SCARS



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SCARS

I've stood upon my mountaintop
and shouted at the sky
walked above the pavement
with my sense amplified
- I get this feeling

all my nerves are naked wires
tender to the touch
sometimes super-sensitive
but who can care too much?
- I get this feeling

scars of pleasure
scars of pain
atmospheric changes
make them sensitive again


each emotional injury
leaves behind its mark
sometimes they come tumbling out
like shadows in the dark
- I get this feeling

when I think about all I have seen
and all I'll never see
when I think about the people
who have opened up to me
- I get this feeling

snow falls deep around my house
and holds the winter light
I've heard the lions hunting
in the Serengeti night
- I get this feeling

forests turned to factories
and river, sea, and sky
hungry child in the desert
and the flies that cloud her eyes
- I get this feeling

Pleasure leaves a fingerprint
As surely as mortal pain
In memories they resonate
And echo back again
CICATRIZES

já estive no meu topo de montanha
e gritei para o céu
andei acima dos pavimentos
com minha percepção amplificada
- eu sinto isso

todos os meus nervos são fios desencapados
suaves ao toque
às vezes super sensíveis
mas quem consegue se importar tanto?
- eu sinto isso

cicatrizes de prazer
cicatrizes de dor
mudanças atmosféricas
as tornam sensíveis novamente


cada ferimento emocional
deixa sua marca para trás
às vezes eles vêm caindo
como sombras na escuridão
- eu sinto isso

quando penso em tudo que já vi
e tudo que nunca verei
quando penso nas pessoas
que se abriram comigo
- eu sinto isso

a neve cai pesada ao redor da minha casa
e detém a luz do inverno
já ouvi leões caçando
na noite do Serengeti
- eu sinto isso

florestas se tornaram fábricas
e rio, mar e céu
a criança faminta no deserto
e as moscas que anuviam seus olhos
- eu sinto isso

O prazer deixa uma impressão digital
Tão certa quanto a dor mortal
Nas memórias elas ressoam
E ecoam de volta


Música por Geddy Lee e Alex Lifeson / Letra por Neil Peart


Memórias profundamente arraigadas são liberadas por gatilhos existenciais

"Scars" é a quinta faixa de Presto. O Rush separa para esse momento uma composição bastante peculiar, experimental e de destaques múltiplos, trazendo ótimas performances de Geddy Lee, que mostra alcances vocais formidáveis e linhas de baixo construídas com extrema precisão (perfeitamente combinadas à texturas certeiras de sintetizadores), a exuberância e competência no conjunto de guitarras atmosféricas produzidas por Alex Lifeson e, indubitavelmente, o trabalho mágico de bateria e percussão oferecido por Neil Peart. Tais atributos fazem dessa uma excelente produção, que expressa de forma primorosa sua notável temática introspectiva.

Apresentando similaridades musicais sutis com as faixas "Mystic Rhythms" (de Power Windows, 1985) e "High Water" (de Hold Your Fire, 1987), Peart decide trazer para "Scars" padrões de bateria que utilizam uma grande variedade de tambores acústicos e eletrônicos. A ideia aqui foi derivada de um ritmo tribal experimentado durante sua longa viagem de bicicleta feita pela África Ocidental, em 1988.

"Nessa canção, toquei oito pads diferentes com minhas mãos em um padrão, enquanto acionava a caixa e as partes do bumbo com meus pés", explica. "Usei paradiddles para conseguir os sons nos momentos e nos pads certos. Assim, tive que organizar corretamente essas diferentes sonoridades no equipamento, para que caíssem na ordem que eu queria. Precisei organizar tudo em uma série de padrões rítmicos, e não apenas em um único. Levou mais de um dia inteiro de trabalho antes que eu pudesse tocar qualquer nota. Foi um tipo de desafio diferente, mas que surgiu de forma interessante".

"Quando Geddy e Alex fizeram a demo para essa canção, colocaram todos os tipos de percussão na faixa, incluindo congas, timbales e bongôs. Conversamos sobre trazer um percussionista para tocar, além do padrão de bateria que eu teria que fazer. Quis trazer o Alex Acuña, um grande especialista nessa área, o que poderia tornar a faixa emocionante, bem como interessante. Imaginei que ele pudesse me atribuir as partes simples, e que poderíamos fazer tudo juntos. Porém eles pensaram, 'E se Neil fizesse tudo sozinho, utilizando pads?'. Assim, aconteceu como descrevi - eu mesmo toquei as partes de percussão com minhas mãos, mantendo as partes da caixa e do bumbo com os pés".

