TOUR BOOK ROLL THE BONES



VOLTAR PARA TOUR BOOKS
PRESTO  ROLL THE BONES  COUNTERPARTS


REME OS BARCOS
Por Neil Peart


Só somos imortais por tempo limitado.
Músicos são por vezes tidos como imaturos. Não nós, você entende, mas alguns dos músicos que conhecemos. Como eles, passamos nossos anos de adolescência soldados em nossos instrumentos, obcecados por música e nos excluindo de quase tudo da "vida normal". E talvez essa seriedade juvenil, que de certa forma cresce muito rapidamente, significa que o sentido adolescente da imortalidade e da irresponsabilidade ainda permanece um pouco conosco, no momento em que supostamente somos adultos. Isso é chamado de "temperamento artístico", e também de uma boa desculpa. A questão é que cada um de nós experimenta momentos em que nos sentimos imortais, onde o tempo não está passando e onde nunca vamos morrer. Mas é uma oferta de tempo limitado - o tempo passa, e logo as realidades da vida vem nos pressionar, querendo saber se estamos prontos para elas ou não, tendo que levá-las a sério. Isso é chamado de "voltar para o mundo real".

Só estamos em casa quando estamos na correria.
Ser maduro não tem que significar estar morto. Você tem que chegar lá e detonar, manter os dados rolando e ficar longe da rotina. Isso tem sido verdade para o Rush, bem como continuarmos a aprender, crescer e mudar, mas, acima de tudo, o mais importante é apenas nos mantermos em movimento. Rolar os dados evita ferrugem. Ao longo de dezessete anos e muitos álbuns e turnês juntos, raramente paramos para olhar para trás, mas também não podemos olhar muito além do próximo álbum ou turnê. Apenas continuamos fazendo o que parece certo, sem nos preocuparmos com o futuro - ele cuidaria de si mesmo. Isso é chamado de cunho filosófico. Também é chamado de uma boa desculpa. Mas, de repente, é diferente - diretamente, parece óbvio que temos um longo tempo de parceria criativa pela frente. Talvez estejamos crescendo um pouco, não tenho certeza, mas sei que estamos animados com a banda de uma forma totalmente nova. Cada um de nós sente isso, e Roll The Bones foi o catalisador - esse disco foi tão agradável de se fazer, e todas as fases do processo foram tão satisfatórias que, de repente, sentimos uma nova convicção, uma sensação de renascimento. Reduzimos nossas férias a fim de iniciar o disco mais rápido, o finalizamos em tempo "recorde" e agora estamos ansiosos para liberá-lo para que as pessoas possam ouvi-lo. Vamos até reduzir nossas férias novamente a fim de começarmos a turnê, para então gravarmos nosso próximo disco. Estamos empolgados. E ainda imortais...

Pagaremos o preço, mas não calcularemos o custo.
Uma linha de The Tidewater Tales de John Barth (ele disse que eu poderia usar) ficou ecoando dentro de mim por muito tempo depois que li o livro. Para mim, significa apenas ir em frente. "Não existem falhas de talento, apenas falhas de caráter". Acho que isso, muitas vezes, é verdadeiro também. Claro que há um monte de pessoas talentosas que não alcançam sucesso artístico ou secular, mas acho que, na maioria das vezes, há uma razão: um fracasso interno. O importante é: se você fracassar uma vez ou se não tiver sorte, o sonho ainda estará lá. Um sonho só estará acabado se você desistir. Temos que nos lembrar sempre das palavras do oráculo, vindas da Nike, a deusa grega da vitória e dos tênis atléticos rugosos: Just do it. Sem desculpas.

A noite tem mil saxofones.
E nunca um clarinete entre nós.

Vire a sua carta - ou desista do coringa.
A frase que começou tudo - Em um dia chuvoso no fim do verão, fresco o suficiente para buscar a lareira, sentei no chão da minha casa com uma pilha de papéis ao redor, estes que traziam anotações recolhidas na estrada ou capturadas em algum momento antes de dormir. Comecei então a brincar com as frases, "virando-as para cima", "virando-as para baixo", algo que me fez lembrar as cartas de um baralho. Pensei bastante sobre a ideia de um "coringa", e acho que posso certamente defini-lo como a minha inspiração. Acredito que esses coringas são tirados em vários momentos durante a vida: quando nascemos, através dos genes que nos compõem, nas pessoas que encontramos ao longo do caminho e nas circunstâncias do mundo que nos cerca. Às vezes podemos até mesmo escolher alguns deles: com a fé é dessa forma, e com a confiança também. Uma das maiores oportunidades que você pode ter na vida é a de poder confiar em alguém, e a maioria tem essa chance pelo menos uma ou duas vezes. Alguns perseguem ambições onde as chances de sucesso são grandes, ocasiões tão especiais que nos fazem sentir como se ainda fôssemos adolescentes. Isso se chama bravata. Existem verdadeiras homilias que são apenas tendências, não leis, como "quanto mais duro for meu trabalho, mais sorte eu terei" ou "sorte é quando a preparação encontra a oportunidade". Não importa o quão inteligentes, talentosos e bonitos somos, mas a verdade é que ainda não sabemos que diabos irá acontecer a seguir. Porém, podemos melhorar as chances através das escolhas que fazemos. Não sou um existencialista; sou um homem livre!

