WITCH HUNT (PART III OF FEAR)



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THE CAMERA EYE  WITCH HUNT  VITAL SIGNS


WITCH HUNT (PART III OF FEAR)

The night is black,
Without a moon
The air is thick and still

The vigilantes gather on
The lonely torchlit hill


Features distorted in the flickering light,
The faces are twisted and grotesque
Silent and stern in the sweltering night,
The mob moves like demons possessed
Quiet in conscience, calm in their right,
Confident their ways are best

The righteous rise
With burning eyes
Of hatred and ill-will

Madmen fed on fear and lies
To beat and burn and kill


They say there are strangers who threaten us,
In our immigrants and infidels
They say there is strangeness, too dangerous
In our theatres and bookstore shelves,
That those who know what's best for us
Must rise and save us from ourselves

Quick to judge,
Quick to anger,
Slow to understand

Ignorance and prejudice
And fear
Walk hand in hand
CAÇA ÀS BRUXAS (Parte III da quadrilogia 'MEDO')

A noite é negra,
Sem lua
O ar está denso e imóvel

Os justiceiros se reúnem
Na colina solitária iluminada por tochas


Traços distorcidos sob a luz trêmula,
Os rostos são bizarros e grotescos
Silenciosa e severa na noite sufocante,
A multidão se move como que possuída por demônios
Quietos em consciência, calmos em seus direitos,
Confiantes de que suas condutas são as melhores

Os justos se erguem
Com olhos ardentes
De ódio e malevolência

Loucos alimentados por medo e mentiras
Para bater, queimar e matar


Eles dizem que há estranhos que nos ameaçam,
Entre nossos imigrantes e céticos
Eles dizem que há estranheza, muito perigosa
Em nossos teatros e prateleiras de livrarias,
E que aqueles que sabem o que é melhor para nós
Devem erguer-se e salvar-nos de nós mesmos

Rápidos para julgar,
Rápidos para se irar,
Lentos para entender

Ignorância e preconceito
E medo
Caminham de mãos dadas


Música por Geddy Lee e Alex Lifeson / Letra por Neil Peart


O medo que que move multidões, provocando o preconceito, a intolerância e o ódio

A sexta faixa de Moving Pictures, "Witch Hunt", é certamente uma das obras mais sombrias que o trio canadense já compôs em toda a carreira. Pesada e densa, a canção é, a princípio, inspirada na caça às Bruxas de Salém, episódio marcado pela superstição e credulidade que levaram pessoas a serem perseguidas e julgadas por bruxaria no pequeno povoado localizado na Baía de Massachusetts, na região da Nova Inglaterra (EUA), em outubro de 1692. O tribunal especial de Oyer e Terminer, composto por sete juízes para o julgamento dos casos, executou por enforcamento aproximadamente vinte acusados. De forma poética e através de tomadas fortemente cinematográficas, a banda aborda mais uma vez os possíveis e perigosos desdobramentos de uma mentalidade coletivista, dessa vez trazendo uma reflexão brilhante sobre como o medo, o preconceito, a intolerância e a violência podem se relacionar.

Com o início dos trabalhos em Moving Pictures, alguns comentários surgidos na mídia da época afirmavam que Neil Peart havia abandonado uma letra baseada na obra Wessex Tales, coletânea de contos de Thomas Hardy (1840 - 1928), poeta e novelista inglês muito famoso por seu pessimismo e radicalismo. A opção, no caso, foi por "Witch Hunt". Sendo a última composição concluída para o disco, a música foi reservada para ser um trabalho exclusivo de estúdio, com o qual os integrantes estariam liberados para a experimentação de novos caminhos, sem se preocuparem com a execução em apresentações ao vivo.

"Pegamos um curso ligeiramente diferente com 'Witch Hunt'", explica Peart. "Geralmente, nossa música é reunida como trio, mas às vezes reservamos um projeto para ser uma produção exclusiva de estúdio. Sendo uma peça do tipo cinematográfica, 'Witch Hunt' permitiu uma ampla atmosfera para efeitos de percussão incomuns que eu quis aproveitar! Esgotei todo meu arsenal utilizando gong bass, sinos de vento, glockenspiel, carrilhão de orquestra, conga, cowbells, vibraslap, efeitos eletrônicos variados e, para uma das seções, gravei todo o kit de bateria duplicadamente. Foi divertido".

