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AFTERIMAGE RED SECTOR A THE ENEMY WITHIN
RED SECTOR A
All that we can do is just survive
All that we can do to help ourselves
Is stay alive...
Ragged lines of ragged grey
Skeletons, they shuffle away
Shouting guards and smoking guns
Will cut down the unlucky ones
I clutch the wire fence
Until my fingers bleed
A wound that will not heal-
A heart that cannot feel -
Hoping that the horror will recede
Hoping that tomorrow -
We'll all be freed
Sickness to insanity
Prayer to profanity
Days and weeks and months go by
Don't feel the hunger - too weak to cry
I hear the sound of gunfire
At the prison gate
Are the liberators here-
Do I hope or do I fear?
For my father and my brother - it's too late
But I must help my mother
Stand up straight...
Are we the last ones left alive?
Are we the only human beings
To survive?...
All that we can do is just survive
All that we can do to help ourselves
Is stay alive...
Ragged lines of ragged grey
Skeletons, they shuffle away
Shouting guards and smoking guns
Will cut down the unlucky ones
I clutch the wire fence
Until my fingers bleed
A wound that will not heal-
A heart that cannot feel -
Hoping that the horror will recede
Hoping that tomorrow -
We'll all be freed
Sickness to insanity
Prayer to profanity
Days and weeks and months go by
Don't feel the hunger - too weak to cry
I hear the sound of gunfire
At the prison gate
Are the liberators here-
Do I hope or do I fear?
For my father and my brother - it's too late
But I must help my mother
Stand up straight...
Are we the last ones left alive?
Are we the only human beings
To survive?...
SETOR VERMELHO A
Tudo o que podemos fazer é apenas sobreviver
Tudo o que podemos fazer para ajudar a nós mesmos
É permanecer vivos...
Filas esfarrapadas de um cinza esfarrapado
Esqueletos, empilhados à distância
Guardas gritando e armas fumegantes
Irão reduzir os azarados
Agarro a cerca farpada
Até meus dedos sangrarem
Uma ferida que não cicatrizará -
Um coração que não pode sentir -
Esperando que o horror recue
Esperando que amanhã -
Todos sejam libertados
Da doença à insanidade
Da oração à profanação
Dias, semanas e meses passam
Não sinto fome - fraco demais para chorar
Ouço som de tiros
No portão da prisão
Os libertadores estão aqui-
Devo ter esperança ou medo?
Para meu pai e meu irmão - já é tarde demais
Mas devo ajudar minha mãe
A ficar de pé...
Somos os últimos deixados vivos?
Somos os últimos humanos
Que sobreviveram?...
Tudo o que podemos fazer é apenas sobreviver
Tudo o que podemos fazer para ajudar a nós mesmos
É permanecer vivos...
Filas esfarrapadas de um cinza esfarrapado
Esqueletos, empilhados à distância
Guardas gritando e armas fumegantes
Irão reduzir os azarados
Agarro a cerca farpada
Até meus dedos sangrarem
Uma ferida que não cicatrizará -
Um coração que não pode sentir -
Esperando que o horror recue
Esperando que amanhã -
Todos sejam libertados
Da doença à insanidade
Da oração à profanação
Dias, semanas e meses passam
Não sinto fome - fraco demais para chorar
Ouço som de tiros
No portão da prisão
Os libertadores estão aqui-
Devo ter esperança ou medo?
Para meu pai e meu irmão - já é tarde demais
Mas devo ajudar minha mãe
A ficar de pé...
Somos os últimos deixados vivos?
Somos os últimos humanos
Que sobreviveram?...
Um conto inspirado em vítimas de episódios históricos desumanos
"Red Sector A" é a terceira canção de Grace Under Pressure. Intensa e comovente, traz um relato atemporal em primeira pessoa mostrando um protagonista sem nome vivendo em um campo de prisioneiros também não identificado. Trata-se, certamente, de uma das mais fortes composições da carreira do Rush, marcando todo o poderio musical e artístico do trio. Em "Red Sector A", a banda canadense consegue mais uma vez a preciosa combinação de letra e música, criando no ouvinte a sensação de estar acompanhando verdadeiras cenas em movimento.
