JACOB'S LADDER



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JACOB'S LADDER

The clouds prepare for battle
In the dark and brooding silence
Bruised and sullen stormclouds
Have the light of day obscured
Looming low and ominous
In twilight premature
Thunderheads are rumbling
In a distant overture

All at once,
The clouds are parted
Light streams down
In bright unbroken beams

Follow men's eyes
As they look to the skies
The shifting shafts of shining
Weave the fabric of their dreams...
ESCADA DE JACÓ

As nuvens se preparam para a batalha
No silêncio sombrio e misterioso
Nuvens de tempestade feridas e taciturnas
Têm a luz do dia obscurecida
Pairando baixo e ameaçadoras
No crepúsculo prematuro
Nuvens carregadas estrondam
Em uma distante abertura

De uma só vez,
As nuvens são separadas
A luz flui para baixo
Em feixes luminosos contínuos

Siga os olhos dos homens
Tal como eles olham para os céus
O deslocamento dos eixos brilhantes
Fia o tecido dos seus sonhos...


Música por Geddy Lee e Alex Lifeson / Letra por Neil Peart


A incrível descrição musical de um belíssimo fenômeno natural

A terceira faixa de Permanent Waves é "Jacob's Ladder", um ponto distinto e marcante no álbum que abre a década de 1980 para o Rush. Sendo o primeiro titã progressivo do disco, ela representa com exatidão o momento histórico vivenciado pelo trio de Toronto, que enfrentava o desafio de se reinventar sem perder sua originalidade e independência - características fundamentais que os levaram a conquistar uma verdadeira legião de fãs ao longo dos anos anteriores. Dessa forma, esses novos direcionamentos deveriam ser muito bem pensados e dosados.

"Jacob's Ladder" consiste em uma grande semi-instrumental contemplativa de três partes distintas e unidas que refletem um poema extraordinariamente estruturado, trazendo uma espécie de marcha sinistra cênica. Seu instrumental, pontuado por sintetizadores prodigiosos, se encerra em uma magnificente atmosfera triunfal. Os ritmos sincopados cada vez mais complexos trazem novamente a magia de uma peça de relativa acessibilidade. Com grandes melodias e riffs militares que avançam e recuam como exércitos em um campo de batalha, "Jacob's Ladder" expõe a banda exercitando técnicas excepcionais e variadas ao lado de breves versos, entregando uma composição em espiral altamente cerebral e de estilo quase clássico.

Permanent Waves revela-se, de imediato, como um evidente divisor de águas na carreira do Rush. A grande maioria de suas composições buscam o equilíbrio entre o complexo e o acessível, onde cada detalhe é pensado de forma milimetricamente brilhante. "The Spirit of Radio" e "Freewill", as duas primeiras faixas do disco, mesclavam os inconfundíveis traços progressivos dos músicos com novos elementos, mas a chegada de "Jacob's Ladder" inclina um pouco essa balança musical. Mesmo pertencendo temporalmente à música do Rush produzida na nova década, a canção traz sabores da era passada.

"Começamos a mudar em Permanent Waves", lembra Neil Peart. "Já havíamos decidido em Hemispheres: 'Ok, esse é o fim de tudo'. Tivemos que verbalizar isso. Estávamos muito conscientes de nós mesmos no final desse disco, e queríamos seguir em frente. Em 1978 e 1979 as coisas estavam mudando no cenário musical ao nosso redor e, sendo nós fãs de música, ouvimos e respondemos a elas, querendo e querendo fazer aquilo. (...) Mesmo mudando, ainda brincamos com épicos em Permanent Waves, mas eles assumiram um foco diferente".

"As canções foram ficando um pouco mais concisas em sua maioria, o que nos oferecia novos padrões de estilo e substância"
, continua. "Tenho um carinho persistente para com as duas faixas mais longas, 'Jacob’s Ladder' e 'Natural Science', talvez por representarem as declarações definitivas e últimas de sua espécie. Era emocionante ver o que podíamos realizar em um estilo de música mais direto e agressivo".

O primeiro disco dos anos 80 despertou um significativo interesse das rádios, maior do que em qualquer outro trabalho anterior da banda. Surpreendentemente, Alex Lifeson não estava particularmente entusiasmado com o disco, e a conclusão do projeto o deixou bastante apreensivo sobre a resposta do público.

"Passei por um período que eu não podia sequer ouvir o álbum", ele lembra. "Estava muito decepcionado. Era como se não houvesse nada novo. Escrevemos o material no último verão [em 1979], havíamos tocado três canções dele ao vivo e levado alguns poucos meses nas gravações. No momento em que terminamos, fomos cansando dele".

