CINDERELLA MAN



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CLOSER TO THE HEART  CINDERELLA MAN  MADRIGAL


CINDERELLA MAN

A modest man from Mandrake
Travelled rich to the city
He had a need to discover
A use for his newly-found wealth


Because he was human
Because he had goodness
Because he was moral
They called him insane

Delusions of grandeur
Visions of splendour
A manic depressive
He walks in the rain

Eyes wide open
Heart undefended
Innocence untarnished
Cinderella Man
Doing what you can
They can't understand
What it means

Cinderella Man
Hang on to your plans
Try as they might
They cannot steal your dreams

In the betrayal of his love he awakened
To face a world of cold reality
And a look in the eyes of the hungry
Awakened him to what he could do


He held up his riches
To challenge the hungry
Purposeful motion
For one so insane

They tried to fight him
Just couldn't beat him
This manic depressive
Who walks in the rain
HOMEM CINDERELA

Um homem modesto de Mandrake
Viajou rico para a cidade
Ele tinha a necessidade de descobrir
Uma utilidade para sua riqueza recém-descoberta


Por ele ser humano
Por ele ter bondade
Por ele ter moral
O chamavam de louco

Delírios de grandeza
Visões de esplendor
Um maníaco depressivo
Ele anda na chuva

Olhos bem abertos
Coração indefeso
Inocência imaculada
Homem Cinderela
Fazendo o que você pode
Eles não conseguem entender
O que significa

Homem Cinderela
Permaneça com seus planos
Por mais que eles tentem
Não podem roubar seus sonhos

Na traição do seu amor ele despertou
Para encarar um mundo de fria realidade
E um olhar nos olhos da fome
Despertaram-no para o que ele poderia fazer


Ele levantou sua riqueza
Para desafiar a fome
Ação com propósito
Para alguém tão louco

Eles tentaram enfrentá-lo
Mas não conseguiram vencê-lo
Este maníaco depressivo
Que anda na chuva


Música por Geddy Lee e Alex Lifeson / Letra por Geddy Lee


Quando nossos ideais são considerados loucura

A quarta faixa de A Farewell To Kings é a potente semi acústica "Cinderella Man". Trazendo um dos temas mais reflexivos e sensíveis desse trabalho, a banda expõe novamente toda sua intensidade e dedicação já habituais, com os três integrantes destilando performances simplesmente sensacionais em seus instrumentos - guitarras poderosas, linhas de baixo incrivelmente onipresentes e melódicas e bateria com abordagens altamente criativas, técnicas e incansáveis. Sendo o segundo dos três momentos mais acessíveis do álbum (iniciado com a anterior "Closer to the Heart"), o título de "Cinderella Man" provoca de imediato um pouco mais das sensações pretéritas e clássicas já visitadas, retratando agora uma fábula muito cativante que, no geral, desenha a bravura da persistência do ser humano que persegue seus sonhos e ideais. A letra foi escrita por Geddy Lee, com notável ajuda de Alex Lifeson, sendo também bastante inerente no que diz respeito à história do próprio Rush.

A construção musical irrepreensível de "Cinderella Man" pode ser considerada, sem esforço, como uma das mais bem trabalhadas de todo A Farewell to Kings. Concisa e ao mesmo tempo complexa, ela mescla pequenos elementos folk e hard montados em uma belíssima e equilibrada estrutura progressiva, com a banda demonstrando mais uma vez sua inegável habilidade de criar peças momentaneamente mais acessíveis em meio a um aparato musical colossal, porém sem jamais abandonar suas características primordiais. Muito agradável e cativante, a composição mostra o Rush contrastando timbres acústicos e elétricos dinâmicos imersos a vários detalhes sutis (atributo que os músicos trariam em outros momentos importantes da carreira), fazendo dessa, de certa forma, um verdadeiro brinde experimental e extremamente inteligente. "Cinderella Man", apesar de não extensa, consegue exibir um grande número de passagens, além do oferecimento de uma notável expressão instrumental de elementos funky em seu trecho médio, porém com detalhes bastante similares àqueles utilizados anteriormente na faixa-título.

"Esta canção traz uma rara (para nós) meia seção instrumental que poderia até mesmo ser chamada (calafrio) funky", explica Peart.

Com sua ótima junção entre letra e música, "Cinderella Man" consegue provocar na imaginação do ouvinte todas as figuras aplicadas e suas respectivas sensações. O belo instrumental, que mescla complexidades rítmicas com trechos mais melódicos e acessíveis, utiliza violões proeminentes nos primeiros momentos dos versos, após impactante introdução adornada por diminutas pontuações sintetizadas. Os elementos acústicos retornam nos doces refrões, também precedidos por trechos elétricos mais intensos, demonstrando a grande capacidade da banda em trabalhar com ênfases inversas, suavizando sua abordagem sem perder intensidade. O solo de Lifeson, sedutoramente incomum, exprime uma tensão cortante que ludicamente passeia pelos canais, nuance que integra um álbum de perfeito equilíbrio entre grandes melodias, musicalidade impecável e imprevisibilidade que a banda sustenta com grande domínio.

