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LAKESIDE PARK THE NECROMANCER THE FOUNTAIN OF LAMNETH
THE NECROMANCER
I. Into Darkness (4:12)
As grey traces of dawn tinge the eastern sky, the three travelers, men of Willow Dale, emerge from the forest shadow. Fording the River Dawn, they turn south, journeying into the dark and forbidding lands of the Necromancer. Even now the intensity of his dread power can be felt, weakening the body and saddening the heart. Ultimately they will become empty, mindless spectres, stripped of will and soul. Only their thirst for freedom gives them hunger for vengeance...
Silence shrouds the forest
As the birds announce the dawn
Three trav'llers ford the river
And southward journey on
The road is lined with peril
The air is charged with fear
The shadow of his nearness
Weighs like iron tears
II. Under the Shadow (4:25)
Shreds of black cloud loom in overcast skies. The Necromancer keeps watch with his magic prism eyes. He views all his lands and is already aware of the three helpless invaders trapped in his lair...
Brooding in the tower
Watching o'er his land
Holding ev'ry creature
Helplessly they stand
Gaze into his prisms
Knowing they are near
Lead them to the dungeons
Spectres numb with fear
They bow defeated
III. Return of the Prince (3:52)
Enter the Champion. Prince By-Tor appears to battle for freedom from chains of long years. The spell has been broken...the Dark Lands are bright, the Wraith of the Necromancer soars away...in the night.
Stealthily attacking
By-Tor slays his foe
The men are free to run now
From labyrinths below
The Wraith of Necromancer
Shadows through the sky
Another land to darken
With evil prism eye...
Terminat hora diem; terminat auctor opus
I. Into Darkness (4:12)
As grey traces of dawn tinge the eastern sky, the three travelers, men of Willow Dale, emerge from the forest shadow. Fording the River Dawn, they turn south, journeying into the dark and forbidding lands of the Necromancer. Even now the intensity of his dread power can be felt, weakening the body and saddening the heart. Ultimately they will become empty, mindless spectres, stripped of will and soul. Only their thirst for freedom gives them hunger for vengeance...
Silence shrouds the forest
As the birds announce the dawn
Three trav'llers ford the river
And southward journey on
The road is lined with peril
The air is charged with fear
The shadow of his nearness
Weighs like iron tears
II. Under the Shadow (4:25)
Shreds of black cloud loom in overcast skies. The Necromancer keeps watch with his magic prism eyes. He views all his lands and is already aware of the three helpless invaders trapped in his lair...
Brooding in the tower
Watching o'er his land
Holding ev'ry creature
Helplessly they stand
Gaze into his prisms
Knowing they are near
Lead them to the dungeons
Spectres numb with fear
They bow defeated
III. Return of the Prince (3:52)
Enter the Champion. Prince By-Tor appears to battle for freedom from chains of long years. The spell has been broken...the Dark Lands are bright, the Wraith of the Necromancer soars away...in the night.
Stealthily attacking
By-Tor slays his foe
The men are free to run now
From labyrinths below
The Wraith of Necromancer
Shadows through the sky
Another land to darken
With evil prism eye...
Terminat hora diem; terminat auctor opus
O NECROMANTE
I. Na Escuridão
Enquanto traços do amanhecer cinzento tingem o céu do oriente, os três viajantes, homens de Willow Dale, emergem das sombras da floresta. Atravessando o Rio Dawn, eles se voltam ao Sul, numa jornada para as terras escuras e proibidas do Necromante. Mesmo agora a intensidade de seu temível poder pode ser sentida, enfraquecendo o corpo e entristecendo o coração. Por fim, eles se tornarão espectros vazios, desatentos, desprovidos de vontade e alma. Somente a sede de liberdade lhes dá a fome de vingança...
