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MADRIGAL CYGNUS X-1 BOOK I: THE VOYAGE CYGNUS X-1 BOOK II: HEMISPHERES
CYGNUS X-1
"Book One - The Voyage"
Prologue (5:01)
In the constellation of Cygnus
There lurks a mysterious, invisible force
The Black Hole
Of Cygnus X-1
Six Stars of the Northern Cross
In mourning for their sister's loss
In a final flash of glory
Nevermore to grace the night...
1 (0:45)
Invisible
To telescopic eye
Infinity
The star that would not die
All who dare
To cross her course
Are swallowed by
A fearsome force
Through the void
To be destroyed
Or is there something more?
Atomized - at the core
Or through the Astral Door -
To soar...
2 (1:34)
I set a course just east of Lyra
And northwest of Pegasus
Flew into the light of Deneb
Sailed across the Milky Way
On my ship, the 'Rocinante'
Wheeling through the galaxies,
Headed for the heart of Cygnus
Headlong into mystery
The x-ray is her siren song
My ship cannot resist her long
Nearer to my deadly goal
Until the Black Hole -
Gains control...
3 (3:05)
Spinning, whirling,
Still descending
Like a spiral sea,
Unending
Sound and fury
Drowns my heart
Every nerve
Is torn apart....
To be continued
"Book One - The Voyage"
Prologue (5:01)
In the constellation of Cygnus
There lurks a mysterious, invisible force
The Black Hole
Of Cygnus X-1
Six Stars of the Northern Cross
In mourning for their sister's loss
In a final flash of glory
Nevermore to grace the night...
1 (0:45)
Invisible
To telescopic eye
Infinity
The star that would not die
All who dare
To cross her course
Are swallowed by
A fearsome force
Through the void
To be destroyed
Or is there something more?
Atomized - at the core
Or through the Astral Door -
To soar...
2 (1:34)
I set a course just east of Lyra
And northwest of Pegasus
Flew into the light of Deneb
Sailed across the Milky Way
On my ship, the 'Rocinante'
Wheeling through the galaxies,
Headed for the heart of Cygnus
Headlong into mystery
The x-ray is her siren song
My ship cannot resist her long
Nearer to my deadly goal
Until the Black Hole -
Gains control...
3 (3:05)
Spinning, whirling,
Still descending
Like a spiral sea,
Unending
Sound and fury
Drowns my heart
Every nerve
Is torn apart....
To be continued
CYGNUS X-1
"Livro Um - A Viagem"
Prólogo
Na constelação de Cygnus
Há uma misteriosa força invisível à espreita
O Buraco Negro
De Cygnus X-1
Seis estrelas do Cruzeiro do Norte
Em luto pela perda de sua irmã
Em um lampejo final de glória
Para nunca mais agraciar a noite...
1
Invisível
Para o olho telescópio
Infinita
A estrela que não morreria
Todos que se atrevem
A cruzar seu curso
São engolidos por
Uma força assustadora
Através do vácuo
Serão destruídos
Ou há algo mais?
Pulverizados - no núcleo
Ou através do Portal Astral -
A planar...
2
Tracei o curso à leste de Lyra
E à noroeste de Pegasus
Voei na luz de Deneb
Atravessei a Via Láctea
Na minha nave, a 'Rocinante'
Rodando através das galáxias,
Rumei para o coração de Cygnus
Impetuosamente para o mistério
O raio-x é seu canto da sereia
Minha nave não pode resisti-lo por muito tempo
Mais próximo do meu objetivo mortal
Até o Buraco Negro -
Tomar o controle...
3
Girando, rodopiando
Ainda descendo
Como um mar em espiral,
Interminável
Som e fúria
Afogam meu coração
Cada nervo
É dilacerado....
Continua
"Livro Um - A Viagem"
Prólogo
Na constelação de Cygnus
Há uma misteriosa força invisível à espreita
O Buraco Negro
De Cygnus X-1
Seis estrelas do Cruzeiro do Norte
Em luto pela perda de sua irmã
Em um lampejo final de glória
Para nunca mais agraciar a noite...
1
Invisível
Para o olho telescópio
Infinita
A estrela que não morreria
Todos que se atrevem
A cruzar seu curso
São engolidos por
Uma força assustadora
Através do vácuo
Serão destruídos
Ou há algo mais?
Pulverizados - no núcleo
Ou através do Portal Astral -
A planar...
2
Tracei o curso à leste de Lyra
E à noroeste de Pegasus
Voei na luz de Deneb
Atravessei a Via Láctea
Na minha nave, a 'Rocinante'
Rodando através das galáxias,
Rumei para o coração de Cygnus
Impetuosamente para o mistério
O raio-x é seu canto da sereia
Minha nave não pode resisti-lo por muito tempo
Mais próximo do meu objetivo mortal
Até o Buraco Negro -
Tomar o controle...
3
Girando, rodopiando
Ainda descendo
Como um mar em espiral,
Interminável
Som e fúria
Afogam meu coração
Cada nervo
É dilacerado....
Continua
O primeiro livro de uma aventura que perpassa dimensões
A sexta e última faixa de A Farewell To Kings é "Cygnus X-1 Book I: The Voyage". Enquanto as cinco primeiras canções lidavam de certa forma com cenários e elementos de dias passados, o último empreendimento desse trabalho leva o ouvinte ao futuro em um piscar de olhos, retratando uma intensa aventura sci-fi.