"Eu estava realmente pra baixo com tudo aquilo. 'Jacob’s Ladder' parecia ser uma canção típica do Rush, uma repetição de algo que eu já havia feito no passado. Mas, quando comecei a ouvir o disco nas rádios pensei, 'Uau, soa muito bem!'. Então percebi que havia extrapolado, sendo extremamente crítico com pequenas coisas insignificantes que não haviam afetado o efeito global do disco".


"Jacob's Ladder" revisita a face mais progressiva e visceral do power-trio, representando perfeitamente esse momento de transição. Embora a canção apresente um andamento mais moderado, enigmático e obscuro que as demais composições épicas dos discos anteriores, ela traz, sem dúvidas, as claras marcas do Rush. Estruturada em várias mudanças de andamento permeadas pelo uso preciso de sintetizadores e de maravilhosos timbres e texturas de guitarra, sua sensação visual mostra-se impecável, onde o trabalho de criação instrumental se encaixa perfeitamente com sua curta, porém especialíssima letra.

Essa grande e sombria joia oferece ao ouvinte uma magia sutil, ao descrever musicalmente a chegada e a passagem de uma tempestade. Munida de vocais brilhantes e perspicazes em meio a uma melodia inicialmente suave, tais momentos são subitamente quebrados pela representação de raios e trovões construídos por uma mágica linha de percussão e riffs pesados e cortantes. A canção traz tímpanos soando como estrondos apocalípticos, e Alex toca como se estivesse seguindo em uma imensa escada, até as nuvens. Sua estrutura poética e cinematográfica é construída lentamente, mergulhando em paisagens mais intensas que, por fim, desaparecem em sintetizadores gloriosos após a explosão apoteótica com a definitiva separação das nuvens. Trata-se de uma construção experimental magnífica que, a partir das viradas, dos tempos em constante mudança e dos acordes arpejados recriam toda dinâmica das sensações causadas pela observação de um fenômeno natural.

"Gosto de tocar os acordes com cordas abertas", explica Lifeson. "Isso traz a ilusão de um segundo guitarrista, além de preencher os espaços. É possível ouvir esses sons em canções como 'The Spirit of Radio' e 'Jacob’s Ladder'. Desenvolvi esses tipos de textura como resposta por trabalhar em um grupo de três integrantes - com um trio, há certas limitações. O baixo deve estar muito fundamentado no limite inferior com a seção rítmica, ou pode simplesmente desmoronar. No Rush, Geddy é um baixista que toca mais livre do que a maioria, movendo-se um pouco mais. Quando ele assumiu essa característica, senti que precisava desenvolver um estilo rítmico que cobrisse bastante o território, tendo cordas altas e baixas para complementar harmonicamente o acorde raiz. Essa é uma forma de expansão do acorde power rock básico, mantendo o som duro mas que traz a adição de cores e frequentemente de suspensões".

"Os sintetizadores foram feitos por Geddy"
, diz Peart, "que se divide entre eles e o baixo. Foi um verdadeiro desafio para ele e é a cada noite, pois sempre há muitas coisas estranhas acontecendo. Geddy tem que partir do baixo para os pedais e sintetizadores, e eu e Alex tocamos em compassos diferentes dos teclados. Dessa forma, ele se separa de nós e pensa somente no que está fazendo, trazendo coisas muito complexas para serem unidas fisicamente e musicalmente".

"É algo difícil para ele, mas ele pode fazer. Ele aciona o Moog Taurus com os pés, um sintetizador polifônico similar ao teclado de um órgão. Ele traz ainda em interface seu sintetizador multi-sonoro, onde aciona com os pés uma nota que desencadeia oito vozes, e esse fato nos deu muita flexibilidade em instrumentais. Grande parte desses sons são tratados por ele, mas Alex também traz sintetizadores regulares com os pés enquanto toca guitarra. São truques incríveis nos quais temos evoluído".


Como tema, recebemos algo de certo modo similar ao que foi concebido na canção "The Trees", do anterior Hemispheres, de 1978. Após escrever sobre um interessante e intrigante conflito fantástico entre bordos e carvalhos, Peart traz em "Jacob's Ladder" uma nova batalha, desta vez entre as nuvens. Uma atmosfera sensacional é transmitida, com a viva impressão de uma grande tempestade se formando e se dissipando. Como produto e foco desse cenário, o letrista descreve a formação dos chamados raios crepusculares, também popularmente conhecidos como 'Escada de Jacó'. Em óptica atmosférica, referem-se aos raios de luz solar que parecem irradiar a partir de um único ponto no céu. Estes fluem através de aberturas nas nuvens (principalmente do tipo stratocumulus) ou entre outros objetos. Tais colunas consistem nos vários compostos existentes no ar que dispersam a luz do sol, fazendo com que os mesmos sejam visíveis devido à difração, reflexão e dispersão. Sua denominação sobreveio das frequentes ocorrências durante as horas crepusculares (no amanhecer e no entardecer), onde os contrastes entre a luz e a sombra são mais evidentes. Esses raios são praticamente paralelos, contudo parecem divergir devido à perspectiva linear.