Após tratar de assuntos relacionados à ameaça e à morte como formas de pressão, Peart traz em "Red Sector A" uma seqüência de acontecimentos dolorosos ligados à coragem e à sobrevivência.
O título da canção não expõe seu teor. Red Sector A é o nome da área VIP onde os rapazes assistiram, em 1981, a primeira decolagem do ônibus espacial Columbia - ocasião imortalizada na faixa "Countdown", do álbum anterior Signals, de 1982. Apesar de muitos entenderem "Red Sector A" como uma composição dedicada aos terríveis dramas do Holocausto vividos pelos pais de Geddy Lee, tais relatos foram utilizados somente como a principal motivação lírica. Peart decidiu tornar abstrata a temática dessa canção, de modo a se aplicar em experiências de atrocidades em qualquer cenário semelhante. O trabalho em "Red Sector A" é tão fascinante que leva o ouvinte a imaginar facilmente uma situação de opressão, sofrimento e tortura. Toda atmosfera realista construída por percussão em tons militares, guitarras gélidas e sintetizadores sinistramente ameaçadores consegue nos transportar sem muito esforço para um universo de profundo terror.
As sementes para "Red Sector A" são provenientes de abril de 1945, quando soldados britânicos libertaram o campo de concentração nazista de Bergen-Belsen, na Alemanha. A mãe de Geddy, Manya Rubenstein, estava entre os sobreviventes. Seu pai, Morris Weinrib, sairia do campo de concentração Dachau algumas semanas depois. Ambos eram poloneses judeus.
"'Red Sector A' remonta em mim a história que minha mãe me contou sobre sua libertação de Bergen-Belsen, e de como ela não sabia ao certo o que estava acontecendo", relembra Lee. "Minha mãe estava trabalhando em um local no campo e, olhando pela janela, viu todos os soldados com as mãos para o alto. Ela pensou que se tratava de algum tipo de nova saudação a Hitler, não percebendo que estavam sendo libertados na verdade. Quando ela finalmente saiu, sua primeira reação foi: 'Porque isso demorou tanto?'. A todo momento ela presumia que o resto do mundo estava sofrendo as mesmas coisas, passando por condições similares. Quando contei essa história para o Neil, alguns trechos acabaram causando grande impacto sobre ele".
Quando Manya Rubenstein viu os guardas com os braços erguidos em 15 de abril de 1945, ela inicialmente pensou que os mesmos estavam fazendo apenas mais uma saudação arrogante. Não imaginava que as forças britânicas acabavam de invadir Bergen-Belsen. Manya e seus companheiros de prisão estavam tão desnutridos que seus cérebros não funcionavam mais, e ela não podia acreditar que estava sendo libertada.
"Certa vez perguntei a minha mãe sobre quais foram seus primeiros pensamentos quando deixou o campo", relembra Geddy. "Ela me disse que não achava que a libertação fosse verdade, pois não acreditava que a sociedade que permitiu tudo aquilo acontecer pudesse naquele momento libertá-los de lá".
É fácil perceber porque Manya havia desistido da civilização. Ela e seu futuro marido Morris ainda eram adolescentes (e estranhos um para o outro) quando foram internados em um campo de trabalho na cidade natal de Starachowice, na Polônia, em 1941. Presos, foram forçados a trabalhar em uma serralheria, numa pedreira e numa fábrica de uniformes e munição.
De Starachowice, que ficava a cerca de uma hora ao Sul de Varsóvia, Manya e Morris, juntamente com muitos membros de suas respectivas famílias, foram enviados a Auschwitz. Por fim, Morris foi encaminhado para Dachau, que fica no Sul da Alemanha, e Manya para Bergen-Belsen, ao norte do país. Trinta e cinco mil pessoas morreram de fome, doenças, brutalidades e excesso de trabalho naquele campo. Outras dez mil faleceram logo no primeiro mês após a libertação, por estarem muito fracas e doentes.
Depois da guerra, os sobreviventes foram reunidos e alojados em quartos dos oficiais de Berger-Belsen, que acabou sendo posteriormente transformado em um acampamento para as pessoas deslocadas e perdidas de seus familiares. Após alguns meses, foram realizados nos campos casamentos para cerca de 2000 casais. Morris e Manya estavam entre eles.