Afastados o ambiente urbano, o Rush concebe seu quinto álbum com marcante roupagem geral pastoril, mas, ao mesmo tempo, soando bastante poderoso. De forma surpreendente, eles ainda conseguiriam espaço para mais uma de suas faixas épicas tradicionais, contando a história de um piloto que se atreve a ingressar em uma viagem apavorante com sua nave espacial para o buraco negro Cygnus X-1. Com pouco mais de 10 minutos, a construção, que também traz Peart não somente como compositor da letra, mas também da música (ao lado de Geddy e Alex), se debruça na astronomia, inspirada por um artigo da revista norte-americana Time que tratava sobre buracos negros e suas origens, que levou o letrista a pesquisar mais sobre o assunto. Conforme descobria novas informações, o conceito para uma composição tomou forma. A criação seria a primeira parte de um épico que a banda já pretendia continuar em seu próximo disco de estúdio, representando, portanto, uma fantástica odisseia espacial. "A canção é dolorosa, obscura e pesada. É muito variada", diz Neil.
"Li um artigo da revista Time tratando do mesmo tema, mas com outro ponto de vista", ele continua. "Buracos Negros são como glóbulos formados por poeira, gás e partículas que por fim podem se tornar uma estrela. Há teorias variantes sobre Cygnus X-1. Minha favorita é que se trata de uma rachadura em nossa dimensão, em nosso universo, em nosso plano, e que nos leva a algo diferente".
"O álbum é muito variado, e ainda estamos na ficção científica", reconhece Geddy. "Há um épico do gênero chamado 'Cygnus X-1', e sua raiz veio da Time. Neil estava lendo uma edição que falava sobre buracos negros e sua origem aproximada, decidindo construir uma música em torno disso".
"Acho que a ficção científica, no seu melhor, é uma abertura para a imaginação. Não há limites", conclui o baterista.
"Cygnus X-1" se desenvolve ao longo de três seguimentos. A marcante introdução define o tema e o ritmo, lentamente revelando a história e construindo o objetivo lírico e musical. O seguimento dois, bastante atraente e interessante, documenta elementos significativos da viagem para o temível e misterioso buraco negro, além dos primeiros impactos do poder devastador que se aproxima. O terceiro e último seguimento mergulha, portanto, em todo o inferno dessa insana experiência, deixando no ar um incrível e instigante questionamento. Novamente, o Rush se apresenta em uma forma artística estupenda e, maravilhosamente, ainda crescente.
Prologue (0:00 - 5:01 / Total: 5:01)
O trecho inicial é o mais longo da canção, marcando pouco mais de cinco minutos. O título, pelo latim prologos - "aquilo que se diz antes", é um termo originalmente utilizado na tragédia grega que se refere à parte anterior à entrada do coro e da orquestra, na qual se enuncia o tema da peça. Narrada introdutoriamente pelo produtor Terry Brown, "Prologue" apresenta o tema proposto de forma perturbadoramente intrigante. Com um show de sintetizadores característicos do space rock, a paisagem sonora eletrônica e dissonante relata uma misteriosa força existente na constelação de Cygnus, e toque fantástico se inicia indicando a existência de estrelas em luto pela perda de uma de suas irmãs, que se apagara.
"As vozes em 'The Necromancer' e 'Grand Finale' foram feitas por nós, enquanto Terry Brown fez as de 'Cygnus'", explica Neil. "Os efeitos foram criados utilizando delays digitais, flanging e, quem sabe, tudo isso junto!"
"Para obter o som único que eles queriam para esse épico futurista, dedicamos um dia inteiro no Rockfield Studios, País de Gales, buscando esses efeitos especiais, coisa que não poderíamos apenas tirar do chapéu", explica o produtor Terry Brown. "Estávamos numa grande confusão. Alex teve que ligar sua guitarra em vários pedais, e esses estavam conectados a um monte de unidades digitais na sala de controle. Acabamos desenvolvendo nossas ideias com tape loops e um monte de sons diferentes".
Um marcante riff de baixo fortemente sincopado surge gradativamente, com a banda logo se unindo aos efeitos sonoros iniciais. Tempos alternados e complexos, densidade, ataques instrumentais desafiadores – o ouvinte, à essa altura, já está inteiramente inserido no cenário obscuro e amedrontador da composição.
Em "Prologue", temos a apresentação de Cygnus X-1, um buraco negro de massa estelar, classe que nasce a partir do colapso de uma estrela massiva. Essa estrutura localiza-se na constelação de Cygnus (Cisne em grego), uma das mais destacadas do céu setentrional, ou seja, no hemisfério norte celeste. Ao observar a obra Uranographia (1690) do astrônomo polonês Johannes Hevelius (1611 - 1687), o conjunto de estrelas brilhantes em Cygnus sugere o contorno de um cisne, tradicionalmente representado voando para o Sul, descendo a Via Láctea. Segundo mitos, estes que apresentam algumas variações, o cisne foi um disfarce adotado pelo deus grego Zeus para uma de suas seduções ilícitas. As principais estrelas dessa constelação também delineiam uma grande cruz, sendo também usualmente conhecida por Cruzeiro ou Cruz do Norte.
