Os Tour Books Completos
Por Neil Peart
Por trás de todos esses tour books há uma única história, uma narrativa em curso que volta bem no começo. Como um conto de fadas. "Era uma vez..."
Quando entrei na banda, em 1974, Alex e Geddy já tinham algumas canções novas trabalhadas, e logo começamos a sonhar com novas ideias, juntos. Em uma das minhas bandas anteriores, havia escrito letras para algumas canções e, começando com nossa nova vida "toda-em-turnê, o-tempo-todo", me vi com muitas horas livres. Comecei a preenchê-las com leitura, o que reacendeu meu caso de amor de infância com livros - com palavras.
Uma das primeiras letras que cedi para Alex e Geddy foi Fly By Night e, quando chegou o momento de fazermos nosso primeiro álbum juntos, decidimos que esse seria um bom título. (Nosso outro candidato foi Aurora Borealis (Aurora Boreau), portanto provavelmente fizemos a melhor escolha). Como um amante de pássaros desde a pequeno, lembrei-me da ilustração de uma coruja suja de neve descendo em direção ao espectador com olhos ferozes, e sugeri uma imagem como aquela para a capa, talvez com uma aurora boreal ao fundo.
Coube a mim falar pelo telefone com a gravadora em Chicago, tentando descrever a imagem com palavras. Da mesma forma que compor aquelas letras levaria a me tornar o chefe letrista da banda, aquela conversa por telefone levaria a me tornar o "supervisor das artes gráficas". Assim como Geddy geralmente aplica seu interesse nas artes cinematográficas para nossos telões e vídeos, e Alex aplica seus talentos "musicais científicos" em invenções e tecnologia de estúdio, tornei-me o responsável pela parte "trabalhos no papel" do nosso pequeno workshop.
Em 1975, logo após gravarmos nosso álbum seguinte, Caress of Steel, nosso empresário, Ray, me mostrou uma ilustração feita por um tecladista para um dos clientes dele, Ian Thomas. O tecladista era Hugh Syme, e ele e eu começamos uma colaboração de 30 anos em capas de álbuns, tour books, capas dos meus próprios livros, vídeos-aula, álbuns-tributo a Buddy Rich e DVDs de shows - basicamente qualquer coisa que tivesse meu nome, teria o de Hugh também.
Hugh e eu aprendemos algumas lições logo no início. Discutimos ideias para a capa de Caress of Steel e ele desenhou as ilustrações e fez cada uma das letras em resina acrílica, lançada em 3D. No entanto, alguém na gravadora parecia inspirado em fazer algumas alterações "criativas", e quando vi o álbum completo pela primeira vez (em uma loja de discos em Winnipeg, se não me engano), as ilustrações haviam sido enquadradas em nuvens fofas bizarras e, ao invés de prateada, a aparência metálica que havíamos idealizado, toda a capa estava com uma tonalidade desbotada terrível de... digamos, chá gelado.
Iríamos precisar de controle.
A partir dali, com a arte final para 2112, All the World's a Stage e os seguintes, Hugh e eu queríamos pelo menos ter a certeza de que as coisas ficariam como queríamos (apesar de ainda não termos falado sobre Hemispheres). E com o passar dos anos, assim como a música da banda continuou a crescer e melhorar, Hugh e eu tentamos manter o nível do departamento de artes gráficas.
Tour books entraram em cena e na história em 1977. Para nossa primeira turnê britânica, a gravadora imprimiu um... pequeno panfleto vívido por lá, acho que você pode chamá-lo assim. Não tivemos nada a ver com esse, melhor descrito como uma "curiosidade" (e por isso o incluímos nessa coleção). Nosso primeiro tour book "oficial" foi em nossa turnê A Farewell to Kings, que começou no final de 1977 e que nos carregou - nos levou - para 1978 (a turnê infame "Drive 'til You Die"). Hugh e eu discutimos as possibilidades de layout e opções de fotos, mas é claro que não havia tempo e orçamento para fazer nada extravagante.
