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GRAND DESIGNS MANHATTAN PROJECT MARATHON
MANHATTAN PROJECT
Imagine a time when it all began
In the dying days of a war
A weapon - that would settle the score
Whoever found it first
Would be sure to do their worst -
They always had before...
Imagine a man where it all began
A scientist pacing the floor
In each nation - always eager to explore
To build the best big stick
To turn the winning trick -
But this was something more...
The big bang - took and shook the world
Shot down the rising sun
The end was begun - it would hit everyone
When the chain reaction was done
The big shots - try to hold it back
Fools try to wish it away
The hopeful depend on a world without end
Whatever the hopeless may say
Imagine a place where it all began
They gathered from across the land
To work in the secrecy of the desert sand
All of the brightest boys
To play with the biggest toys -
More than they bargained for...
Imagine a man when it all began
The pilot of "Enola Gay"
Flying out of the shockwave on that August day
All the powers that be, and the course of history,
Would be changed for evermore...
Imagine a time when it all began
In the dying days of a war
A weapon - that would settle the score
Whoever found it first
Would be sure to do their worst -
They always had before...
Imagine a man where it all began
A scientist pacing the floor
In each nation - always eager to explore
To build the best big stick
To turn the winning trick -
But this was something more...
The big bang - took and shook the world
Shot down the rising sun
The end was begun - it would hit everyone
When the chain reaction was done
The big shots - try to hold it back
Fools try to wish it away
The hopeful depend on a world without end
Whatever the hopeless may say
Imagine a place where it all began
They gathered from across the land
To work in the secrecy of the desert sand
All of the brightest boys
To play with the biggest toys -
More than they bargained for...
Imagine a man when it all began
The pilot of "Enola Gay"
Flying out of the shockwave on that August day
All the powers that be, and the course of history,
Would be changed for evermore...
PROJETO MANHATTAN
Imagine um tempo em que tudo começou
Nos últimos dias da guerra
Uma arma - que acertaria as contas
Quem quer que a descobrisse primeiro
Certamente faria o pior -
Eles sempre fizeram antes...
Imagine um homem onde tudo começou
Um cientista andando de um lado para o outro
Em cada nação - sempre ansioso por explorar
Construir o melhor e maior porrete
Para dar a cartada final -
Mas foi algo mais...
O big bang - arrebatou e abalou o mundo
Abateu o sol nascente
O fim começava - atingiria a todos
Quando a reação em cadeia fosse iniciada
Os figurões - tentam contê-la
Os tolos tentam ignorá-la
O esperançoso conta com um mundo sem fim
Não importa o que os desesperados digam
Imagine um lugar onde tudo começou
Eles se reuniam por toda a terra
Para trabalhar no segredo das areias do deserto
Todos os garotos mais brilhantes
Para brincar com os maiores brinquedos -
Mais do que esperavam...
Imagine um homem quando tudo começou
O piloto do "Enola Gay"
Voando para longe da zona de impacto naquele dia de agosto
Todos os poderes constituídos, e o curso da história,
Seriam mudados para sempre...
Imagine um tempo em que tudo começou
Nos últimos dias da guerra
Uma arma - que acertaria as contas
Quem quer que a descobrisse primeiro
Certamente faria o pior -
Eles sempre fizeram antes...
Imagine um homem onde tudo começou
Um cientista andando de um lado para o outro
Em cada nação - sempre ansioso por explorar
Construir o melhor e maior porrete
Para dar a cartada final -
Mas foi algo mais...
O big bang - arrebatou e abalou o mundo
Abateu o sol nascente
O fim começava - atingiria a todos
Quando a reação em cadeia fosse iniciada
Os figurões - tentam contê-la
Os tolos tentam ignorá-la
O esperançoso conta com um mundo sem fim
Não importa o que os desesperados digam
Imagine um lugar onde tudo começou
Eles se reuniam por toda a terra
Para trabalhar no segredo das areias do deserto
Todos os garotos mais brilhantes
Para brincar com os maiores brinquedos -
Mais do que esperavam...
Imagine um homem quando tudo começou
O piloto do "Enola Gay"
Voando para longe da zona de impacto naquele dia de agosto
Todos os poderes constituídos, e o curso da história,
Seriam mudados para sempre...
Um olhar especial sobre a mais poderosa criação bélica da história
"Manhattan Project" é a terceira canção de Power Windows, certamente um dos pontos mais altos de todo o disco. Após a primeira investida concreta em uma canção-documentário com "Countdown", faixa que finaliza o álbum Signals (1982), recebemos outro estupendo trabalho lírico de Neil Peart que segue essa mesma ideia de concepção. "Manhattan Project" exibe com esmero uma lição de história magistral sobre a criação das armas nucleares, expondo uma das maiores mudanças no curso das descobertas tecnológicas do homem ao observar as mentes brilhantes por trás desse processo.
Partindo de uma linha de percussão militar, "Manhattan Project" é apresentada com um clima sutil em seus primeiros versos, estes que imediatamente convidam à imaginação. A composição ganha força nos refrões, na medida em que a tensão e a angústia presentes na temática aumentam. Para Geddy Lee, a faixa é um bom exemplo de como a banda mudou a dinâmica do seu som através da parceria com o produtor Peter Collins. "Tentamos fazer o disco com movimentos mais ousados", ele diz. "Tiramos algumas coisas, mas nunca perdendo o foco de um trio. Em 'Manhattan Project', no verso um e no verso três, só temos vocais, bateria e teclados, algo que não é comum na banda. Vocês vão retirar o baixo e a guitarra? Como podem fazer isso com uma música do Rush? Mas funcionou e adorei o efeito".
"Andy Richards trouxe um número significativo de elementos para essa canção", continua. "Ele utilizou de um PPG 2.3 MIDI e um Super Jupiter, além de um sequenciador digital Yamaha QX1. Todas as faixas foram fixadas em um leitor de codificação de tempo SRC, que atua como a inteligência dos sequenciadores. Utilizamos sequenciadores para as partes básicas. Se você tem uma coisa simples e chata, mas necessária, é mais divertido deixar o sequenciador fazer".
"Em 'Manhattan Project', Andy fez um tipo de linha de baixo fretless em um Roland JP-8. Soou grandioso".
Alex Lifeson diz que as guitarras em "Manhattan Project" foram influenciadas pelo trabalho de Andy Summers, guitarrista do trio inglês The Police. "Acho que sua influência é evidente em muitos materiais do Rush nos anos 80", explica. "Ele tinha uma sonoridade relativamente discreta, mas que acabava sendo sempre muito presente. A confiança e o senso de humor em sua maneira de tocar refletem sua personalidade". Já sobre seu desenvolvimento musical, Alex diz que este é resultado de sua própria evolução, não de porções vindas de seus companheiros de banda. "Meu desenvolvimento vem da minha evolução. Quando estamos no estúdio, todos nós temos ideias sobre cada uma das partes e instrumentos das canções, onde fazemos sugestões uns aos outros. Em 'Manhattan Project', por exemplo, concordamos com uma recomposição da guitarra, uma vez que, ao inserirmos os teclados, todo o caráter da música foi modificado".
"O aspecto mais interessante de estar nessa banda é o desafio de compor", afirma Geddy. "Acho que a fase de composições é a mais gratificante de todas. Todo o resto gira em torno disso. Não pensava assim no começo da carreira, só queria tocar naquela época. Porém, hoje me vejo mais como um compositor. É isso que faz valer à pena".
Nesse período, o Rush expressava intensamente com sua música preocupações com desdobramentos históricos e com a conjuntura mundial. Lee inclusive participou do supergrupo Northern Lights em 1985, formado por um grande número de artistas canadenses renomados, na gravação da faixa "Tears Are Not Enough" - uma contribuição para o álbum USA For Africa. Segundo o músico, a capacidade de sensibilização só pode render frutos positivos. "O mais importante é que alguém está sendo ajudado em algum lugar do mundo, o que tem de ser considerado como algo bom. Mais pessoas estão mais conscientes dos problemas agrícolas e da fome no mundo do que estavam no passado", explica.
O desenvolvimento da bomba atômica, a mais poderosa arma criada pela raça humana, é visto como um dos mais impactantes e controversos acontecimentos do século XX. Sua capacidade aterrorizante de devastação e seu simbolismo como fonte de poder deflagraram uma tensa corrida armamentista nuclear entre os Estados Unidos e a União Soviética, ao fim da Segunda Guerra Mundial. Os grandes conflitos do período haviam mudado drasticamente o cenário do planeta, com a chegada de aviões, metralhadoras, guerras químicas e biológicas se revelando como apenas alguns dos avanços tecnológicos que alterariam táticas militares, ocasionando inúmeras mortes em todo o mundo. Porém, a bomba atômica iria além. Alguns acreditavam que sua existência pudesse pôr fim às guerras, já outras temiam a possível aniquilação da espécie humana.
