FREEWILL



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FREEWILL

There are those who think that life
Has nothing left to chance,
A host of holy horrors
To direct our aimless dance

A planet of playthings
We dance on the strings
Of powers we cannot perceive
"The stars aren't aligned -
Or the gods are malign"
Blame is better to give than receive.

You can choose a ready guide
In some celestial voice.
If you choose not to decide
You still have made a choice
You can choose from phantom fears
And kindness that can kill;
I will choose a path that's clear -
I will choose free will.


There are those who think that
They were dealt a losing hand,
The cards were stacked against them -
They weren't born in Lotus-Land
All pre-ordained
A prisoner in chains
A victim of venomous fate
Kicked in the face
You can pray for a place
In heaven's unearthly estate

Each of us
A cell of awareness
Imperfect and incomplete
Genetic blends
With uncertain ends
On a fortune hunt
That's far too fleet...
LIVRE-ARBÍTRIO

Há aqueles que acham que a vida
Não tem nada deixado ao acaso,
Uma série de horrores santos
Para dirigir nossa dança sem propósito

Um planeta de joguetes
Dançamos nas cordas
De poderes que não conseguimos perceber
"As estrelas não estão alinhadas -
Ou os deuses são malignos"
Culpa é melhor de dar do que receber.

Você pode escolher um guia pronto
Em uma voz celestial.
Se você optar não decidir
Ainda assim fez uma escolha
Você pode escolher entre medos de fantasmas
E a bondade que pode matar;
Eu escolherei um caminho que é claro -
Escolherei o livre-arbítrio.


Há aqueles que acham que
Foram tratados com uma mão perdedora,
As cartas foram empilhadas contra eles -
Eles não nasceram em Lotus-Land
Tudo pré-ordenado
Um prisioneiro acorrentado
Uma vítima do destino perverso
Chutado na cara
Você pode rezar por um lugar
Na propriedade sobrenatural do paraíso

Cada um de nós
Uma célula de consciência
Imperfeita e incompleta
Misturas genéticas
Com fins incertos
Numa caçada de sorte
Que é muito fugaz...


Música por Geddy Lee e Alex Lifeson / Letra por Neil Peart


O caminho da autonomia e da responsabilidade para a plenitude humana

"Freewill" é a segunda faixa de Permanent Waves, uma composição magistral que se solidificou como uma das mais exaltadas e admiradas criações da carreira do Rush. Cativante, progressiva, melódica e propulsiva, "Freewill" continua a brilhante abordagem musical da anterior "The Spirit of Radio", também propondo uma sonoridade mais nítida permeada por elementos da new wave que estabelecem o perfeito equilíbrio entre a acessibilidade e a inconfundível complexidade da banda.

Geddy Lee classifica as sessões de gravação no Le Studio em Morin Heights, Quebec, como "as mais tranquilas e espontâneas que o Rush já experimentou". Nesse ambiente de leveza, o trio consegue conceber uma obra admirável, milimetricamente calculada em movimentos extremamente técnicos e incomuns, porém envoltos por uma atmosfera geral que exala a sensação de uma canção descomplicada. "Alugamos uma fazenda ao norte de Ontário e, entre sessões de composição, assistíamos Alex bater aviões de controle remoto em caminhões. Nesse período, nós três escrevíamos música como uma banda de porão qualquer, simplesmente entrando em uma sala para tocarmos juntos. Foi uma fase em que todos nós estávamos muito impulsionados pela técnica - estávamos meio que obcecados com a tomada de ritmos em compassos ímpares, quer pela inclusão de uma batida ou pela desistência de outra, mas sempre fazendo parecer suave. Isso definitivamente entrou no jogo de 'Freewill'".

