RED LENSES



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red lenses

i see red
it hurts my head
guess it must be something
that i read


it's the colour of your heartbeat
a rising summer sun
the battle lost - or won
the flash to fashion
and the pulse to passion -


feels red
inside my head
and truth is often bitter -
left unsaid
said red red
thinking about the overhead -
the underfed
- couldn't we talk about something else instead?


we've got mars on the horizon
says the national midnight star
(it's true)
what you believe is what you are
a pair of dancing shoes -
the soviets are the blues -


the reds
under your bed
lying -
in the darkness
dead ahead


and the mercury is rising
barometer starts to fall
you know it gets to us all
the pain that is learning
and the rain that is burning -


feel red
still - go ahead
you see black and white -
and i see red
(not blue)
lentes vermelhas

eu vejo vermelho
dói minha cabeça
acho que deve ser algo
que eu li


é a cor dos seus batimentos
um nascer do sol de verão
a batalha perdida - ou conquistada
o flash para a moda
e o pulsar da paixão -


parece vermelho
dentro da minha cabeça
e a verdade é muitas vezes amarga -
não dita
disse vermelho vermelho
pense nas despesas 
-
nos subnutridos
- não poderíamos falar de outra coisa ao invés disso?


temos marte no horizonte
diz o national midnight star
(é verdade)
no que você acredita é o que você é
um par de sapatos de dança -
os soviéticos são os azuis -


os vermelhos
debaixo da sua cama
mentindo -
na escuridão
bem à frente


e o mercúrio está subindo
barômetro começa a cair
você sabe que afeta a todos nós
a dor que é se instruir
e a chuva que está ardendo -


sinta vermelho
contudo - vá em frente
você vê preto e branco -
e eu vejo vermelho
(azul não)


Música por Geddy Lee e Alex Lifeson / Letra por Neil Peart


A raiva que inunda o olhar sobre a difícil conjuntura global

A penúltima canção de Grace Under Pressure é "Red Lenses". Bastante experimental, esse trabalho destaca principalmente as impressionantes capacidades de Peart em seu instrumento, atributos que dão forma à uma composição muito complexa e intrigante. O tema se materializa na raiva e na indignação com a conjuntura vivida pela banda na época de concepção do disco, a mesma que se faz presente por todo o trabalho. Nessa faixa, temos um olhar lúdico sobre o poder da mídia em prol da manipulação das populações e da opinião pública, alterando o modo de vida das pessoas e conseguindo relativo controle sobre elas. Portanto, "Red Lenses" observa mais uma forma de pressão.

Liricamente, a composição se destaca por concretizar a gradativa mudança nas abordagens de Neil, que começava de fato a se dedicar às obras de grandes poetas do século XX e a empreender perspectivas sociais mais conscientes. Ele passa a jogar com clichês e subverter as definições das palavras, buscando provocar prazer em dois níveis - primeiro por seus sons e segundo por seus significados. Por sua vez, o estilo lírico diferenciado utilizado em "Red Lenses" foi diretamente influenciado pelo poeta e dramaturgo inglês T.S. Eliot (1888 - 1965), e também pelo escritor norte-americano John Dos Passos (1896 - 1970) - dois de seus autores prediletos.

"Em um nível profundo, o estilo que tive vontade de usar foi o que li no poeta John Dos Passos e em T.S. Eliot", afirma o letrista. "Ambos acabam exemplificando o que quis alcançar, pois eles te tocam bastante ao utilizar várias imagens individuais que fazem sua cabeça girar. E então, por fim, você deixa aquilo de lado após a tontura, mas acaba ficando com algo - com uma coisa muito bonita. Quando alguém menciona aquele livro ou poema pra você, enxergamos que a história já é nossa, surgindo aquela coisa linda, indescritível - aquela imagem inatingível que você desenhou e que vem à sua mente. Dessa forma, quis chegar nesse estilo de escrita cuidadosamente refinada, com cada pequena imagem sendo trabalhada em separado e que juntas se mostram um tanto quando obscuras e aparentemente vagas. É como se eu não tivesse dizendo absolutamente nada, mas sei o que estou dizendo: muitas coisas interessantes na verdade".

