Lançamento: 24 de setembro de 1975
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FLY BY NIGHT CARESS OF STEEL 2112
1. Bastille Day - 4:37 2. I Think I'm Going Bald - 3:37 3. Lakeside Park - 4:08 4. The Necromancer - 12:30 5. The Fountain of Lamneth - 19:59 |
Caress Of Steel é o terceiro disco do Rush, talvez um dos mais injustiçados de toda a carreira da banda. O álbum chegou a ser considerado como o fim do trio canadense na época de seu lançamento, porém, com o passar dos anos, passou a ser aceito como uma de suas melhores e mais bem polidas obras. Foi um disco incompreendido.
Seguindo os passos iniciados no seu bem-sucedido antecessor Fly By Night, 'Caress' levava os jovens de Toronto definitivamente a um novo direcionamento. O disco apresentava o molde que se tornaria característico da banda nos anos seguintes: um formato progressivo, lírico, épico e extremamente complexo. Infelizmente demorou para que os fãs e imprensa se entusiasmassem com as letras místicas e as melodias dinâmicas que aquele lançamento tinha a oferecer. Com isso, o disco não vendeu bem, o que acarretou o surgimento de insinuações e cobranças direcionadas à banda para a produção de músicas mais acessíveis, buscando o aumento das vendas. É provável que a má acolhida a esse trabalho advenha do fato de que o mesmo representava uma mudança de rumo que talvez boa parte das pessoas da época ainda não estivesse preparada para assimilar. Porém, acreditando em sua força e fiéis aos seus princípios, Lee, Lifeson e Peart não se entregaram às exigências da indústria fonográfica.
Caress of Steel traz primeiramente três composições de duração média e, na segunda parte, mais duas canções. Porém, vale salientar que essas não eram apenas 'canções' como uma banda de rock qualquer em desenvolvimento faria, e sim uma espécie de experimento e reflexão das dinâmicas das quais o trio estava destinado a se tornar mundialmente famoso.
"Lembro que Caress Of Steel, nos velhos tempos das fitas cassetes, tinha lados muito desiguais de duração", diz Neil Peart. "Acho que um deles trazia 20 minutos e o outro 25, e a gravadora queria que tirássemos uma música. Dissemos 'De jeito nenhum! Passamos por tudo isso e vão ficar todas no disco'".
Caress Of Steel pode ter sido considerado por alguns o fim do Rush durante um breve período, o que denotava um ledo engano. A obra era apenas o início de uma das carreiras mais brilhantes e originais dentro do mundo do rock.
Em julho de 1975, Geddy Lee, Alex Lifeson e Neil Peart retornam ao estúdio Toronto Sound para começar a trabalhar no terceiro álbum. Terry Brown é o produtor novamente. A banda se encontrava nesse momento bastante confiante, tendo em vista o sucesso dos seus dois discos anteriores e o visível crescimento de sua popularidade. Nas palavras de Neil, "tudo isso ajudou a reforçar nossa convicção acerca do que estávamos tentando realizar, sendo o motivo de continuarmos em busca do sucesso sem comprometer nossa música, pois achávamos que se isso não fosse possível, tudo teria sido em vão".
A banda havia acabado de fazer sua própria turnê como atração principal no Canadá, que incluiu uma performance com lotação máxima no famoso Massey Hall em Toronto, local que suportava cerca de 4000 pessoas, sendo para os três jovens a realização de um projeto ambicioso.
"Nunca havíamos conseguido fazer uma turnê pelo Canadá ou até mesmo pelo meio oeste do país", disse Lifeson. "Todo mundo dizia que o heavy metal já estava morto e que estávamos fora de moda". Já Peart declarou certa vez que tocar no Massey Hall foi uma de suas primeiras grandes ambições, e que sonhava começar sua carreira por lá.
Assim como em Fly By Night, a maior parte do álbum Caress Of Steel foi escrita na estrada. A preparação do material foi caracterizada por uma verdadeira corrida contra o tempo, pois os três músicos e toda a equipe teriam somente doze dias para gravar e mixar o disco, algo que poderia dificultar bastante o alcance do som que todos queriam para esse lançamento.
O maior fator a favor deles foi o fato de que grande parte das canções já havia sido trabalhada anteriormente. Alex lembra de como algumas das letras e músicas foram desenvolvidas:
"Neil escreveu a letra para 'Fountain Of Lamneth' de uma forma bem solta, apenas como um ponto de partida e chegada que abrangeria totalmente um dos lados do LP. Seria uma história completa, porém com divisões que pudessem ser tomadas como canções individuais caso você não as olhasse bem de perto e não as relacionasse entre si. Foi também muito importante para nós continuarmos com o personagem By-Tor nesse álbum, numa peça que acabou sendo intitulada de 'Necromancer'".