O silêncio encobre a floresta
Enquanto os pássaros anunciam a alvorada
Três viajantes cruzam o rio
E a jornada para o Sul começa
A estrada é repleta de perigos
O ar está carregado de medo
A sombra de sua proximidade
Pesa como lágrimas de ferro
II. No Âmbito da Sombra
Fragmentos de nuvens negras pairam no céu nublado. O Necromante ainda vigia com seus olhos de prisma mágicos. Ele visualiza todas as suas terras e já está ciente dos três invasores indefesos presos em seu covil...
Maquinando na torre
Observando sua terra
Dominando cada criatura
Impotentes elas permanecem
Olhar fixo em seus prismas
Sabendo que eles estão por perto
Os conduz para as masmorras
Espectros entorpecidos de medo
Eles se curvam derrotados
III. O Retorno do Príncipe
Entra o Campeão. O príncipe By-Tor surge para combater pela libertação das correntes de longos anos. O feitiço foi quebrado...as Terras Negras agora brilham, O Espectro do Necromante voa pra longe...pela noite.
Atacando sorrateiramente
By-Tor mata seu inimigo
Os homens estão livres para fugir agora
Dos labirintos subterrâneos
O Espectro do Necromante
Obscurece pelos céus
Outra terra para assombrar
Com seu olho de prisma maligno...
A hora termina o dia; o autor termina a obra
I. Na Escuridão
Enquanto traços do amanhecer cinzento tingem o céu do oriente, os três viajantes, homens de Willow Dale, emergem das sombras da floresta. Atravessando o Rio Dawn, eles se voltam ao Sul, numa jornada para as terras escuras e proibidas do Necromante. Mesmo agora a intensidade de seu temível poder pode ser sentida, enfraquecendo o corpo e entristecendo o coração. Por fim, eles se tornarão espectros vazios, desatentos, desprovidos de vontade e alma. Somente a sede de liberdade lhes dá a fome de vingança...
O silêncio encobre a floresta
Enquanto os pássaros anunciam a alvorada
Três viajantes cruzam o rio
E a jornada para o Sul começa
A estrada é repleta de perigos
O ar está carregado de medo
A sombra de sua proximidade
Pesa como lágrimas de ferro
II. No Âmbito da Sombra
Fragmentos de nuvens negras pairam no céu nublado. O Necromante ainda vigia com seus olhos de prisma mágicos. Ele visualiza todas as suas terras e já está ciente dos três invasores indefesos presos em seu covil...
Maquinando na torre
Observando sua terra
Dominando cada criatura
Impotentes elas permanecem
Olhar fixo em seus prismas
Sabendo que eles estão por perto
Os conduz para as masmorras
Espectros entorpecidos de medo
Eles se curvam derrotados
III. O Retorno do Príncipe
Entra o Campeão. O príncipe By-Tor surge para combater pela libertação das correntes de longos anos. O feitiço foi quebrado...as Terras Negras agora brilham, O Espectro do Necromante voa pra longe...pela noite.
Atacando sorrateiramente
By-Tor mata seu inimigo
Os homens estão livres para fugir agora
Dos labirintos subterrâneos
O Espectro do Necromante
Obscurece pelos céus
Outra terra para assombrar
Com seu olho de prisma maligno...
A hora termina o dia; o autor termina a obra
Os três homens de Willow Dale vão ao encontro de seu algoz
Após a nostálgica e acessível "Lakeside Park", Caress of Steel alcança enfim seu momento ímpar na quarta faixa. Ao longo de doze minutos e meio, o ouvinte é subitamente absorvido para dentro de uma atmosfera mágica, tragado por uma composição assustadora, progressiva e terrivelmente pesada. Desenhada em um cenário tolkieniano e repleta de influências dos próprios canadenses, "The Necromancer" é um épico de ares fantásticos e experimentais que consegue soar de maneira simplesmente sensacional.