E ainda, algumas tradições foram estabelecidas de imediato: um trecho introdutório em prosa escrito por mim (cada um deles um experimento desajeitado, porém parte do meu aprendizado em escrita) e uma página pessoal para cada um de nós com detalhes de equipamentos utilizados e outras coisas. De fato, outra tradição estabelecida - eu tendo que perseguir Alex e Geddy até o último minuto para as páginas deles. Algumas coisas não mudam.
E, novamente, Hugh e eu aprendemos algumas lições quando vimos o produto acabado:
Essas separações de cores!
Essa impressão difusa!
Esse cabelo!
Levaria mais alguns anos para conseguirmos todos aqueles elementos arrumados. Porém, no geral, os the tour books ficaram mais brilhantes, maiores e mais grossos, e nossos cabelos nem tanto.
Aproximadamente dois meses antes de cada turnê, Hugh e eu discutimos direções criativas para o novo tour book, decidindo que elementos gráficos da arte do álbum deveríamos utilizar (como em Test for Echo, quando usamos uma versão alternativa e mais melancólica da capa do álbum para o tour book), e como a coisa toda deveria ser "apresentada" - a espessura e o acabamento do material da capa, o número de páginas e o tipo de papel, a encadernação, a impressão.
Depois, Pegi no escritório nos elucida com as realidades, limitações e custos de tudo aquilo, e ajustamos nossas visões em conformidade. Com Pegi, "a voz da razão" poderia ser alta.
Uma grande pilha de fotografias da turnê anterior e mais algumas imagens recentes passarão por Alex, Geddy e por mim para aprovação, para então serem enviadas a Hugh a fima de escolher para o layout final. Escrevo minha pequena história e minha lista de equipamentos, atormentando Alex e Geddy sobre suas listas de equipamentos (as do Alex são geralmente insanas e hilárias, e as do Geddy simpáticas e esportivas) e, em algum ponto ali, Pegi me diria que o prazo era ontem, e o tour book não estaria pronto a tempo do primeiro show.
(Nas palavras imortais do mestre da fotografia Yousuf Karsh, mencionadas no tour book Grace Under Pressure de 1984, "Essa não é uma resposta que eu possa aceitar").
Não importa o que ocorra, eu sempre quero os tour books prontos para o primeiro show, pois são importantes para mim - em parte porque caíam dentro do meu departamento de "trabalhos no papel", porém, mais do que isso, porque gosto deles. Geralmente compro tour books em shows de outras pessoas, guardando-os como souvenirs, então compreendi o valor dos mesmos para o comprador, e era (e é) satisfatório de ver que cada um dos nossos foram mais legais em todos os aspectos do que o anterior.
Através de todas as fases, eras e décadas, tivemos uma grande sorte (e uma boa experimentação) de trabalhar com alguns fotógrafos maravilhosos, como Fin Costello, Deborah Samuel, Andrew MacNaughtan e outros, e as imagens deles (e as mudanças em nossas imagens - todo aquele cabelo) são certamente o mais importante nessa coleção. Espalhados entre fotografias, como um narrador ocasional de documentário, estão todos aqueles meus experimentos antigos em prosa, contando algumas histórias.
Por todas essas razões, fico eufórico com a ideia de ligar nossos tour books. Agora, assim como olho para aquelas fotos antigas e tiro a limpo todas aquelas palavras, toda coleção me faz senti-la como uma combinação de álbuns de fotos e diários, como uma velha caixa de sapatos cheia de instantâneos e cartas que capturam bastante da minha vida.
Em "The Love Song of J. Alfred Prufrock", T. S. Eliot escreveu, "Eu meço minha vida com pausas para o café". Nessa coleção, encontro quase três décadas de vida medida em tour books. Eles são melhores que colheres de café, sem dúvidas. Mas, mas para mim, o sentimento não é de nostalgia, pois não gostaria de viver qualquer um daqueles tempos novamente, obrigado.
De qualquer forma, fico orgulhoso com tudo o que aconteceu.