Caress of Steel foi lançado na América do Norte em setembro de 1975, surgindo de certo modo como um passo a frente na carreira da banda - comercial e musicalmente. Neste disco o trio aprofundou ainda mais suas ideias anteriores, porém esquecendo um pouco as melodias mais acessíveis existentes em Fly By Night.
Mas as coisas não correram bem nesse momento para os jovens canadenses. O tempo necessário para trabalhar em um compromisso tão complexo não foi o bastante, tendo eles o prazo de menos de duas semanas para preparar o álbum no estúdio. O produtor Terry Brown, em certa ocasião, concordou com essa observação, referindo-se ao álbum como um projeto ambicioso que não nasceu como de fato queriam. Brown reconheceu que a produção ficou um tanto quanto perdida, e que mais algumas semanas de trabalho resolveriam muitos problemas. Mesmo assim, o produtor afirma que as ideias musicais ali presentes são grandiosas, sendo este o primeiro trabalho em que o Rush propõe de forma consciente o desenvolvimento de um som definitivamente original. A partir de Caress of Steel, começamos a conhecer a base musical que seria marcante na carreira da banda ao longo dos anos vindouros.
O álbum começa com um estrondo, "Bastille Day". A letra trata sobre a Revolução Francesa, trazendo palavras raivosas, atingindo novos níveis de complexidade e ambiguidade. Claramente influenciada por Charles Dickens revivendo o terror de seu A Tale Of Two Cities, Neil expressa aqui tanto a selvageria da multidão no evento quanto os motivos de seu comportamento. Enquanto em momentos futuros da carreira da banda o letrista se mostraria mais desconfiado sobre as pessoas agindo em bloco, trazendo constantemente uma aversão palpável desse tipo de ação coletiva, em "Bastille Day" fica difícil afirmar de que lado ele está. Essa impressão é reforçada com o trabalho vocal apaixonante de Geddy Lee, pois a banda já havia naquele momento se apresentado para muitas pessoas, sendo possível para eles observar os aspectos positivos e negativos dessas experiências.
A próxima canção caracteriza uma mudança de ritmo completa. "I Think I'm Going Bald" abre com Geddy ecoando como se tivesse acabado de ver o que ele realmente descreveria na canção. A letra de fala sobre acordar, olhar no espelho e perceber que se está ficando careca! A canção, apesar de sua conotação divertida, acaba por fim encerrando-se de forma profética: "But even when I'm grey I'll still be grey my way" ("Mesmo quando estiver grisalho, continuarei sendo grisalho do meu jeito").
"Lakeside Park" evoca dias e noites de descanso no verão, o tipo de vida que a banda havia definitivamente deixado de lado. Os vocais de Geddy trazem uma acerbidade que mostra que pelo menos parte dele se despedia daqueles dias despreocupados. "Lakeside Park" é um tipo de canção que pode se encaixar perfeitamente com qualquer pessoa, pois a maioria de nós já teve seus próprios dias em locais especiais e memoráveis.
A próxima canção traz uma espécie de continuação para "By-Tor And The Snowdog", do álbum anterior Fly By Night. "The Necromancer" nasce por uma uma estranha introdução vocal sobre três viajantes, Os Homens de Willowdale. O segmento foi gravado utilizando tratamentos na voz de Neil, trazendo efeitos que a velocidade de gravação a tornavam mais lenta. Tudo isso foi feito com o intuito de aumentar a experiência sonora da peça, expandindo os experimentos musicais que surgiram pela primeira vez em Fly By Night. "The Necromancer" é composta por três partes que são unidas pela batalha entre By-Tor and e o Necromante. A canção traz outra forte influência de J.R.R. Tolkien ao falar de magos, fantasmas e torres de fortalezas, sendo a primeira obra da banda que se estendia de um disco a outro.
Finalizando Caress Of Steel, temos a primeira grande suíte da carreira do Rush. "The Fountain of Lamneth" traz em sua descrição seis canções individuais listadas que, quando ouvidas em separado, denotam claramente que fazem parte de um todo. Há muitas evidências líricas e musicais que comprovam a afirmação, com todas as faixas completando-se entre si. O épico fala da compulsão de um homem em ver e experimentar o mundo, e se é possível entender o que tais experiências significam. O viajante encontra como chave o próprio fim, ou seja, a resposta de que não existe resposta alguma.