Simplificadamente, um buraco negro é um corpo celeste extremamente denso, ou seja, de massa muito grande para o espaço que ocupa, resultando em um campo gravitacional tão forte do qual nem a luz pode escapar. O buraco negro ocorre, por exemplo, quando uma estrela não possui mais pressão suficiente para produzir uma força para fora que contrabalance com o peso de suas camadas externas. Essas, portanto, caem sobre as camadas interiores, produzindo uma implosão que dá origem ao fenômeno. Sendo praticamente invisíveis, estes podem ser detectados a partir da análise de sua interação com a matéria vizinha, exercendo sua força gravitacional sobre os corpos ao redor, movimentando-os.
O prólogo falado e distorcido está imerso em texturas de sons eletrônicos que ressoam ruídos similares a sinos, estes que representam na canção algumas das atividades do próprio buraco negro - os mesmos elementos retornarão após a nave do protagonista alcançar seu objetivo. Outros fatos interessantes a serem ressaltados são as escalas incomuns que incitam os cenários espaciais e de suspense, deflagradas aos 3:30, 6:34 e 7:03. Conhecidas como double harmonic major ou Ahava Rabba, são utilizadas principalmente na música de várias culturas orientais, trazendo medidas anormalmente amplas (com segundos aumentados).
1 (5:02 - 5:47 / Total: 0:45)
O breve trecho "1" lança a inquietante questão: Haveria algo além de Cygnus X-1? Seria possível, de alguma forma, triunfar sobre o seu gigantesco poder? Nesse momento, já fica nítido o que os canadenses buscavam descrever e provocar com sua fantástica peça: sensações de muito mistério, suspense e aventura. Pontualmente, temos a acertada afirmação da dificuldade de detecção e comprovação dos buracos negros, além da exposição de teorias sobre o que aconteceria se um corpo conseguisse mergulhar em seu interior.
Existem muitas controvérsias na comunidade científica em torno da origem e estrutura desses corpos monstruosos e misteriosos, que refletem pontos de infinita intensidade de difícil compreensão para a mente humana. Sendo sua gravidade tão devastadora, certamente nada poderia resistir nele. Dessa forma, sua nomenclatura é, de fato, a única a descrevê-lo satisfatoriamente.
O questionamento final desse trecho é baseado na ideia de que, mesmo estranha, a presença de buracos negros no núcleo das galáxias seja talvez uma definitiva característica das mesmas. Estudos revelam que muitas das galáxias estudadas, das milhares existentes, trazem um buraco negro em seus núcleos. Dessa forma, estes podem estar diretamente ligados aos surgimentos das próprias galáxias.
Os buracos negros influenciam profundamente o que está ao seu redor. Eles expelem enormes jatos que se movem quase que na velocidade da luz, impondo ondas de choque no ambiente próximo e mudando tudo o que os cerca, inclusive sendo os responsáveis pela própria expansão das galáxias. Em galáxias menores, a violência de suas zonas de propulsão espalham elementos pesados gerados nos núcleos, preparando o cenário para a formação de novos sistemas solares. Os buracos negros, portanto, também são atores no palco galáctico, e um deles pode ter ajudado a criar o próprio sistema solar em que vivemos.
Os buracos negros representam uma sombra secreta por trás da dança das galáxias. Distorcem nuvens de gás e lançam estrelas através do espaço, gerando campos de energia que acabariam com qualquer forma de vida em suas proximidades. Tratam-se de presenças sombrias que há muito tempo explodiram, dando forma ao universo que conhecemos.
2 (5:48 - 8:09 / Total: 2:21)
O trecho "2" tem início de maneira cativante, com uma momentaneamente acessível melodia hard rock que documenta o início da jornada ao temível buraco negro. A bordo da nave Rocinante, o trajeto do herói pela Via Láctea é descrito por Peart de forma impecável, onde viajamos através do espaço entre as estrelas até o mergulho em Cygnus X-1. Com uma excelente descrição de localização, a constelação de Cygnus está situada exatamente a leste da constelação de Lyra, e a noroeste de Pegasus. Cygnus é formada por várias estrelas brilhantes e muitos objetos celestes, e Alpha Cygni, mais conhecida como Deneb (árabe para cauda), localizada no chamado 'topo' da cruz ou na 'cauda' do cisne, é a estrela mais brilhante da constelação, apesar de estar cerca de trinta vezes mais longe da Terra do que as demais.
O cenário musical é rapidamente mergulhado em movimentos de grande dramaticidade, que seguem acompanhando perfeitamente o desenrolar dos eventos. Buracos negros são circundados por nuvens de gás extremamente quentes, havendo raios-x, raios ultravioleta, estrelas se chocando umas com as outras, enfim, um ambiente extremamente hostil.
Nesse trecho algumas pequenas influências literárias são utilizadas. Rocinante, o nome da nave do protagonista, era o nome do cavalo de Dom Quixote (1605), famosa obra de Miguel de Cervantes (1547-1616). Este termo também foi utilizado pelo escritor norte-americano John Steinbeck (1902-1968), em seu livro Travels With Charley: In Search of America, de 1962.
