THE CAMERA EYE



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LIMELIGHT  THE CAMERA EYE  WITCH HUNT


THE CAMERA EYE

I

Grim-faced and forbidding,
Their faces closed tight,
An angular mass of New Yorkers
Pacing in rhythm,
Race the oncoming night,
They chase through the streets of Manhattan
Head-first humanity,
Pause at a light,
Then flow through the streets of the city

They seem oblivious
To a soft spring rain,
Like an English rain
So light, yet endless
From a leaden sky

The buildings are lost
In their limitless rise
My feet catch the pulse
And the purposeful stride


I feel the sense of possibilities,
I feel the wrench of hard realities
The focus is sharp in the city

II

Wide-angle watcher
On life's ancient tales,
Steeped in the history of London

Green and grey washes
In a wispy white veil
Mist in the streets of Westminster
Wistful and weathered,
The pride still prevails,
Alive in the streets of the city

Are they oblivious
To this quality?
A quality
Of light unique to
Every city's streets

Pavements may teem
With intense energy,
But the city is calm
In this violent sea
O OLHAR DA CÂMERA

I

Semblantes sérios e carrancudos,
Rostos bem fechados,
Uma massa angular de novaiorquinos
Passada no ritmo,
Correm da noite que se aproxima,
Vão à caça pelas ruas de Manhattan
Humanidade impetuosa,
Param em um sinal,
Para então fluírem pelas ruas da cidade

Eles parecem ignorar
Uma chuva fina de primavera,
Como uma chuva inglesa
Tão leve, ainda assim interminável
Vinda de um céu cinzento

Os prédios se perdem
Em suas ilimitadas alturas
Meus pés pegam a batida
E os passos decididos


Sinto o senso das possibilidades,
Sinto o baque das duras realidades
O foco é nítido na cidade

II

Observador de ângulo amplo
Nos contos antigos da vida,
Mergulhados na história de Londres

Verde e cinza lavam
Em um fino e branco véu
A neblina nas ruas de Westminster
Melancólico e envelhecido,
O orgulho ainda prevalece,
Vivo nas ruas da cidade

Eles são indiferentes
À essa qualidade?
Uma qualidade
De luz sem igual às
Ruas de todas as cidades

Calçadas podem fervilhar
Com intensa energia,
Mas a cidade está calma
Nesse mar violento


Música por Geddy Lee e Alex Lifeson / Letra por Neil Peart


Olhares sobre duas das maiores e mais importantes metrópoles mundiais

"The Camera Eye" foi a primeira canção a ser escrita para Moving Pictures. A quinta faixa do álbum (ou primeira do lado B do vinil) é o grande marco do fim de uma era no Rush - a última criação de molde extenso da carreira da banda. Em seus quase 11 minutos de duração, a vibrante e pulsante a composição captura a energia, a atmosfera e as diferenças culturais entre duas das maiores metrópoles mundiais de língua inglesa: Nova York e Londres. O título e o tema se debruçam no trabalho de John Dos Passos, um dos escritores favoritos de Neil Peart.

De imediato, "The Camera Eye" é destacada pelo intenso uso de sintetizadores. Da mesma forma que o contraste proposto na letra entre a modernidade de Nova York e a tradição de Londres, a canção confronta o legado musical do Rush com sua futura direção. Apresentando um revival de estruturas muito utilizadas na década anterior, "The Camera Eye", apesar de épica, afasta-se da clássica temática mística, se debruçando em uma tomada mais industrial que preserva o maravilhoso poderio técnico do trio. Com investidas muito distintas e bem definidas, a peça traz uma imponente introdução que ultrapassa os três minutos, esta que já oferece a grande dimensão de mudanças de tempo, climas e performances instrumentais muito dinâmicas e apaixonadas, substanciadas pela batalha travada entre os riffs cortantes de Lifeson e os ricos sintetizadores de Lee, além de suas frementes e pulsantes linhas baixo e da inconfundível bateria de Peart, que equilibra sensibilidade, precisão, cuidado e vigor.

"The Camera Eye" é ornada com ricos efeitos sonoros que tornam muito vívidas as várias paisagens urbanas que são utilizadas. O fluxo dinâmico dessas cenas e elementos provoca curiosas percepções audiovisuais nos ouvintes, representando talvez o maior êxito naquilo que o disco se propõe: ideias expressadas musicalmente como pequenos filmes, através de vários quadros que dão ao ouvinte a inevitável sensação de movimento. Além de trechos obscuros de diálogos e da conclusão com o badalar do Big Ben no Palácio de Westminster, a banda faz uso de ambientações do clássico Superman de 1978 (dirigido por Richard Donner e estrelado por Christopher Reeve, Gene Hackman e Marlon Brando) para evocar a cidade de Nova York. Alguns trechos do filme foram sampleados e inseridos na abertura, enriquecendo ainda mais a atmosfera cinematográfica. "Estávamos procurando por um efeito sonoro urbano, e acabamos utilizando uma parte de Superman, quando Clark Kent chega no escritório do Planeta Diário, em meio ao tráfego e caos de Metrópolis", explica Peart.