Cravar faixas em take único foi algo muito importante para o trio no passado, e o baixista recorda que estar hábil para isso confirmava o grande entrosamento do Rush como banda, principalmente no que se refere ao seu trabalho com Neil Peart. "Sempre planejamos e ensaiamos as canções antes de gravá-las", ele diz, "mas é claro que a espontaneidade assume às vezes. Se um novo preenchimento de bateria vem durante a gravação, eu tenho a chance de entrar e mudar minha parte para garantir que estejamos encaixados".

"Uma vez que Neil escreve e abraça um preenchimento de bateria, isso me dá chance de encontrar algo louco para entrar naquilo que ele está tocando. Construímos canções em torno de riffs que gostamos e, em seguida, procuramos formatos estranhos entre eles. Os solos de guitarra eram grande parte da cena, e experimentamos diferentes tipos para as seções médias. Para 'Freewill', decidimos por uma viagem aleatória entre baixo e bateria, com Alex flutuando nela"
.

Nesse momento, Lifeson intensificaria sua missão de adensar ainda mais o som do grupo, compondo belíssimas misturas entre arpejos exuberantes e investidas que o fariam soar como pelo menos dois guitarristas simultâneos. "A guitarra trazia uma declaração cada vez mais ampla", ele diz, reservando as tomadas mais ousadas para seus solos que, no caso de "Freewill", reflete uma louca e irresistível aventura vertiginosa.

A apaixonante construção instrumental de "Freewill" é, predominantemente, alternada por compassos ímpares hipnotizantes. Como mágica, estes são permeados por elementos que entregam a canção como uma peça rock de grande acessibilidade. A intensa seção instrumental em seu trecho médio é um dos seus destaques mais unânimes, encantando ouvintes e até mesmo outros músicos através dos anos.

"O corpo da música não é difícil", afirma Geddy. "Alex e eu escrevemos essa parte juntos e meio que nos imitamos nela. A guitarra e o baixo estão estritamente alinhados durante os riffs, e o mais interessante é que, em seguida, eu paro juntamente com a bateria, deixando Alex livre para brincar com o ritmo e com os padrões de acordes – o que faz com que represente um grande trecho em trio. Após o momento de riffs pesados espalhamos o som, utilizando a seção rítmica contra a guitarra. É sempre muito divertida de tocar e uma das nossas favoritas".

Alex afirma gostar muito do solo da canção porque é "bem difícil de fazer", fato que o deixa orgulhoso. "É frenético e excitante, e na parte rítmica Geddy e Neil estão por todo o lugar. Este foi provavelmente um dos trechos de música mais ambiciosos que o Rush já produziu - de certo modo todos solam ao mesmo tempo. Quando gravamos, eu não tinha nada planejado, apenas respondi ao que os outros dois fizeram. Estava apenas tentando manter o ritmo, mas acho que por fim funcionou muito bem. Fico sempre muito feliz com esse trabalho, e olha que geralmente encontro falhas em tudo que faço".

"'Freewill' é algo novo para nós em termos de compassos"
, explica Neil. "Experimentamos bastante, trabalhando com quase cada um deles (...). Não acho que você tenha que tocar em 4/4 para se sentir confortável".

"(...) [Nos ensaios de bateria] toco ao lado de versões gravadas, então cliques e sequenciadores são inerentes. Durante os ensaios com a banda, utilizo um metrônomo com duas luzes que piscam alternadamente. Isso me dá informações
de relance suficientes para me manter no caminho certo, assim como os outros caras. Porém, ao começar com os ensaios finais de produção, deixo de lado essas muletas para fazer a coisa ao vivo. É muito gratificante. Nos velhos tempos, utilizávamos um metrônomo por trás dos filmes, e eu sempre ficava com medo de que não funcionasse. Dessa forma, consigo evitar esse problema - prefiro ter a liberdade e a responsabilidade do que algo para confiar nesse sentido. Há uma pequena metáfora que acontece por trás de tudo isso: sim, prefiro muito mais a liberdade e responsabilidade do que a dependência de uma máquina".