A composição do Rush observa o chamado Projeto Manhattan, empreendimento de pesquisa e desenvolvimento que produziu as primeiras bombas atômicas durante a Segunda Guerra. Liderado pelos Estados Unidos, com o apoio do Reino Unido e Canadá, muitos acreditam que as autoridades escolheram o nome para confundir os serviços estrangeiros de inteligência. Na verdade, pelo menos dez locais relacionados aos esforços de desenvolvimento da bomba ficavam em Manhattan, um dos cinco distritos em que se divide a cidade de Nova York. O Corpo de Engenharia do Exército, por meio de seu escritório localizado no número 270 da Broadway, recebeu a ordem de construir uma bomba nuclear e, inicialmente, a sede do projeto ficaria nesse edifício. Com as autoridades decidindo pela ampliação das fronteiras do projeto - a fim de garantir a segurança - o Corpo ainda continuou encarregado de construir instalações no Novo México, Tennessee e no Estado de Washington, operando a partir de sua sede em Manhattan. Diversos outros locais de Nova York, dentre os quais a Universidade Columbia, operavam como centrais secretas de pesquisa ou postos de armazenagem de urânio.
Com "Manhattan Project", o Rush prossegue com o desafio de abordar algumas das diversas manifestações em torno do poder, sobre as quais Power Windows se dedica - desde os pessoais aos globais. Peart é um intelectual cuja curiosidade se estende à matérias raramente abordadas em canções do rock and roll e, dessa forma, não mostra receios em observar o Projeto Manhattan a partir de um ponto de vista de certa forma impopular, sugerindo que os cientistas envolvidos não eram apenas monstros de jalecos brancos. Inegavelmente, o letrista empreende com responsabilidade o elemento histórico - ele escreve a canção em uma fazenda no interior do Canadá, lendo vários livros sobre o assunto. Conforme em outras canções, como "Beneath, Between and Behind" de Fly By Night (1975), Peart evita cuidadosamente o tipo de revisionismo histórico ao qual grande parte dos compositores no rock se dedica.
"Quando comecei essa canção, só buscava dramatizar o evento em si", diz. "Mas, após muita pesquisa, percebi o que havia acontecido e comecei a simpatizar um pouco com as pessoas envolvidas. Eles não eram sem coração, monstros loucos. Apenas regulares, patrióticos que foram pegos no momento dos acontecimentos".
"Queria escrever sobre o nascimento da era nuclear. Bem, mais fácil dizer do que fazer, especialmente quando se escreve letras. Você tem algumas centenas de palavras para dizer o que quer dizer. Assim, cada palavra conta, e é melhor que cada palavra seja precisa. Tive que voltar e ler histórias do tempo e do lugar, biografias de todas as pessoas envolvidas - tive que ler uma dúzia de livros e reunir todo o conhecimento e experiência. Só assim você poderia escrever que os cientistas estavam de fato nas areias do deserto, me certificando de que eles foram e por quê, e tudo isso".
"Não foi fácil 'vender' a noção de uma canção rock histórico, mesmo para meus companheiros de banda. Mas foi Geddy, pensando como vocalista, que sugeriu que eu construísse a mesma de forma que o ouvinte fosse convidado a imaginar a cena".
Para Lee, é perigoso para uma banda de rock tomar um lado político, no qual "você pode ter mais efeito que imagina", sendo mais importante ser objetivo. As linhas do refrão têm sucesso nesse sentido, ao delinear como se manteve a situação desde que a bomba atômica foi inicialmente desenvolvida pela equipe do Projeto Manhattan.
"Me considero um objetivista, e tento ver as coisas de uma forma bem objetiva - mas muitas vezes as mostro de forma subjetiva, simplesmente por soar mais dramático", diz Peart. "É melhor para o vocalista, que tem um papel a desempenhar, e é mais compreensível para o ouvinte, na recepção do ambiente emocional retratado, ao invés de receber apenas algumas ideias declaradas secamente. Suponho que seja uma maneira de servir ao ouvinte. Isso é algo que Geddy me apontou. Lembro de estar trabalhando em 'Manhattan Project', na qual tentamos traduzir fatos históricos secos para um formato lírico. Geddy sugeriu que começássemos com a frase 'Imagine a time...' - uma linha que ele me deu, e que de fato trouxemos à vida. Então comecei cada um dos três versos nesse estilo, 'Imagine a time...', 'Imagine a place...', 'Imagine a man...'. Era exatamente o que eu precisava, uma construção útil".
"O que a canção tenta trazer não é o fato de que a bomba foi algo horrível, como obviamente foi", comenta Geddy. "Quem são as pessoas que construíram a bomba? É, para mim, uma canção que fala mais sobre pessoas do que sobre a bomba. Ela trata do fato de que havia pessoas em todo o mundo envolvidas com a corrida, homens brilhantes, os melhores, algumas das maiores mentes do mundo. E isso é algo que as pessoas tendem a esquecer quando pensam na bomba. Todos parecem apenas se lembrar daquele horrível holocausto, sem perceber a louca atmosfera daqueles tempos".
"Criar a bomba foi um evento muito humano", reforça Peart. "Não era apenas um potentado sem rosto no Pentágono ordenando a destruição de milhões de pessoas - foi um pouco mais complicado que isso. Estamos falando dos maiores cérebros científicos da América, que iniciaram esse trabalho patriótico a fim de ajudar a causa da liberdade, da democracia e da decisão americana de construir a bomba. Eles não poderiam dizer não. Se o fizessem, estariam sendo condenados ao ostracismo, senão executados. Uma vez que tinham o poder, deveriam usar pelo receio de que nos acovardássemos. O inimigo não se acovardaria".
"Eles foram muito patrióticos, e muitos deles eram europeus orientais que fugiam do nazismo na época, vindo para os Estados Unidos e estando obviamente preocupados com a luta pela preservação do mundo ocidental livre. Por isso, foi algo estranho que veio sobre nós, e é comum dizer, 'Ok, temos todas essas coisas e não gostamos delas. Então vamos descartá-las'. Bem, é uma ideia adorável, mas um tipo de filosofia muito tola. Vamos encarar, ninguém confiou na Rússia ao longo de dois mil anos; a Rússia não confiou em ninguém por dois mil anos, independentemente de política - não tem nada a ver com política. Nunca teve a ver com política".
"Não é comunismo contra capitalismo, não são os vermelhos contra o Reagan, não é nada assim. Vai muito além disso e quem conhece a história do mundo para um pouco mais além da semana passada vai perceber que a Rússia sempre esteve historicamente nessa posição. Então, consequentemente, você pode dizer ok... América... não consigo acreditar quando ouço pessoas dizendo que a América deva descartá-los. As pessoas de fato acreditam nesse tipo de solução, 'The fools try and wish it away!'. Ok, uma aproximação é algo feio e perigoso, mas sou o primeiro a concordar com a mesma".
Ao lado de canções como "Distant Early Warning" e "Red Sector A" (ambas do álbum anterior Grace Under Pressure, de 1984), Peart visita novamente com "Manhattan Project" os temas da Segunda Guerra Mundial e da Guerra Fria. A composição é bastante direta sobre o assunto abordado, talvez uma das mais literais já escritas pela banda.
Imagine um tempo em que tudo começou
Nos últimos dias da guerra
Uma arma - que iria acertar as contas
Quem quer que a descobrisse primeiro
Certamente faria o pior -
Eles sempre fizeram antes...
Imagine um homem onde tudo começou
Um cientista andando de um lado para o outro
Em cada nação - sempre ansioso por explorar
Construir o melhor e maior porrete
Para dar a cartada final -
Mas foi algo mais...
Para chegar ao Projeto Manhattan e ao bombardeio de Hiroshima e Nagasaki, é importante compreender os avanços conquistados pela Física nos anos que antecederam a Segunda Guerra Mundial. No período entre 1919 e o começo dos anos 30, os cientistas começavam a definir as partes essenciais da estrutura do átomo. Em 1919, na Universidade de Manchester, Inglaterra, o físico neozelandês Ernest Rutherford (1871 - 1937) descobriu os prótons - partículas de carga positiva localizadas no núcleo do átomo - as quais, em companhia dos elétrons (partículas de carga negativa que orbitam em torno do núcleo), formam o átomo.