Musicalmente progressiva, "The Camera Eye" desenha paisagens que se alastram por duas metades semelhantes, cada qual dedicada às características das metrópoles exploradas. A brilhante composição consegue converter seus poucos versos poéticos e descritivos uma longa epopeia que, por oferecer vastos atrativos, acaba ocasionando a sensação de uma duração bem menor que a real. Munida de temas musicais muito marcantes que flexionam as ligações entre os versos sem perda de coesão, "The Camera Eye" pode ser facilmente considerada como uma das investidas mais singulares na carreira da banda. A música consegue desempenhar uma série de papéis em contraponto com as palavras, com Lee e Lifeson espalhando os episódios musicais em contínua e inabalável correspondência com a letra.

"Sempre adorei a natureza delicada e insistente da marcha distante feita na caixa", explica Peart. "Novamente encontrei um lugar para fazer algumas dessas inserções, durante a introdução de 'The Camera Eye'. Estávamos à procura de uma sensação semelhante a uma trilha sonora dramática, e essa coisa do tipo 'Missão Impossível' funcionou muito bem".

"Um bom exemplo do princípio da edição é o par de preenchimentos longos que introduzem cada seção vocal da segunda metade"
, continua o baterista. "Buscava algo realmente especial e excitante ali, mas não queria que fosse organizado e pré-arranjado, sendo essa é única maneira de capturar o espirito do abandono selvagem. Toda vez que fazíamos uma tomada da canção, eu fechava meus olhos para essas seções, e seguia tocando. Isso variou do ridículo ao sublime, me fazendo ser capaz de escolher os preenchimentos mais emocionantes e bem-sucedidos para a faixa final. Tudo sempre se resume a quando você toca".

"The Camera Eye" tem como alicerce temático a crítica social e modernista de duas obras literárias do escritor norte-americano John Dos Passos (1896 - 1970): Manhattan Transfer (seu primeiro romance de grande impacto) e a trilogia U.S.A.. Nascido em Chicago - mas com origens portuguesas da Ilha da Madeira - Dos Passos é consagrado entre os maiores da literatura norte-americana, atrelado à geração de artistas como Ernest Hemingway, T.S. Eliot e F. Scott Fitzgerald, que integraram a chamada "Lost Generation" muito admirada por Peart. Manhattan Transfer, publicado em 1925, esboça um retrato fiel da América, captando o verdadeiro espírito da cidade de Nova York pelo olhar, bastante próximo do registo cinematográfico, daqueles que a habitam. Já U.S.A. é composta por três outros romances: The 42nd Parallel (Paralelo 42, de 1930), 1919 (de 1932) e The Big Money (O Grande Capital, de 1936), estes que observariam a sociedade americana no início do século XX como multidões apressadas nos metrôs após fatigantes jornadas de trabalho, em um ambiente urbano que parece exigir o máximo de indivíduos profundamente solitários, inseridos na demanda vertiginosa da ascensão do capitalismo.

Paralelo 42, a primeira parte da trilogia U.S.A., alinha a vida de cinco personagens que buscam seu lugar ao sol no painel social e político dos Estados Unidos do início do século XX. Integrando técnicas narrativas revolucionárias como a colagem de manchetes de jornais, letras de músicas populares, biografias de personagens famosos (como a do inventor Thomas Edison, de Henry Ford e do empresário Andrew Carnegie) e pura ficção, Dos Passos retrata o difícil nascimento da potência mundial, observando seu processo de construção interna, suas várias lutas de classe e batalhas econômicas, sua afirmação no cenário mundial e a consequente expansão imperialista. Alguns críticos afirmam que nenhum outro ficcionista ousou tratar de forma tão nítida a vida americana, com inovações técnicas modernistas e complexidades estruturais indo além do conteúdo, semelhante ao que o Rush buscou com sua música.

Na crônica contemporânea 1919, há a alternância de três tipos de narração utilizadas desde o primeiro volume da trilogia: as "Biografias", os "Jornais da Tela" (colagem de trechos de músicas, manchetes de jornais e anúncios) e "O Olhar da Câmera" (impressões autobiográficas com ares poéticos de acontecimentos públicos, onde predomina o chamado fluxo de consciência, técnica literária na qual se busca transcrever o complexo processo de pensamento de um personagem, com o raciocínio lógico intercalado a impressões pessoais momentâneas e a exibição de processos de associação de ideias).

"John Dos Passos ficou conhecido como um escritor esquerdista radical dos anos 20", explica Peart. "'The Camera Eye' foi diretamente influenciada por ele".

Assim como a obra de Dos Passos, a letra de "The Camera Eye" é pautada em um conceito similar ao de um flâneur (alguém que perambula sem compromisso por uma cidade, percorrendo ruas sem objetivo aparente, mas secretamente atento aos lugares ao explorar paisagens urbanas).

"Nas biografias, nos boletins de notícias e mesmo na narrativa, almejei a objetividade total oferecendo visões conflitantes - usando o olhar da câmera como uma válvula para meus próprios sentimentos subjetivos", explica Dos Passos. "Isso me levou a uma objetividade muito mais fácil no resto do livro".

