de abril e 21 de maio de 1977, o Rush fez uma série de shows concentrados principalmente no Nordeste dos Estados Unidos – a área mais fraca para eles – além de algumas apresentações no Meio Oeste. Eles abriram sua pequena turnê em Toledo (Ohio) e fecharam em Chicago, com duas noites no Aragon Ballroom.
Depois de uma pequena parada, a banda dirigiu-se para, enfim, sua primeira turnê europeia. As três primeiras datas foram agendadas para a Inglaterra – Manchester Free Trade Hall no dia 2 de junho, Birmingham Odeon no dia 3 e London Hammersmith Odeon no dia 4. Depois tocaram na Suécia, Alemanha e Holanda, países em que crescia um pequeno mas poderoso culto ao Rush – propagado boca a boca.
Havia uma quieta confiança no 'acampamento Rush' sobre as apresentações que estavam por vir, mais significativamente sobre os ingressos dos três shows na Inglaterra postos à venda antecipadamente (cerca de sete semanas antes). Esses ingressos se esgotaram em poucos dias. Para compreender a significância deste feito, lembramos que era verão de 1977, com o Clash cantando "London's Burning" e com o Sex Pistols tendo dificuldades para conseguir qualquer lugar para tocar despretensiosamente – buscando máxima publicidade para suas excentricidades.
A maior surpresa entre os críticos de rock britânicos era o fato de uma banda como o Rush ter vindo do Canadá. O escritor Dave Redshaw, que fez uma resenha sobre o show acontecido em Manchester, lembrou de sua atonicidade ao perceber que o Canadá – terra de Joni Mitchell e The Band – poderia gerar algo como o Rush.
Redshaw se concentrou na afeição da banda por Ayn Rand – uma ideia definitivamente fora de moda nos dias punks – e também comparou a voz de Geddy com a de David Surkamp, do relativamente obscuro Pavlov's Dog, associação que foi repetida muitas vezes na imprensa britânica nos anos seguintes.
O mais importante sobre estas primeiras apresentações na Inglaterra foi que o Rush, apesar de uma pequena senão qualquer promoção, tinha uma quantidade suficiente de fãs para lotar shows em qualquer lugar do país. Além disso, esses fãs foram leais a ponto de procurar por todos os álbuns do Rush para importação. Como disse Redshaw: "Eles pareciam conhecer cada riff que o Rush tocava".
Com todos os créditos obtidos nessas apresentações, o trio seguiu rapidamente para o sul do País de Gales, mais precisamente para o Rockfield Studios. Começaram a trabalhar num álbum que teve primeiramente o título de Closer To The Heart. Pouco antes de ser lançado, em setembro de 1977, foi alterado para A Farewell to Kings.
O Rush, fiel à sua palavra (onde descreviam o ao vivo All The World's A Stage como o fim do começo, o encerramento da 'Fase Um'), acabava de trazer um álbum bastante experimental e revigorante. Depois de tocarem de forma exaustiva enquanto se aperfeiçoavam em seus instrumentos, as habilidades criativas dos canadenses os guiavam para novos horizontes musicais.
Era possível notar que havia um sentimento pastoril em algumas faixas – talvez devido à vizinhança bucólica do Rockfield – mas a banda também parecia mais relaxada e mais certa de suas capacidades.
A ficção científica sempre inspirou Peart. Suas leituras sobre o tema foram frequentes enquanto morava em Londres e, uma vez escrevendo as letras para a banda, seguia incorporando diversos elementos dessa influência literária. Novas músicas como "Xanadu" e "Cygnus X-1" estavam cheias de citações, e eram baseadas em autores do gênero. "Cygnus X-1", a derradeira faixa, culmina com a queda de um herói piloto de uma espaçonave num buraco negro – uma clara versão sci-fi com final em suspense. Eles retornariam?
"Closer To The Heart" foi outro destaque e se transformou em uma das mais especiais nos shows da banda.
"Aves podem ser ouvidas na introdução de um exercício de fantasia chamado 'Xanadu', certamente a obra mais complexa e multi texturizada que realizamos", diz Peart. "Pegamos mais leve na canção de amor 'Madrigal'. Uma mudança de cenário e nos encontramos nos limites do espaço sideral, no buraco negro de 'Cygnus X-1'. É a primeira parte de uma história épica que concluiremos no próximo álbum. Deve ser uma das coisas mais fortes que fizemos. Senão mexer com você, é porque não está ouvindo alto o suficiente".