Era uma vez...
Por trás de todos esses tour books há uma única história, uma narrativa em curso que volta bem no começo. Como um conto de fadas. "Era uma vez..."
Quando entrei na banda, em 1974, Alex e Geddy já tinham algumas canções novas trabalhadas, e logo começamos a sonhar com novas ideias, juntos. Em uma das minhas bandas anteriores, havia escrito letras para algumas canções e, começando com nossa nova vida "toda-em-turnê, o-tempo-todo", me vi com muitas horas livres. Comecei a preenchê-las com leitura, o que reacendeu meu caso de amor de infância com livros - com palavras.
Uma das primeiras letras que cedi para Alex e Geddy foi Fly By Night e, quando chegou o momento de fazermos nosso primeiro álbum juntos, decidimos que esse seria um bom título. (Nosso outro candidato foi Aurora Borealis (Aurora Boreau), portanto provavelmente fizemos a melhor escolha). Como um amante de pássaros desde a pequeno, lembrei-me da ilustração de uma coruja suja de neve descendo em direção ao espectador com olhos ferozes, e sugeri uma imagem como aquela para a capa, talvez com uma aurora boreal ao fundo.
Coube a mim falar pelo telefone com a gravadora em Chicago, tentando descrever a imagem com palavras. Da mesma forma que compor aquelas letras levaria a me tornar o chefe letrista da banda, aquela conversa por telefone levaria a me tornar o "supervisor das artes gráficas". Assim como Geddy geralmente aplica seu interesse nas artes cinematográficas para nossos telões e vídeos, e Alex aplica seus talentos "musicais científicos" em invenções e tecnologia de estúdio, tornei-me o responsável pela parte "trabalhos no papel" do nosso pequeno workshop.
Em 1975, logo após gravarmos nosso álbum seguinte, Caress of Steel, nosso empresário, Ray, me mostrou uma ilustração feita por um tecladista para um dos clientes dele, Ian Thomas. O tecladista era Hugh Syme, e ele e eu começamos uma colaboração de 30 anos em capas de álbuns, tour books, capas dos meus próprios livros, vídeos-aula, álbuns-tributo a Buddy Rich e DVDs de shows - basicamente qualquer coisa que tivesse meu nome, teria o de Hugh também.
Hugh e eu aprendemos algumas lições logo no início. Discutimos ideias para a capa de Caress of Steel e ele desenhou as ilustrações e fez cada uma das letras em resina acrílica, lançada em 3D. No entanto, alguém na gravadora parecia inspirado em fazer algumas alterações "criativas", e quando vi o álbum completo pela primeira vez (em uma loja de discos em Winnipeg, se não me engano), as ilustrações haviam sido enquadradas em nuvens fofas bizarras e, ao invés de prateada, a aparência metálica que havíamos idealizado, toda a capa estava com uma tonalidade desbotada terrível de... digamos, chá gelado.
Iríamos precisar de controle.
A partir dali, com a arte final para 2112, All the World's a Stage e os seguintes, Hugh e eu queríamos pelo menos ter a certeza de que as coisas ficariam como queríamos (apesar de ainda não termos falado sobre Hemispheres). E com o passar dos anos, assim como a música da banda continuou a crescer e melhorar, Hugh e eu tentamos manter o nível do departamento de artes gráficas.
Tour books entraram em cena e na história em 1977. Para nossa primeira turnê britânica, a gravadora imprimiu um... pequeno panfleto vívido por lá, acho que você pode chamá-lo assim. Não tivemos nada a ver com esse, melhor descrito como uma "curiosidade" (e por isso o incluímos nessa coleção). Nosso primeiro tour book "oficial" foi em nossa turnê A Farewell to Kings, que começou no final de 1977 e que nos carregou - nos levou - para 1978 (a turnê infame "Drive 'til You Die"). Hugh e eu discutimos as possibilidades de layout e opções de fotos, mas é claro que não havia tempo e orçamento para fazer nada extravagante.