Definitivamente, esse é o ponto em que Caress of Steel inicia seu papel diferencial na carreira do Rush, mesmo que incompreendido no período de seu lançamento. "The Necromancer" é, na verdade, um conto obscuro que demonstra pela primeira vez como os canadenses podiam, de forma intrincada, tornar sua música em verdadeiras obras de arte. Consistindo numa epopeia hipnotizante, a canção intensifica a ideia de "By-Tor And The Snowdog", do anterior Fly By Night, apresentando uma sequência de canções musicalmente distintas que se complementam perfeitamente. A composição consegue, portanto, expandir as propostas de sua predecessora, emitindo uma forte gama de paisagens e sensações que imergem o ouvinte por inteiro em cada uma de suas três passagens.
"The Necromancer" nasce com uma estranha introdução vocal sobre três viajantes, os referidos Homens de Willowdale. Esse segmento foi gravado com tratamentos rudimentares na voz de Neil Peart, utilizando efeitos na velocidade de captura que a tornaram muito mais lenta e aterrorizante. Tal investida denota o intuito de aumentar a experiência sonora da peça, conseguindo ampliar todos os experimentos e movimentos musicais aqui sugeridos.
A canção trazia como obscuro subtítulo "A Short Story by Rush" ("Um Conto por Rush") na antiga letra escrita à mão pelo próprio Neil Peart. Esse costume do músico, muito comum na época, ainda se prolongaria por vários anos. Assim como "Rivendell", de Fly By Night, o título e algumas passagens de "The Necromancer" também são provenientes diretamente da obra O Senhor dos Anéis, do escritor e professor universitário britânico J. R. R. Tolkien (1892 - 1973). Peart toma o maligno personagem Sauron (também conhecido na obra anterior O Hobbit como o Necromante) para integrar todo o âmbito de sua incrível peça musical. Na história original, o Necromante era a representação do maior inimigo dos povos livres da Terra Média durante a Segunda e a Terceira Era. Após a derrota de Morgoth, este se tornou o Senhor das Trevas e tentou conquistar tudo o que pudesse ao seu redor. Forjou um anel para exercer a sua vontade sobre as demais, porém, no fim, este acabou sendo o instrumento de sua própria derrocada.
O termo Necromante remete àquele que pratica a Necromancia (do grego nekromanteía - nekro, "morto" e manteía, "adivinhação"), uma forma de evocação de espíritos na busca de adivinhações do futuro ou obtenção de sabedoria espiritual. A Necromancia, surgida na Pérsia, foi bastante praticada durante a Idade Média, começando a florescer justamente quando a Igreja Católica iniciava a proibição de sua prática por considerá-la uma forma de bruxaria (muitos de seus praticantes foram, por conta disso, queimados ou enforcados). De acordo com a crença, os Necromantes recorrem a espíritos que predizem o futuro, acreditando que, uma vez que um corpo morre, este já não possui as limitações terrestres, sendo portanto capaz de prever o futuro, descrevendo informações que os mortais não conseguem alcançar.
"The Necromancer" apresenta de forma contundente a arte da interpretação. A atuação dos integrantes revela um grande empenho e perfeccionismo que fazem desta uma das mais ricas e interessantes peças da carreira do Rush. O desenvolvimento dos vocais de Geddy Lee é definitivamente consolidado como um grande diferencial para o trio, já que as letras magistrais de Peart são declamadas por ele sempre com grande dedicação, atitude que leva o ouvinte a visualizar perfeitamente todos os assuntos propostos e seus segmentos. Musicalmente, Lee, Lifeson e Peart também se mostram cada vez mais brilhantes em suas atribuições, pois "The Necromancer" pede por mudanças de tempo e de climas, sincronismo e efeitos que eles superam com grande perícia.
A composição é repleta de símbolos, apresentando três viajantes solitários que, mesmo lembrando de imediato os personagens tokienianos Frodo, Sam e Gollum (Sméagol), refletem sem esforço uma alusão aos próprios integrantes do Rush. Nesse período, a banda buscava se afirmar no cenário do rock através da proposta que acreditavam, mesmo que a atitude pudesse fazer surgir dificuldades para uma definitiva consolidação da carreira. O Necromante, portanto, incorpora a própria indústria da música e a crítica que tentaria controlar a banda, enquanto os canadenses representariam os heróis que lutariam bravamente contra todas as pressões e por sua inteira liberdade.
