THE BODY ELECTRIC



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THE ENEMY WITHIN  THE BODY ELECTRIC  KID GLOVES


THE BODY ELECTRIC

One humanoid escapee
One android on the run
Seeking freedom beneath
A lonely desert sun

Trying to change its program
Trying to change the mode -
Crack the code
Images conflicting
Into data overload

1-0-0-1-0-0-1
S.O.S
1-0-0-1-0-0-1
In distress
1-0-0-1-0-0

Memory banks unloading
Bytes break into bits
Unit One's in trouble
And it's scared out of its wits

Guidance systems break down
A struggle to exist -
To resist -
A pulse of dying power
In a clenching plastic fist...

It replays each of the days
A hundred years of routines
Bows its head and prays
To the mother of all machines...
O CORPO ELÉTRICO

Um humanoide fugitivo
Um androide em fuga
Procurando por liberdade sob
O sol solitário do deserto

Tentando mudar seu programa
Tentando mudar a função -
Quebrar o código
Imagens conflitantes
Em sobrecarga de dados

1-0-0-1-0-0-1
S.O.S
1-0-0-1-0-0-1
Em apuros
1-0-0-1-0-0

Bancos de memória descarregando
Bytes se partindo em bits
A unidade Um está com problemas
E muito assustada

Sistemas de orientação quebrados
Uma luta para existir -
Para resistir -
Um pulso de energia terminal
Em um punho de plástico fechado...

Ele repete cada um dos dias
Cem anos de rotinas
Curva sua cabeça e reza
Para a mãe de todas as máquinas...


Música por Geddy Lee e Alex Lifeson / Letra por Neil Peart


Um conto sci-fi como metáfora para a busca da autonomia

"The Body Electric", quinta canção do álbum Grace Under Pressure, traz como tema uma brilhante metáfora sci-fi que protagoniza um androide desenvolvendo sentimentos humanos, entendendo não ser mais um simples objeto e escravo de seus criadores ou proprietários. O personagem, ao tomar ciência de sua infame situação, escapa em busca de uma vida livre fora da hegemonia dos homens.

Essa composição é, sem dúvidas, a maior materialização do título do álbum. Proveniente de uma citação de Ernest Hemingway, "Grace Under Pressure" ("Graça Sob Pressão") ganhou notoriedade quando o autor foi entrevistado para o jornal The New York Times pela escritora norte-americana Dorothy Parker (1893 - 1967), em novembro de 1929. "Exatamente, o que você quis dizer com 'coragem'?", perguntou Dorothy. "Graça sob pressão", respondeu o consagrado Hemingway, referindo-se aos indivíduos corajosos que, através dos tempos, continuaram avançando apesar dos golpes impiedosos da realidade vivida. Em cenários de fortes pressões, os bravos mantém suas convicções, conseguindo lidar com diversas situações sem jamais abandonar a coragem e a auto-confiança. Esse, portanto, é o cerne do disco.

"The Body Electric" tem início com um forte e notável padrão de bateria que, de imediato, expressa o código binário "1-0-0-1-0-0-1", repetidamente destacado no refrão. Trazendo linhas de baixo estupendas, vocais especialíssimos, sintetizadores pontuais e acordes de guitarra onipresentes, a canção cria uma perfeita simetria musical para sua refinada abordagem sci-fi.

"Se há uma boa parte da qual gostamos, Alex geralmente aprende a tocar a partir dos teclados. Com alguns ajustes, levamos aquilo a uma nova dimensão para então fazer o baixo", explica Geddy. "Em seguida, ouvimos as partes de guitarra, verificando se tudo ficou forte o suficiente com o baixo. Se acharmos que ainda precisa de aprimoramento, trazemos mais teclados até descobrirmos o que se encaixa melhor na canção. Trabalhamos dessa maneira em 'The Body Electric', indo e voltando com guitarras e teclados. Porém, se possível, prefiro tocar baixo. Ainda me sinto mais confortável".