Além de suas incríveis capacidades instrumentais, Geddy oferece também suas incríveis linhas vocais, novamente dosando trechos mais brandos com investidas bastante emocionais e agressivas. Ao final da furiosa seção instrumental, a canção reserva uma de suas tomadas mais intensas no disco, que corroboram perfeitamente com as intenções líricas de Peart.

"A parte final é quase tão alta quanto poderia cantar", diz Geddy. "Por alguma razão, ela não é tão difícil para mim".

Além da música, Permanent Waves também representou um momento de transição para Peart como letrista. Mesmo se afastando dos elementos da ficção científica e da fantasia, estes que foram intensamente explorados nos álbuns da década anterior, o músico ainda preservaria as altas e marcantes doses de individualismo em suas composições, afirmando com "Freewill" suas convicções nessa filosofia de maneira muito contundente. A simpatia com os escritos de Ayn Rand continuava clara, abordando novamente, porém por outro viés, os ganhos da preciosa liberdade de escolha. Com teor próximo à "Anthem" (de Fly By Night, 1975) e "Something For Nothing" (de 2112, 1976), "Freewill" representa a materialização do elemento que os três canadenses perseguiam desde o início de suas atividades no mundo da música: o livre-arbítrio, este simbolizando a liberdade de fazerem suas próprias escolhas, baseados exclusivamente no que acreditavam.

No romance Anthem, publicado em 1938, o protagonista idealizado por Rand declara: "É o meu arbítrio que faz a escolha, e a escolha do meu arbítrio é o único édito que respeito". Perguntada em 1964 em uma entrevista se o desejo ou a vontade pessoal são as únicas leis que devem ser respeitadas, Rand respondeu: "Não simplesmente a vontade própria. Essa é, mais ou menos, uma expressão poética utilizada no contexto da história em Anthem. Trata-se do julgamento racional próprio. Veja bem, eu uso a expressão 'livre-arbítrio' de maneira completamente diversa de como ela é normalmente utilizada. O livre-arbítrio é a capacidade humana de pensar ou não pensar. O ato de pensar é o ato primário de escolha. Um homem racional jamais será guiado por desejos ou impulsos, somente por valores baseados em seus julgamentos racionais. Essa é a única autoridade que ele é capaz de reconhecer".

Desde os tempos antigos, filósofos e estudiosos têm ponderado sobre a realidade da existência humana: estamos totalmente livres das amarras de entidades que governam todas as coisas ou tudo é pré-ordenado para estarmos resignados em um papel a cumprir? É possível que o universo realmente conspire contra uma pessoa, tornando-as totalmente impotentes com o desenrolar do destino?

O livre-arbítrio consiste em uma crença ou doutrina filosófica que defende que o indivíduo possui o poder de escolha sobre suas ações. A expressão costuma ter conotações objetivistas e subjetivistas. No primeiro caso, indica que a realização de uma ação por um agente não é completamente condicionada por fatores antecedentes. No segundo, o agente percebe que sua ação originou-se simplesmente por sua vontade. Tal percepção é chamada algumas vezes de "experiência da liberdade".

A existência do livre-arbítrio tem sido uma questão importante na história da filosofia e da ciência. O conceito traz em si interpretações religiosas, morais, psicológicas e científicas. No domínio religioso, destacando-se o cristão, o livre-arbítrio abarca uma significativa variedade de interpretações, mas que em geral afirmam que uma divindade onipotente não impõe seu poder sobre a vontade e as escolhas individuais. Em ética, ele implica que os indivíduos possam ser considerados moralmente responsáveis por suas ações. Já em psicologia, indica que a mente controla certas ações do corpo.

Novamente, o Rush traz preocupações e algo a dizer sobre o curso que decidimos para nossas vidas. Com pouco mais de cinco minutos, a banda observa perceptivelmente em "Freewill" a tendência humana em atribuir culpa por seus próprios fracassos, além de negar o controle do destino por forças externas ao abraçar a autodeterminação. A canção, de fato, defende o livre-arbítrio, que deve ser compreendido aqui de maneira mais abrangente, percebendo suas sombras projetadas no campo da autonomia sobre a vida humana em geral.