Mesmo no curto espaço de tempo em que o álbum foi produzido, é possível perceber o grande desenvolvimento da banda em suas habilidades composicionais. Os jovens canadenses se mostram mais sólidos e técnicos, trazendo muito do que o Rush se tornaria ao longo dos anos para o mundo do rock. É interessante observar que existem fãs que entendem Caress of Steel como sendo um dos melhores álbuns do Rush e o próprio Terry Brown, apesar das observações acerca da concepção do mesmo, faz questão de afirmar que ama toda a obra.
"No momento em que lançamos o disco estávamos muito felizes. Não houve muitas pessoas que partilharam dessa opinião conosco. Desde o começo sabíamos que não seria um grande disco (risos), e todo mundo que ouviu o mesmo comentava 'Hum, sim, uma nova direção'. Do ponto de vista de alguém que não conhecia a banda seria bem difícil entender Caress of Steel rapidamente. Mas há grandes canções ali".
Neil comentou sobre a atitude da banda enquanto gravavam o álbum:
"Estávamos serenos e confiantes, fazendo surgir um álbum com o qual ficamos tremendamente orgulhosos, como um passo importante para nosso desenvolvimento, apresentando uma grande variedade de dinâmicas e alguns momentos verdadeiros de originalidade".
Para concepção da capa, outro contribuinte de longa data da banda aparecia pela primeira vez. Hugh Syme, integrante da Ian Thomas Band (que também trabalhava com a Anthem Records), era quem projetava o design das capas de seu grupo. O empresário Ray Danniels gostava muito do seu trabalho e pediu para que ele trouxesse algumas ideias para a capa de Caress of Steel. Syme trabalhou com destreza numa imagem de um mago numa montanha com uma pirâmide flutuante à sua frente e uma cobra ao seu lado, ilustrando os temas recheados de fantasia comuns naquelas canções. O nome do grupo surgia acima da imagem, com o título logo abaixo. A ideia foi aceita.
Quando as capas começaram a ser impressas, houve um problema com as cores, similar ao que ocorreu com o primeiro álbum da banda. A ideia original de Hugh era a de fazer a arte do disco com um tom de aço que, por um problema de impressão, acabou vindo à tona num tom latão. Uma vez que a cor não tinha nada a ver com o aço, todo o conceito da capa havia sido arruinado. Naquele momento milhares de unidades já haviam sido prensadas e seria quase impossível retomar todo o projeto novamente, por conta do baixo orçamento que a banda dispunha na ocasião.
Caress of Steel foi lançado oficialmente em setembro de 1975. O álbum foi dedicado a Rod Serling, roteirista norte-americano e criador da série Além da Imaginação falecido um pouco antes, no dia 28 de junho. "The Necromancer: Return of the Prince" chegou a ser lançado como single, porém não foi muito bem, demorando muito a sair das prateleiras das lojas. A banda definitivamente não estava conseguindo o tão sonhado destaque na mídia.
Assim, o Rush partia para sua terceira turnê com um álbum que eles achavam que conquistaria mais fãs e que poderia angariar ainda mais evidência. Estavam convencidos de que não somente estavam satisfeitos com essa nova direção, porém ainda não sabiam que precisariam de mais um grande passo para se estabelecerem de vez como uma banda de renome.
O produtor Terry Brown sabia que a falta de interesse das rádios era sinal de problemas:
"Acho que a banda não desperta muito interesse da mídia. É sempre um problema. Se você faz um disco que o público não recebe muito bem, pode esquecer a mídia. Caress Of Steel foi um ótimo exemplo. Ele não era acessível o bastante para as rádios".
O Rush embarcava numa turnê de três meses e meio para promover seu novo álbum, e um dos pontos positivos dessa digressão foram as melhorias em suas condições de viagem. Ao invés de precisar alugar um carro, o trio viajou numa van Funcraft completa, com um frigobar e beliches, que foi apelidada de Blue Rocket. A equipe consistia em Howard Ungerleider atuando como chefe dos roadies e diretor de iluminação, Ian Grandy como o técnico de bateria e som, Liam Birt que se revezava como o roadie para os equipamentos do baixo e técnico de guitarra, e o recém chegado Skip Gildersleeve, que ficou no lugar de Jim Johnson, juntando-se à banda após a apresentação deles no Michigan Palace, em Detroit (EUA).
Todos se revezavam na tarefa da direção. Skip explica como trabalhavam:
"Tínhamos um esquema rotativo, onde Neil saia para escrever (havia uma equipe de três caras, tirando o Howard) e se você estivesse escalado para dirigir durante à noite, na próxima você ficava de copiloto e na outra você ficava com a banda, sem precisar dirigir. Os rapazes e Howard tinham a mesma escala com a Funcraft".