"Fiquei frustrado e louco com o solo de 'The Body Electric'"
, lembra Lifeson. "Não conseguia encontrar uma direção para ele, tentando várias coisas. Trabalhava em algo por horas para depois dizer, 'Isso ficou uma porcaria, é a mesma coisa que já fiz milhão de vezes'. Encostei a guitarra e fui assistir a um jogo de hockey, tentando conseguir alguma inspiração. Voltei para o estúdio e pensei, 'Dane-se. Vou acabar enlouquecendo'. E, de repente, todos ouviram o que eu havia feito, dizendo, 'Ei, legal! O que foi isso?'. Tocamos a fita novamente e vimos o quanto era divertido. Veio mais da minha personalidade mesmo. Depois daquilo, levei aproximadamente 40 minutos para deixar o solo completo".

"O solo de 'The Body Electric' é particularmente interessante. O pedal harmonizador está com delay. Acho que o atraso é de dez ou vinte milésimos de segundo"
, conclui.

"The Body Electric" traz, de imediato, possibilidades interpretativas. É possível receber a canção apenas como um conto (não menos genial) sobre um androide que se torna autoconsciente e, posteriormente, um fugitivo. Porém, suas intenções são mais abrangentes: a composição tenta, na verdade, representar a essência do ser humano que deseja desesperadamente escapar das imposições / pressões sociais ou até mesmo auto impostas do mundo moderno.

Nessa esfera moderna, indiscutivelmente, os indivíduos tornam-se menos humanos e mais robóticos (comportamento inclusive abordado no último verso da faixa anterior "The Enemy Within"), tanto para suas relações interpessoais quanto para crenças e inclinações intelectuais. A ideia geral, por si só, se aproxima do desenvolvimento da história de Blade Runner, famoso filme de 1982 dirigido por Ridley Scott, onde os replicantes (robôs orgânicos criados geneticamente, visualmente indistinguíveis dos humanos) são caçados, adquirindo cada vez mais características humanas - enquanto os verdadeiros humanos caçadores parecem seguir aflorando traços desumanos. Ao fim, as questões que afligem os replicantes acabam se tornando as mesmas que atribulam os humanos. Por outro lado, é possível que "The Body Electric" também tenha sido inspirada no primeiro filme realizado pelo diretor norte-americano George Lucas, THX 1138, de 1971. Estrelado por Robert Duvall, THX 1138 é, na verdade, um cidadão sem nome que tenta escapar de uma sociedade futurista.

"The Body Electric" retrata o despertar de alguém que sempre viveu subjugado pelo sistema escravizador, tentando escapar das amarras sociais refletidas, em sua maioria, nas imposições profissionais, crenças instituídas ou padrões de comportamento. A numeração "1001001", repetida com destaque no refrão, refere-se ao chamado Código Padrão Americano para o Intercâmbio de Informação (ASCII), uma codificação de caracteres baseada no alfabeto inglês que representa textos em computadores e equipamentos de comunicação. 1001001 corresponde, nesse caso, a letra 'I', que pode significar a motivação do corpo cibernético para a fuga descrita - a realização da autoconsciência, da independência e da individualidade através da palavra "Eu". A figura do dispositivo biomecânico, que realiza trabalhos de maneira autônoma ou pré-programada e fabricado para ser idêntico aos demais, cede lugar ao anseio pela individualidade - resistência que representa, diretamente, a evolução da própria sociedade.

Similar a "Chemistry", terceira faixa do anterior Signals (1982), o título de "The Body Electric" expõe o objeto de estudo da bioeletricidade: fenômenos elétricos em sistemas biológicos responsáveis pela locomoção de correntes em tecidos vivos. Sobre as inspirações utilizadas, Peart tem como ponto de partida o poema "I Sing the Body Electric" ("Eu Canto o Corpo Elétrico"), trabalho de 1855 do poeta norte-americano Walt Whitman (1819 - 1892) que celebra intensamente a fisiologia do corpo humano (originalmente publicado na coletânea Leaves of Grass - Folhas da Relva). Em 1969, o escritor de ficção científica e também norte-americano Ray Bradbury (1920 - 2012) publicou uma outra coletânea de contos de mesmo nome, declaradamente inspirada no poema de Whitman. O trabalho de Bradbury, por sua vez, foi adaptado para TV pouco tempo depois, mais precisamente no episódio 100 da série The Twilight Zone (Além da Imaginação). Tais influências refletem o quão vasto e diverso é olhar do letrista.