O Rush realizou algumas tarefas extras para A Farewell to Kings no Advision Studio, localizado nos confins do Oeste de Londres.
"Naquela época, havia acabado de me tornar assessor de imprensa da banda na Phonogram em Londres", diz o jornalista Brian Harrigan. "Todos na gravadora estavam conscientes de que tínhamos um potencial 'quente' nas mãos na forma do Rush e minha tarefa seria a de fornecer assessoria de imprensa a eles. No dia 13 de julho me flagrei na companhia de Chris Welch, da Melody Maker, responsável pelo Advision, dentro de uma limousine. Fomos apresentados e eu disse algumas pequenas palavras de introdução antes de evitá-los. Existe um código de conduta informal em entrevistas que diz que você nunca deve se situar numa discussão entre um entrevistador e um artista. Você deve restringir ambos os estilos e acabar com uma conversa artificialmente formal. Fui ver o Rush novamente – só me fiz de vagamente conhecido deles alguns dias depois. Decidi que deveria beber umas cervejas comigo mesmo pra me tornar mais 'bem-vindo'. Fui cumprimentado educadamente e falamos disso e daquilo, mas inevitavelmente era somente uma pequena conversa e de algum jeito percebi que estava ficando mais e mais embaraçado. Era óbvio que eles queriam continuar no que estavam fazendo – pressão com relação ao tempo e tudo aquilo – então deixei a banda e Terry Brown com suas coisas e fui embora rapidamente".
"Lembro-me que pensava que eles eram daquele tipo de pessoas reservadas, frias e nada simpáticas e imaginava o que fazia as coisas parecerem tão desconfortáveis e não naturais", continua. "Percebi mais tarde – muito mais tarde – que o Rush coletivamente possui o mais intenso poder de concentração. Eles se aplicam numa tarefa devotando todo seu tempo e toda sua energia até que a mesma esteja completa. Disse anteriormente que foi na abertura da turnê inglesa, em fevereiro de 1977, que os conheci pela primeira vez. Mesmo os tendo visto no Advision mais de seis meses antes, ainda sinto que foi naquela turnê a primeira vez que os encontrei. No começo de agosto uma fita chegou aos escritórios da Phonogram em Londres – uma fita do novo álbum, A Farewell To Kings. Um playback dele foi arranjado, e isso era uma tradição da gravadora que permitia às pessoas que irão trabalhar no assunto a se acostumarem com o material antes do lançamento, além de permitir também observar de que maneira deverão apresentar o mesmo quando ele estiver se aproximando dos executivos da gravadora ou dos críticos. Decidimos que esta era a oportunidade ideal para dar a Geoff Barton da Sounds uma versão prévia do material. Ele foi o principal suporte do Rush na Inglaterra desde que os álbuns deles começaram a 'pingar' no país e, além disso, percebemos que se oferecêssemos a ele uma exclusividade poderíamos conseguir uma melhor e maior cobertura do lançamento. É uma tática comum das gravadoras. Porém Barton não foi encontrado. Ele estava de férias ou na estrada com alguém – ou algo do tipo. Então optamos por Pete Makowski, o segundo após Barton em termos de fanatismo pelo Rush. Ele ligou o playback na Phonogram no dia 4 de agosto, pontualmente às 6:30, e todos nos acomodamos para ouvir. O desastre estava bem perto da esquina. Um lado do tocador quebrou e infelizmente estávamos ouvindo uma versão muda, como se fosse sufocada do disco. Fui verbalmente assassinado pelo meu chefe, mas Makowski foi mais que generoso e nada fez comigo".
O álbum foi lançado mundialmente em setembro de 1977. Essa foi a primeira vez que um álbum do Rush era lançado ao mesmo tempo nos Estados Unidos e no Reino Unido. No momento do lançamento, o Rush começava outra turnê nos Estados Unidos – já na Inglaterra a Phonogram fazia o máximo para divulgar o álbum, atacando a mídia de todos os modos que poderiam imaginar.
Através de uma combinação do brilhantismo latente do álbum e do empurrão promocional, A Farewell to Kings começou a vender em quantidades inimagináveis.
Em novembro de 1977, nos Estados Unidos, três álbuns foram certificados com disco de ouro no mesmo dia: 2112, All The World’s A Stage e A Farewell to Kings. A velocidade com a qual o último foi vendido foi uma verdadeira indicação de como o Rush havia crescido nos Estados Unidos nos últimos anos.