Definitivamente as coisas não iam bem para o Rush. A gravadora anunciava as vendas decepcionantes de Caress Of Steel, sendo nítida também a significativa queda de público e de entusiasmo por grande parte dos fãs. Embora o Rush viesse sentindo a construção de sua base de fãs durante as duas primeiras turnês, esse não foi o caso da terceira. A própria banda e equipe começaram a brincar, chamando a turnê de Down The Tubes Tour (A Turnê dos Apuros).
De acordo com Neil, "foi deprimente tocar numa sequência de cidades e clubes pequenos". Todos se encontravam muito desapontados. Liam recorda: "Achava que teríamos algo bem maior para esse álbum e turnê. Eles não receberam a atenção que mereciam. Talvez todo trabalho tenha sido um pouco auto-indulgente, mas acho que o material era extremamente bom e não consegui entender o porque não foi bem aceito. Talvez não fosse comercial o bastante para o público".
As coisas estavam tão complicadas que Geddy Lee revelou mais tarde, "pensamos que o melhor seria parar com tudo e voltar pra casa. Lembro que estávamos em Atlanta muito deprimidos, dizendo coisas como 'Isso não vai funcionar! O que estamos fazendo aqui?'"
Como em 1975 a Down The Tubes Tour quase levava o Rush à lona, o próprio nome da banda parecia irônico acerca do progresso que eles não estavam conseguindo. Com as vendas de discos em declínio, começaram a ter problemas com fluxo de caixa. Ray Danniels e o Rush estavam com um déficit de cerca de 325 mil dólares e, durante semanas, os salários da equipe não foram pagos. Em cada cheque sem fundo, os rapazes questionavam se aquilo seria mesmo para o bem deles. Alex disse sobre o difícil período, "Não sabíamos o que fazer, não sabíamos que direção tomar".
Comentários de fora começaram a borbulhar. Os próprios executivos da gravadora manifestavam dúvidas quanto a direção que o Rush estava tomando e até mesmo sobre suas perspectivas futuras. Sugestões indesejadas e não solicitadas inevitavelmente começavam a surgir.
Falando sobre hits, um retorno ao formato 'zeppeliano' era comentado frequentemente. A banda precisava cada vez mais fazer uma escolha crucial. "Tivemos que trabalhar duro", lembra Alex, "e de repente não tínhamos mais nenhum apoio. Pela forma como foi nossa negociação com a gravadora, tínhamos liberdade para fazer o que queríamos musicalmente. Quando enfrentamos a falta de apoio depois de Caress of Steel, tivemos que decidir o que iríamos fazer. Poderíamos dizer ok, desistimos, ou concordaríamos em realizar algo como no primeiro álbum. A terceira e última opção era mandarmos todos se foderem, tentando fazer o que queríamos. Decidimos por essa terceira. Conversamos sobre tudo isso e decidimos meter a cara, não nos preocupando com o que poderia acontecer".
A determinação deles foi reforçada por uma ideia na qual Neil estava trabalhando. Ele ainda tinha uma grande fascinação pela escritora Ayn Rand e tentava ponderar um conceito que pressionaria o trio a chegar a um produto que corresponderia a sua promessa. As representações heroicas de homens e mulheres de Rand lutando por sua liberdade criativa contra uma sociedade hostil assumiu um significado ainda mais pessoal para o grupo. Neil definitivamente percebeu um paralelo entre os personagens de Rand e as lutas que o Rush travava naquele momento.
FICHA TÉCNICA
Rush are:
Geddy Lee - bass and vocals
Alex Lifeson - 6 and 12 string electric and acoustic guitars, classical guitar, steel guitar
Neil Peart - percussion
Produced by Rush and Terry Brown
Engineered by Terry Brown
Arrangements by Rush and Terry Brown
Recorded and mixed at Toronto Sound Studios, Toronto, Canada
Roadmaster - Mr. 'Herns' Ungerleider
Roadcrew - Ian 'Rio' Grandy, Liam 'L.B.' Birt, J.D. 'Kool Mon' Johnson
Art direction - AGI
Graphics by Hugh Syme
Photography - Terrence Bert, Gerard Gentil, Barry McVicker
Executive production - Moon Records
Thanks to us for making it all possible.
A special hullo to Ape Friendly, Big Macho, M. Louis, Mr. Eisen, The Texas Heartbreaker, Sal de Bain, the Black Oak, Rick & the Shermans, Wolfman Marcus, Hot Sam, C.B. & J.B., Doc Cooper, The Opner and Sophisto Joe.
A personnal thank you, Terry, for your intimate courtesy and native grace of favour.