"Nossa intenção sempre foi utilizá-la como o 'tema de trabalho' do álbum, na tradição de outros sons nossos como 'Different Strings', 'Madrigal' e 'Tears'. Isso nos liberou de uma prática tradicional que tínhamos: a de compor pensando na execução do tema ao vivo, o que nos prendia a uma disciplina característica de um grupo com apenas três integrantes".


"Witch Hunt" traz Hugh Syme, designer gráfico da banda, nos teclados pela terceira vez, assim como ocorrido em "Tears", de 2112 (1976) e "Different Strings", do anterior Permanent Waves (1980).

"'Witch Hunt' serviria como um veículo para experimentação e indulgência. Nesse caso, utilizamos os talentos de Hugh Syme nos teclados e minha bateria foi gravada duas vezes, como se dois bateristas estivessem tocando juntos no primeiro verso. Já no segundo, a sessão de percussão foi criada capturando cada som de maneira distinta".

"O 'conjunto de percussão' no segundo verso foi muito interessante de se fazer. Quando gravamos a faixa básica, deixei grande parte da seção em branco, para então voltarmos com os overdubs da bateria em separado. Utilizei diferentes sons e perspectivas em cada peça, a fim de criar um efeito dramático, sendo alternadamente muito distante e muito próximo. Removi a ressonância dos toms para conseguir um som mais sombrio, mais primitivo"
, conclui o baterista.

"(...) 'Witch Hunt' foi originalmente escrita para ser uma composição de estúdio", explica Lee. "Não iríamos tocá-la ao vivo por não sermos capazes de adicionar teclados extras e todas essas coisas. Achávamos que nunca poderíamos reproduzi-la em shows".

"Todo o Moving Pictures foi feito praticamente da mesma forma"
, lembra Alex. "Tivemos um tempo fora - saímos da estrada por um mês e fomos para o estúdio. Tínhamos tudo trabalhado, exceto 'Witch Hunt'. Só tínhamos mesmo uma ideia básica para a canção, pois decidimos que seria uma peça de produção, com teclados e todos os tipos de coisas com as quais não nos preocuparíamos em fazer ao vivo".

"Witch Hunt" apresenta imediatamente a tônica do seu tema. Com uma pequena introdução de ares fortemente sinistros, a composição provoca imagens perturbadoras de uma inflamada e perigosa marcha noturna. Gritos histéricos podem ser ouvidos, entre discursos de ordem e palmas, causando no ouvinte a sensação de estar acompanhando um filme ao invés de uma canção. O coro de vozes, que representa uma multidão medieval furiosa que clama pela morte de adversários, foi preparada pelos próprios integrantes da banda, juntamente com sua equipe de roadies e com os profissionais do estúdio. Em meio a algumas doses noturnas de uísque, todos gritavam de forma bem humorada no lado externo do Le Studio, que fora esvaziado embaixo de muita neve. Toda a parafernália de produção foi disposta na parte externa e, com os gravadores ligados, Neil começou a proferir palavras que emulavam uma postura fanática, ficando cada vez mais e mais exaltado enquanto os demais se deixavam envolver. Após o feito, a algazarra foi mixada propositalmente a fim de não ser compreendida, o que ajudaria a provocar as sensações de confusão e ódio profundo que buscavam. Já os demais efeitos sonoros nesse trecho introdutório foram conseguidos com os teclados Oberheim de Lee.

"Saímos do Le Studio e estava tão frio, mas tão frio... era meados de dezembro eu acho", lembra Lifeson. "Estávamos todos do lado de fora, pusemos uns microfones lá e começamos a resmungar e a gritar. Fizemos umas duas faixas disso - acho que tínhamos uma garrafa de uísque escocês que nos mantinha aquecidos. Então, à medida que o líquido ia diminuindo na garrafa, os resmungos e a gritaria iam tomando um 'sabor' diferente. Após termos gravado mais de doze faixas da turma em histeria, voltamos ao estúdio. Às vezes era possível ouvir alguém dizendo algo estúpido".