"Rocinante era o nome do cavalo de Dom Quixote, e também o nome do caminhão em Travels With Charley. Apenas gostei, e isso é tudo", explica o letrista. "Nunca havia sido um nerd sci-fi - não assistia Star Trek ou lia ficção científica - mas quando morava na Inglaterra, estava bem duro e não tinha dinheiro para comprar livros. Então, ao vasculhar o armário onde morava, encontrei um monte de títulos sci-fi. Isso me reintroduziu ao gênero e me fez perceber que nem tudo eram apenas números e circuitos integrados, atualizando minha ideia do que o estilo era e me levando para a fantasia. Eu tinha um lote inteiro dessas leituras naquele momento, me tornando um jovem interessado em fantasia, ficção científica e universos alternativos. Isso era tudo em minhas leituras, e naturalmente refletiram em minhas letras".
Assim como no trecho "No One at the Bridge", da faixa "The Fountain of Lamneth" (álbum Caress of Steel, de 1975), a frase "The x-ray is her siren song" (O raio-x é seu canto da sereia) foi inspirada no poema épico A Odisséia, de Homero, (~900 A.C.). Na obra, o herói Odisseu, para evitar aproximação com as sereias sedutoras, utilizou cera nos ouvidos de seus marinheiros e amarrou-se no mastro de seu navio a fim de poder ouvi-las sem conseguir se aproximar. Porém, aqui é o raio-x emanado de Cygnus X-1 atrai a Rocinante para si. À medida que o piloto se aproxima, torna-se cada vez mais difícil controlar a nave, e ela acaba sendo puxada pela terrível força de sua gravidade.
Por fim, o protagonista mergulha descontroladamente com sua nave no buraco negro. Essa seção contém um solo incrivelmente perturbador com wah-wah de Lifeson que, ao lado de um instrumental agora terrivelmente intenso, ajuda a traduzir todo furor e terror do momento. As escalas incomuns, que ressurgem aos 6:34, sugerem a representação da sucção da nave pelo imenso campo gravitacional, e os vocais de Geddy expressam com maestria essa gigantesca queda.
3 (8:10 - 10:26 / Total: 2:16)
A parte "3" finaliza a canção, retratando de forma precisa a intensidade imposta à nave que acabara de ser sugada pela estrondosa força do buraco negro. Toda tensão e adrenalina imagináveis são inacreditavelmente representadas por um instrumental pesadíssimo, idealizado pela magnífica genialidade dos três músicos. Os vocais de Geddy estão definitivamente atordoantes, nunca antes mostrados com tamanho poder.
A ação do buraco negro é fortemente transmitida, com a percussão e os demais instrumentos trabalhando o suficiente para expressar uma atmosfera terrivelmente amedrontadora. O viajante, portanto, mergulha com sua nave em direção ao coração da estrela morta.
Sendo um corpo que devora tudo ao seu alcance e que também expele energia, o buraco negro, ao receber matéria, faz com que a mesma caia em uma espiral ao redor de um disco, como água em um ralo, e a velocidade que a mesma pode atingir em seu interior aproxima-se da velocidade da luz. Dessa forma, um redemoinho de matéria em alta velocidade envolve o buraco negro, criando um poderoso campo magnético que arremessa enormes volumes de gases para fora, produzindo um fluxo de materiais centenas de milhões de vezes maiores que o poder do Sol, expelido para fora da galáxia.
Sua ação sobre a nave seria como um caiaque contra a correnteza de um rio - tudo é arrastado para seu centro. A gravidade se torna um turbilhão, e quanto mais perto dele mais forte é a corrente. Finalmente atinge-se o chamado horizonte de eventos, popularmente conhecido com o ponto de não-retorno, uma fronteira teórica ao redor da estrutura, um ponto sem volta. Nesse campo ocorre um paradoxo no qual as leis da física não podem ser diretamente aplicadas, uma vez que resultam em absurdos matemáticos. A matéria é sugada e destruída no centro, em uma região de infinita distorção do tempo e espaço, desintegrando-se. Considerando um corpo humano entrando em um buraco negro, a sensação seria de que algo estivesse rasgando-o. A força atrativa é cada vez mais forte, à medida que excede as forças moleculares que mantém o corpo, com todos os átomos por fim sendo separados.
O mergulho em um buraco negro, segundo equações do físico Albert Einstein (1879 - 1955), mostra em seu núcleo um horizonte emaranhado de luz e energia. Esse traz um flash de luz brilhante e infinita que está presa e que não consegue sair, que facilmente transformaria um corpo em vapor. Todavia esse não seria, de fato, o fim da jornada. As previsões de Einstein dão conta de uma passagem se abre, um túnel no espaço e no tempo chamado Wormhole (Buraco de Minhoca) – que levaria a uma porta conhecida como buraco branco, com a lógica da gravidade extrema indo em sentido oposto. Ao invés de ser sugado, o corpo aqui seria catapultado. Na ficção cientifica, os buracos de minhoca oferecem ótimas rotas de escape para outros universos. Porém, o interior de um buraco negro é muito caótico e violento para que um buraco de minhoca chegue a se formar.