A letra de "Cinderella Man" foi baseada no filme O Galante Mr. Deeds (Mr. Deeds Goes to Town), de 1936. Estrelado pelo casal de atores norte-americanos Gary Cooper (1901 - 1961) e Jean Arthur (1900 - 1991), foi dirigido pelo italiano Frank Capra (1897 - 1991), contando a história de Longfellow Deeds (Cooper), um pacato tocador de tuba e poeta da interiorana Mandrake Falls, em New Hampshire. Deeds recebe a notícia de que seu tio lhe deixou uma herança milionária e que, para recebê-la e administrá-la, precisará seguir para Nova York pela primeira vez na vida. O novo rico, simplório e inocente, logo desperta a atenção, passando a lidar com pessoas que somente tencionam aproveitar sua fortuna e humildade. A repórter Louise 'Babe' Bennett (Arthur) se aproxima intencionalmente de Deeds, porém, seu intuito primordial é o de escrever uma série de reportagens sobre o "Cinderella Man", apelido humilhante que ela cria para expor nos jornais o homem que vive um conto de fadas.

Enquanto Babe Bennett mantém sua identidade em segredo para Deeds, a publicação das crônicas do "Homem Cinderela" é iniciada em seu jornal, ridicularizando a maneira com que usa seu dinheiro e zombando do seu jeito atrapalhado. Com a convivência, os dois acabam se apaixonando, porém, ao descobrir a traição da repórter, Deeds decide utilizar sua fortuna para "desafiar a fome", criando uma fundação que ajuda fazendeiros pobres, sob a condição de que eles trabalhem para se recuperar. Essa decisão leva seu advogado corrupto John Cedar (interpretado pelo ator canadense Douglass Dumbrille / 1889 - 1974) à uma grande jogada: o pedido de interdição de Deeds, declarando-o mentalmente perturbado inclusive por sua mania de "andar na chuva" sem chapéu, referindo-se a ele como "maníaco depressivo" com "delírios de grandeza". O discurso de Deeds em sua audiência final é, certamente, um dos mais ingênuos e também um dos mais poderosos do cinema.

Os trechos que descrevem o personagem central são acompanhados por bases acústicas pontuadas por rajadas de baixo e bateria, enquanto as cenas que figuram a condenação da sociedade trazem tomadas elétricas tradicionais. Essa distinção musical é similar àquela utilizada na clássica faixa-título do anterior 2112 (1976), que mostrava incríveis diálogos entre o protagonista idealista e os sacerdotes autoritários. A voz de Geddy, de maneira sempre impressionante, também acompanha as exigências de todos os cenários.

O tema em caráter de fábula de "Cinderella Man" expõe, à princípio, elementos como idealismo, altruísmo, humildade e bondade confrontados à indiferença, insensibilidade e ganância. Porém, por sua concretude, a canção se entrelaça facilmente com as ideias propostas nas anteriores "A Farewell to Kings" e "Closer to The Heart", continuando claramente as reflexões sobre as condições das relações humanas e o caráter da individualidade. Geddy mostra um grande avanço como compositor de letras, que flui aqui perfeitamente com a levada musical escolhida, através de tomadas sempre muito perspicazes e agradáveis.

"Cinderella Man" exalta aqueles que acreditam em seus sonhos e que preservam seus ideais sob quaisquer circunstâncias. Seu cerne, inevitavelmente, reflete também a maneira como a banda permanece fiel a si mesma através dos anos. É visível que a peça represente um desafio aos próprios ouvintes, inicialmente descrevendo a história de Deeds mas, acima de tudo, enfatizando uma grande lição sobre personalidade, que se mantém firme perante a tendência da sociedade em ridicularizar e pormenorizar sonhos que vão além das conquistas materiais. Deeds é um homem idealista e de iniciativa, alguém que tenta realizar boas ações e que, por isso, é incompreendido. Trata-se de uma canção terrivelmente tocante, uma exaltação dos sentimentos que expõe um encorajamento: mesmo absortos em uma conjuntura onde muitas ações se desviam do que sempre se espera, sempre ignoradas, banalizadas e ridicularizadas, que continuemos com eles. Uma interessante observação é a centralidade em um personagem rico, mas que também é humano, bom e moral, utilizando seus recursos para ajudar outras vidas como aspiração de suas próprias realizações.

"Cinderella Man é uma forte história escrita por Geddy com ajuda de Alex, que mostra algumas das suas reações e sentimentos provocados pelo filme O Galante Mr. Deeds", explica Peart.

© 2014 Rush Fã-Clube Brasil

POPOFF, M. Contents Under Pressure. Canada: ECW Press, 2004
BANASIEWICZ, B. Rush Visions: The Official Biography. Omnibus Press, 1987.
MAGALHÃES, L. "O Galante Mr. Deeds (1936) - Crítica". Supernovo - Os Cinéfilos.