Correspondance - 55 Glencameron Rd., Thornhill, Ont., Canada.
Photos by Bruce Cole, Massey Hall, June 25, 1975
Dedicated to the memory of Mr. Rod Serling
Mercury/Polygram, September 1975
© 1975 Mercury Records © 1975 Anthem Entertainment
Seguindo os passos iniciados no seu bem-sucedido antecessor Fly By Night, 'Caress' levava os jovens de Toronto definitivamente a um novo direcionamento. O disco apresentava o molde que se tornaria característico da banda nos anos seguintes: um formato progressivo, lírico, épico e extremamente complexo. Infelizmente demorou para que os fãs e imprensa se entusiasmassem com as letras místicas e as melodias dinâmicas que aquele lançamento tinha a oferecer. Com isso, o disco não vendeu bem, o que acarretou o surgimento de insinuações e cobranças direcionadas à banda para a produção de músicas mais acessíveis, buscando o aumento das vendas. É provável que a má acolhida a esse trabalho advenha do fato de que o mesmo representava uma mudança de rumo que talvez boa parte das pessoas da época ainda não estivesse preparada para assimilar. Porém, acreditando em sua força e fiéis aos seus princípios, Lee, Lifeson e Peart não se entregaram às exigências da indústria fonográfica.
Caress of Steel traz primeiramente três composições de duração média e, na segunda parte, mais duas canções. Porém, vale salientar que essas não eram apenas 'canções' como uma banda de rock qualquer em desenvolvimento faria, e sim uma espécie de experimento e reflexão das dinâmicas das quais o trio estava destinado a se tornar mundialmente famoso.
"Lembro que Caress Of Steel, nos velhos tempos das fitas cassetes, tinha lados muito desiguais de duração", diz Neil Peart. "Acho que um deles trazia 20 minutos e o outro 25, e a gravadora queria que tirássemos uma música. Dissemos 'De jeito nenhum! Passamos por tudo isso e vão ficar todas no disco'".
Caress Of Steel pode ter sido considerado por alguns o fim do Rush durante um breve período, o que denotava um ledo engano. A obra era apenas o início de uma das carreiras mais brilhantes e originais dentro do mundo do rock.
Em julho de 1975, Geddy Lee, Alex Lifeson e Neil Peart retornam ao estúdio Toronto Sound para começar a trabalhar no terceiro álbum. Terry Brown é o produtor novamente. A banda se encontrava nesse momento bastante confiante, tendo em vista o sucesso dos seus dois discos anteriores e o visível crescimento de sua popularidade. Nas palavras de Neil, "tudo isso ajudou a reforçar nossa convicção acerca do que estávamos tentando realizar, sendo o motivo de continuarmos em busca do sucesso sem comprometer nossa música, pois achávamos que se isso não fosse possível, tudo teria sido em vão".
A banda havia acabado de fazer sua própria turnê como atração principal no Canadá, que incluiu uma performance com lotação máxima no famoso Massey Hall em Toronto, local que suportava cerca de 4000 pessoas, sendo para os três jovens a realização de um projeto ambicioso.
"Nunca havíamos conseguido fazer uma turnê pelo Canadá ou até mesmo pelo meio oeste do país", disse Lifeson. "Todo mundo dizia que o heavy metal já estava morto e que estávamos fora de moda". Já Peart declarou certa vez que tocar no Massey Hall foi uma de suas primeiras grandes ambições, e que sonhava começar sua carreira por lá.
Assim como em Fly By Night, a maior parte do álbum Caress Of Steel foi escrita na estrada. A preparação do material foi caracterizada por uma verdadeira corrida contra o tempo, pois os três músicos e toda a equipe teriam somente doze dias para gravar e mixar o disco, algo que poderia dificultar bastante o alcance do som que todos queriam para esse lançamento.
O maior fator a favor deles foi o fato de que grande parte das canções já havia sido trabalhada anteriormente. Alex lembra de como algumas das letras e músicas foram desenvolvidas:
"Neil escreveu a letra para 'Fountain Of Lamneth' de uma forma bem solta, apenas como um ponto de partida e chegada que abrangeria totalmente um dos lados do LP. Seria uma história completa, porém com divisões que pudessem ser tomadas como canções individuais caso você não as olhasse bem de perto e não as relacionasse entre si. Foi também muito importante para nós continuarmos com o personagem By-Tor nesse álbum, numa peça que acabou sendo intitulada de 'Necromancer'".
Caress of Steel foi lançado na América do Norte em setembro de 1975, surgindo de certo modo como um passo a frente na carreira da banda - comercial e musicalmente. Neste disco o trio aprofundou ainda mais suas ideias anteriores, porém esquecendo um pouco as melodias mais acessíveis existentes em Fly By Night.