Outro símbolo da alteridade em "Cygnus X-1" é a série de acordes estranhamente independentes (de 3:20 a 4:54) que representam o interior do buraco, tornando-se claro o retorno dessa visão na parte "3 (em 8:33), da mesma forma que ocorre com os vocais de Geddy, cantados em uma faixa de afinação verdadeiramente desumana para descrever a descida e a dissolução do protagonista. A seção clímax do "Livro Um" descreve a Rocinante girando fora de controle, com o corpo do piloto sendo totalmente pulverizado. Porém, em sua busca pelo desconhecido momentaneamente encerrada, ele ainda faria valer a pena o esforço insano.
Por fim, a linha "sound and fury" ("som e fúria") é inspirada no famoso solilóquio de Macbeth, tragédia do poeta e dramaturgo inglês William Shakespeare (1564 - 1616), utilizada também pelo escritor norte-americano William Faulkner (1897 - 1962) como título de seu romance mais famoso. O trecho da obra de Shakespeare parece indicar os desdobramentos que estariam por vir nessa grande produção do Rush:
"Amanhã, e amanhã, e ainda outro amanhã
Arrastam-se nessa passada trivial do dia para a noite, da noite para o dia,
Até a última sílaba do registro dos tempos.
E todos os nossos ontens não fizeram mais que iluminar para os tolos
o caminho que leva ao pó da morte. Apaga-te, apaga-te, chama breve!
A vida não passa de uma sombra que caminha, um pobre ator
Que se pavoneia e se aflige sobre o palco –
Faz isso por uma hora e, depois, não se escuta mais sua voz.
É uma história contada por um idiota, cheia de som e fúria
E vazia de significado".
"Cygnus X-1 - Book One: The Voyage" não é somente uma canção – é, certamente, uma forte experiência. Com o cessar de todo o caos, que de forma sutil dá lugar a diminutos acordes repetidos e a quase imperceptíveis batimentos cardíacos, nos perguntamos: o herói sobrevivera? Conseguiríamos conhecer o improvável além de Cygnus X-1? A pequena indicação 'To be continued' revelaria que ainda há vida, e que o desafio, de certa forma, foi surpreendentemente vencido.
© 2014 Rush Fã-Clube Brasil
TELLERIA, R. Merely Players Tribute. Quarry Music Books, 2002.
BANASIEWICZ, B. Rush Visions: The Official Biography. Omnibus Press, 1987.
KLIMAN, B.; SANTOS, R. "Latin American Shakespeares". Madison: Fairleigh Dickinson University Press, 2005.
VIÉGAS-FARIA, B. "Macbeth". L&PM, 2000.
MOURÃO, R. "À procura dos buracos negros". Revista Superinteressante, 1988.
ESA - Space Science. "Observations: Seeing In X-Ray Wavelengths". November, 2004.
NATIONAL GEOGRAPHIC, "O Monstro da Via Láctea". NGC Europe Limited.
Afastados o ambiente urbano, o Rush concebe seu quinto álbum com marcante roupagem geral pastoril, mas, ao mesmo tempo, soando bastante poderoso. De forma surpreendente, eles ainda conseguiriam espaço para mais uma de suas faixas épicas tradicionais, contando a história de um piloto que se atreve a ingressar em uma viagem apavorante com sua nave espacial para o buraco negro Cygnus X-1. Com pouco mais de 10 minutos, a construção, que também traz Peart não somente como compositor da letra, mas também da música (ao lado de Geddy e Alex), se debruça na astronomia, inspirada por um artigo da revista norte-americana Time que tratava sobre buracos negros e suas origens, que levou o letrista a pesquisar mais sobre o assunto. Conforme descobria novas informações, o conceito para uma composição tomou forma. A criação seria a primeira parte de um épico que a banda já pretendia continuar em seu próximo disco de estúdio, representando, portanto, uma fantástica odisseia espacial. "A canção é dolorosa, obscura e pesada. É muito variada", diz Neil.
"Li um artigo da revista Time tratando do mesmo tema, mas com outro ponto de vista", ele continua. "Buracos Negros são como glóbulos formados por poeira, gás e partículas que por fim podem se tornar uma estrela. Há teorias variantes sobre Cygnus X-1. Minha favorita é que se trata de uma rachadura em nossa dimensão, em nosso universo, em nosso plano, e que nos leva a algo diferente".
"O álbum é muito variado, e ainda estamos na ficção científica", reconhece Geddy. "Há um épico do gênero chamado 'Cygnus X-1', e sua raiz veio da Time. Neil estava lendo uma edição que falava sobre buracos negros e sua origem aproximada, decidindo construir uma música em torno disso".
"Acho que a ficção científica, no seu melhor, é uma abertura para a imaginação. Não há limites", conclui o baterista.
"Cygnus X-1" se desenvolve ao longo de três seguimentos. A marcante introdução define o tema e o ritmo, lentamente revelando a história e construindo o objetivo lírico e musical. O seguimento dois, bastante atraente e interessante, documenta elementos significativos da viagem para o temível e misterioso buraco negro, além dos primeiros impactos do poder devastador que se aproxima. O terceiro e último seguimento mergulha, portanto, em todo o inferno dessa insana experiência, deixando no ar um incrível e instigante questionamento. Novamente, o Rush se apresenta em uma forma artística estupenda e, maravilhosamente, ainda crescente.