Seguindo a proposta da canção, é quase inevitável a questão: se temos o livre-arbítrio, porque precisaríamos escolhê-lo? E se todas as pessoas, naturalmente, dispõem do livre-arbítrio, porque o encorajamento para que outros também tenham? Para compreender o sentido de uma das frases mais marcantes da carreira da banda, Peart não defende apenas a existência do livre-arbítrio, ao contrário, ele assume sua existência e observa as atitudes em relação ao mesmo, incluindo o leque de determinantes da vida que os indivíduos possam escolher acreditar ou, em inúmeras circunstâncias propostas, apenas se abster.

A composição provoca reflexões sobre as desculpas convenientes para vidas estacionadas e insucessos. As justificativas, muitas vezes, equivalem a afirmação da incapacidade e irresponsabilidade, um golpe na dignidade humana e no verdadeiro poder de buscarmos a determinação dos nossos próprios destinos. Na visão de Peart, quando o indivíduo assume posicionamentos do tipo "não era para ser", ele denigre o potencial humano para o autoaperfeiçoamento e a autodeterminação e, ao optar pelo livre-arbítrio, decide pela autonomia e responsabilidade. A busca e luta pelo bem-estar deve refletir um contínuo desenvolvimento da capacidade de autodireção racional e reconhecimento da responsabilidade por nossas próprias culpas, pontos fortes, fracassos e sucessos. Nossas escolhas nos levam a resultados, que também são nossos. Captando a ética existencialista da canção "Anthem", Peart continua a afirmar nossa responsabilidade por nossa própria felicidade, enfatizando o livre-arbítrio como a principal ferramenta para sua conquista.

"A música é sobre a liberdade de escolha e sobre o livre-arbítrio; sobre você acreditando no que decide acreditar", explica Geddy.

Em seu ponto culminante, Geddy canta de forma aguda e torturada que somos "misturas genéticas com fins incertos, numa caçada de sorte que é muito fugaz". A escolha de exercer a autonomia é, segundo Peart, o caminho mais claro, mas a canção valoriza que a prática da autodeterminação não garante um resultado feliz. Não há aqui um otimismo ingênuo - o caminho que está claro é apenas um caminho, e não um destino garantido. O modelo moral afirma que devemos buscar pensamentos corretos, autônomos; espíritos livres que não procuram desculpas.

"Freewill" critica a postura passiva baseada nas ideias, crenças e superstições que dizem respeito à aceitação de que poderes superiores ou o próprio destino definem todos os acontecimentos e desdobramentos de uma vida, o que é tomado na maior parte dos casos como uma espécie de pretexto ou justificativa para o afastamento da responsabilidade pelas próprias ações. Há um apelo que se afasta de qualquer ideia ligada à predestinação, exaltando a liberdade de escolha e um posicionamento pessoal firme - uma busca e defesa do que acreditamos em nossa verdadeira essência. A doutrina da predestinação, em teologia, afirma que todos os eventos têm sido desejados por Deus. João Calvino (1509 - 1564), teólogo cristão francês, interpretou a predestinação bíblica como a significação de que Deus quer a condenação eterna para algumas pessoas e a salvação para outras.

Os primeiros trechos da canção categorizam as crenças que, segundo o olhar do letrista, reduzem vidas a meros brinquedos em um mundo determinista. Esses sistemas afirmam ser a única escolha possível, justificando sofrimentos ou acatando as decisões de forças supremas sobrenaturais por infortúnios ou falhas. Nesse momento, percebemos o contorno de pessoas que acreditam que seus caminhos já estão traçados, e que nada pode ser alterado em um planeta dirigido pelo destino e por fatalidades - ou por um poder superior de impossível compreensão. Para Peart, é mais fácil culpar essas forças do que reconhecer erros puramente pessoais.