"Faço samples dos meus próprios sons. Se acontecer de eu precisar do sample de um timbale do meu lado direito - com meu acústico estando do lado esquerdo - preparo nele mesmo. Em 'Scars', fiz o sample da minha própria caixa para tocá-la com o pé. No último disco, tínhamos uma canção chamada 'Mission', com um trecho trazendo uma marimba sincopada, o baixo e um solo na caixa. Quando foi originalmente gravada, capturei a caixa e fiz um overdub da marimba ali. Ao vivo, direcionava tanto o som da caixa quanto da marimba no mesmo pad. Dessa forma, eu poderia ter os dois sons! Para a canção 'Time Stand Still', usei blocos sonoros. Através das maravilhas da eletrônica, eu podia manipular o volume dos blocos, conseguindo o som que ouvia na minha cabeça para aquela parte".

"Entendemos que, enquanto nos provocamos, estamos verdadeiramente tocando. Como em 'Scars', onde a bateria inclui oito tambores exóticos diferentes - eu continuo tocando-os, sendo ainda muito difícil de fazer (de alguma forma, OK pela ética puritana do trabalho). Não é como apertar um botão. Apesar do som ser, num certo sentido, gravado em samples, não é como uma fita que vai rolando; temos que acertar a chave ou o pedal no momento certo como a nota de uma música, tendo também que encaixá-la corretamente musicalmente".

"Pessoalmente, estou muito interessado em aprender sobre diferentes ritmos para tentar aplicá-los na minha bateria, de modo que, quando aprendo sobre a música nigeriana por exemplo, ele se torna uma influência em canções como 'Territories' e 'Scars'".

"Não houve um overdub sequer aqui. Quando tocamos a fita pela primeira vez para nosso produtor Rupert Hine, ele achava que eu havia utilizado overdubs em tudo"
.

O intrincado e hipnotizante padrão de baixo de "Scars" é acionado por um sequenciador, porém toda sua extensão foi inteiramente preparada por Geddy. "Essa foi, provavelmente, a primeira vez que utilizei um sequenciador ao longo de toda a canção", explica. "Escrevi esse padrão de baixo nos teclados, e também o editei ali. Foi muito divertido. Utilizei um sistema de edição de computador, cortando e montando aquele padrão em todos esses formatos diferentes. Trata-se de um ciclo realmente complexo, e se você ouvir ele todo, verá que é muito difícil de aprender e de reproduzir. Ele segue mudando e, quando você acha que vai para uma nota, vai para outra. É bem bizarro. Me diverti muito, parece algo aleatório mas não é. Gosto das repetições. Acho que as mesmas, soando como uma máquina, foram importantes para a canção".

"Em 'Scars', tive carta branca em todas as guitarras atmosféricas"
, lembra Lifeson. "Alguns produtores com os quais trabalhamos no passado diriam: 'Não, vamos gravar sua guitarra limpa para experimentar mais tarde', mas não seria a mesma coisa".

Além da sua musicalidade exótica, "Scars" proporciona outro belíssimo trabalho lírico concebido por Peart. Todos os versos estão perfeitamente interligados, apresentando descrições que desencadeiam memórias, reflexões, impressões e opiniões abrangentes sobre a vida - recordações de momentos bons e também de experiências dolorosas. A canção, inevitavelmente, se mostra autobiográfica, tendo em vista que suas cenas projetam percepções e acontecimentos reais ocorridos com o próprio músico. Sempre cuidadoso, Peart utiliza em "Scars" algumas de suas experiências pessoais, como quando ouviu a caça dos majestosos leões do Serengeti (parque nacional localizado no norte da Tanzânia) e quando se deparou com a triste imagem de crianças famintas cobertas por moscas, fatos esses provenientes de suas viagens pelo continente africano. Ele também cita, logo no início da canção, sua chegada triunfal ao topo de uma montanha, provavelmente o Monte Tai na China, conforme exclusivamente relatado na faixa "Tai Shan", do álbum anterior Hold Your Fire. Assim, todos os momentos descritos foram realmente vividos por ele, nos quais se sentiu esperançoso e entusiasmado ou desesperado e deprimido.