E ainda, algumas tradições foram estabelecidas de imediato: um trecho introdutório em prosa escrito por mim (cada um deles um experimento desajeitado, porém parte do meu aprendizado em escrita) e uma página pessoal para cada um de nós com detalhes de equipamentos utilizados e outras coisas. De fato, outra tradição estabelecida - eu tendo que perseguir Alex e Geddy até o último minuto para as páginas deles. Algumas coisas não mudam.
E, novamente, Hugh e eu aprendemos algumas lições quando vimos o produto acabado:
Essas separações de cores!
Essa impressão difusa!
Esse cabelo!
Levaria mais alguns anos para conseguirmos todos aqueles elementos arrumados. Porém, no geral, os the tour books ficaram mais brilhantes, maiores e mais grossos, e nossos cabelos nem tanto.
Aproximadamente dois meses antes de cada turnê, Hugh e eu discutimos direções criativas para o novo tour book, decidindo que elementos gráficos da arte do álbum deveríamos utilizar (como em Test for Echo, quando usamos uma versão alternativa e mais melancólica da capa do álbum para o tour book), e como a coisa toda deveria ser "apresentada" - a espessura e o acabamento do material da capa, o número de páginas e o tipo de papel, a encadernação, a impressão.
Depois, Pegi no escritório nos elucida com as realidades, limitações e custos de tudo aquilo, e ajustamos nossas visões em conformidade. Com Pegi, "a voz da razão" poderia ser alta.
Uma grande pilha de fotografias da turnê anterior e mais algumas imagens recentes passarão por Alex, Geddy e por mim para aprovação, para então serem enviadas a Hugh a fima de escolher para o layout final. Escrevo minha pequena história e minha lista de equipamentos, atormentando Alex e Geddy sobre suas listas de equipamentos (as do Alex são geralmente insanas e hilárias, e as do Geddy simpáticas e esportivas) e, em algum ponto ali, Pegi me diria que o prazo era ontem, e o tour book não estaria pronto a tempo do primeiro show.
(Nas palavras imortais do mestre da fotografia Yousuf Karsh, mencionadas no tour book Grace Under Pressure de 1984, "Essa não é uma resposta que eu possa aceitar").
Não importa o que ocorra, eu sempre quero os tour books prontos para o primeiro show, pois são importantes para mim - em parte porque caíam dentro do meu departamento de "trabalhos no papel", porém, mais do que isso, porque gosto deles. Geralmente compro tour books em shows de outras pessoas, guardando-os como souvenirs, então compreendi o valor dos mesmos para o comprador, e era (e é) satisfatório de ver que cada um dos nossos foram mais legais em todos os aspectos do que o anterior.
Através de todas as fases, eras e décadas, tivemos uma grande sorte (e uma boa experimentação) de trabalhar com alguns fotógrafos maravilhosos, como Fin Costello, Deborah Samuel, Andrew MacNaughtan e outros, e as imagens deles (e as mudanças em nossas imagens - todo aquele cabelo) são certamente o mais importante nessa coleção. Espalhados entre fotografias, como um narrador ocasional de documentário, estão todos aqueles meus experimentos antigos em prosa, contando algumas histórias.
Por todas essas razões, fico eufórico com a ideia de ligar nossos tour books. Agora, assim como olho para aquelas fotos antigas e tiro a limpo todas aquelas palavras, toda coleção me faz senti-la como uma combinação de álbuns de fotos e diários, como uma velha caixa de sapatos cheia de instantâneos e cartas que capturam bastante da minha vida.
Em "The Love Song of J. Alfred Prufrock", T. S. Eliot escreveu, "Eu meço minha vida com pausas para o café". Nessa coleção, encontro quase três décadas de vida medida em tour books. Eles são melhores que colheres de café, sem dúvidas. Mas, mas para mim, o sentimento não é de nostalgia, pois não gostaria de viver qualquer um daqueles tempos novamente, obrigado.
De qualquer forma, fico orgulhoso com tudo o que aconteceu.
Era uma vez...