"The Necromancer" é dividida em três partes, e cada uma delas é deliciosamente vibrante por si. Quando juntas, geram magia.
I. Into The Darkness (0:00 – 4:12)
A canção tem início com "Into The Darkness" que, conforme sugerida pelo próprio título, traz a obscuridade como marca maior. Sons experimentais e crescentes, guitarras gravadas em reverso representando espectros que vem e vão em um clima sombrio, cadenciado e psicodélico. Seu início é narrado pela voz sombria de Peart, com sons guitarrísticos absolutamente climáticos e um groove de baixo e bateria bastante impactante. Quando Geddy inicia os vocais, os riffs vão ganhando intensidade até culminarem em uma canção simplesmente matadora. O trecho ainda rende um ótimo solo lifesoniano, repleto de sentimentos que ajudam a esboçar a perfeita transição entre os dois primeiros segmentos.
Nesse trecho já ocorre a grande influência de O Senhor Dos Anéis. Os três homens de Willow Dale, inspirados na história dos três viajantes Frodo, Sam e Gollum, entram na maldita Mordor, local da Terra Média onde vive Sauron, aqui apresentado como o Necromante.
"Into The Darkness" ainda faz uso de algumas referências à cidade de Toronto. Willowdale é o nome de um subúrbio onde Geddy e Alex cresceram, que na canção surge com Willow separado de Dale. Esses dois pequenos termos refletem outros tributos à grande obra primordial britânica, onde Willow traz a lembrança do Velho Salgueiro-Homem (Old Man Willow), um marcante personagem da saga, e Dale (traduzido para o português como Valle), é o nome da cidade dos homens no pé da Montanha Solitária, onde o dragão Smaug encontrou seu fim. Já o Rio Don, que representa um dos limites originais à leste de Toronto, surge na canção como o Rio Dawn (ou o Rio do Amanhecer), atravessado pelos três destemidos viajantes.
A expressão "fording a river" era um artifício literário muito utilizado pelos antigos para relatar a etapa decisiva de uma viagem.
II. Under The Shadow (4:13 – 8:38)
Uma nova interação falada evoca a perfeita descrição da paisagem sombria e do medo que invadem todo o cenário. Efeitos curiosos de guitarra ajudam a criar o clima de grande tensão, logo explodidos por um padrão rítmico percussivo bastante ousado detonado por Peart. Uma grande mudança de intensidade marca "Under The Shadow", sendo este, definitivamente, o trecho mais apreensivo e pesado de toda canção. Aqui o ouvinte é lembrado que o Necromante conhece e vigia todos os passos dos viajantes através de sua mágica, atraindo-os diretamente para suas garras nefastas. Nesse momento, os músicos conseguem provocar grande suspense por conta da provável derrota dos protagonistas para o temível vilão.
Guitarras ardentes, linhas de baixo e bateria incomuns e vocais muito agressivos. "Under The Shadow" traduz o medo e o terror de maneira perfeita. O desenrolar de sua atmosfera consegue se tornar ainda mais intensa, deflagrando extrema velocidade e energia no trecho final que pode ser definido como uma das sessões mais pesadas e ousadas já criadas pela banda até aquele momento.
Liricamente, o pequeno termo O'er que surge na segunda linha refere-se a uma forma antiga reduzida do inglês para a palavra over, similar a utilização de Eth em "By-Tor and the Snowdog", representando mais um belo toque pretérito para os ares da composição.