Havia um problema: os físicos não conseguiam explicar por quê diversos elementos apresentavam átomos de pesos diferentes. O mistério só foi resolvido em 1932 quando James Chadwick (1891 - 1974), físico britânico e um dos colegas de Rutherford, descobriu o nêutron, a terceira partícula subatômica. Sem carga elétrica, os nêutrons dividem com os prótons o espaço do núcleo atômico. Embora o número de prótons e de elétrons seja sempre o mesmo em cada elemento (o carbono, por exemplo, sempre tem 14 prótons e 14 elétrons), o número de nêutrons pode variar. Isso explica por quê o peso (ou número de massa) do carbono varia, ainda que seja de um mesmo elemento. Os átomos de um mesmo elemento, diferentes quanto ao número de massa, são conhecidos como isótopos.
Na mesma época, os cientistas começaram a usar aceleradores de partículas a fim de bombardear núcleos atômicos, na esperança de dividir átomos e criar energia. Inicialmente, obtiveram sucesso muito limitado - os primeiros aceleradores de partículas disparavam prótons e partículas alfa, ambos portadores de carga positiva. Mesmo em alta velocidade, essas partículas eram facilmente repelidas pelos núcleos dotados de carga positiva, e figuras como Rutherford, Albert Einstein (1879 - 1955) e Niels Bohr (1885 - 1962) acreditavam que fosse quase impossível desenvolver uma forma de controlar a força do átomo.
O panorama mudou quando o físico italiano Enrico Fermi (1901 - 1954) concebeu a ideia de utilizar nêutrons nos bombardeios, em 1934. Como os nêutrons não têm carga elétrica, podem atingir sem rejeição o núcleo de um átomo. Ferni bombardeou diversos elementos com sucesso e criou elementos novos, radiativos, como resultado de suas experiências. Sem que o soubesse, havia descoberto o processo de fissão nuclear. Dois cientistas alemães, Otto Hahn (1879 - 1968) e Fritz Strassmann (1902 - 1980), foram os primeiros a reconhecer formalmente o processo em 1938, ao dividirem átomos de urânio em duas ou mais partes, em suas experiências.
O urânio, elemento natural mais pesado do planeta (com 92 prótons), foi utilizado em muitas dessas experiências iniciais, se tornando tema de grande interesse para a Física por diversas razões. O hidrogênio, em contraste, é extremamente leve e traz somente 1 próton. O mais interessante quanto ao urânio, porém, não é tanto o número de prótons ou o número elevado de nêutrons em seus isótopos. Um isótopo de urânio, o urânio-235, tem 143 nêutrons, e entra em fissão induzida com grande facilidade.
Quando um átomo de urânio se divide, ele está essencialmente perdendo massa. De acordo com a famosa equação de Einstein, E = mc2, onde E representa energia, m é massa e c é a velocidade da luz, a matéria pode ser convertida em energia. Quanto mais matéria disponível, mais energia poderá ser criada. O urânio é pesado por ter muitos prótons e nêutrons, de modo que, quando se divide em duas ou mais partes, dispõe de mais matéria a ser perdida. Essa perda de massa, por menor que um átomo seja, equivale à criação de um grande volume de energia.
Além disso, nêutrons adicionais se separam dos pedaços de um átomo de urânio dividido. Já que um quilo de urânio contém trilhões de átomos, a probabilidade de que um nêutron desgarrado atinja outro átomo de urânio é muito elevada. Esse fato atraiu as atenções do mundo da Física - uma reação em cadeia controlada poderia criar energia nuclear segura, enquanto uma reação descontrolada teria o potencial para causar uma devastação. As informações sobre a fissão nuclear se difundiram rapidamente da Europa para os Estados Unidos e, em 1939, diversos dos principais laboratórios de Física dos EUA, entre os quais o de Ernest Lawrence (1901 - 1958), no campus da Universidade da Califórnia em Berkeley, testavam a possibilidade de gerar energia com urânio.
Ainda que o momento fosse de entusiasmo no campo da Física, a tensão e a incerteza eram intensas. A Segunda Guerra Mundial já havia começado, após Hitler subir ao poder na Alemanha nazista e invadir a Polônia, em 1° de setembro de 1939. Muitos temiam que os alemães estivessem trabalhando assiduamente no desenvolvimento de uma arma nuclear que, sem dúvidas, empregariam contra seus inimigos em tempo de guerra. Físicos importantes como Leo Szilard (1898 - 1964), Edward Teller (1908 - 2003) e Eugene Wigner (1902 - 1995), todos europeus que fugiram para os Estados Unidos a fim de escapar da guerra, sentiram a necessidade de alertar o governo norte-americano sobre o risco, que surgiria caso a Alemanha desenvolvesse armas nucleares primeiro.
Einstein e Szilard ficaram preocupados a ponto de escreverem uma carta ao presidente Franklin Roosevelt, descrevendo a ameaça alemã e a possibilidade de construir armas poderosas com urânio. Ao consultar o economista Alexander Sachs (1893 - 1973), Roosevelt decidiu que seria necessário começar as pesquisas sobre a energia nuclear, estabelecendo o Comitê Consultivo do Urânio, presidido por Lyman J. Briggs (1874 - 1963). Os dois anos seguintes foram marcados pela incerteza, pois ninguém estava certo quanto ao volume de urânio necessário, o custo do projeto de construção das bombas e o tempo disponível para que os EUA concluíssem a construção de uma arma operacional. Além disso, as pesquisas sobre a extração de urânio-235 do minério de urânio não eram conclusivas.
O processo se acelerou com a ajuda de Vannevar Bush (1890 - 1974), presidente da Carnegie Foundation, que foi apontado para a presidência do Comitê Nacional de Pesquisa de Defesa por Roosevelt na metade de 1940. Bush integrou o Comitê do Urânio à nova organização, o que propiciou mais verbas e mais segurança para os cientistas. O passo seguinte foi dado em 28 de junho de 1941, quando se tornou diretor do Serviço de Pesquisa e Desenvolvimento Científico.
O Comitê Nacional de Pesquisa de Defesa veio a ser um órgão consultivo do Serviço de Pesquisa e Desenvolvimento Científico, e o Comitê do Urânio passou a ser conhecido como Serviço de Pesquisa e Desenvolvimento Científico - Seção Urânio, bem como pelo codinome S-1. O mesmo se aplicava a todos os interessados em compreender o que a Casa Branca estava fazendo com relação ao programa da bomba.
Ainda em julho de 1941, Bush recebeu o impulso que precisava para colocar o projeto em funcionamento real. O Comitê MAUD, versão do Reino Unido para o programa de desenvolvimento de armas nucleares, lançou o Relatório MAUD. Embora os recursos da Inglaterra estivessem distendidos em função da situação do país na Segunda Guerra Mundial, as contribuições teóricas dos britânicos para o projeto da bomba foram inestimáveis, e o relatório confirmou para muitos de seus leitores que uma bomba nuclear e o enriquecimento do urânio-235 eram definitivamente possíveis.
Bush estabeleceu diversos grupos de pesquisa, a maioria em universidades como Berkeley e Colúmbia, e colocou a operação em funcionamento com injeções de verbas ainda mais elevadas - Lawrence, por exemplo, recebeu US$ 400 mil para suas pesquisas sobre eletromagnetismo. O sigilo ainda era uma prioridade crucial, apesar do dinheiro adicional, e os cientistas escolheram locais estranhos de trabalho a fim de esconder seus esforços. Muitos se chocam ao descobrir, hoje, que os físicos Fermi e Arthur Compton (1892 - 1962) usaram um espaço sob as arquibancadas do Stagg Field, estádio de tênis da Universidade de Chicago, para conduzir a primeira reação nuclear em cadeia, em 1942.
Em março do mesmo ano, o Corpo de Engenharia do Exército dos Estados Unidos se envolveu diretamente nas reuniões do S-1 e, em 18 de setembro, o coronel Leslie Groves (1896 - 1970) se tornou diretor do projeto, que assumiu oficialmente o nome de Projeto Manhattan. Com formação sólida em engenharia (ele supervisionou a construção do Pentágono), Groves provou ser um administrador muito eficiente e contribuiu imensamente para o sucesso da bomba, em um prazo incrivelmente curto.
Imagine um lugar onde tudo começou
Eles se reuniam por toda a terra
Para trabalhar no segredo das areias do deserto
Todos os garotos mais brilhantes
Para brincar com os maiores brinquedos -
Mais do que esperavam...