O marcante narrador-observador de sua obra, como na composição de Peart, traz relatos fragmentados de múltiplas histórias, a partir do amplo leque de vozes que ilustram o peso da solidão, do anonimato, da pressão sufocante e dos exageros de um universo em que tudo é marcado pela velocidade e pela a euforia do progresso capitalista, este que esmaga as individualidades em prol do sistema avassalador que, ostensivamente, se impõe nas metrópoles. O modo como o autor combina os diversos tipos de linguagem de que lança mão traduz, na verdade, a ironia que denuncia as arbitrariedades e a violência embutidas na dinâmica do capital, deflagrando as contradições da "aurora do novo século" na América. Peart, por sua vez, passaria a trilhar por caminhos alternativos para expressar suas preocupações com as individualidades, dessa vez abaladas pelas fortes exigências impessoais do capitalismo.

Contada pela perspectiva de alguém fascinado pelas belezas mais sutis das cidades, "The Camera Eye" traz o lamento sobre a distração dos indivíduos nos grandes centros, indicando poeticamente que os movimentos da massa humana que persegue seus objetivos e que ignora as pequenas maravilhas do mundo ao redor, deixa de reconhecer, por exemplo, o cair da chuva como um símbolo de possibilidades. Propondo nas entrelinhas uma continuidade temática para a anterior "Limelight", temos uma nova mostra de personalidades e sensibilidades que se esvaem em duros moldes conjunturais que são impostos.

As duas seções que dão vida a "The Camera Eye" retratam as peculiaridades, humores, diferenças culturais e similaridades entre as cidades de Nova York e Londres, projetando algumas de suas características urbanas mais explícitas. Funcionando como investidas do fotojornalismo, recebemos através da canção um fantástico vislumbre de imagens de pessoas, edifícios, avenidas e climas que são sobrepostos, como cliques de um fotógrafo que expressam movimento. As cidades são vistas de cima e no nível das ruas, revelando pela lente momentos-chave em foco próximo ou a partir de lentes grande-angulares (que possuem ângulos de visão variáveis, como as chamadas olho-de-peixe). Na documentação das duas metrópoles, "The Camera Eye" sugere inicialmente a população de Manhattan como uma massa angular fervilhante, que se move à frente em ritmo frenético e em passos competitivos que mal conseguem parar nos sinais de trânsito. O céu urbano é igualmente amplo, com edifícios que desaparecem em alturas ilimitadas. Uma chuva de primavera cai sobre a cidade, mas as pessoas, que parecem em transe, a ignoram. O fotógrafo consegue sentir a batida do coração da cidade, por meio do passo decidido dos seus cidadãos e as duras realidades que se misturam nesse recorte.

Na segunda seção, o observador capta em Londres uma sensibilidade diferente. Suas cenas cobertas pela neblina olham para a história e tradição, uma espécie de contraposição a Nova York. A paisagem londrina evoca admiração no observador por seu profundo passado, por seu crescimento e sobrevivência através dos séculos - e todas as histórias que suas ruas e edifícios ajudam a contar. Porém, assim como em Nova York, toda sua beleza também é ignorada pelo mar violento de pessoas nas ruas.

Nova York é estetizada na modernidade, uma caminhada frenética ao progresso; Londres, não menos movimentada, é descrita a partir da vasta história que resiste. Embora sejam definições subjetivas, a sensação de desapego é mantida pelo fotógrafo que se posiciona como um outsider – um estranho, alguém de fora - um estrangeiro que explora as cidades através do olhar panorâmico de sua câmera. O posicionamento fotográfico da canção expõe a experiência baseada em representações visuais. Como imagens ou pinturas em uma parede, podemos responder esteticamente aos esboços da canção, mesmo estando distantes de cada uma das cenas.

Essa canção, mais do que muitos textos sobre a obra de John Dos Passos, capta com olhos bem abertos o sentimento de admiração e a capacidade de perceber a magia da vida. Descrevendo sensações que alguns locais podem despertar, temos, a partir Nova York e Londres, o complexo mundo das grandes cidades - tão brilhantes, tão vivas e perigosas. Qualquer outra cidade no mundo terá suas próprias qualidades, estas que poderão representar, certamente, grandes metáforas sobre os impasses modernos.

© 2015 Rush Fã-Clube Brasil

POPOFF, M. Contents Under Pressure. Canada: ECW Press, 2004.
BANASIEWICZ, B. "Rush Visions: The Official Biography". Omnibus Press, 1987.
MODERN DRUMMER. "Interview: Neil Peart". April 1984.
MARTIRANI, Maria Célia ; FANTIN, Maria Célia Martirani Bernardi . "A câmera-olho de John dos Passos". Jornal de Literatura Rascunho, Curitiba, p. 20 - 21, 10 dez. 2012.
BACKSTAGE CLUB NEWSLETTER. "'Hold Your Fire' by Neil Peart". January 1988.