III. Return Of The Prince (8:39 – 12:30)
O último movimento, "Return Of The Prince", é a mais curta e a menos sombria das três partes de "The Necromancer". Temos aqui o fechamento da peça que, com clima de leveza, simplicidade e triunfo, nos conta como os três viajantes conseguem a tão sonhada liberdade, através da intervenção do agora herói e príncipe By-Tor. Interessante observar o retorno desse personagem, dessa vez como o destemido que derrota o Necromante e não mais como o "cavaleiro das trevas", "o centurião do mal" e o "príncipe do diabo" da original "By-Tor And The Snow Dog", de Fly By Night.
Trazendo novamente uma referência à obra O Senhor dos Anéis, o terceiro trecho visita claramente o terceiro livro da trilogia, O Retorno do Rei, com o Necromante finalmente sendo derrotado como na história original. Porém, ao mesmo tempo, a canção se afasta dos acontecimentos do livro, inserindo o retorno de By-Tor e exaltando-o como o verdadeiro protagonista. A canção, assim como uma história, se desvanece em um extenso solo de guitarra e, na medida da conclusão de um livro, o encarte surge com frase em latim Terminat Hora diem; terminat opus auctor logo abaixo a letra de "The Necromancer", podendo ser traduzida como A hora termina o dia; o autor termina a obra.
"Acho que By-Tor é como todos nós - às vezes bom e às vezes mal", diz Peart.
© 2014 Rush Fã-Clube Brasil
BERTI, J. Rush and Philosophy: Heart and Mind United (Popular Culture and Philosophy). Chicago: Open Court, 2011.
TELLERIA, E. Merely Players Tribute. Quarry Music Books, 2002.
BANASIEWICZ, B. Rush Visions: The Official Biography. Omnibus Press, 1987.
THE TELEGRAPH. Disponível em http://www.telegraph.co.uk/culture/books/books-life/7545438/The-20-greatest-childrens-books-ever.html. Acesso em 16 de agosto de 2014.
J.R.R. Tolkien. The Lord of the Rings. HarperCollins, 1991.
Definitivamente, esse é o ponto em que Caress of Steel inicia seu papel diferencial na carreira do Rush, mesmo que incompreendido no período de seu lançamento. "The Necromancer" é, na verdade, um conto obscuro que demonstra pela primeira vez como os canadenses podiam, de forma intrincada, tornar sua música em verdadeiras obras de arte. Consistindo numa epopeia hipnotizante, a canção intensifica a ideia de "By-Tor And The Snowdog", do anterior Fly By Night, apresentando uma sequência de canções musicalmente distintas que se complementam perfeitamente. A composição consegue, portanto, expandir as propostas de sua predecessora, emitindo uma forte gama de paisagens e sensações que imergem o ouvinte por inteiro em cada uma de suas três passagens.
"The Necromancer" nasce com uma estranha introdução vocal sobre três viajantes, os referidos Homens de Willowdale. Esse segmento foi gravado com tratamentos rudimentares na voz de Neil Peart, utilizando efeitos na velocidade de captura que a tornaram muito mais lenta e aterrorizante. Tal investida denota o intuito de aumentar a experiência sonora da peça, conseguindo ampliar todos os experimentos e movimentos musicais aqui sugeridos.
A canção trazia como obscuro subtítulo "A Short Story by Rush" ("Um Conto por Rush") na antiga letra escrita à mão pelo próprio Neil Peart. Esse costume do músico, muito comum na época, ainda se prolongaria por vários anos. Assim como "Rivendell", de Fly By Night, o título e algumas passagens de "The Necromancer" também são provenientes diretamente da obra O Senhor dos Anéis, do escritor e professor universitário britânico J. R. R. Tolkien (1892 - 1973). Peart toma o maligno personagem Sauron (também conhecido na obra anterior O Hobbit como o Necromante) para integrar todo o âmbito de sua incrível peça musical. Na história original, o Necromante era a representação do maior inimigo dos povos livres da Terra Média durante a Segunda e a Terceira Era. Após a derrota de Morgoth, este se tornou o Senhor das Trevas e tentou conquistar tudo o que pudesse ao seu redor. Forjou um anel para exercer a sua vontade sobre as demais, porém, no fim, este acabou sendo o instrumento de sua própria derrocada.