O big bang - arrebatou e abalou o mundo
Abateu o sol nascente
O fim começava - atingiria a todos
Quando a reação em cadeia fosse iniciada
Os figurões - tentam contê-la
Os tolos tentam ignorá-la
O esperançoso conta com um mundo que não acabe
Não importa o que os desesperados digam
Ao longo dos 12 meses seguintes, Groves selecionaria diversos locais nos Estados Unidos que contribuiriam para a construção da bomba, entre os quais Oak Ridge, Tennesee (Local X) e Hanford, Washington (Local W). Os dois locais abrigariam imensas instalações de produção de plutônio e urânio. Quando Groves selecionou Robert Oppenheimer (1904 - 1967), professor de Física teórica em Berkeley, como diretor do Projeto Y, os dois escolheram Los Alamos, no Novo México, como o local que serviria de pólo central ao Projeto Manhattan.
Los Alamos, bem como as instalações no Tennessee e no Estado de Washington, era um lugar isolado, selecionado por motivos de segurança, mas seria difícil imaginar que esse era o caso, diante das fotos que mostram as instalações em plena produção. O desolado altiplano desértico de Los Alamos foi transformado em uma pequena cidade, com laboratórios, escritórios, refeitórios e alojamentos para todos os envolvidos no projeto. Oppenheimer trabalhou com afinco para reunir os melhores cérebros científicos do país e, por quase três anos, do fim de 1942 ao bombardeio de Hiroshima, em 6 de agosto de 1945, milhares de pessoas trabalharam para superar o desafio envolvido na construção de uma arma atômica.
A segurança era extremamente rígida em Los Alamos e as pessoas mal recebiam autorização para manter contato com seus familiares e amigos, durante a sua estadia no Local Y. Os guardas do complexo eram rigorosos quanto à concessão de licenças de segurança e havia arame farpado em torno de todo o complexo. O Projeto Manhattan estava envolto em tamanho segredo que algumas pessoas nem sabiam ao certo o trabalho no qual estavam envolvidas, até surgir a notícia sobre a bomba que explodiu em Hiroshima.
Dois tipos de bombas nucleares foram projetadas em Los Alamos: uma de implosão e outra de disparo. Após importantes aperfeiçoamentos realizados, os especialistas enfim selecionaram um local para o teste da primeira bomba atômica: Alamogordo, um campo de provas de explosivos no deserto, 340 quilômetros ao sul de Los Alamos. O local recebeu o codinome "Trinity", para o teste de uma bomba de plutônio. Oppenheimer teria supostamente recordado um poema do britânico John Donne (1572 - 1631) que dizia "Abalai meu coração, ó Deus trino", considerando que a comparação procedia. Às 5h30min do dia 16 de junho de 1945, a bomba foi acionada, com uma detonação avassaladora que cegou temporariamente diversos dos cientistas que estavam observando o teste: a Era Atômica havia começado.
Imagine um homem quando tudo começou
O piloto do "Enola Gay"
Voando para longe da zona de impacto naquele dia de agosto
Todos os poderes constituídos, e o curso da história,
Seriam mudados para sempre...
Em 6 de agosto de 1945, Paul Tibbets (1915 - 2007), piloto de um avião B-29 batizado de Enola Gay, lançou uma bomba atômica contra a cidade japonesa de Hiroshima. O Japão é conhecido como a Terra do Sol Nascente, e o termo Big Bang funciona na canção do Rush como uma alusão ao começo do novo universo, após o evento singular.
Apelidada de Little Boy, a bomba lançada em Hiroshima criou uma explosão com poder de destruição equivalente a 15 mil toneladas de TNT, destruindo quase todas as edificações em um raio de 1,5 quilômetro do hipocentro da explosão, criando um incêndio de proporções imensas que terminou por engolfar toda a cidade. Acredita-se que 70 mil moradores tenham morrido imediatamente depois da detonação, mas o número de mortos teria chegado a 100 mil no fim de 1945 e a 200 mil em um prazo de cinco anos, devido aos efeitos da radiação. Três dias mais tarde, em 9 de agosto de 1945, uma segunda bomba foi lançada contra a cidade industrial de Nagasaki. Apelidada de "Fat Man", a segunda bomba causou, inicialmente, 40 mil mortes e 140 mil em um prazo de cinco anos. O Japão se rendeu às forças aliadas em 14 de agosto de 1945, o que encerrou oficialmente a Segunda Guerra Mundial.
Ainda que a bomba tenha teoricamente terminado o conflito no exterior e evitado a necessidade de combater em terra no Japão, sua existência deflagrou uma corrida armamentista nuclear que mudaria radicalmente o mundo na segunda metade do século XX.
Considerando que "The Big Money" lida com o poder do dinheiro e "Grand Designs" com o poder da criatividade, "Manhattan Project" traz um dos temas mais polêmicos de Power Windows, lidando com o poder científico na criação da primeira arma nuclear do mundo. Foi a faixa mais desafiadora para Peart, pois a mesma deveria capturar não somente observações técnicas, mas também as motivações de Robert Oppenheimer e de sua equipe científica.
"Trabalhar nessa canção foi interessante", diz Peart. "Apenas para prefaciar, o tema de todo o álbum é o poder, e cada uma das diferentes canções lida com algum aspecto do mesmo. E, claro, a energia nuclear sendo, acho eu, a maior força no mundo de hoje, era uma área que eu não podia ignorar. Mas, ao mesmo tempo, não queria fazer apenas uma antiga canção anti ou pró-nuclear, ou algo do tipo. Não queria levá-la a um ponto óbvio. Então decidi voltar e aprender sobre o nascimento de tudo - como tudo começou e que tipo de pessoas eram, tentando desmistificar um pouco. Acho que é comum no mundo de hoje, antes de tudo, olharmos para os cientistas como sendo pessoas robóticas e totalmente descuidadas com os efeitos do que faziam, quando na verdade era o oposto".
"Há nessa canção um posicionamento contra o extremismo em ambos os lados, mas não uma cobertura anti-nuclear. Por exemplo, na frase 'The fools try to wish it away', há uma declaração contra o extremismo das pessoas que desejam um desarmamento unilateral, dizendo: 'Isso está nos causando problemas, vamos nos livrar disso'. Como ambientalista preocupado, me oponho a algumas reações automáticas de alguns desses protestantes. Se eles veem florestas da Carolina do Norte e da Virginia ou a Floresta Negra da Alemanha serem desmatadas pela exploração de energia a carvão e pelo enxofre que é jogado no ar, talvez não seriam tão rápidos em protestar contra o tipo de liberalismo sem substância que preferem, ao invés de encontrar soluções para atos do século XIX como a energia a carvão".
"Acho que, assim que algo melhor aparecer, devemos nos livrar da energia nuclear, mas, por agora... essa é outra questão sobre a qual acho que já falamos antes. A parte da energia nuclear que entra na canção é que há um movimento nos últimos dez anos nos Estados Unidos a fim de se livrar das centrais nucleares por serem arriscadas. Não estão negando que são, mas, como consequência disso e como uma reação a essa mentalidade, toda a queima de carvão em usinas foram reativadas, mais delas foram construídas, mais tem sido feito com carvão e, consequentemente, o enxofre no ar está causando a chuva ácida que destrói as florestas do norte canadense. Além disso, as florestas da Europa Ocidental, mais as florestas da Escandinávia e até mesmo a costa leste dos Estados Unidos está sendo dizimada".
Perguntado se pensa em seu instrumento quando escreve letras, Peart diz, "Ser baterista me ajuda muito, pois as palavras também são subdivisões de tempo. Levo meus versos ao Geddy e às vezes ele fica em dúvida sobre como deveria cantar - então tenho que expressar de alguma forma a maneira que imagino. Há ocasiões onde as coisas devem ser formuladas de maneiras menos óbvias, com uma sílaba esticada e outra compactada. Numa canção como 'Manhattan Project', que é um documentário, desejava que os vocais fossem pontuados, tendo um refrão mais intenso e mais ritmicamente ativo. Não foi fácil expressar o que eu queria realmente. Na primeira vez em que trabalhamos nessa canção, havia elaborado a letra para ser cantada de forma muito lenta, e decidimos mudar tudo por fim. Haviam rimas internas e relações entre as palavras que precisavam permanecer intactas para fazerem sentido. A canção foi concebida de forma tão cuidadosa que não poderia ser entregue de qualquer jeito. 'Manhattan Project' era, aparentemente, bastante fácil para pesquisar e escrever, mas escrever sobre ela em poucas linhas que rimam foi muito difícil. O material teria que ser preciso, e a letra necessitava ser escrita de forma que Geddy se sentisse confortável em cantar. Não poderia nunca ser uma simples narração".