Mas as coisas não correram bem nesse momento para os jovens canadenses. O tempo necessário para trabalhar em um compromisso tão complexo não foi o bastante, tendo eles o prazo de menos de duas semanas para preparar o álbum no estúdio. O produtor Terry Brown, em certa ocasião, concordou com essa observação, referindo-se ao álbum como um projeto ambicioso que não nasceu como de fato queriam. Brown reconheceu que a produção ficou um tanto quanto perdida, e que mais algumas semanas de trabalho resolveriam muitos problemas. Mesmo assim, o produtor afirma que as ideias musicais ali presentes são grandiosas, sendo este o primeiro trabalho em que o Rush propõe de forma consciente o desenvolvimento de um som definitivamente original. A partir de Caress of Steel, começamos a conhecer a base musical que seria marcante na carreira da banda ao longo dos anos vindouros.
O álbum começa com um estrondo, "Bastille Day". A letra trata sobre a Revolução Francesa, trazendo palavras raivosas, atingindo novos níveis de complexidade e ambiguidade. Claramente influenciada por Charles Dickens revivendo o terror de seu A Tale Of Two Cities, Neil expressa aqui tanto a selvageria da multidão no evento quanto os motivos de seu comportamento. Enquanto em momentos futuros da carreira da banda o letrista se mostraria mais desconfiado sobre as pessoas agindo em bloco, trazendo constantemente uma aversão palpável desse tipo de ação coletiva, em "Bastille Day" fica difícil afirmar de que lado ele está. Essa impressão é reforçada com o trabalho vocal apaixonante de Geddy Lee, pois a banda já havia naquele momento se apresentado para muitas pessoas, sendo possível para eles observar os aspectos positivos e negativos dessas experiências.
A próxima canção caracteriza uma mudança de ritmo completa. "I Think I'm Going Bald" abre com Geddy ecoando como se tivesse acabado de ver o que ele realmente descreveria na canção. A letra de fala sobre acordar, olhar no espelho e perceber que se está ficando careca! A canção, apesar de sua conotação divertida, acaba por fim encerrando-se de forma profética: "But even when I'm grey I'll still be grey my way" ("Mesmo quando estiver grisalho, continuarei sendo grisalho do meu jeito").
"Lakeside Park" evoca dias e noites de descanso no verão, o tipo de vida que a banda havia definitivamente deixado de lado. Os vocais de Geddy trazem uma acerbidade que mostra que pelo menos parte dele se despedia daqueles dias despreocupados. "Lakeside Park" é um tipo de canção que pode se encaixar perfeitamente com qualquer pessoa, pois a maioria de nós já teve seus próprios dias em locais especiais e memoráveis.
A próxima canção traz uma espécie de continuação para "By-Tor And The Snowdog", do álbum anterior Fly By Night. "The Necromancer" nasce por uma uma estranha introdução vocal sobre três viajantes, Os Homens de Willowdale. O segmento foi gravado utilizando tratamentos na voz de Neil, trazendo efeitos que a velocidade de gravação a tornavam mais lenta. Tudo isso foi feito com o intuito de aumentar a experiência sonora da peça, expandindo os experimentos musicais que surgiram pela primeira vez em Fly By Night. "The Necromancer" é composta por três partes que são unidas pela batalha entre By-Tor and e o Necromante. A canção traz outra forte influência de J.R.R. Tolkien ao falar de magos, fantasmas e torres de fortalezas, sendo a primeira obra da banda que se estendia de um disco a outro.
Finalizando Caress Of Steel, temos a primeira grande suíte da carreira do Rush. "The Fountain of Lamneth" traz em sua descrição seis canções individuais listadas que, quando ouvidas em separado, denotam claramente que fazem parte de um todo. Há muitas evidências líricas e musicais que comprovam a afirmação, com todas as faixas completando-se entre si. O épico fala da compulsão de um homem em ver e experimentar o mundo, e se é possível entender o que tais experiências significam. O viajante encontra como chave o próprio fim, ou seja, a resposta de que não existe resposta alguma.
Mesmo no curto espaço de tempo em que o álbum foi produzido, é possível perceber o grande desenvolvimento da banda em suas habilidades composicionais. Os jovens canadenses se mostram mais sólidos e técnicos, trazendo muito do que o Rush se tornaria ao longo dos anos para o mundo do rock. É interessante observar que existem fãs que entendem Caress of Steel como sendo um dos melhores álbuns do Rush e o próprio Terry Brown, apesar das observações acerca da concepção do mesmo, faz questão de afirmar que ama toda a obra.