"Você acaba entrando em outra dimensão"
, continua. "Decidi usar essa ideia em 'Red Lenses', construindo uma série de imagens em curso que acabam chegando até o ouvinte. A cor vermelha foi o tema da mesma, mas torci esse assunto de várias maneiras. Essa canção foi a coisa mais difícil que já escrevi, pois tentava não dizer nada com cada linha dizendo algo, com aquilo se tornando ao mesmo tempo obscuro e oblíquo. Parecia uma verdadeira confusão mas, no fim, você acaba ficando com algo, sendo o mesmo que poesia para mim. Você não sabe ao certo o que leu, mas aquilo volta pra você. Quando penso nos poemas 'The Love Song of J. Alfred Prufrock' (1915) ou 'The Waste Land' (1922), não consigo citar trechos deles e não posso dizer que entendo tudo o que foi dito, mas aquilo me move".

"Apesar do prazer que me deu e do quanto gostei de fazê-la, 'Red Lenses' passou por muitas regravações e teve seu título mudado várias vezes - tudo em busca de um refinamento constante, com cada pequena imagem se tornando um verdadeiro malabarismo na busca pelas palavras que se encaixassem nas pequenas frases, para que essas, juntas, soassem perfeitamente corretas para mim, mesmo que parecessem sem sentido. Eu buscava algo do tipo 'Jaguadarte' 
(N. do T.: poema nonsense de Lewis Carroll que aparece em 'Alice Através do Espelho e O Que Ela Encontrou Por Lá', de 1871), algo como um jogo de palavras, pequenas coisas que vinham na mente e alguns tipos de captura sem identificação, como recursos poéticos. Você pega palavras que soam iguais ou que começam com a mesma letra, mesmo que pareça aliteração, e essas acabam caindo no seu ouvido de forma melodiosa. Quando você as lê, elas correm para sua mente de forma rítmica e atraente"

"Chega um momento que você deixa de ler histórias em quadrinhos e começa a ler jornais. Esse é o tipo de crescimento que você quer experimentar. Comecei a observar meus amigos e colegas contemporâneos, e o que eles estavam passando. Seus problemas também refletiram o que vi em minhas viagens por cidades em que tocamos. Eu não poderia mais me privar desses problemas. Nesse momento, a fantasia e o escapismo estavam me afastando da mundaneidade. Agora, a mundaneidade está me trazendo de volta à realidade - porém com uma sensibilidade diferente e com a consciência nascida da maturidade
.

Musicalmente, a canção soa como uma espécie de cruzamento entre variados estilos, entre eles Jimi Hendrix, U2 e Peter Gabriel. "'Red Lenses' traz uma sensação muito diferente das canções do Rush, munida de bastante groove", diz Geddy Lee. "Foi a última a ser escrita para o álbum e, geralmente, a última faixa a ser concebida fica diferente de todo o resto do trabalho. Talvez esse fato seja uma reação por se ter trabalhado tão duro, querendo fazer algo diferente saindo do padrão do disco, trazendo um pouco mais de variedade. Gosto muito dessa faixa por ser diferente. Fico sempre muito surpreso quando pessoas gostam dessas canções. Você pode entender quando um músico aceita, mas não acha que o público geral irá gostar".

"'Red Lenses' traz uma alavanca bem ligeira nos acordes iniciais"
, explica Alex Lifeson. "Minha maior contribuição foi a linha de baixo feita no pedal. Soou tão bobo, foi engraçado quando fiz pela primeira vez, mas tinha um ótimo groove. Neil veio com o padrão de bateria para os versos, e Ged tinha aqueles grandes acordes no PPG. O baixo andante foi mais do que uma linha típica, e essa canção tem várias mudanças e climas. Foi muito divertida de tocar e gravar".

