MADRIGAL



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MADRIGAL

When the dragons grow too mighty
To slay with pen or sword
I grow weary of the battle
And the storm I walk toward
When all around is madness
And there's no safe port in view
I long to turn my path homeward
To stop awhile with you

When life becomes so barren
And as cold as winter skies
There's a beacon in the darkness
In a distant pair of eyes
In vain to search for order
In vain to search for truth
But these things can still be given
Your love has shown me proof
MADRIGAL

Quando os dragões crescem muito poderosos
Para matar com pena ou espada
Vou cansando da batalha
E da tempestade para a qual caminho
Quando tudo ao redor é loucura
E não há porto seguro à vista
Anseio por pegar meu caminho de casa
E parar um tempo com você

Quando a vida se torna tão estéril
E tão fria quanto os céus de inverno
Há um farol na escuridão
Em um distante par de olhos
Em vão procurar por ordem
Em vão procurar por verdade
Mas estas coisas ainda podem ser concedidas
Seu amor me deu a prova


Música por Geddy Lee e Alex Lifeson / Letra por Neil Peart


O amor que revigora contra os males da vida

A penúltima faixa de A Farewell to Kings é concisa e equilibrada "Madrigal", esta que encerra a tríade de canções mais acessíveis do disco. Pequenina e doce, consiste em uma evidente mudança de ritmo que reflete como as angústias da vida podem ser aliviadas pelo poder do amor. Certamente, outra maravilhosa e versátil letra de Neil Peart.

Sendo a menor faixa do álbum, marcando pouco mais de dois minutos e meio de extensão, "Madrigal" foi totalmente escrita no interior do País de Gales, mais precisamente no Rockfield Studios, local escolhido para a gravação do disco. A delicada peça acústica representa um momento singular, uma espécie de fôlego antes da arrebatadora conclusão da obra. Seu imaginário poético continua o evocar de sensações de tempos pretéritos, podendo ser considerada de fato a primeira balada mais intelectualizada na carreira do Rush. A construção encantadora afirma o triunfo do amor sobre as variadas formas de dor e desânimo, utilizando algumas imagens medievais proferidas por notáveis e esguias linhas vocais, estas que demonstram um tom de cansaço que sugere o esgotamento enfrentado pelos próprios integrantes, sempre longe de sua terra natal e de suas respectivas esposas. Sempre introspectiva, ela aborda o retorno a um local de paz, com alguém muito especial à espera e onde todas as turbulências são esquecidas.

"Suavizamos por um momento com essa leve balada intitulada 'Madrigal', uma canção de amor muito bem tocada de assombrosa melodia de sintetizador e bateria gravados na sala de eco", explica Peart. "Geddy traz belos vocais nessa também".

A produção vítrea de "Madrigal" oferece melodias sintetizadas imediatas, além de abundantes violões de seis cordas e sutis expressões instrumentais gerais, porém todas bastante refinadas. A combinação entre as ótimas linhas de baixo, bateria pontual e guitarras cintilantes reforçam a grande capacidade da banda em se manter eficaz em inúmeros níveis.

Madrigal é um gênero musical profano (ou seja, que não segue às tradições religiosas ou cúlticas da intelectualidade humana) surgido na Europa entre os séculos XIII e XVI, geralmente abordando assuntos heroicos, pastoris contemplativos e até mesmo libertinos. Pela flexibilidade que nenhuma outra forma musical havia oferecido aos músicos até então, assim como pela variedade dos textos sobre os quais se constrói, ele favorecia enormemente a imaginação criadora e o lirismo de expressão. Juntamente com outras formas musicais que utilizavam o canto, o madrigal acaba levando à origem da ópera.

Os madrigais começaram a ser cantados na região da Itália no fim do século XIII, difundindo-se pelo continente no século XVI e influenciando a maioria das invenções musicais da época. Os madrigalistas da segunda metade do século XVI foram particularmente engenhosos com os chamados madrigalismos, passagens nas quais a música aplicada a uma determinada palavra expressa o seu sentido (por exemplo, atribuindo à palavra 'riso' uma passagem de notas rápidas como numa gargalhada, ou à palavra 'suspiro' uma nota que recai em outra inferior). Além disso, construía efeitos de eco e contraponto, fazendo corresponder a palavras monossilábicas e notas musicais, utilizando notas semínimas ou mínimas para exprimir sentimentos de tristeza ou alegria e compondo melodias ascendentes que poderiam corresponder à palavra 'céu', fazendo-a descer para abarcar a palavra 'profundo'. Essa técnica, também chamada de pintura musical ou música visual, pode ser encontrada não apenas em madrigais, mas em outras músicas vocais desse período.

A origem do termo madrigal é interessantemente controversa, assim como vários outros da linguagem musical que assumem diversos significados com o passar do tempo. Hoje ele pode indicar, inclusive, um pequeno conjunto vocal dedicado à prática da música coral sem acompanhamento instrumental. Alguns autores defendem o termo mandra (rebanho em italiano) como o definidor da palavra, referindo-se aos textos que tratam de assuntos pastoris. Para outros, indica poesias cantadas na língua materna, matriz ou matricália (diferentemente do que era a prática erudita até o começo do século XIII, quando o latim era a língua oficial). Provavelmente, o significado de madrigal esteja mais próximo dessa definição: textos cantados na língua nativa.

Já o chamado madrigal poético do cinquecento deve seu estilo ao intelectual italiano Francesco Petrarca (1304 - 1374). A expressão musical em voga, a frotolla, não possuía o requinte musical equivalente aos novos textos do período. Dessa forma, os compositores começaram a buscar uma maneira de representar musicalmente suas principais ideias e sentimentos, o que levou a uma construção musical independente da forma do poema. Na poesia italiana do século XVI havia duas correntes essenciais: uma dita Petrarquiana e outra inspirada no poeta Francesco Berni (1497 - 1535) chamada de Bernesca. A primeira era empregada para exprimir grandes sentimentos líricos e ideias de forte conteúdo emocional com vocabulário seleto, pondo um linguagem refinada a serviço de sensações rebuscadas; a segunda era utilizada para os temas de inspiração prazerosa, marcados por uma utilidade realista e até mesmo grotesca. Essas duas tendências estão presentes também na música polifônica profana da época e atravessam a escrita musical continua e ornamentada do madrigal. Disseminado por toda a Europa, este assumiu cada vez mais características dramáticas, principalmente na Itália, dando espaço às mais diferentes experimentações musicais.

As primeiras linhas da canção são baseadas na famosa frase "The pen is mightier than the sword" ("A pena é mais poderosa que a espada"), cunhada pelo autor inglês Edward Bulwer-Lytton (1803-1873) em sua peça Richelieu; Or the Conspiracy de 1839, obra que retrata a vida do estadista francês Cardeal de Richelieu, primeiro-ministro de Luís XIII. Trata-se de um ditado metonímico indicando que a comunicação ou o poder administrativo são ferramentas mais eficazes do que a violência direta.

"Madrigal", portanto, é outra rica e marcante canção de A Farewell to Kings. Por mais que a vida se torne obscura, exaustiva e desanimadora, se há algum amor nos esperando, isso é tudo o que importa.

© 2014 Rush Fã-Clube Brasil

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