Definitivamente, "Manhattan Project" é uma peça impressionante e muito instigante, que termina em torno da angústia. É interessante pensar que, antes da invenção do armamento nuclear, a humanidade era incapaz de aniquilar-se em escala global. Após os resultados do Projeto Manhattan, o mundo nunca mais foi o mesmo.
A tecnologia avança tão rapidamente que influencia incisivamente as atividades humanas, suprimindo em muitos casos a oportunidade de reflexão sobre suas possíveis implicações ou repercussões. Alguns filósofos como os franceses Jacques Ellul (1912 - 1994) e Jean Baudrillard (1929 - 2007) acreditam que os homens já perderam o controle sobre o progresso tecnológico, acreditando que já passamos da era em que tínhamos a oportunidade de decidir utilizar ou não determinadas descobertas, estas que vêm inexoravelmente sobre nós. Peart não vai tão longe, acreditando que ainda temos o controle, pelo menos por enquanto. Ele observa os perigos não somente da tecnologia em si, mas no emprego humano das mesmas.
"Manhattan Project" revive memórias ruins. No entanto, musicalmente, a canção se mostra como um dos seguimentos mais marcantes na carreira do Rush. O pequeno solo cromático de guitarra que surge no final abala a tensão, evocando a mudança na estrutura de poder do mundo após os desastres de Hiroshima e Nagasaki. A julgar pela destreza desse arranjo em particular, o trio garante seu próprio ponto de vista na janela do poder musical. "'Manhattan Project' foi o equilíbrio perfeito entre música, letra e tema", afirma o Lifeson.
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BASHE, P. "Grand Designs For The Future / After Talk Of A Breakup, The Canadian Trio's Vital Signs Look Good". International Musician And Recording World. December 1985.
SHARP, K. "A Parallax View / On Their Latest Opus, Power Windows, Rush Conduct An Extensive Study Of Power And Its Many Manifestations From Two Opposing Perspectives: Good And Evil". Music Express. December 1985.
LADD, J. "Innerview - Neil Peart / Innerview With Jim Ladd". 1986.
MIERS. J. "The road less traveled / A Conversation With Neil Peart Of Rush". Weekend Music Editor, Buffalo New York's Metro Weekend. October 17 - 23, 1996.
DOME, M. "All Fired Up". Metal Hammer. April 25, 1988.
POLLOCK, B. "The Songwriting Interview: Neil Peart". Guitar For The Practicing Musician. October 1986.
"Manhattan Project" é a terceira canção de Power Windows, certamente um dos pontos mais altos de todo o disco. Após a primeira investida concreta em uma canção-documentário com "Countdown", faixa que finaliza o álbum Signals (1982), recebemos outro estupendo trabalho lírico de Neil Peart que segue essa mesma ideia de concepção. "Manhattan Project" exibe com esmero uma lição de história magistral sobre a criação das armas nucleares, expondo uma das maiores mudanças no curso das descobertas tecnológicas do homem ao observar as mentes brilhantes por trás desse processo.
Partindo de uma linha de percussão militar, "Manhattan Project" é apresentada com um clima sutil em seus primeiros versos, estes que imediatamente convidam à imaginação. A composição ganha força nos refrões, na medida em que a tensão e a angústia presentes na temática aumentam. Para Geddy Lee, a faixa é um bom exemplo de como a banda mudou a dinâmica do seu som através da parceria com o produtor Peter Collins. "Tentamos fazer o disco com movimentos mais ousados", ele diz. "Tiramos algumas coisas, mas nunca perdendo o foco de um trio. Em 'Manhattan Project', no verso um e no verso três, só temos vocais, bateria e teclados, algo que não é comum na banda. Vocês vão retirar o baixo e a guitarra? Como podem fazer isso com uma música do Rush? Mas funcionou e adorei o efeito".
"Andy Richards trouxe um número significativo de elementos para essa canção", continua. "Ele utilizou de um PPG 2.3 MIDI e um Super Jupiter, além de um sequenciador digital Yamaha QX1. Todas as faixas foram fixadas em um leitor de codificação de tempo SRC, que atua como a inteligência dos sequenciadores. Utilizamos sequenciadores para as partes básicas. Se você tem uma coisa simples e chata, mas necessária, é mais divertido deixar o sequenciador fazer".
"Em 'Manhattan Project', Andy fez um tipo de linha de baixo fretless em um Roland JP-8. Soou grandioso".
Alex Lifeson diz que as guitarras em "Manhattan Project" foram influenciadas pelo trabalho de Andy Summers, guitarrista do trio inglês The Police. "Acho que sua influência é evidente em muitos materiais do Rush nos anos 80", explica. "Ele tinha uma sonoridade relativamente discreta, mas que acabava sendo sempre muito presente. A confiança e o senso de humor em sua maneira de tocar refletem sua personalidade". Já sobre seu desenvolvimento musical, Alex diz que este é resultado de sua própria evolução, não de porções vindas de seus companheiros de banda. "Meu desenvolvimento vem da minha evolução. Quando estamos no estúdio, todos nós temos ideias sobre cada uma das partes e instrumentos das canções, onde fazemos sugestões uns aos outros. Em 'Manhattan Project', por exemplo, concordamos com uma recomposição da guitarra, uma vez que, ao inserirmos os teclados, todo o caráter da música foi modificado".
"O aspecto mais interessante de estar nessa banda é o desafio de compor", afirma Geddy. "Acho que a fase de composições é a mais gratificante de todas. Todo o resto gira em torno disso. Não pensava assim no começo da carreira, só queria tocar naquela época. Porém, hoje me vejo mais como um compositor. É isso que faz valer à pena".
Nesse período, o Rush expressava intensamente com sua música preocupações com desdobramentos históricos e com a conjuntura mundial. Lee inclusive participou do supergrupo Northern Lights em 1985, formado por um grande número de artistas canadenses renomados, na gravação da faixa "Tears Are Not Enough" - uma contribuição para o álbum USA For Africa. Segundo o músico, a capacidade de sensibilização só pode render frutos positivos. "O mais importante é que alguém está sendo ajudado em algum lugar do mundo, o que tem de ser considerado como algo bom. Mais pessoas estão mais conscientes dos problemas agrícolas e da fome no mundo do que estavam no passado", explica.
O desenvolvimento da bomba atômica, a mais poderosa arma criada pela raça humana, é visto como um dos mais impactantes e controversos acontecimentos do século XX. Sua capacidade aterrorizante de devastação e seu simbolismo como fonte de poder deflagraram uma tensa corrida armamentista nuclear entre os Estados Unidos e a União Soviética, ao fim da Segunda Guerra Mundial. Os grandes conflitos do período haviam mudado drasticamente o cenário do planeta, com a chegada de aviões, metralhadoras, guerras químicas e biológicas se revelando como apenas alguns dos avanços tecnológicos que alterariam táticas militares, ocasionando inúmeras mortes em todo o mundo. Porém, a bomba atômica iria além. Alguns acreditavam que sua existência pudesse pôr fim às guerras, já outras temiam a possível aniquilação da espécie humana.
A composição do Rush observa o chamado Projeto Manhattan, empreendimento de pesquisa e desenvolvimento que produziu as primeiras bombas atômicas durante a Segunda Guerra. Liderado pelos Estados Unidos, com o apoio do Reino Unido e Canadá, muitos acreditam que as autoridades escolheram o nome para confundir os serviços estrangeiros de inteligência. Na verdade, pelo menos dez locais relacionados aos esforços de desenvolvimento da bomba ficavam em Manhattan, um dos cinco distritos em que se divide a cidade de Nova York. O Corpo de Engenharia do Exército, por meio de seu escritório localizado no número 270 da Broadway, recebeu a ordem de construir uma bomba nuclear e, inicialmente, a sede do projeto ficaria nesse edifício. Com as autoridades decidindo pela ampliação das fronteiras do projeto - a fim de garantir a segurança - o Corpo ainda continuou encarregado de construir instalações no Novo México, Tennessee e no Estado de Washington, operando a partir de sua sede em Manhattan. Diversos outros locais de Nova York, dentre os quais a Universidade Columbia, operavam como centrais secretas de pesquisa ou postos de armazenagem de urânio.