"No momento em que lançamos o disco estávamos muito felizes. Não houve muitas pessoas que partilharam dessa opinião conosco. Desde o começo sabíamos que não seria um grande disco (risos), e todo mundo que ouviu o mesmo comentava 'Hum, sim, uma nova direção'. Do ponto de vista de alguém que não conhecia a banda seria bem difícil entender Caress of Steel rapidamente. Mas há grandes canções ali".
Neil comentou sobre a atitude da banda enquanto gravavam o álbum:
"Estávamos serenos e confiantes, fazendo surgir um álbum com o qual ficamos tremendamente orgulhosos, como um passo importante para nosso desenvolvimento, apresentando uma grande variedade de dinâmicas e alguns momentos verdadeiros de originalidade".
Para concepção da capa, outro contribuinte de longa data da banda aparecia pela primeira vez. Hugh Syme, integrante da Ian Thomas Band (que também trabalhava com a Anthem Records), era quem projetava o design das capas de seu grupo. O empresário Ray Danniels gostava muito do seu trabalho e pediu para que ele trouxesse algumas ideias para a capa de Caress of Steel. Syme trabalhou com destreza numa imagem de um mago numa montanha com uma pirâmide flutuante à sua frente e uma cobra ao seu lado, ilustrando os temas recheados de fantasia comuns naquelas canções. O nome do grupo surgia acima da imagem, com o título logo abaixo. A ideia foi aceita.
Quando as capas começaram a ser impressas, houve um problema com as cores, similar ao que ocorreu com o primeiro álbum da banda. A ideia original de Hugh era a de fazer a arte do disco com um tom de aço que, por um problema de impressão, acabou vindo à tona num tom latão. Uma vez que a cor não tinha nada a ver com o aço, todo o conceito da capa havia sido arruinado. Naquele momento milhares de unidades já haviam sido prensadas e seria quase impossível retomar todo o projeto novamente, por conta do baixo orçamento que a banda dispunha na ocasião.
Caress of Steel foi lançado oficialmente em setembro de 1975. O álbum foi dedicado a Rod Serling, roteirista norte-americano e criador da série Além da Imaginação falecido um pouco antes, no dia 28 de junho. "The Necromancer: Return of the Prince" chegou a ser lançado como single, porém não foi muito bem, demorando muito a sair das prateleiras das lojas. A banda definitivamente não estava conseguindo o tão sonhado destaque na mídia.
Assim, o Rush partia para sua terceira turnê com um álbum que eles achavam que conquistaria mais fãs e que poderia angariar ainda mais evidência. Estavam convencidos de que não somente estavam satisfeitos com essa nova direção, porém ainda não sabiam que precisariam de mais um grande passo para se estabelecerem de vez como uma banda de renome.
O produtor Terry Brown sabia que a falta de interesse das rádios era sinal de problemas:
"Acho que a banda não desperta muito interesse da mídia. É sempre um problema. Se você faz um disco que o público não recebe muito bem, pode esquecer a mídia. Caress Of Steel foi um ótimo exemplo. Ele não era acessível o bastante para as rádios".
O Rush embarcava numa turnê de três meses e meio para promover seu novo álbum, e um dos pontos positivos dessa digressão foram as melhorias em suas condições de viagem. Ao invés de precisar alugar um carro, o trio viajou numa van Funcraft completa, com um frigobar e beliches, que foi apelidada de Blue Rocket. A equipe consistia em Howard Ungerleider atuando como chefe dos roadies e diretor de iluminação, Ian Grandy como o técnico de bateria e som, Liam Birt que se revezava como o roadie para os equipamentos do baixo e técnico de guitarra, e o recém chegado Skip Gildersleeve, que ficou no lugar de Jim Johnson, juntando-se à banda após a apresentação deles no Michigan Palace, em Detroit (EUA).
Todos se revezavam na tarefa da direção. Skip explica como trabalhavam:
"Tínhamos um esquema rotativo, onde Neil saia para escrever (havia uma equipe de três caras, tirando o Howard) e se você estivesse escalado para dirigir durante à noite, na próxima você ficava de copiloto e na outra você ficava com a banda, sem precisar dirigir. Os rapazes e Howard tinham a mesma escala com a Funcraft".
Definitivamente as coisas não iam bem para o Rush. A gravadora anunciava as vendas decepcionantes de Caress Of Steel, sendo nítida também a significativa queda de público e de entusiasmo por grande parte dos fãs. Embora o Rush viesse sentindo a construção de sua base de fãs durante as duas primeiras turnês, esse não foi o caso da terceira. A própria banda e equipe começaram a brincar, chamando a turnê de Down The Tubes Tour (A Turnê dos Apuros).