"Scars" refere-se à chamada memória sensorial. Basicamente, quando ativado por um estímulo externo, o cérebro desencadeia reações neurológicas na memória, associando esses estímulos (que podem ser visuais, auditivos, tácteis, olfativos ou gustativos) a fatos importantes da vida, sejam eles bons ou ruins. Essas lembranças (ou impressões), que nos parecem tão vívidas em alguns momentos, são classificadas por Peart como verdadeiras cicatrizes que carregamos e que jamais nos abandonam.

"Acho que é parte da experiência de todos que um certo estímulo reflita um período específico da sua vida como uma cicatriz prazerosa - uma marca deixada em você, uma impressão digital psicológica deixada por alguma experiência muito positiva", explica. "Isso é fácil com a música, se traduzindo em tantas outras partes da vida nas quais são suscetíveis. O sentido do olfato, por exemplo, é uma das forças mais fortes na memória, onde um determinado cheiro, de repente, evoca um período completo acionando uma cicatriz - uma outra impressão psicológica que foi deixada por algo agradável".

"Dessa forma, a metáfora das cicatrizes foi utilizada para dizer que, assim como a música, temos aspectos positivos e negativos que nos deixam marcas. Tentei torná-la universal, não autobiográfica, mesmo levando histórias minhas. Porém, há outras coisas lá - partes da vida sobre as quais tenho respondido com sentimentos de alegria e compaixão, havendo por exemplo a exaltação de andar numa rua urbana se sentindo como acima do chão. O Natal em Nova York é o período ideal para sentir isso, onde você é verdadeiramente abastecido por toda aquela energia e sentimentos positivos".


O tema lírico de "Scars" se aproxima da faixa "Chain Lightning", no que tange as incríveis relações  e ligações sensoriais que estabelecemos com acontecimentos. A canção também é próxima dos pilares temáticos de Hold Your Fire, que trata sobre instintos e a dinâmica do tempo. Um dos trechos mais belos surge quando Peart menciona a neve caindo em torno da sua casa e as luzes do inverno, o que funciona como uma espécie de parábola: mesmo nos dias mais escuros e frios há luz, refletida na neve como um símbolo de esperança. Indo além, o letrista expõe novamente suas preocupações constantes com o meio ambiente, como em "Second Nature" (de Hold Your Fire), citando as florestas, belas e imprescindíveis para a vida, sendo devastadas pelas demandas destrutivas do desenvolvimento ("Forests turned to factories").

"Certa vez Ernest Hemingway aconselhou o autor John Dos Passos: 'Lembre-se de falar do clima no seu maldito livro - o clima é muito importante'. Como letrista, achei um bom conselho. Depois de alguns experimentos e alguns anos como dono de uma pequena cabana nas Montanhas Laurentides, aquele desejo realmente floresceu no álbum Presto, quando consegui uma referência ao clima em quase todas as músicas. Em 'Scars', criei uma linha sobre meu amado inverno nas Laurentides: 'Snow falls deep around my house and holds the winter light'".

Mesmo recusando a abordagem autobiográfica, percebemos em "Scars" o quanto Peart é constantemente atento, fervilhante e preocupado com os acontecimentos ao seu redor, seja com relação às pessoas e com o ambiente quanto com nossos impasses sociais e até mesmo econômicos. De qualquer forma, a canção é um belíssimo exercício poético que lida com o fato mágico de que efeitos de ocorrências passadas retornam facilmente ao nosso presente, nos transportando diretamente para certos eventos, através de estímulos específicos. Novamente, mais uma incrível exaltação a uma capacidade humana específica em forma de música.

© 2015 Rush Fã-Clube Brasil

WIDDERS-ELLIS, A. "Rush Redefined". Guitar Player. November 1991.
STIX, J. "Geddy Lee: Organic". Guitar For The Practicing Musician. June 1990.
MILLER, William F. "Interview: Neil Peart/Rush". Modern Drummer. December 1989.
PEART, N. "Rush - Presto". Rush Backstage Club Newsletter. March 1990.
PEART, N. "My Laurentian Soulscape". Canadian Geographic. January/February 2006.
PEART, N. "Rush - Roll The Bones". Rush Backstage Club Newsletter. October 1991.