O que faz de Peart tão talentoso em suas atividades instrumentais não são apenas suas habilidades físicas, mas sua própria concepção de um kit de bateria. Desafiando convenções e evitando esteriótipos, sua mente sempre se mostra como uma fonte inesgotável de ideias em seu instrumento. Felizmente, para o baterista, sempre houve um ambiente no qual pudesse incorporar tais ideias, sem importar o quão díspares fossem. "Absolutamente. Por exemplo, vou ouvir, digamos, King Sunny Adé e escrever uma canção como 'Red Lenses', na qual pude utilizar todas aquelas influências. Cada um de nós no Rush não precisa de um álbum solo para mostrar essas estranhezas".

Com a tecnologia, alguns elementos no estilo de Peart passaram por modificações. "Sim, meu estilo mudou nesse disco. Incorporei a bateria eletrônica, mas apenas dentro de um determinado quadro que quis alcançar. Sabia que queria entrar em sons mais ritmados, como 'Red Lenses' e 'Red Sector A', e utilizei um kit Simmons para isso... porém de forma bem primitiva para gravar. A essência de ser músico é tocar ao vivo, então as canções são concebidas com essas performances em mente. Se você coloca um overdub de teclado em uma música e esse se torna um elemento primordial na estrutura da canção, então terá que se preocupar pois a canção vai ser produzida ao vivo sem esse elemento. É frustrante estar no palco e não ser capaz de reproduzir uma música perfeitamente".

"Red Lenses" reflete os sentimentos de raiva e indignação (o "ver vermelho") quando percebemos uma conjuntura social e política marcada principalmente pela influência, manipulação e sobrecarga de informações (especialmente por comentários inflamados dos chamados especialistas), além dos efeitos adversos para a opinião pública, que incluem paranoias e a distorção de julgamentos.

"Red Lenses foi uma brincadeira com as lentes cor de rosa (N. do T.: expressão que significa alegria e otimismo em graus excessivos)", explica Neil. "Aqui eram olhos da raiva ao invés dos olhos do idealismo... ou ambos ao mesmo tempo. Há um idealismo inerente à postura do personagem dessa canção".

"Agora eu posso relacionar mais fortemente o que meus amigos estão passando; as decepções e desilusões da vida, sendo derrubados pela pressão por motivos alheios a eles próprios. Você não pode simplesmente fingir que a vida é cor de rosa. Um dos pontos desse álbum, que alguns críticos perderam, é a compaixão. Na verdade, a palavra melhor é pathos. Penso no estado do mundo e isso me deixa triste, me deixa louco. Esse é o ponto em 'Red Lenses'. As pessoas têm que ficar com raiva porque é a raiva que faz com que as coisas aconteçam".


"Red Lenses", como a faixa de abertura "Distant Early Warning", traz novamente algumas ponderações sobre questões globais. Peart utiliza uma grande variedade de imagens relacionadas à cor vermelha, como se observasse com raiva todos os acontecimentos ao seu redor. Ele inclui figuras como batimentos cardíacos, o nascer do sol, os resultados sangrentos de guerras, a paixão, Marte, sapatos de dança, União Soviética, o calor e a dor. Além de retomar a atmosfera da Guerra Fria, a canção também pensa sobre problemas ambientais, abordando o aumento das temperaturas (caracterizado pela imagem da subida do mercúrio nos termômetros e da queda da pressão atmosférica nos barômetros) e novamente a chuva ácida, em "And the rain that is burning" ("E a chuva que está ardendo"). Além disso, há uma rápida abordagem sobre a disparidade entre a riqueza global e a extrema pobreza, confrontando dois lamentos de extremos: uma simples observação sobre o aumento das despesas cotidianas e a fome mundial. De qualquer forma, quando passamos a observar e nos preocupar verdadeiramente com essas questões através da instrução, sentimos dor ao percebermos um cenário tão devastador.