De acordo com Neil, "foi deprimente tocar numa sequência de cidades e clubes pequenos". Todos se encontravam muito desapontados. Liam recorda: "Achava que teríamos algo bem maior para esse álbum e turnê. Eles não receberam a atenção que mereciam. Talvez todo trabalho tenha sido um pouco auto-indulgente, mas acho que o material era extremamente bom e não consegui entender o porque não foi bem aceito. Talvez não fosse comercial o bastante para o público".
As coisas estavam tão complicadas que Geddy Lee revelou mais tarde, "pensamos que o melhor seria parar com tudo e voltar pra casa. Lembro que estávamos em Atlanta muito deprimidos, dizendo coisas como 'Isso não vai funcionar! O que estamos fazendo aqui?'"
Como em 1975 a Down The Tubes Tour quase levava o Rush à lona, o próprio nome da banda parecia irônico acerca do progresso que eles não estavam conseguindo. Com as vendas de discos em declínio, começaram a ter problemas com fluxo de caixa. Ray Danniels e o Rush estavam com um déficit de cerca de 325 mil dólares e, durante semanas, os salários da equipe não foram pagos. Em cada cheque sem fundo, os rapazes questionavam se aquilo seria mesmo para o bem deles. Alex disse sobre o difícil período, "Não sabíamos o que fazer, não sabíamos que direção tomar".
Comentários de fora começaram a borbulhar. Os próprios executivos da gravadora manifestavam dúvidas quanto a direção que o Rush estava tomando e até mesmo sobre suas perspectivas futuras. Sugestões indesejadas e não solicitadas inevitavelmente começavam a surgir.
Falando sobre hits, um retorno ao formato 'zeppeliano' era comentado frequentemente. A banda precisava cada vez mais fazer uma escolha crucial. "Tivemos que trabalhar duro", lembra Alex, "e de repente não tínhamos mais nenhum apoio. Pela forma como foi nossa negociação com a gravadora, tínhamos liberdade para fazer o que queríamos musicalmente. Quando enfrentamos a falta de apoio depois de Caress of Steel, tivemos que decidir o que iríamos fazer. Poderíamos dizer ok, desistimos, ou concordaríamos em realizar algo como no primeiro álbum. A terceira e última opção era mandarmos todos se foderem, tentando fazer o que queríamos. Decidimos por essa terceira. Conversamos sobre tudo isso e decidimos meter a cara, não nos preocupando com o que poderia acontecer".
A determinação deles foi reforçada por uma ideia na qual Neil estava trabalhando. Ele ainda tinha uma grande fascinação pela escritora Ayn Rand e tentava ponderar um conceito que pressionaria o trio a chegar a um produto que corresponderia a sua promessa. As representações heroicas de homens e mulheres de Rand lutando por sua liberdade criativa contra uma sociedade hostil assumiu um significado ainda mais pessoal para o grupo. Neil definitivamente percebeu um paralelo entre os personagens de Rand e as lutas que o Rush travava naquele momento.
FICHA TÉCNICA
Rush are:
Geddy Lee - bass and vocals
Alex Lifeson - 6 and 12 string electric and acoustic guitars, classical guitar, steel guitar
Neil Peart - percussion
Produced by Rush and Terry Brown
Engineered by Terry Brown
Arrangements by Rush and Terry Brown
Recorded and mixed at Toronto Sound Studios, Toronto, Canada
Roadmaster - Mr. 'Herns' Ungerleider
Roadcrew - Ian 'Rio' Grandy, Liam 'L.B.' Birt, J.D. 'Kool Mon' Johnson
Art direction - AGI
Graphics by Hugh Syme
Photography - Terrence Bert, Gerard Gentil, Barry McVicker
Executive production - Moon Records
Thanks to us for making it all possible.
A special hullo to Ape Friendly, Big Macho, M. Louis, Mr. Eisen, The Texas Heartbreaker, Sal de Bain, the Black Oak, Rick & the Shermans, Wolfman Marcus, Hot Sam, C.B. & J.B., Doc Cooper, The Opner and Sophisto Joe.
A personnal thank you, Terry, for your intimate courtesy and native grace of favour.
Correspondance - 55 Glencameron Rd., Thornhill, Ont., Canada.
Photos by Bruce Cole, Massey Hall, June 25, 1975
Dedicated to the memory of Mr. Rod Serling
Mercury/Polygram, September 1975
© 1975 Mercury Records © 1975 Anthem Entertainment