Prologue (0:00 - 5:01 / Total: 5:01)
O trecho inicial é o mais longo da canção, marcando pouco mais de cinco minutos. O título, pelo latim prologos - "aquilo que se diz antes", é um termo originalmente utilizado na tragédia grega que se refere à parte anterior à entrada do coro e da orquestra, na qual se enuncia o tema da peça. Narrada introdutoriamente pelo produtor Terry Brown, "Prologue" apresenta o tema proposto de forma perturbadoramente intrigante. Com um show de sintetizadores característicos do space rock, a paisagem sonora eletrônica e dissonante relata uma misteriosa força existente na constelação de Cygnus, e toque fantástico se inicia indicando a existência de estrelas em luto pela perda de uma de suas irmãs, que se apagara.
"As vozes em 'The Necromancer' e 'Grand Finale' foram feitas por nós, enquanto Terry Brown fez as de 'Cygnus'", explica Neil. "Os efeitos foram criados utilizando delays digitais, flanging e, quem sabe, tudo isso junto!"
"Para obter o som único que eles queriam para esse épico futurista, dedicamos um dia inteiro no Rockfield Studios, País de Gales, buscando esses efeitos especiais, coisa que não poderíamos apenas tirar do chapéu", explica o produtor Terry Brown. "Estávamos numa grande confusão. Alex teve que ligar sua guitarra em vários pedais, e esses estavam conectados a um monte de unidades digitais na sala de controle. Acabamos desenvolvendo nossas ideias com tape loops e um monte de sons diferentes".
Um marcante riff de baixo fortemente sincopado surge gradativamente, com a banda logo se unindo aos efeitos sonoros iniciais. Tempos alternados e complexos, densidade, ataques instrumentais desafiadores – o ouvinte, à essa altura, já está inteiramente inserido no cenário obscuro e amedrontador da composição.
Em "Prologue", temos a apresentação de Cygnus X-1, um buraco negro de massa estelar, classe que nasce a partir do colapso de uma estrela massiva. Essa estrutura localiza-se na constelação de Cygnus (Cisne em grego), uma das mais destacadas do céu setentrional, ou seja, no hemisfério norte celeste. Ao observar a obra Uranographia (1690) do astrônomo polonês Johannes Hevelius (1611 - 1687), o conjunto de estrelas brilhantes em Cygnus sugere o contorno de um cisne, tradicionalmente representado voando para o Sul, descendo a Via Láctea. Segundo mitos, estes que apresentam algumas variações, o cisne foi um disfarce adotado pelo deus grego Zeus para uma de suas seduções ilícitas. As principais estrelas dessa constelação também delineiam uma grande cruz, sendo também usualmente conhecida por Cruzeiro ou Cruz do Norte.
Simplificadamente, um buraco negro é um corpo celeste extremamente denso, ou seja, de massa muito grande para o espaço que ocupa, resultando em um campo gravitacional tão forte do qual nem a luz pode escapar. O buraco negro ocorre, por exemplo, quando uma estrela não possui mais pressão suficiente para produzir uma força para fora que contrabalance com o peso de suas camadas externas. Essas, portanto, caem sobre as camadas interiores, produzindo uma implosão que dá origem ao fenômeno. Sendo praticamente invisíveis, estes podem ser detectados a partir da análise de sua interação com a matéria vizinha, exercendo sua força gravitacional sobre os corpos ao redor, movimentando-os.
O prólogo falado e distorcido está imerso em texturas de sons eletrônicos que ressoam ruídos similares a sinos, estes que representam na canção algumas das atividades do próprio buraco negro - os mesmos elementos retornarão após a nave do protagonista alcançar seu objetivo. Outros fatos interessantes a serem ressaltados são as escalas incomuns que incitam os cenários espaciais e de suspense, deflagradas aos 3:30, 6:34 e 7:03. Conhecidas como double harmonic major ou Ahava Rabba, são utilizadas principalmente na música de várias culturas orientais, trazendo medidas anormalmente amplas (com segundos aumentados).
1 (5:02 - 5:47 / Total: 0:45)
O breve trecho "1" lança a inquietante questão: Haveria algo além de Cygnus X-1? Seria possível, de alguma forma, triunfar sobre o seu gigantesco poder? Nesse momento, já fica nítido o que os canadenses buscavam descrever e provocar com sua fantástica peça: sensações de muito mistério, suspense e aventura. Pontualmente, temos a acertada afirmação da dificuldade de detecção e comprovação dos buracos negros, além da exposição de teorias sobre o que aconteceria se um corpo conseguisse mergulhar em seu interior.
Existem muitas controvérsias na comunidade científica em torno da origem e estrutura desses corpos monstruosos e misteriosos, que refletem pontos de infinita intensidade de difícil compreensão para a mente humana. Sendo sua gravidade tão devastadora, certamente nada poderia resistir nele. Dessa forma, sua nomenclatura é, de fato, a única a descrevê-lo satisfatoriamente.
O questionamento final desse trecho é baseado na ideia de que, mesmo estranha, a presença de buracos negros no núcleo das galáxias seja talvez uma definitiva característica das mesmas. Estudos revelam que muitas das galáxias estudadas, das milhares existentes, trazem um buraco negro em seus núcleos. Dessa forma, estes podem estar diretamente ligados aos surgimentos das próprias galáxias.