Com "Manhattan Project", o Rush prossegue com o desafio de abordar algumas das diversas manifestações em torno do poder, sobre as quais Power Windows se dedica - desde os pessoais aos globais. Peart é um intelectual cuja curiosidade se estende à matérias raramente abordadas em canções do rock and roll e, dessa forma, não mostra receios em observar o Projeto Manhattan a partir de um ponto de vista de certa forma impopular, sugerindo que os cientistas envolvidos não eram apenas monstros de jalecos brancos. Inegavelmente, o letrista empreende com responsabilidade o elemento histórico - ele escreve a canção em uma fazenda no interior do Canadá, lendo vários livros sobre o assunto. Conforme em outras canções, como "Beneath, Between and Behind" de Fly By Night (1975), Peart evita cuidadosamente o tipo de revisionismo histórico ao qual grande parte dos compositores no rock se dedica.
"Quando comecei essa canção, só buscava dramatizar o evento em si", diz. "Mas, após muita pesquisa, percebi o que havia acontecido e comecei a simpatizar um pouco com as pessoas envolvidas. Eles não eram sem coração, monstros loucos. Apenas regulares, patrióticos que foram pegos no momento dos acontecimentos".
"Queria escrever sobre o nascimento da era nuclear. Bem, mais fácil dizer do que fazer, especialmente quando se escreve letras. Você tem algumas centenas de palavras para dizer o que quer dizer. Assim, cada palavra conta, e é melhor que cada palavra seja precisa. Tive que voltar e ler histórias do tempo e do lugar, biografias de todas as pessoas envolvidas - tive que ler uma dúzia de livros e reunir todo o conhecimento e experiência. Só assim você poderia escrever que os cientistas estavam de fato nas areias do deserto, me certificando de que eles foram e por quê, e tudo isso".
"Não foi fácil 'vender' a noção de uma canção rock histórico, mesmo para meus companheiros de banda. Mas foi Geddy, pensando como vocalista, que sugeriu que eu construísse a mesma de forma que o ouvinte fosse convidado a imaginar a cena".
Para Lee, é perigoso para uma banda de rock tomar um lado político, no qual "você pode ter mais efeito que imagina", sendo mais importante ser objetivo. As linhas do refrão têm sucesso nesse sentido, ao delinear como se manteve a situação desde que a bomba atômica foi inicialmente desenvolvida pela equipe do Projeto Manhattan.
"Me considero um objetivista, e tento ver as coisas de uma forma bem objetiva - mas muitas vezes as mostro de forma subjetiva, simplesmente por soar mais dramático", diz Peart. "É melhor para o vocalista, que tem um papel a desempenhar, e é mais compreensível para o ouvinte, na recepção do ambiente emocional retratado, ao invés de receber apenas algumas ideias declaradas secamente. Suponho que seja uma maneira de servir ao ouvinte. Isso é algo que Geddy me apontou. Lembro de estar trabalhando em 'Manhattan Project', na qual tentamos traduzir fatos históricos secos para um formato lírico. Geddy sugeriu que começássemos com a frase 'Imagine a time...' - uma linha que ele me deu, e que de fato trouxemos à vida. Então comecei cada um dos três versos nesse estilo, 'Imagine a time...', 'Imagine a place...', 'Imagine a man...'. Era exatamente o que eu precisava, uma construção útil".
"O que a canção tenta trazer não é o fato de que a bomba foi algo horrível, como obviamente foi", comenta Geddy. "Quem são as pessoas que construíram a bomba? É, para mim, uma canção que fala mais sobre pessoas do que sobre a bomba. Ela trata do fato de que havia pessoas em todo o mundo envolvidas com a corrida, homens brilhantes, os melhores, algumas das maiores mentes do mundo. E isso é algo que as pessoas tendem a esquecer quando pensam na bomba. Todos parecem apenas se lembrar daquele horrível holocausto, sem perceber a louca atmosfera daqueles tempos".
"Criar a bomba foi um evento muito humano", reforça Peart. "Não era apenas um potentado sem rosto no Pentágono ordenando a destruição de milhões de pessoas - foi um pouco mais complicado que isso. Estamos falando dos maiores cérebros científicos da América, que iniciaram esse trabalho patriótico a fim de ajudar a causa da liberdade, da democracia e da decisão americana de construir a bomba. Eles não poderiam dizer não. Se o fizessem, estariam sendo condenados ao ostracismo, senão executados. Uma vez que tinham o poder, deveriam usar pelo receio de que nos acovardássemos. O inimigo não se acovardaria".
"Eles foram muito patrióticos, e muitos deles eram europeus orientais que fugiam do nazismo na época, vindo para os Estados Unidos e estando obviamente preocupados com a luta pela preservação do mundo ocidental livre. Por isso, foi algo estranho que veio sobre nós, e é comum dizer, 'Ok, temos todas essas coisas e não gostamos delas. Então vamos descartá-las'. Bem, é uma ideia adorável, mas um tipo de filosofia muito tola. Vamos encarar, ninguém confiou na Rússia ao longo de dois mil anos; a Rússia não confiou em ninguém por dois mil anos, independentemente de política - não tem nada a ver com política. Nunca teve a ver com política".
"Não é comunismo contra capitalismo, não são os vermelhos contra o Reagan, não é nada assim. Vai muito além disso e quem conhece a história do mundo para um pouco mais além da semana passada vai perceber que a Rússia sempre esteve historicamente nessa posição. Então, consequentemente, você pode dizer ok... América... não consigo acreditar quando ouço pessoas dizendo que a América deva descartá-los. As pessoas de fato acreditam nesse tipo de solução, 'The fools try and wish it away!'. Ok, uma aproximação é algo feio e perigoso, mas sou o primeiro a concordar com a mesma".
Ao lado de canções como "Distant Early Warning" e "Red Sector A" (ambas do álbum anterior Grace Under Pressure, de 1984), Peart visita novamente com "Manhattan Project" os temas da Segunda Guerra Mundial e da Guerra Fria. A composição é bastante direta sobre o assunto abordado, talvez uma das mais literais já escritas pela banda.
Imagine um tempo em que tudo começou
Nos últimos dias da guerra
Uma arma - que iria acertar as contas
Quem quer que a descobrisse primeiro
Certamente faria o pior -
Eles sempre fizeram antes...
Imagine um homem onde tudo começou
Um cientista andando de um lado para o outro
Em cada nação - sempre ansioso por explorar
Construir o melhor e maior porrete
Para dar a cartada final -
Mas foi algo mais...
Para chegar ao Projeto Manhattan e ao bombardeio de Hiroshima e Nagasaki, é importante compreender os avanços conquistados pela Física nos anos que antecederam a Segunda Guerra Mundial. No período entre 1919 e o começo dos anos 30, os cientistas começavam a definir as partes essenciais da estrutura do átomo. Em 1919, na Universidade de Manchester, Inglaterra, o físico neozelandês Ernest Rutherford (1871 - 1937) descobriu os prótons - partículas de carga positiva localizadas no núcleo do átomo - as quais, em companhia dos elétrons (partículas de carga negativa que orbitam em torno do núcleo), formam o átomo.
Havia um problema: os físicos não conseguiam explicar por quê diversos elementos apresentavam átomos de pesos diferentes. O mistério só foi resolvido em 1932 quando James Chadwick (1891 - 1974), físico britânico e um dos colegas de Rutherford, descobriu o nêutron, a terceira partícula subatômica. Sem carga elétrica, os nêutrons dividem com os prótons o espaço do núcleo atômico. Embora o número de prótons e de elétrons seja sempre o mesmo em cada elemento (o carbono, por exemplo, sempre tem 14 prótons e 14 elétrons), o número de nêutrons pode variar. Isso explica por quê o peso (ou número de massa) do carbono varia, ainda que seja de um mesmo elemento. Os átomos de um mesmo elemento, diferentes quanto ao número de massa, são conhecidos como isótopos.
Na mesma época, os cientistas começaram a usar aceleradores de partículas a fim de bombardear núcleos atômicos, na esperança de dividir átomos e criar energia. Inicialmente, obtiveram sucesso muito limitado - os primeiros aceleradores de partículas disparavam prótons e partículas alfa, ambos portadores de carga positiva. Mesmo em alta velocidade, essas partículas eram facilmente repelidas pelos núcleos dotados de carga positiva, e figuras como Rutherford, Albert Einstein (1879 - 1955) e Niels Bohr (1885 - 1962) acreditavam que fosse quase impossível desenvolver uma forma de controlar a força do átomo.