Os pais de Lee acabaram imigrando para o Canadá em 1947, onde chegaram com apenas dez dólares no bolso. Trabalharam arduamente até conseguirem abrir uma pequena loja de variedades em Willowdale, Ontário. Cinco anos mais tarde, mais precisamente no dia 29 de julho de 1953, nasce Gary Lee Weinrib, segundo filho do casal. Eles já tinham uma menina, Susie, e, mais tarde, nasceria o caçula Allan.
Geddy foi criado em um bairro residencial, com sua família estabilizada como classe média baixa, uma das poucas judias do local. Eles sentiam muito medo de serem atacados a qualquer momento devido a esse fato. Ao contrário de muitos sobreviventes do Holocausto, Manya e Morris não escondiam suas experiências. Geddy começou a ouvir as histórias de horror muito cedo, em torno dos 8 anos de idade. Embora sua mãe afirme que nunca falava com os filhos sobre as desgraças presenciadas no passado, Geddy ainda se recorda do estresse e dos pesadelos que as histórias lhe causavam. "Essas foram as coisas que lhes aconteceram na época mais formativa em suas vidas", comenta. "Algumas pessoas vão para aulas de equitação, porém meus pais foram para campos de concentração".
O casal deu aos filhos uma educação judaica, e Lee teve seu Bar Mitzvah (cerimônia que insere o jovem judeu como um membro maduro na comunidade judaica) aos 13 anos de idade. Seu pai falecera um ano antes, em decorrência de problemas de saúde adquiridos quando era prisioneiro. O jovem Geddy era obrigado a ir à sinagoga duas vezes por dia, o que aconteceu durante onze meses, não podendo ter acesso as coisas que a maioria dos garotos de sua idade começava a se interessar. Ele não podia sequer ouvir música.
Sua mãe, como a maioria dos sobreviventes do Holocausto, era excessivamente protetora de seus três filhos. Durante os próximos anos da adolescência, Geddy se distanciava cada vez mais da história de seus pais, classificando o período como um "momento egoísta" de sua vida. Nesse momento, o jovem descobria enfim o rock and roll, seu grito de liberdade. Após a morte de seu pai, uma tia revelava que o mesmo adorava tocar Balalaica em cerimônias judaicas e casamentos, mas que tinha mantido esse fato em segredo para seus filhos. "Ele não queria que víssemos música como uma carreira. Foi uma grande sensação saber que ele era musical", lembra.
Na vida adulta, Geddy passou a se afirmar como um judeu cultural. "Me considero judeu como raça, mas não tanto como religião. Não ligo para religião. Sou um judeu ateu, se isso é possível. Comemoro as datas no sentido de que minha família se reúna e gosto de fazer parte disso. Então olho sempre o pelo aspecto do 'estarmos juntos'".
A maneira com que Peart trabalha com as palavras em "Red Sector A" consegue mais uma vez capturar o espírito humano em sua essência. "Acho que talvez valha a pena esclarecer. Essa canção é um dos temas de Grace Under Pressure que capturam minha imaginação, mas que não pretende retratar uma atrocidade humana específica - embora muitos dos relatos históricos que me inspiraram estavam, naturalmente, localizados na Segunda Guerra Mundial. Houve muitos períodos de escravidão e de prisão em massa no mundo, além de muitos trabalhos de ficção futurista apocalíptica. Pensei em todas essas coisas e quis expressar algo atemporal o suficiente para abranger tudo isso".
"Certamente que minha personalidade, meu senso de humor e minha visão de vida foram formados pelas experiências dos meus pais e pelas histórias que eles compartilharam comigo", comenta Lee. "Neil e eu conversamos sobre isso, e ele colocou algumas dessas imagens nessa canção, que traz algo similar a uma ideia de prisão. A história teve algum impacto sobre ele".