O termo Jacob's Ladder (Escada de Jacó) refere-se à uma conhecida passagem da Bíblia, localizada mais precisamente no Antigo Testamento. Em Gênesis 28:10-22 ocorre o relato de um sonho do personagem Jacó, no qual uma grande escada deixada na terra surgia, cujo topo levava ao céu. Tal expressão acabou por designar também o belíssimo efeito natural, e essa era a definitiva intenção do baterista para essa canção. Assim, a banda solidificaria aqui o início de um grande ciclo de composições dedicadas a descrever, de maneira muito visual, momentos naturais sublimes e cenários variados, trazendo uma forte gama de sensações e movimento que estimulam experiências imaginativas mais abrangentes nos ouvintes.

"Esta canção simplesmente descreve o fenômeno do sol rompendo as nuvens em raios visíveis, como às vezes acontece após uma chuva ou em um dia nublado. O título parece um desses nomes tradicionais para as coisas naturais que estão por aí há muito tempo. Acho que, na verdade, Geddy sugeriu a ideia para mim, após ouvir sua sogra utilizar o termo. Tinha um som agradável para ele e, claro, o evento em si é belo e inspirador".

"Desenhei em minhas letras várias referências da Bíblia, por ser uma fonte muito colorida de imagens. Cresci não como um religioso, mas sim em um pano de fundo religioso, indo para a escola dominical para receber uma educação religiosa e assim por diante. Dessa forma, todas essas coisas são sugeridas como metáforas, e 'Jacob's Ladder' é uma expressão bonita - as duas palavras em si - sendo assim como de fato começamos. Olhamos para a música como um exercício cinematográfico e, antes de concebermos qualquer letra, falamos sobre a imagem da Escada de Jacó – um céu tempestuoso que se aproxima e que, em seguida, é cortado por esses feixes de luz que todos veem. Sempre achei coisas como essa inspiradoras, e tivemos essa experiência em comum. Criamos a música apenas baseada na visão dessa imagem, e escrevemos tudo em torno disso. E então, em retrospecto, voltei para escrever apenas alguns versos para retratar essa imagem de forma um pouco mais aguda, e também para trazer os vocais como o som de um instrumento".

"Construímos uma música inteira em torno da imagem dos raios luminosos rompendo as nuvens. Trouxe alguns trechos curtos de letra apenas para definir as partes musicais. Construímos tudo musicalmente, tentando descrevê-la como se a música fosse um filme. Temos um céu luminoso onde ocorre toda a atmosfera sombria e tempestuosa, rompido com esses feixes brilhantes".

"Considerando que a maioria das ideias com as quais estávamos lidando nessa época buscavam o lado mais conciso, em alguns casos, como 'Jacob's Ladder', encarávamos como uma investida cinematográfica. Criamos toda a música primeiro para evocar uma imagem - o efeito da Escada de Jacó - para então pintarmos o quadro adicionando a letra como uma espécie de pequeno detalhe, a fim de torná-la mais descritiva"
.

Apesar de completamente aberta a significados, "Jacob's Ladder" pode exprimir uma realidade conflituosa em inúmeros âmbitos. Considerando as características de confronto que geralmente são visitadas por Peart em suas letras, é possível que o letrista esteja sugerindo uma grande peça de poesia filosófica. A primeira seção representaria a escuridão da ignorância, envolta por nuvens etéreas e disformes que crescem escuras até iniciarem a liberação violenta de sua energia. Porém, com o conhecimento, o que antes era imponente seria enfim superado. As luzes fluem entre as nuvens - os sonhos dos homens são finalmente alcançados.

"Jacob's Ladder" pode representar uma metáfora para o anseio universal - a luminância da verdade que capacita, trazendo a esperança de um futuro melhor. O esclarecimento é um atributo historicamente segregado, por razões de opressão, poder, ganância ou alguma outra intenção obscura. Por outro lado, a ciência e suas descobertas, por acidente ou por dedicação, tem iluminado alguns dos inúmeros mistérios da vida. Chegar à verdade é uma grande batalha, seja para compreender o universo, a natureza, as relações humanas ou qualquer outro fato que seja propositalmente obscurecido por razões egoístas

"Certamente tenho coisas que quero dizer, sentimentos e pensamentos que gostaria de transmitir para as pessoas, mas ao mesmo tempo não os considero tão importantes", diz Neil. "Eles estão lá, e os vocais de fato são sons, como um instrumento. O mais importante são as séries de tonalidades, consoantes e vogais, e por isso dedico o devido cuidado para que soem bem. Trabalho bastante em conjunto com Geddyem torno da estabilidade das letras, buscando por mim mesmo sua qualidade eufônica. Elas devem soar bem quando cantadas".

© 2015 Rush Fã-Clube Brasil

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