O panorama mudou quando o físico italiano Enrico Fermi (1901 - 1954) concebeu a ideia de utilizar nêutrons nos bombardeios, em 1934. Como os nêutrons não têm carga elétrica, podem atingir sem rejeição o núcleo de um átomo. Ferni bombardeou diversos elementos com sucesso e criou elementos novos, radiativos, como resultado de suas experiências. Sem que o soubesse, havia descoberto o processo de fissão nuclear. Dois cientistas alemães, Otto Hahn (1879 - 1968) e Fritz Strassmann (1902 - 1980), foram os primeiros a reconhecer formalmente o processo em 1938, ao dividirem átomos de urânio em duas ou mais partes, em suas experiências.
O urânio, elemento natural mais pesado do planeta (com 92 prótons), foi utilizado em muitas dessas experiências iniciais, se tornando tema de grande interesse para a Física por diversas razões. O hidrogênio, em contraste, é extremamente leve e traz somente 1 próton. O mais interessante quanto ao urânio, porém, não é tanto o número de prótons ou o número elevado de nêutrons em seus isótopos. Um isótopo de urânio, o urânio-235, tem 143 nêutrons, e entra em fissão induzida com grande facilidade.
Quando um átomo de urânio se divide, ele está essencialmente perdendo massa. De acordo com a famosa equação de Einstein, E = mc2, onde E representa energia, m é massa e c é a velocidade da luz, a matéria pode ser convertida em energia. Quanto mais matéria disponível, mais energia poderá ser criada. O urânio é pesado por ter muitos prótons e nêutrons, de modo que, quando se divide em duas ou mais partes, dispõe de mais matéria a ser perdida. Essa perda de massa, por menor que um átomo seja, equivale à criação de um grande volume de energia.
Além disso, nêutrons adicionais se separam dos pedaços de um átomo de urânio dividido. Já que um quilo de urânio contém trilhões de átomos, a probabilidade de que um nêutron desgarrado atinja outro átomo de urânio é muito elevada. Esse fato atraiu as atenções do mundo da Física - uma reação em cadeia controlada poderia criar energia nuclear segura, enquanto uma reação descontrolada teria o potencial para causar uma devastação. As informações sobre a fissão nuclear se difundiram rapidamente da Europa para os Estados Unidos e, em 1939, diversos dos principais laboratórios de Física dos EUA, entre os quais o de Ernest Lawrence (1901 - 1958), no campus da Universidade da Califórnia em Berkeley, testavam a possibilidade de gerar energia com urânio.
Ainda que o momento fosse de entusiasmo no campo da Física, a tensão e a incerteza eram intensas. A Segunda Guerra Mundial já havia começado, após Hitler subir ao poder na Alemanha nazista e invadir a Polônia, em 1° de setembro de 1939. Muitos temiam que os alemães estivessem trabalhando assiduamente no desenvolvimento de uma arma nuclear que, sem dúvidas, empregariam contra seus inimigos em tempo de guerra. Físicos importantes como Leo Szilard (1898 - 1964), Edward Teller (1908 - 2003) e Eugene Wigner (1902 - 1995), todos europeus que fugiram para os Estados Unidos a fim de escapar da guerra, sentiram a necessidade de alertar o governo norte-americano sobre o risco, que surgiria caso a Alemanha desenvolvesse armas nucleares primeiro.
Einstein e Szilard ficaram preocupados a ponto de escreverem uma carta ao presidente Franklin Roosevelt, descrevendo a ameaça alemã e a possibilidade de construir armas poderosas com urânio. Ao consultar o economista Alexander Sachs (1893 - 1973), Roosevelt decidiu que seria necessário começar as pesquisas sobre a energia nuclear, estabelecendo o Comitê Consultivo do Urânio, presidido por Lyman J. Briggs (1874 - 1963). Os dois anos seguintes foram marcados pela incerteza, pois ninguém estava certo quanto ao volume de urânio necessário, o custo do projeto de construção das bombas e o tempo disponível para que os EUA concluíssem a construção de uma arma operacional. Além disso, as pesquisas sobre a extração de urânio-235 do minério de urânio não eram conclusivas.
O processo se acelerou com a ajuda de Vannevar Bush (1890 - 1974), presidente da Carnegie Foundation, que foi apontado para a presidência do Comitê Nacional de Pesquisa de Defesa por Roosevelt na metade de 1940. Bush integrou o Comitê do Urânio à nova organização, o que propiciou mais verbas e mais segurança para os cientistas. O passo seguinte foi dado em 28 de junho de 1941, quando se tornou diretor do Serviço de Pesquisa e Desenvolvimento Científico.
O Comitê Nacional de Pesquisa de Defesa veio a ser um órgão consultivo do Serviço de Pesquisa e Desenvolvimento Científico, e o Comitê do Urânio passou a ser conhecido como Serviço de Pesquisa e Desenvolvimento Científico - Seção Urânio, bem como pelo codinome S-1. O mesmo se aplicava a todos os interessados em compreender o que a Casa Branca estava fazendo com relação ao programa da bomba.
Ainda em julho de 1941, Bush recebeu o impulso que precisava para colocar o projeto em funcionamento real. O Comitê MAUD, versão do Reino Unido para o programa de desenvolvimento de armas nucleares, lançou o Relatório MAUD. Embora os recursos da Inglaterra estivessem distendidos em função da situação do país na Segunda Guerra Mundial, as contribuições teóricas dos britânicos para o projeto da bomba foram inestimáveis, e o relatório confirmou para muitos de seus leitores que uma bomba nuclear e o enriquecimento do urânio-235 eram definitivamente possíveis.
Bush estabeleceu diversos grupos de pesquisa, a maioria em universidades como Berkeley e Colúmbia, e colocou a operação em funcionamento com injeções de verbas ainda mais elevadas - Lawrence, por exemplo, recebeu US$ 400 mil para suas pesquisas sobre eletromagnetismo. O sigilo ainda era uma prioridade crucial, apesar do dinheiro adicional, e os cientistas escolheram locais estranhos de trabalho a fim de esconder seus esforços. Muitos se chocam ao descobrir, hoje, que os físicos Fermi e Arthur Compton (1892 - 1962) usaram um espaço sob as arquibancadas do Stagg Field, estádio de tênis da Universidade de Chicago, para conduzir a primeira reação nuclear em cadeia, em 1942.
Em março do mesmo ano, o Corpo de Engenharia do Exército dos Estados Unidos se envolveu diretamente nas reuniões do S-1 e, em 18 de setembro, o coronel Leslie Groves (1896 - 1970) se tornou diretor do projeto, que assumiu oficialmente o nome de Projeto Manhattan. Com formação sólida em engenharia (ele supervisionou a construção do Pentágono), Groves provou ser um administrador muito eficiente e contribuiu imensamente para o sucesso da bomba, em um prazo incrivelmente curto.
Imagine um lugar onde tudo começou
Eles se reuniam por toda a terra
Para trabalhar no segredo das areias do deserto
Todos os garotos mais brilhantes
Para brincar com os maiores brinquedos -
Mais do que esperavam...
O big bang - arrebatou e abalou o mundo
Abateu o sol nascente
O fim começava - atingiria a todos
Quando a reação em cadeia fosse iniciada
Os figurões - tentam contê-la
Os tolos tentam ignorá-la
O esperançoso conta com um mundo que não acabe
Não importa o que os desesperados digam
Ao longo dos 12 meses seguintes, Groves selecionaria diversos locais nos Estados Unidos que contribuiriam para a construção da bomba, entre os quais Oak Ridge, Tennesee (Local X) e Hanford, Washington (Local W). Os dois locais abrigariam imensas instalações de produção de plutônio e urânio. Quando Groves selecionou Robert Oppenheimer (1904 - 1967), professor de Física teórica em Berkeley, como diretor do Projeto Y, os dois escolheram Los Alamos, no Novo México, como o local que serviria de pólo central ao Projeto Manhattan.
Los Alamos, bem como as instalações no Tennessee e no Estado de Washington, era um lugar isolado, selecionado por motivos de segurança, mas seria difícil imaginar que esse era o caso, diante das fotos que mostram as instalações em plena produção. O desolado altiplano desértico de Los Alamos foi transformado em uma pequena cidade, com laboratórios, escritórios, refeitórios e alojamentos para todos os envolvidos no projeto. Oppenheimer trabalhou com afinco para reunir os melhores cérebros científicos do país e, por quase três anos, do fim de 1942 ao bombardeio de Hiroshima, em 6 de agosto de 1945, milhares de pessoas trabalharam para superar o desafio envolvido na construção de uma arma atômica.