No fim de 1977, foi anunciado que o trio faria uma turnê de dezesseis datas na Inglaterra. A procura pelos ingressos foi colossal e todos se esgotaram dois meses antes da primeira data da turnê, marcada para o Birmingham Odeon no dia 12 de fevereiro de 1978.
As apresentações na Inglaterra foram, na verdade, parte da turnê mundial A Farewell To Kings, juntamente com as norte-americanas que tiveram início em setembro de 1977. A turnê terminou em junho de 1978, finalizando um período no qual a banda atraiu mais de um milhão de espectadores em todos seus shows.
A turnê britânica foi uma das mais alarmantes, surpreendentes e reveladoras já presenciadas. A performance da banda foi consistentemente imaculada, sempre com um som claro e cristalino acompanhado de um show de luzes jamais vistos anteriormente. A iluminação foi operada pelo altamente experiente gerente de turnê do Rush, Howard Ungerleider, que já estava com eles mesmo antes de Neil se juntar à banda.
O jornalista Brian Harrigan encontrou Ungerleider pela primeira vez poucos dias antes da turnê de 1978. Os dois, juntamente com o gerente de produtor Alan Philips jantaram em um restaurante perto do Marble Arch, estudando vários problemas ou acontecimentos que eram passíveis de surgir durante a turnê.
Ungerleider, pesado no tamanho mas um verdadeiro gentleman em personalidade, contou história após história sobre sua carreira de gerente de turnê. Uma delas foi quando ele cuidava dos shows do Savoy Brown. Eles estavam em um voo doméstico nos Estados Unidos, quando Ungerlieder olhou rapidamente pela janela e avistou um par de calças voando, seguida por camisas e outros objetos. O motivo: alguém havia esquecido de bater a porta do compartimento de carga do avião e metade dos equipamentos da banda voou pelos ares.
Ungerleider nunca perde o controle por não conseguir realizar suas tarefas, considerando o grande número de equipamentos que a banda leva e a pesada responsabilidade que traz nos ombros. Mas ele sempre teve certeza que estava com boas pessoas à sua volta – particularmente o magnificamente Lurch, que tinha mais de dois metros de altura. A sina de Lurch era ter que dormir em camas meio metro menores do que ele toda vez que a banda fazia turnês fora dos Estados Unidos. Uma das grandes vantagens do gigante era que ele só tinha que dar um passo no quarto e qualquer causador de problema tomaria o dobro de cuidado, ficando quieto quase que instantaneamente.
Durante aquela turnê ficava evidente que o Rush e a equipe de roadies eram uma família feliz – piegas, mas verdadeira. Ao contrário de muitas outras bandas que poderiam ser mencionadas, Peart, Lee e Lifeson nunca pareciam impor barreiras entre eles e sua equipe de apoio. Toda a banda era infalivelmente educada em turnê. Ocasionalmente, repórteres da imprensa local poderiam falhar, como deixá-los esperando numa sala fria em algum lugar no interior de um teatro. Mesmo assim aqueles que estavam por perto não lembram de terem os visto reclamar sequer uma vez.
O mais próximo que um deles chegou ao ponto de irritação foi na ocasião em que Harrigan marcou uma série de entrevistas antes de uma apresentação. Neil participou de todas e depois sugeriu com um tom de voz quieto e racional que ele preferia participar de entrevistas depois dos shows – ele precisava de um tempo antes das apresentações para se concentrar.
Os canadenses pareciam sempre dispostos a falar sobre qualquer assunto. Em Newcastle, o repórter levou Robin Smith da Record Mirror para assistir o show e fazer uma entrevista ao final da apresentação. No hotel Holiday Inn – localizado em Wideopen – Smith se acomodou para conversar com a banda. Ele percebeu que havia muitos carrinhos de controle remoto espalhados pela sala e começou perguntando sobre eles. Logo Neil explicou que uma das ocupações favoritas do Rush era apostar corridas com aqueles carrinhos pelos palcos durante as passagens de som.
O Rush tocou duas noites no Hammersmith Odeon na turnê daquele ano, no domingo e na segunda, dias 19 e 20 de fevereiro. Um dos atrativos que a Phonogram planejou foi colocar um balão de ar quente voando sobre o Hammersmith com a palavra "Rush" escrita nele. Infelizmente o balão, pilotado por um homem chamado Mike Glue, não saiu do chão no local de lançamento no domingo. Entretanto, no dia seguinte, levantou voo.