"Ayn Rand foi, certamente, parte das minhas leituras, e parece que as pessoas também se concentram apenas no aspecto da ficção científica, sempre e sempre. Esses elementos foram somente pequenos aspectos da minha escrita, representando uma pequena fração de tudo que escrevi - dispositivos que gosto de usar e que ainda aparecem em algumas coisas. Nesse álbum, 'The Body Electric' é um pequeno exemplo de ficção científica que ainda me dá prazer em fazer. A influência de Ayn Rand representa, basicamente, uma parte da minha leitura e sobre a qual aprendi certamente, mas houve apenas um álbum em especial que foi diretamente associado a qualquer um dos seus trabalhos. Portanto, foi um rótulo fácil de fixar. As pessoas são preguiçosas".

Como "Vital Signs", faixa final de Moving Pictures (1981), "The Body Electric" se expande em linguagens provenientes da informática, com referências à sobrecarga de dados, bancos de memória, bytes e bits e o craqueamento de códigos - esse último tematicamente ligado à aspiração de um desejo, uma ambição de transformar-se a si mesmo. Já a situação de pânico do protagonista é perfeitamente deflagrada por palavras como S.O.S., perigo, problema, luta, resistência aliadas à termos como pulso de energia terminal, cem anos de rotinas e uma oração para a mãe de todas as máquinas - reflexões pertinentes sobre a própria robotização da vida.

Com Grace Under Pressure, o Rush mergulhava de forma mais intensa na produção de vídeos para suas canções. "Fizemos vídeos para quarto canções do álbum: 'Distant Early Warning', 'Afterimage', 'The Body Electric' e 'The Enemy Within'", diz Lifeson. "As duas últimas foram dirigidas pela Cucumber, e as outras por David Mallet e Tim Pope. Sempre fizemos vídeos, fazíamos dois ou três para cada álbum, mas nada como esses de Grace Under Pressure, trazendo diretores diferentes para que cada vídeo apresentasse suas próprias percepções".

"Queríamos ter diferentes ideias e diferentes estilos para a criação de vídeos"
, diz Peart. "Assim como Dave Mallett já trabalhou com David Bowie, Tim Pope fez alguns videos obscuros com grupos como Kissing The Pink, Bad Manners e The Cure, e gostamos do fato de seus trabalhos terem refletido uma riqueza de imaginação, embora tenham trabalhado com baixos orçamentos. O pessoal da Cucumber se especializou em animações, e fizeram vídeos para Elvis Costello, Tom Tom Club e Donald Fagen. Seus trabalhos são ótimos, cheios de sobreposições artísticas incomuns e felizmente visuais - você não consegue deixar de sorrir para elas".

Sobre a capa de Grace Under Pressure, "The Body Electric" se mostra fortemente representada. "Essa é uma daquelas coisas que é muito mais simples do que parece. As imagens ao fundo simplesmente espelham o símbolo P/G; graça sob pressão em um sentido físico", explica Peart. "A parte de baixo, serena e tranquila, representa a graça, e o topo turbulento e problemático representa a pressão. É abstrato, mas simples. A cabeça expressa o espectador, talvez um símbolo para o 'homem comum' enfrentando o mundo e talvez uma sugestão para o personagem em 'The Body Electric'".

Se alguns insights sobre as emoções humanas podem ser exemplificadas por termos tecnológicos, o que dizer sobre nós filosoficamente? O corpo humano é de fato uma máquina? Devemos nos portar como máquinas, sempre complacentes? Com "The Body Electric", Peart cruza a linha entre o homem e a máquina para contar a história de um indivíduo que busca exercer sua própria vontade, respondendo aos seus anseios mais profundos. Novamente, mais uma bela criação do Rush como um brinde às individualidades.

© 2015 Rush Fã-Clube Brasil

SWENSON, J. "The Saga Continues - Alex Lifeson and Geddy Lee Divulge Some of Their Trade Secrets". Guitar World. May 1984.
BARTON, B. "The Pressure Principle". Kerrang! Nº 67. May 3-16, 1984.
SHARP, K. "Grace Under Fire - Rush Percussionist Neil Peart Ponders The Meaning Of Life And Other Assorted Topics During This Exclusive, In-Depth Interview". June 1984.
TURNER, M. "Neil Peart - Off The Record". August 27, 1984.
PEART, N. "The News". Rush Backstage Club Newsletter. July 1985.