O termo Necromante remete àquele que pratica a Necromancia (do grego nekromanteía - nekro, "morto" e manteía, "adivinhação"), uma forma de evocação de espíritos na busca de adivinhações do futuro ou obtenção de sabedoria espiritual. A Necromancia, surgida na Pérsia, foi bastante praticada durante a Idade Média, começando a florescer justamente quando a Igreja Católica iniciava a proibição de sua prática por considerá-la uma forma de bruxaria (muitos de seus praticantes foram, por conta disso, queimados ou enforcados). De acordo com a crença, os Necromantes recorrem a espíritos que predizem o futuro, acreditando que, uma vez que um corpo morre, este já não possui as limitações terrestres, sendo portanto capaz de prever o futuro, descrevendo informações que os mortais não conseguem alcançar.
"The Necromancer" apresenta de forma contundente a arte da interpretação. A atuação dos integrantes revela um grande empenho e perfeccionismo que fazem desta uma das mais ricas e interessantes peças da carreira do Rush. O desenvolvimento dos vocais de Geddy Lee é definitivamente consolidado como um grande diferencial para o trio, já que as letras magistrais de Peart são declamadas por ele sempre com grande dedicação, atitude que leva o ouvinte a visualizar perfeitamente todos os assuntos propostos e seus segmentos. Musicalmente, Lee, Lifeson e Peart também se mostram cada vez mais brilhantes em suas atribuições, pois "The Necromancer" pede por mudanças de tempo e de climas, sincronismo e efeitos que eles superam com grande perícia.
A composição é repleta de símbolos, apresentando três viajantes solitários que, mesmo lembrando de imediato os personagens tokienianos Frodo, Sam e Gollum (Sméagol), refletem sem esforço uma alusão aos próprios integrantes do Rush. Nesse período, a banda buscava se afirmar no cenário do rock através da proposta que acreditavam, mesmo que a atitude pudesse fazer surgir dificuldades para uma definitiva consolidação da carreira. O Necromante, portanto, incorpora a própria indústria da música e a crítica que tentaria controlar a banda, enquanto os canadenses representariam os heróis que lutariam bravamente contra todas as pressões e por sua inteira liberdade.
"The Necromancer" é dividida em três partes, e cada uma delas é deliciosamente vibrante por si. Quando juntas, geram magia.
I. Into The Darkness (0:00 – 4:12)
A canção tem início com "Into The Darkness" que, conforme sugerida pelo próprio título, traz a obscuridade como marca maior. Sons experimentais e crescentes, guitarras gravadas em reverso representando espectros que vem e vão em um clima sombrio, cadenciado e psicodélico. Seu início é narrado pela voz sombria de Peart, com sons guitarrísticos absolutamente climáticos e um groove de baixo e bateria bastante impactante. Quando Geddy inicia os vocais, os riffs vão ganhando intensidade até culminarem em uma canção simplesmente matadora. O trecho ainda rende um ótimo solo lifesoniano, repleto de sentimentos que ajudam a esboçar a perfeita transição entre os dois primeiros segmentos.
Nesse trecho já ocorre a grande influência de O Senhor Dos Anéis. Os três homens de Willow Dale, inspirados na história dos três viajantes Frodo, Sam e Gollum, entram na maldita Mordor, local da Terra Média onde vive Sauron, aqui apresentado como o Necromante.
"Into The Darkness" ainda faz uso de algumas referências à cidade de Toronto. Willowdale é o nome de um subúrbio onde Geddy e Alex cresceram, que na canção surge com Willow separado de Dale. Esses dois pequenos termos refletem outros tributos à grande obra primordial britânica, onde Willow traz a lembrança do Velho Salgueiro-Homem (Old Man Willow), um marcante personagem da saga, e Dale (traduzido para o português como Valle), é o nome da cidade dos homens no pé da Montanha Solitária, onde o dragão Smaug encontrou seu fim. Já o Rio Don, que representa um dos limites originais à leste de Toronto, surge na canção como o Rio Dawn (ou o Rio do Amanhecer), atravessado pelos três destemidos viajantes.