A segurança era extremamente rígida em Los Alamos e as pessoas mal recebiam autorização para manter contato com seus familiares e amigos, durante a sua estadia no Local Y. Os guardas do complexo eram rigorosos quanto à concessão de licenças de segurança e havia arame farpado em torno de todo o complexo. O Projeto Manhattan estava envolto em tamanho segredo que algumas pessoas nem sabiam ao certo o trabalho no qual estavam envolvidas, até surgir a notícia sobre a bomba que explodiu em Hiroshima.
Dois tipos de bombas nucleares foram projetadas em Los Alamos: uma de implosão e outra de disparo. Após importantes aperfeiçoamentos realizados, os especialistas enfim selecionaram um local para o teste da primeira bomba atômica: Alamogordo, um campo de provas de explosivos no deserto, 340 quilômetros ao sul de Los Alamos. O local recebeu o codinome "Trinity", para o teste de uma bomba de plutônio. Oppenheimer teria supostamente recordado um poema do britânico John Donne (1572 - 1631) que dizia "Abalai meu coração, ó Deus trino", considerando que a comparação procedia. Às 5h30min do dia 16 de junho de 1945, a bomba foi acionada, com uma detonação avassaladora que cegou temporariamente diversos dos cientistas que estavam observando o teste: a Era Atômica havia começado.
Imagine um homem quando tudo começou
O piloto do "Enola Gay"
Voando para longe da zona de impacto naquele dia de agosto
Todos os poderes constituídos, e o curso da história,
Seriam mudados para sempre...
Em 6 de agosto de 1945, Paul Tibbets (1915 - 2007), piloto de um avião B-29 batizado de Enola Gay, lançou uma bomba atômica contra a cidade japonesa de Hiroshima. O Japão é conhecido como a Terra do Sol Nascente, e o termo Big Bang funciona na canção do Rush como uma alusão ao começo do novo universo, após o evento singular.
Apelidada de Little Boy, a bomba lançada em Hiroshima criou uma explosão com poder de destruição equivalente a 15 mil toneladas de TNT, destruindo quase todas as edificações em um raio de 1,5 quilômetro do hipocentro da explosão, criando um incêndio de proporções imensas que terminou por engolfar toda a cidade. Acredita-se que 70 mil moradores tenham morrido imediatamente depois da detonação, mas o número de mortos teria chegado a 100 mil no fim de 1945 e a 200 mil em um prazo de cinco anos, devido aos efeitos da radiação. Três dias mais tarde, em 9 de agosto de 1945, uma segunda bomba foi lançada contra a cidade industrial de Nagasaki. Apelidada de "Fat Man", a segunda bomba causou, inicialmente, 40 mil mortes e 140 mil em um prazo de cinco anos. O Japão se rendeu às forças aliadas em 14 de agosto de 1945, o que encerrou oficialmente a Segunda Guerra Mundial.
Ainda que a bomba tenha teoricamente terminado o conflito no exterior e evitado a necessidade de combater em terra no Japão, sua existência deflagrou uma corrida armamentista nuclear que mudaria radicalmente o mundo na segunda metade do século XX.
Considerando que "The Big Money" lida com o poder do dinheiro e "Grand Designs" com o poder da criatividade, "Manhattan Project" traz um dos temas mais polêmicos de Power Windows, lidando com o poder científico na criação da primeira arma nuclear do mundo. Foi a faixa mais desafiadora para Peart, pois a mesma deveria capturar não somente observações técnicas, mas também as motivações de Robert Oppenheimer e de sua equipe científica.
"Trabalhar nessa canção foi interessante", diz Peart. "Apenas para prefaciar, o tema de todo o álbum é o poder, e cada uma das diferentes canções lida com algum aspecto do mesmo. E, claro, a energia nuclear sendo, acho eu, a maior força no mundo de hoje, era uma área que eu não podia ignorar. Mas, ao mesmo tempo, não queria fazer apenas uma antiga canção anti ou pró-nuclear, ou algo do tipo. Não queria levá-la a um ponto óbvio. Então decidi voltar e aprender sobre o nascimento de tudo - como tudo começou e que tipo de pessoas eram, tentando desmistificar um pouco. Acho que é comum no mundo de hoje, antes de tudo, olharmos para os cientistas como sendo pessoas robóticas e totalmente descuidadas com os efeitos do que faziam, quando na verdade era o oposto".
"Há nessa canção um posicionamento contra o extremismo em ambos os lados, mas não uma cobertura anti-nuclear. Por exemplo, na frase 'The fools try to wish it away', há uma declaração contra o extremismo das pessoas que desejam um desarmamento unilateral, dizendo: 'Isso está nos causando problemas, vamos nos livrar disso'. Como ambientalista preocupado, me oponho a algumas reações automáticas de alguns desses protestantes. Se eles veem florestas da Carolina do Norte e da Virginia ou a Floresta Negra da Alemanha serem desmatadas pela exploração de energia a carvão e pelo enxofre que é jogado no ar, talvez não seriam tão rápidos em protestar contra o tipo de liberalismo sem substância que preferem, ao invés de encontrar soluções para atos do século XIX como a energia a carvão".
"Acho que, assim que algo melhor aparecer, devemos nos livrar da energia nuclear, mas, por agora... essa é outra questão sobre a qual acho que já falamos antes. A parte da energia nuclear que entra na canção é que há um movimento nos últimos dez anos nos Estados Unidos a fim de se livrar das centrais nucleares por serem arriscadas. Não estão negando que são, mas, como consequência disso e como uma reação a essa mentalidade, toda a queima de carvão em usinas foram reativadas, mais delas foram construídas, mais tem sido feito com carvão e, consequentemente, o enxofre no ar está causando a chuva ácida que destrói as florestas do norte canadense. Além disso, as florestas da Europa Ocidental, mais as florestas da Escandinávia e até mesmo a costa leste dos Estados Unidos está sendo dizimada".
Perguntado se pensa em seu instrumento quando escreve letras, Peart diz, "Ser baterista me ajuda muito, pois as palavras também são subdivisões de tempo. Levo meus versos ao Geddy e às vezes ele fica em dúvida sobre como deveria cantar - então tenho que expressar de alguma forma a maneira que imagino. Há ocasiões onde as coisas devem ser formuladas de maneiras menos óbvias, com uma sílaba esticada e outra compactada. Numa canção como 'Manhattan Project', que é um documentário, desejava que os vocais fossem pontuados, tendo um refrão mais intenso e mais ritmicamente ativo. Não foi fácil expressar o que eu queria realmente. Na primeira vez em que trabalhamos nessa canção, havia elaborado a letra para ser cantada de forma muito lenta, e decidimos mudar tudo por fim. Haviam rimas internas e relações entre as palavras que precisavam permanecer intactas para fazerem sentido. A canção foi concebida de forma tão cuidadosa que não poderia ser entregue de qualquer jeito. 'Manhattan Project' era, aparentemente, bastante fácil para pesquisar e escrever, mas escrever sobre ela em poucas linhas que rimam foi muito difícil. O material teria que ser preciso, e a letra necessitava ser escrita de forma que Geddy se sentisse confortável em cantar. Não poderia nunca ser uma simples narração".
Definitivamente, "Manhattan Project" é uma peça impressionante e muito instigante, que termina em torno da angústia. É interessante pensar que, antes da invenção do armamento nuclear, a humanidade era incapaz de aniquilar-se em escala global. Após os resultados do Projeto Manhattan, o mundo nunca mais foi o mesmo.
A tecnologia avança tão rapidamente que influencia incisivamente as atividades humanas, suprimindo em muitos casos a oportunidade de reflexão sobre suas possíveis implicações ou repercussões. Alguns filósofos como os franceses Jacques Ellul (1912 - 1994) e Jean Baudrillard (1929 - 2007) acreditam que os homens já perderam o controle sobre o progresso tecnológico, acreditando que já passamos da era em que tínhamos a oportunidade de decidir utilizar ou não determinadas descobertas, estas que vêm inexoravelmente sobre nós. Peart não vai tão longe, acreditando que ainda temos o controle, pelo menos por enquanto. Ele observa os perigos não somente da tecnologia em si, mas no emprego humano das mesmas.
"Manhattan Project" revive memórias ruins. No entanto, musicalmente, a canção se mostra como um dos seguimentos mais marcantes na carreira do Rush. O pequeno solo cromático de guitarra que surge no final abala a tensão, evocando a mudança na estrutura de poder do mundo após os desastres de Hiroshima e Nagasaki. A julgar pela destreza desse arranjo em particular, o trio garante seu próprio ponto de vista na janela do poder musical. "'Manhattan Project' foi o equilíbrio perfeito entre música, letra e tema", afirma o Lifeson.
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