O marcante refrão afirma que, se o indivíduo optar por não decidir entre crenças ou tradições que lhe são apresentadas, ainda assim terá feito uma escolha, que também é uma alternativa. Muitas vezes, tais decisões são influenciadas pelo medo ou simplesmente pelo fato de fazerem outras pessoas felizes. Em "Freewill", o caminho do livre-arbítrio não é tão complicado e amedrontador, pois segui-lo reflete escolhas para se fazer o que quiser e quando quiser, assumindo a responsabilidade pelos resultados.

Curiosamente, o verso "If you choose not to decide you still have made a choice" ["Se você optar não decidir, ainda assim fez uma escolha"] nasceu como "If you choose not to decide you cannot have made a choice" ["Se você escolher não decidir, você não pode ter feito uma escolha"]. Felizmente, Neil modificou o seguimento no último momento, buscando mais sentido para o contexto e corroborando com suas intenções no trabalho, soando assim incrivelmente inteligente e em consonância com o espírito da música. Já a linha "And kindness that can kill" ("E a bondade que pode matar") reflete uma pequena influência shakespeariana. A peça A Megera Domada (The Taming of the Shrew), escrita pelo dramaturgo inglês entre 1590 e 1592, traz no final da Cena I / Ato IV uma fala do personagem Petruchio sobre a sua esposa, Katherine: "Esta é uma maneira de matar a esposa com bondade, e assim eu vou refrear seu humor louco e obstinado".

O segundo verso de "Freewill" se aproxima do conceito de Locus de Controle, introduzido pelo psicólogo norte-americano Julian B. Rotter (1916 - 2014) em seu artigo Psychological Monographs, de 1966. Rotter trata de uma variável que busca explicar a percepção que o indivíduo traz em torno da fonte de seu controle sobre os acontecimentos nos quais está envolvido. Desse modo, uma pessoa pode perceber-se como controladora dos acontecimentos ou controlada por fatores externos a ela (estes fatores poderiam ser outras pessoas, entidades ou mesmo o destino, o acaso ou a sorte).

Analisando o chamado Locus 'Interno', os indivíduos acreditam que podem moldar seus destinos através de suas próprias capacidades e esforços, buscando sempre analisar suas contribuições para tudo o que lhes acontece. Eles se colocam como responsáveis pelos problemas que enfrentam, acreditando também que a solução está em si próprios, sentindo-se potentes para modificar situações vivenciadas. Esses atributos diferem-se das características do Locus 'Externo', que afirma que a dependência do sucesso está ligada às chances e a própria sorte - as soluções para questões enfrentadas estão fora de si, dependendo de terceiros para que sejam transformadas. Esses podem livrar-se das frustrações pelo fracasso, mas se sentem impotentes diante dos problemas e desafios.

Peart novamente exalta o livre pensamento em "Freewill", utilizando o termo livre-arbítrio para representar a rejeição de limitações e ditames arbitrários, afirmando que o indivíduo deve definitivamente assumir a responsabilidade por sua vida e ações. Ele esvazia o significado de um dom concedido, conferindo ao mesmo o sentido de que as escolhas estão em nossas mãos.

"(...) Muito do misticismo, em se tratando de astrologia e religião, quer fazer crer que os homens são maus e que devem ser controlados", explica. "Essa é a premissa por trás das ideias de que há algo bem melhor do que o homem, pois ele não é tão bom e por isso deve ser cuidado - não podemos cuidar de nós mesmos. Acredito que possa ser uma boa ilusão para se esconder atrás, mas, quando se resume a isso, você faz as escolhas. Mesmo que evite fazê-las, escolhendo uma dessas telas para se esconder, você terá feito uma escolha que afetará o resultado da sua vida".