"Em uma noite de inverno, com alguns flocos de neve no ar, montamos microfones ao ar livre e atuamos na cena dos justiceiros"
, diz Peart. "A agitação foi feita por nós mesmos, gritando coisas como, 'Temos que nos levantar pela lei e pela ordem!', 'Temos que proteger nossas crianças!'. A multidão que eu incitava foi feita pelos caras do trabalho - banda, equipe e pelo pessoal do estúdio".

Curiosamente, o Rush trabalhava em "Witch Hunt" na noite do assassinato de John Lennon, ocorrido em 8 de dezembro de 1980. "Eu estava em Morin Heights, trabalhando na canção 'Witch Hunt' na noite em que ele foi baleado", lembra Geddy. "Foram momentos muito pesados, todos estavam atordoados. Lembro que ficávamos indo e voltando do trabalho para a TV, tentando conseguir alguma notícia. Lembrando do ambiente, olhando toda a sala, minha memória só me mostra um monte de rostos pálidos olhando para a tela".

"Witch Hunt" apresenta-se como a terceira parte, a princípio inversa, de uma série de canções chamada Fear, que incluiria ainda mais três peças em discos posteriores. A ideia de Peart era lidar com temas relacionados às características e desdobramentos inerentes ao medo. Segundo o baterista, o conceito primordial de "Witch Hunt" se debruça na observância de manipuladores que utilizam o medo para se apoderar das massas da forma que lhes convém, da mesma forma que nos episódios de Salém. Trata-se de uma canção épica de viés político bastante crítico, muito abrangente e contemporânea, que observa reações superficiais, demasiadamente egoístas e precipitadas sobre âmbitos minoritários da sociedade. Buscando defender afinidades, política, religiões ou ideologias, grupos conservadores podem incitar reações agressivas baseadas no medo e na opressão, insurgindo posicionamentos e atitudes preconceituosas e extremistas como produtos do ódio e da intolerância. Baseados nessa mentalidade, quando um novo conceito ou questionamento surge na sociedade, este deve ser imediatamente erradicado.

"A ideia para a trilogia veio de um homem mais velho que conheci, dizendo que não achava que a vida era governada pelo amor, razão, dinheiro ou pela busca pela felicidade - mas pelo medo", explica Peart. "A posição desse cara inteligente, mas cínico, era que as ações da maioria das pessoas são motivadas pelo medo da fome, pelo medo de ser ferido, pelo medo de estar sozinho, de ser roubado, etc., e que suas escolhas não são baseadas na esperança de que algo bom irá acontecer, mas pelo medo de que algo ruim aconteça".

"A ideia geral era esboçar toda a ideia ao mesmo tempo, mas a chave foi explicar esses três conceitos de medo separadamente. (...) 'Witch Hunt' traz um lado bem documentado da natureza humana; você vê isso a todo momento, algo que não é difícil de visualizar. Por isso decidi escrever sobre esse assunto primeiro".

"Reagi à maneira que todos nós tendemos a responder sobre generalidades: 'Bem, eu não sou assim!'. Porém, quando comecei a pensar mais sobre isso, observando o modo como as pessoas ao meu redor se comportavam, logo percebi que havia algo como esse ponto de vista. Dessa forma, esbocei esses três 'teatros do medo' - a forma como eu os via".


"Witch Hunt" propõe uma profunda observação sobre os preconceitos, considerando-os como ainda bem presentes em uma ampla quantidade de indivíduos e nos grupos que se inserem. Como nas canções "Bastille Day", de Caress of Steel (1975) e na faixa-título do álbum A Farewell to Kings (1977), o trio faz uso, novamente, de imagens de tempos pretéritos para expressar a perpetuação de dramas sob novas roupagens.

O ritmo hipinótico de "Witch Hunt", ressaltado pelos riffs constantes e pesados de guitarra, pela densa atmosfera de sintetizadores e pelas linhas potentes de bateria, remete aos rótulos que os homens continuam a aplicar entre si, lembrando o quão destrutivo esses posicionamentos podem se tornar. Instrumentalmente, a música cresce de maneira gradativa, terminando em um forte ápice climático que sinalizaria o fim da trilogia (esta que se tornaria uma quadrilogia futuramente), embora tenha sido a primeira gravada na sequência.