Para ilustrar o grande e doentio mercado de informações que constitui as mídias, Peart traz o trecho "Says the National Midnight Star" ("Diz o National Midnight Star"), que se refere a um tabloide semi-fictício criado pelo canal cômico canadense Second City Television (SCTV) - permanecendo no ar entre os anos de 1976 a 1984 e estrelando atores como Jonh Candy e Rick Moranis. Similar ao Saturday Night Live, a SCTV foi fonte de algumas influências para o Rush ao longo da carreira, como o quadro Count Floyd, utilizado como abertura para a canção "The Weapon" (do anterior Signals, de 1982) ao vivo turnê Grace Under Pressure. No caso do National Midnight Star, quando os personagens traziam alguma notícia bizarra (geralmente histórias absurdas em torno da vida das celebridades), sempre surgia a frase "It's true!".

"Red Lenses" também nos leva ao fantasma do Macartismo, termo ligado ao senador norte-americano Joseph Raymond McCarthy (1908 - 1957) durante boa parte das décadas de 1940 e 1950. McCarthy foi um dos símbolos do período de intensa patrulha anticomunista, perseguição política e desrespeito aos direitos civis nos Estados Unidos. Conhecido como o "Terror vermelho" ou "Caça às Bruxas", o Macartismo trazia de forma costumeira delações provocadas pelo clima de histeria do início da Guerra Fria. Assim, durante o período, todos aqueles que fossem meramente suspeitos de simpatia ao comunismo tornavam-se objeto de investigações e invasão de privacidade.

Durante o Macartismo, milhares de americanos foram acusados associação ao comunismo, sendo perseguidos de forma bastante agressiva. A maior parte dos investigados eram servidores públicos, artistas, cientistas, educadores e sindicalistas. As suspeitas frequentemente eram dadas como certas, mesmo com investigações baseadas em conclusões parciais questionáveis e pautadas no nível de ameaça aos acusados. Muitos perderam seus empregos e tiveram carreiras destruídas, e outros foram até mesmo presos ou levados ao suicídio.

A "Caça às Bruxas" perdurou até que a própria opinião pública americana ficasse indignada com as flagrantes violações dos direitos individuais, graças em grande parte à atuação corajosa do famoso jornalista Edward R. Murrow, da rede americana de televisão CBS. Essa iniciativa acabou levando McCarthy ao ostracismo e à precoce decadência, falecendo totalmente desacreditado e considerado uma figura infame e vergonhosa para os americanos. O termo Macartismo é utilizado, desde então, como sinônimo de atividades governamentais antidemocráticas que visam reduzir significativamente a expressão de opiniões políticas ou sociais julgadas desfavoráveis, limitando para isso os direitos civis sob pretexto de segurança nacional. Dessa forma, "Red Lenses" também aborda a manipulação em prol do controle, utilizando de forma certeira a "ameaça comunista" no ocidente como exemplo.

Mesmo um tanto quando sombrio, a banda afirma que Grace Under Pressure também evoca um senso de otimismo permeado entre suas abordagens, este que jamais deve ser ignorado. É exatamente nos momentos de pressão que somos mais capazes de observar nossas condições e lutar pelo que acreditamos, além de abandonar sentimentos como a passividade e indiferença. "Fiquei surpreso com a forma como o álbum foi percebido por muitas pessoas pois, para mim, ele traz um equilíbrio entre ambos os lados", diz Peart, intrigado. "'Red Lenses' é balanceada com 'Red Sector A', estas que trazem títulos semelhantes mas que refletem uma maneira oposta de olhar o mundo - ambas com raiva, mas uma com desafio e outra com medo. As canções refletem o estado de raiva da natureza humana, mas sem haver algo de fato depressivo".

© 2015 Rush Fã-Clube Brasil

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