"(...) Estou muito interessado em coisas místicas não-reais. Um dos meus programas favoritos é 'The Twilight Zone' [Além da Imaginação], e eu adoro livros de ficção científica e fantasia. Obviamente, não sou um agnóstico que só acredita em coisas nas quais posso levar minha cabeça contra, mas, por isso mesmo, sinto que a quantidade de conhecimento que tenho trabalhado para alcançar ao longo dos últimos anos foi o que impediu de me tornar um seguidor cego, pois tentei aprender o que todos tinham a dizer e o que pensavam, pelo menos em um sentido geral. Não que eu saiba toda a historia do mundo ou qualquer coisa, mas tentei explorar, pelo menos o suficiente, até mesmo o misticismo oriental e assim por diante. Tudo isso para, pelo menos, descobrir porque essas coisas atraem as pessoas e o que têm a dizer para que se vejam como tão importantes. Acredito que há coisas que não podemos explicar, mas não acredito em seres supremos e não acredito que haja alguém guiando minha vida, exceto eu mesmo".

"Gostaria de acreditar em um estilo de vida maior e mais evoluído, porém, nesse planeta e com base nos parâmetros de realidade com os quais temos que lidar, acho que não há dúvidas de que as pessoas estão dirigindo seu próprio curso, para o bem ou para o mal".

"(...) Acho que há certamente várias coisas que acontecem que estão além do nosso conhecimento, mas acredito que possa haver outras explicações também. Tenho comigo teorias e crenças, além da natureza do tempo que permite uma grande quantidade de fluxos cruzados estranhos, retornos e assim sucessivamente. Acho que isso pode percorrer um longo caminho para explicar o mais real dessas experiências, tanto com OVNIs, reencarnação e todos esses tipos de coisas místicas. Não olho para essas coisas como origens religiosas - procuro uma razão física, e acho que elas têm que estar na natureza do tempo. Se extraterrestres estão nos visitando, eles são provavelmente nós mesmos no futuro, porque acredito na natureza do tempo como sendo uma espiral, e essa natureza tem que ter pontos de referência cruzada entre diferentes arcos da espiral".

"Não posso falar para os outros como para mim, acredito que o conceito tradicional de Deus é o único com o qual não me sinto confortável"
, afirma Geddy. "Pegando Woody Allen emprestado, 'Se existe um Deus, ele é um fracassado na melhor das hipóteses'. Para mim, a espiritualidade é uma crença pessoal e acho que cabe a cada pessoa escolher o caminho mais confortável para ela. Entendo de fato como um ponto de vista individual. Cresci em um lar muito religioso, e acho que os dogmas e as constrições da religião organizada não são apropriados para meu sistema de crenças. Mas não sou tão arrogante a ponto de achar que tenho todas as respostas para essas perguntas".

"Considero-me judeu como raça, mas não tanto como religião"
, diz o baixista. "Não ligo para religião. Sou um judeu ateu, se isso é possível. Comemoro as datas no sentido de que minha família se reúna e gosto de fazer parte disso. Olho sempre pelo aspecto do 'ficarmos juntos'. Cresci sentindo a alienação que muitos garotos sentem - eu não era uma criança particularmente social. Isso cria a sensação de ser um cara que fica sempre de fora. Passei muito tempo vivendo dentro da minha própria cabeça, e nossa música está cheia desse tipo de histórias. O que te conforta é saber que não és o único que experimentou essa alienação, e temos fãs que se confortam da mesma maneira com que nos confortamos com nossa própria música".

Segundo Peart, ouvintes têm creditado canções do Rush ao longo dos anos como uma ampliação dos seus pontos de vista sobre o mundo. "Um rapaz me contou que foi criado como um católico bastante rigoroso, que tinha a certeza de que sua fé e a doutrina que recebeu eram a única verdade. Então ele ouviu algumas das nossas músicas, como 'Freewill', e começou a considerar que era possível acreditar de forma diferente".