A abertura em fade-in evoca cenas que transportam a imaginação para o passado, projetando possíveis imagens de aldeões com enxadas, ancinhos, rifles e tochas prontos para exterminar uma ameaça traiçoeira em sua comunidade ou redondezas. Com base nesse simbolismo, "Witch Hunt" focaliza as práticas censoras que buscam proteção de influências consideradas subversivas. A composição aborda as minorias que são perseguidas, seja pela sociedade ou por autoridades, na tentativa de coibir o que é considerado malévolo, regulando e intimidando aqueles que afrontam normas tradicionais ou o próprio status quo.

Desde a mais remota história, muitos desses dilemas foram marcantes em variadas sociedades, manifestados na intolerância contra mulheres, negros, judeus, hereges, deficientes e livres-pensadores, entre outros. Tais condições, inúmeras vezes, provocaram cenários dolorosos e opressivos de escravidão, racismo, xenofobia, homofobia em grandes e pequenas escalas, causando crueldades e incontáveis mortes. A multidão de "Witch Hunt" está pronta para perseguir aquilo que não consegue compreender, partindo de ideais de mundo percebidos apenas por suas predisposições estabelecidas, decorrentes de suas próprias influências e experiências pessoais.

O apelo visual nessa faixa, assim como em todo o álbum, é bastante simbólico, intenso e instigante. A letra idealizada por Peart narra uma noite sem lua, na qual justiceiros, que possivelmente não representam de forma direta autoridades constituídas, buscam cumprir sua missão da defesa de suas verdades sob a escuridão absoluta. Eles se reúnem no topo de uma colina fora do alcance das luzes, tendo em suas mãos tochas como a única iluminação disponível. Não sentem culpa ou pudor pelo que decidem fazer - não há compaixão ou qualquer arrependimento. Se eles são os olhos dos justos, porque não perpassar as próprias leis em busca do bem comum?

Parafraseando "Tom Sawyer", canção que abre Moving Pictures, as relações sociais entre os homens mudam e sempre mudarão, porém nenhuma dessas mudanças será permanente. Carregamos uma grande dificuldade de abertura às transformações, às novas ideias relacionais e à consequente tolerância sobre grupos que lutam em defesa de suas próprias concepções de mundo e de vida - jamais estando dispostos a ouvir, assimilar, aprender e mudar. "Witch Hunt" considera o levante daqueles que se referem como a consciência da maioria, que se apoderam do direito de protegê-la contra incursões corruptoras, atacando-as com todas as forças disponíveis. Eles trazem em si a certeza do que é o melhor para todos - para a grande maioria. Seus rostos obscurecidos na canção representam o que há por trás das intenções - olhos em chamas reproduzindo o fanatismo insano que se alimenta do medo, das mentiras e da consequente cegueira pela ignorância e pelo preconceito.

O que fica claro é que muitos grupos podem ser associados ao papel da multidão, confiantes de que suas visões de mundo tradicionais são as únicas satisfatórias e por isso intocáveis. Sentem-se ansiosos por interromperem a dinâmica do tempo, evitando que a história se mova. "Witch Hunt" eleva o pensamento sobre o grande número de indivíduos impossibilitados de tomarem suas próprias decisões, que aderem a movimentos pela maioria ou por tradicionalismos que repudiam novos horizontes ou reformas, enxergando o nocivo e o ameaçador nas mais variadas realidades e espaços, como em instituições de ensino e prateleiras de livrarias.

"Com o passar do tempo, 'Witch Hunt' foi se tornando ainda mais significante, considerando que o mundo ainda enfrenta discriminações raciais e todas essas questões", reconhece Geddy.

Um pouco depois do lançamento de Moving Pictures, o seminário musical britânico Record Mirror publicou a seguinte manifestação sobre o impacto de "Witch Hunt": "Moving Pictures contém sete temas soberbos, mas se você deseja mesmo se assustar, ouça Witch Hunt no fone de ouvido, sozinho, com a luz apagada e à meia noite".

© 2015 Rush Fã-Clube Brasil

BANASIEWICZ, B. "Rush Visions: The Official Biography". Omnibus Press, 1987.
SHARP, K. "Grace Under Fire". Music Express Magazine. June 1984.
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