Na segunda feira, a banda concordou em fazer uma série de entrevistas no hotel em que estavam hospedados. Um dos jornalistas a aparecer foi Miles da NME – um altamente graduado e respeitado escritor pelos parâmetros de qualquer um que fosse.
Miles foi apresentado a Peart e os dois se detiveram em discussões animadas. Um dos tópicos nos quais eles divagaram foi sobre a política filosófica do Rush e sobre a fascinação deles pelo anti coletivismo de Ayn Rand. Uma semana depois a entrevista apareceu na NME. Miles levou o Rush a ser "um pouquinho mais do que um bando de cripto-fascistas", divulgando possíveis perigos contra a desejabilidade de tal tipo de banda tocar em público.
Mais tarde, quando Peart e os demais da banda leram a reportagem, ficaram pasmos. É claro, não há dúvida que Miles escreveu do jeito que ele viu e não havia o que se questionar do trabalho finalizado, mas de qualquer maneira os resultados pareceram de fato incriminatórios.
Finalmente o tumulto encerrou-se. E, enquanto Peart ainda lembra da peça e da entrevista claramente, nunca mais falou sobre o assunto. De um modo curioso, o artigo do Miles ajudou a estabelecer a banda de algum modo. Talvez um outro caso de má propaganda – mesmo que possa soar sentimental.
Exceto esta, as reportagens tendiam a ser muito entusiastas sobre o Rush e sobre o show deles. No final das contas, era justo dizer que a banda arrebentou na Inglaterra, conseguindo arrastar mais de um milhão de pessoas.
Para ajudá-los a se estabilizar ainda mais, a Phonogram lançou um box a um preço baixo contendo os três primeiros álbuns da banda, chamado Archives. Esse lançamento atingiu uma vendagem extremamente saudável.
No fim da turnê mundial, o Rush se encontrava de volta ao seu lar no Canadá, onde foram premiados com o segundo Juno, desta vez por Melhor Grupo do Ano".
Depois de uma pequena pausa eles voltaram à Inglaterra, novamente ao Rockfield Studios, a fim de trabalhar em seu próximo disco.
FICHA TÉCNICA
Neil Peart
Drums, orchestra bells, tubular bells, temple blocks, cowbells, wind chimes, bell tree, triangle, vibra-slap
Geddy Lee
Bass guitar, twelve string guitar, Mini Moog, bass pedal synthesizer, vocals
Alex Lifeson
Six and twelve string electric guitar, six and twelve string acoustic guitar, classical guitar, bass pedal synthesizer
Produced by Rush and Terry Brown
Recorded at Rockfield Studios, Wales, June 1977
Engineered by Pat Moran and Terry Brown (Broon)
Mixed at Advision Studios, London
Engineered by Terry Brown, Assisted by Declan (not Norman!) O'Doherty and Ken Thomas
Art direction and graphics by Hugh Syme
Cover photography by Yosh Inouye
Sleeve photography by Roger Stowell
Liner photographs by Fin Costello
Design assistance by Bob King
Mastered at JAMF, Toronto by George Graves
Management by Ray Danniels, SRO Management, Inc., Toronto
Executive Production-Moon Records
Roadmaster and lighting director-Howard (Herns) Ungerleider
Concert sound engineer and effects consultant-Major Ian Grandy
Stage right technician-Liam (Elfbjörn) Birt
Stage left technician-Skip (Slider) Gildersleeve
Centre stage technician-Larry (The Saint) Allen
Stage Manager-Mike (Lurch) Hirsh Chauffeur extraordinaire-(Ms.) Jorge Hoadley
Hello and thank you to National Sound and Crew, See Factor Lighting and Crew (U.K. too!), Electrosound U.K. and Crew, Graham The Coach Driver, Alans Moore and Kearsley, all at Rockfield and Pat (Duffo) Moran, (Farewell to Kingsley), Max Websters' Dancing and Crew, the Cult and Crew, Fabrissio, The Percussion Centre, Tony (Old School Thai) Kelly, Continental Tom Berry, and all our friends in the U.K. (and everywhere!) we remember Brooklyn.
A special thank you to Dirk, Lerxst, and Pratt.
Our thanks also go out to the good people of Gibson Guitars, Rickenbacker Guitars, and Slingerland Drums for their personal help and consideration.
Dedicated to Nancy, Charlene, and Jacqueline
Mercury/Polygram, September 1977
© 1977 Mercury Records © 1977 Anthem Entertainment