"Não faz muito tempo, um ex-mórmon me escreveu relatando uma experiência semelhante, de ser educado para simplesmente aceitar o que lhe foi dito, até sua independência de pensamento se acender por nossa música".

"Mesmo que a voz da razão seja cada vez mais abafada pela multidão evangélica, isso é mais uma razão para se falar".


Nesse momento da canção, há uma pequena e interessante referência ao poema épico A Odisseia, de Homero, e que ilustra perfeitamente as intenções da mensagem proposta. O trecho traz a expressão Lotus-Land, que se refere a uma das ilhas visitadas pelo herói Ulisses em sua jornada de volta para casa, descrita no capitulo IX. Após enfrentarem terríveis tempestades, ele e sua tripulação desembarcam nesse local, onde as pessoas se alimentavam exclusivamente da Flor de Lotus. Todos são bem recebidos, conseguindo assim repouso e descanso. Os habitantes da ilha são pacíficos, sendo estranho para os viajantes apenas seus hábitos de alimentação, o que leva Ulisses a denominá-los Lotófagos. Os marinheiros do herói, em um determinado momento, experimentam a flor, logo imergindo em um universo de alucinações, que os prendem em uma realidade fantasiosa. Eles perdem noção do tempo e da realidade pelos efeitos alucinógenos do alimento incomum, desistindo assim de retornarem para casa. Ulisses percebe que todos estão presos na ilha, pois seus homens se tornam prisioneiros de suas próprias ilusões. Lotus é uma flor mística, e seu simbolismo para a canção expõe que, em muitos casos, os homens encontram descanso após momentos de tempestade no misticismo, tradições ou religiões, tornando-se prisioneiros quando o local de descanso saudável e de repouso para a alma passa a se tornar entorpecente.

"Lotus-land aparece em 'Freewill' simplesmente como uma metáfora para uma paisagem de fundo idealizada, uma 'terra de leite e mel'", explica o letrista. "Ela é às vezes utilizada também como nome pejorativo para Los Angeles, apesar de isto não estar na minha mente quando escrevi".

Em seu ápice, "Freewill" aceita a ideia de que os homens são criaturas que desenvolveram um nível de consciência, e que trazem imperfeições que os tornam únicos. O conceito de livre-arbítrio deixa de ser uma dádiva confusa e paradoxal, e passa a representar um notável símbolo de autoafirmação e capacidade. Novamente, o Rush oferece uma canção estimulante – sua vida é o que você faz dela em um cenário de acasos e aleatoriedade.

"Nosso relacionamento como uma equipe de compositores tem evoluído ao longo dos anos - ele [Peart] como letrista e eu como vocalista", diz Geddy. "Tem que haver consideração em ambos os lados. Como crescemos juntos, temos experimentado um aumento progressivo dessa consideração. Ele geralmente reúne cinco ou seis ideias e me permite escolher a que mais positivamente me tocou - as demais ele deixa de lado. Neil me dá grande liberdade para alterar as letras e, se não estou sentindo o refrão, ele tenta reconstruir, e teremos esse vai e vem até que a canção funcione ou não. Outras vezes nem chego a tocar na letra, ele mesmo a altera, de forma que quando me ouve cantar as canções me passa um feedback sobre a maneira na qual estou cantando. De forma global nunca discutimos - apenas argumentamos".

A música do Rush, além das inconfundíveis maravilhas musicais, traz sugestões de como viver melhor ao acreditarmos no potencial de alcance das realizações que desejamos. "Permanent Waves foi o passo", lembra Peart. "Ele mudou a forma como fazíamos discos; ele nos ensinou a respirar, como em 'The Spirit of Radio' e 'Freewill'. Fomos aprendendo ser mais concisos também, muitas lições foram aprendidas. Não menos importante, demos um passo atrás em tudo".

© 2015 Rush Fã-Clube Brasil

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