Cadê meu negócio?
Onde ele está, de fato. Não há um significado profundo aqui, estou feliz em informar - apenas uma daquelas coisas que as pessoas dizem: "Onde está aquele...hum...oh, você sabe...cadê meu - negócio?" Nos divertimos muito com essa, colocando tanta coisa nela que não havia espaço nem para uma pia pequena de cozinha. E pela primeira vez, as letras são, de forma garantida, politicamente corretas. Andávamos atrás de outra instrumental (um exercício de auto-indulgência) durante anos, mas sempre aparecia algo para atrapalhar nossas boas intenções. Tão logo Geddy e Alex vinham com um bom tema musical, sempre caberia alguma letra que eu tivesse acabado de escrever. Dessa vez os enganei; não dei mais letras até terminarem de construir uma instrumental. Funcionou.

Jogando o jogo, mas não da maneira que os garotos grandes jogavam.
Ei DJ, gire a roleta!
Desculpe, mas você perdeu. A vida é tão injusta! Esmagado por essa bobina mortal nesse vale de lágrimas, jogando o game show cósmico, esperando a festa do fim do mundo, esperando intervalos comerciais e navegando pelos canais - e de repente o show acaba? Se você jogou bem e deu tudo o que tinha, você certamente é um vencedor, mas às vezes o vencedor não leva nada. Isso se chama tragédia.

Será que temos que perdoar afinal?
Eu suponho. A desconstrução do Bloco do Leste fez algumas pessoas felizes, e isso me deixava louco. Por gerações essas pessoas tinham que fazer fila para papel higiênico, usar roupas ruins, dirigir carros feios e beber inseticida pra ficarem bêbados - e foi tudo um engano? Parece-me um preço muito alto a pagar pela ideologia equivocada de alguém, e aqueles resíduos de vida deveriam ser a heresia suprema. A bateria foi inspirada em outra parte do mundo. Em uma noite quente numa aldeia do Togo, estava deitado sobre um telhado quando ouvi sons de tambores que ecoavam no outro lado do vale. Mesmo à beira do sono, aquele padrão me comoveu. O ritmo ficou na minha cabeça e, enquanto trabalhava nessa canção, usei variações do mesmo e outras influências do Oeste Africano. Dependendo do seu ponto de vista, isso pode ser chamado de polinização cruzada cultural ou espoliação do Terceiro Mundo.

De alguma maneira nos encontramos entre todos esses mascarados.
A busca atemporal - encontrar alguém para amar e fazer durar. Sabemos que as chances não são boas, mas a maioria de nós continua tentando. Alguns tem sorte, outros não. C'est la vie.
Acho que temos guitarras maravilhosas nessa canção, mas não deixe o Alex saber que eu disse isso.
É o tipo de canção que sempre achamos que tinha tudo para ser um hit nas rádios, mas que não foi. Tudo isso porque somos muito estranhos.

A vida é um diamante que você transforma em pó.
Algumas pessoas não conseguem lidar com o mundo da forma que ele é, ou até mesmo da forma que elas mesmas são, e se sentem impotentes para mudar as coisas, ficando loucas. Desperdiçam suas vidas devido a delírios, paranoia, raiva sem propósito e neuroses, e nesse processo muitos daqueles que os rodeiam também se tornam infelizes. São tensões nas amizades, casamentos desfeitos e crianças perturbadas. Acho que todos deveriam parar com isso. Essa atitude se chama pensamento positivo.

Be-bop ou uma gota de hip-hop lite-pop-metalista.
Sim, não importa o tipo de canção que você escolhe tocar, está apostando sua vida naquilo para o bem ou para o mal, e no que você acredita é o que você é. No entanto você esmiúça isso, está tendo uma chance e pode não estar certo (só dessa vez). Ninguém pode ter certeza nesse melhor de todos os universos aleatórios possíveis. É por isso que a essência dessas canções é: se há uma chance, você pode muito bem pegá-la. E se alguns âmbitos da vida forem um negócio arriscado? Chegue lá e arrisque. Um universo aleatório não tem que ser fútil, podemos mudar as probabilidades, sacudindo os dados e jogando novamente. Não há como escapar dos dados, mesmo que você tire o ferrão do universo aleatório para abraçar a estrutura pré-fabricada da fé, ainda terá que apostar que esse é o caminho certo. Diga a palavra secreta para ganhar cem dólares. Para quem não viu o game show You Bet Your Life de Groucho Marx, onde ninguém a não ser o próprio Groucho sabia qual era a palavra, um palpite sempre seria tão bom quanto qualquer outro. Você poderá ter uma vida boa e longa como um cristão exemplar e ser atendido nos portões do céu por Maomé...

Tudo pode acontecer. Isso se chama destino.

Por que estamos aqui? Porque estamos aqui. Reme os barcos.