Os buracos negros influenciam profundamente o que está ao seu redor. Eles expelem enormes jatos que se movem quase que na velocidade da luz, impondo ondas de choque no ambiente próximo e mudando tudo o que os cerca, inclusive sendo os responsáveis pela própria expansão das galáxias. Em galáxias menores, a violência de suas zonas de propulsão espalham elementos pesados gerados nos núcleos, preparando o cenário para a formação de novos sistemas solares. Os buracos negros, portanto, também são atores no palco galáctico, e um deles pode ter ajudado a criar o próprio sistema solar em que vivemos.
Os buracos negros representam uma sombra secreta por trás da dança das galáxias. Distorcem nuvens de gás e lançam estrelas através do espaço, gerando campos de energia que acabariam com qualquer forma de vida em suas proximidades. Tratam-se de presenças sombrias que há muito tempo explodiram, dando forma ao universo que conhecemos.
2 (5:48 - 8:09 / Total: 2:21)
O trecho "2" tem início de maneira cativante, com uma momentaneamente acessível melodia hard rock que documenta o início da jornada ao temível buraco negro. A bordo da nave Rocinante, o trajeto do herói pela Via Láctea é descrito por Peart de forma impecável, onde viajamos através do espaço entre as estrelas até o mergulho em Cygnus X-1. Com uma excelente descrição de localização, a constelação de Cygnus está situada exatamente a leste da constelação de Lyra, e a noroeste de Pegasus. Cygnus é formada por várias estrelas brilhantes e muitos objetos celestes, e Alpha Cygni, mais conhecida como Deneb (árabe para cauda), localizada no chamado 'topo' da cruz ou na 'cauda' do cisne, é a estrela mais brilhante da constelação, apesar de estar cerca de trinta vezes mais longe da Terra do que as demais.
O cenário musical é rapidamente mergulhado em movimentos de grande dramaticidade, que seguem acompanhando perfeitamente o desenrolar dos eventos. Buracos negros são circundados por nuvens de gás extremamente quentes, havendo raios-x, raios ultravioleta, estrelas se chocando umas com as outras, enfim, um ambiente extremamente hostil.
Nesse trecho algumas pequenas influências literárias são utilizadas. Rocinante, o nome da nave do protagonista, era o nome do cavalo de Dom Quixote (1605), famosa obra de Miguel de Cervantes (1547-1616). Este termo também foi utilizado pelo escritor norte-americano John Steinbeck (1902-1968), em seu livro Travels With Charley: In Search of America, de 1962.
"Rocinante era o nome do cavalo de Dom Quixote, e também o nome do caminhão em Travels With Charley. Apenas gostei, e isso é tudo", explica o letrista. "Nunca havia sido um nerd sci-fi - não assistia Star Trek ou lia ficção científica - mas quando morava na Inglaterra, estava bem duro e não tinha dinheiro para comprar livros. Então, ao vasculhar o armário onde morava, encontrei um monte de títulos sci-fi. Isso me reintroduziu ao gênero e me fez perceber que nem tudo eram apenas números e circuitos integrados, atualizando minha ideia do que o estilo era e me levando para a fantasia. Eu tinha um lote inteiro dessas leituras naquele momento, me tornando um jovem interessado em fantasia, ficção científica e universos alternativos. Isso era tudo em minhas leituras, e naturalmente refletiram em minhas letras".
Assim como no trecho "No One at the Bridge", da faixa "The Fountain of Lamneth" (álbum Caress of Steel, de 1975), a frase "The x-ray is her siren song" (O raio-x é seu canto da sereia) foi inspirada no poema épico A Odisséia, de Homero, (~900 A.C.). Na obra, o herói Odisseu, para evitar aproximação com as sereias sedutoras, utilizou cera nos ouvidos de seus marinheiros e amarrou-se no mastro de seu navio a fim de poder ouvi-las sem conseguir se aproximar. Porém, aqui é o raio-x emanado de Cygnus X-1 atrai a Rocinante para si. À medida que o piloto se aproxima, torna-se cada vez mais difícil controlar a nave, e ela acaba sendo puxada pela terrível força de sua gravidade.
Por fim, o protagonista mergulha descontroladamente com sua nave no buraco negro. Essa seção contém um solo incrivelmente perturbador com wah-wah de Lifeson que, ao lado de um instrumental agora terrivelmente intenso, ajuda a traduzir todo furor e terror do momento. As escalas incomuns, que ressurgem aos 6:34, sugerem a representação da sucção da nave pelo imenso campo gravitacional, e os vocais de Geddy expressam com maestria essa gigantesca queda.
3 (8:10 - 10:26 / Total: 2:16)
A parte "3" finaliza a canção, retratando de forma precisa a intensidade imposta à nave que acabara de ser sugada pela estrondosa força do buraco negro. Toda tensão e adrenalina imagináveis são inacreditavelmente representadas por um instrumental pesadíssimo, idealizado pela magnífica genialidade dos três músicos. Os vocais de Geddy estão definitivamente atordoantes, nunca antes mostrados com tamanho poder.
A ação do buraco negro é fortemente transmitida, com a percussão e os demais instrumentos trabalhando o suficiente para expressar uma atmosfera terrivelmente amedrontadora. O viajante, portanto, mergulha com sua nave em direção ao coração da estrela morta.