A expressão "fording a river" era um artifício literário muito utilizado pelos antigos para relatar a etapa decisiva de uma viagem.
II. Under The Shadow (4:13 – 8:38)
Uma nova interação falada evoca a perfeita descrição da paisagem sombria e do medo que invadem todo o cenário. Efeitos curiosos de guitarra ajudam a criar o clima de grande tensão, logo explodidos por um padrão rítmico percussivo bastante ousado detonado por Peart. Uma grande mudança de intensidade marca "Under The Shadow", sendo este, definitivamente, o trecho mais apreensivo e pesado de toda canção. Aqui o ouvinte é lembrado que o Necromante conhece e vigia todos os passos dos viajantes através de sua mágica, atraindo-os diretamente para suas garras nefastas. Nesse momento, os músicos conseguem provocar grande suspense por conta da provável derrota dos protagonistas para o temível vilão.
Guitarras ardentes, linhas de baixo e bateria incomuns e vocais muito agressivos. "Under The Shadow" traduz o medo e o terror de maneira perfeita. O desenrolar de sua atmosfera consegue se tornar ainda mais intensa, deflagrando extrema velocidade e energia no trecho final que pode ser definido como uma das sessões mais pesadas e ousadas já criadas pela banda até aquele momento.
Liricamente, o pequeno termo O'er que surge na segunda linha refere-se a uma forma antiga reduzida do inglês para a palavra over, similar a utilização de Eth em "By-Tor and the Snowdog", representando mais um belo toque pretérito para os ares da composição.
III. Return Of The Prince (8:39 – 12:30)
O último movimento, "Return Of The Prince", é a mais curta e a menos sombria das três partes de "The Necromancer". Temos aqui o fechamento da peça que, com clima de leveza, simplicidade e triunfo, nos conta como os três viajantes conseguem a tão sonhada liberdade, através da intervenção do agora herói e príncipe By-Tor. Interessante observar o retorno desse personagem, dessa vez como o destemido que derrota o Necromante e não mais como o "cavaleiro das trevas", "o centurião do mal" e o "príncipe do diabo" da original "By-Tor And The Snow Dog", de Fly By Night.
Trazendo novamente uma referência à obra O Senhor dos Anéis, o terceiro trecho visita claramente o terceiro livro da trilogia, O Retorno do Rei, com o Necromante finalmente sendo derrotado como na história original. Porém, ao mesmo tempo, a canção se afasta dos acontecimentos do livro, inserindo o retorno de By-Tor e exaltando-o como o verdadeiro protagonista. A canção, assim como uma história, se desvanece em um extenso solo de guitarra e, na medida da conclusão de um livro, o encarte surge com frase em latim Terminat Hora diem; terminat opus auctor logo abaixo a letra de "The Necromancer", podendo ser traduzida como A hora termina o dia; o autor termina a obra.
"Acho que By-Tor é como todos nós - às vezes bom e às vezes mal", diz Peart.
© 2014 Rush Fã-Clube Brasil
BERTI, J. Rush and Philosophy: Heart and Mind United (Popular Culture and Philosophy). Chicago: Open Court, 2011.
TELLERIA, E. Merely Players Tribute. Quarry Music Books, 2002.
BANASIEWICZ, B. Rush Visions: The Official Biography. Omnibus Press, 1987.
THE TELEGRAPH. Disponível em http://www.telegraph.co.uk/culture/books/books-life/7545438/The-20-greatest-childrens-books-ever.html. Acesso em 16 de agosto de 2014.
J.R.R. Tolkien. The Lord of the Rings. HarperCollins, 1991.