Sendo um corpo que devora tudo ao seu alcance e que também expele energia, o buraco negro, ao receber matéria, faz com que a mesma caia em uma espiral ao redor de um disco, como água em um ralo, e a velocidade que a mesma pode atingir em seu interior aproxima-se da velocidade da luz. Dessa forma, um redemoinho de matéria em alta velocidade envolve o buraco negro, criando um poderoso campo magnético que arremessa enormes volumes de gases para fora, produzindo um fluxo de materiais centenas de milhões de vezes maiores que o poder do Sol, expelido para fora da galáxia.
Sua ação sobre a nave seria como um caiaque contra a correnteza de um rio - tudo é arrastado para seu centro. A gravidade se torna um turbilhão, e quanto mais perto dele mais forte é a corrente. Finalmente atinge-se o chamado horizonte de eventos, popularmente conhecido com o ponto de não-retorno, uma fronteira teórica ao redor da estrutura, um ponto sem volta. Nesse campo ocorre um paradoxo no qual as leis da física não podem ser diretamente aplicadas, uma vez que resultam em absurdos matemáticos. A matéria é sugada e destruída no centro, em uma região de infinita distorção do tempo e espaço, desintegrando-se. Considerando um corpo humano entrando em um buraco negro, a sensação seria de que algo estivesse rasgando-o. A força atrativa é cada vez mais forte, à medida que excede as forças moleculares que mantém o corpo, com todos os átomos por fim sendo separados.
O mergulho em um buraco negro, segundo equações do físico Albert Einstein (1879 - 1955), mostra em seu núcleo um horizonte emaranhado de luz e energia. Esse traz um flash de luz brilhante e infinita que está presa e que não consegue sair, que facilmente transformaria um corpo em vapor. Todavia esse não seria, de fato, o fim da jornada. As previsões de Einstein dão conta de uma passagem se abre, um túnel no espaço e no tempo chamado Wormhole (Buraco de Minhoca) – que levaria a uma porta conhecida como buraco branco, com a lógica da gravidade extrema indo em sentido oposto. Ao invés de ser sugado, o corpo aqui seria catapultado. Na ficção cientifica, os buracos de minhoca oferecem ótimas rotas de escape para outros universos. Porém, o interior de um buraco negro é muito caótico e violento para que um buraco de minhoca chegue a se formar.
Outro símbolo da alteridade em "Cygnus X-1" é a série de acordes estranhamente independentes (de 3:20 a 4:54) que representam o interior do buraco, tornando-se claro o retorno dessa visão na parte "3 (em 8:33), da mesma forma que ocorre com os vocais de Geddy, cantados em uma faixa de afinação verdadeiramente desumana para descrever a descida e a dissolução do protagonista. A seção clímax do "Livro Um" descreve a Rocinante girando fora de controle, com o corpo do piloto sendo totalmente pulverizado. Porém, em sua busca pelo desconhecido momentaneamente encerrada, ele ainda faria valer a pena o esforço insano.
Por fim, a linha "sound and fury" ("som e fúria") é inspirada no famoso solilóquio de Macbeth, tragédia do poeta e dramaturgo inglês William Shakespeare (1564 - 1616), utilizada também pelo escritor norte-americano William Faulkner (1897 - 1962) como título de seu romance mais famoso. O trecho da obra de Shakespeare parece indicar os desdobramentos que estariam por vir nessa grande produção do Rush:
"Amanhã, e amanhã, e ainda outro amanhã
Arrastam-se nessa passada trivial do dia para a noite, da noite para o dia,
Até a última sílaba do registro dos tempos.
E todos os nossos ontens não fizeram mais que iluminar para os tolos
o caminho que leva ao pó da morte. Apaga-te, apaga-te, chama breve!
A vida não passa de uma sombra que caminha, um pobre ator
Que se pavoneia e se aflige sobre o palco –
Faz isso por uma hora e, depois, não se escuta mais sua voz.
É uma história contada por um idiota, cheia de som e fúria
E vazia de significado".
"Cygnus X-1 - Book One: The Voyage" não é somente uma canção – é, certamente, uma forte experiência. Com o cessar de todo o caos, que de forma sutil dá lugar a diminutos acordes repetidos e a quase imperceptíveis batimentos cardíacos, nos perguntamos: o herói sobrevivera? Conseguiríamos conhecer o improvável além de Cygnus X-1? A pequena indicação 'To be continued' revelaria que ainda há vida, e que o desafio, de certa forma, foi surpreendentemente vencido.
© 2014 Rush Fã-Clube Brasil
TELLERIA, R. Merely Players Tribute. Quarry Music Books, 2002.
BANASIEWICZ, B. Rush Visions: The Official Biography. Omnibus Press, 1987.
KLIMAN, B.; SANTOS, R. "Latin American Shakespeares". Madison: Fairleigh Dickinson University Press, 2005.
VIÉGAS-FARIA, B. "Macbeth". L&PM, 2000.
MOURÃO, R. "À procura dos buracos negros". Revista Superinteressante, 1988.
ESA - Space Science. "Observations: Seeing In X-Ray Wavelengths". November, 2004.
NATIONAL GEOGRAPHIC, "O Monstro da Via Láctea". NGC Europe Limited.