"Através de relatos de pessoas que saíram de lá no fim de tudo aquilo, contentes por ainda estarem vivas, pude perceber que tal fato se mostra como uma essência de graça, uma graça sob pressão", afirma Peart. "Mesmo com todos esses acontecimentos, as pessoas nunca desistiram da forte vontade de sobreviver, mesmo encarando o horror máximo e privações físicas de todos os tipos. Queria ter sido mais específico nessa canção, apenas descrevendo circunstâncias e tentando olhar para a reação desses prisioneiros, porém uma realidade importante e realmente comovente para mim se traduziu na imagem mais forte que consegui sobre o fim de todo esse drama, com pessoas totalmente isoladas do resto do mundo, dos seus familiares e de qualquer notícia. E eles, nos casos que li, acreditavam que eram as últimas pessoas que haviam sobrevivido".
O Trecho "For my father and my brother, it’s too late / But I must help my mother stand up straight" ("Para meu pai e meu irmão - já é tarde demais / Mas devo ajudar minha mãe a ficar de pé") refere-se à atitude das pessoas que viviam nos campos de extermínio da Segunda Guerra Mundial em levantar os doentes e os fracos quando os guardas passavam, para evitar que esses fossem levados para as câmaras de gás, pois essa era uma prática imediata para aqueles que não podiam mais trabalhar.
"Um livro de memórias de outra sobrevivente de Auschwitz estava preenchido com mais detalhes, falando que se alguém aparecesse muito doente ou fraco para trabalhar, era imediatamente levado para as câmaras de gás. Dessa forma, mesmo nesse pesadelo desumanizado, as pessoas mostravam 'graça sob pressão', tentando ajudar uns aos outros para que parecessem saudáveis".
"Fiz uma certa quantidade de leituras, tanto ficção quanto biográficas, à respeito de viver em campos de concentração de todos os tipos. Porém, eu queria fazer uma canção atemporal. Não estou apontando o dedo para ninguém, pois sei que esse tratamento desumano pode acontecer em qualquer lugar. Você não pode dizer, 'Bem, os nazistas fizeram isso, os americanos fizeram aquilo, os ingleses fizeram isso'. Todos fizeram isso em algum momento a alguém. É estranho como as fontes de canções como essa vêm. A semente era a indignação com a forma como os nativos americanos foram tratados, a maneira como os canadenses nativos foram manipulados. Novamente, não se trata de apontar o dedo, pois isso acontece tantas vezes - no Canadá, os esquimós do interior foram tratados tão brutalmente como os índios americanos, e a primeira pessoa sobre a qual tinha ouvido falar, ou lido à respeito, era da Segunda Guerra Mundial, claro".
"Todas essas coisas meio que vieram juntas. Foi uma expressão da incrível desumanidade que as pessoas podem demonstrar. Esse foi um dos assuntos, e algo quase clichê. Mas, outra vertente importante era como as pessoas reagiam a isso. Após ler todos esses relatos que pude encontrar, mesmo sob as mais terríveis circunstâncias, ninguém nunca quis morrer. Essa foi a questão mais importante e com a qual lidei nessa canção, e uma questão importante para outras canções de Grace Under Pressure sobre as quais refleti. Porém, a coisa mais importante que descobri através de toda essa pesquisa é que quando as pessoas eram libertadas desse tipo de confinamento e de desumanidade absurda, eles acreditavam que não existia mais ninguém no mundo, pois não conseguiam acreditar em alguém permitindo que isso acontecesse".
"Quando pessoas foram libertadas de campos de concentração após a Segunda Guerra Mundial, quando indígenas foram confinados da mesma forma, sem permissão de se comunicarem com qualquer pessoa, com seus parentes, eles não faziam ideia se suas tribos ainda existiam. A mesma história com os esquimós no Canadá. Eles eram tratados de maneira tão desumana que, quando algum deles sobrevivia, não conseguiam acreditar que havia alguém deixado e que pudesse permitir que fossem tratados dessa maneira. Dessa forma, é algo pesado, mas encontrei um denominador comum em todas essas coisas. Não há desespero, somente espanto: 'Somos os últimos deixados vivos?'".
"Minha mãe é uma sobrevivente do Holocausto que, junto com a maioria dos meus familiares, viveu durante a guerra e passou seu próprio inferno particular", diz Lee. "Ela conduziu sua vida de uma forma completamente elegante e heroica. Teve seus sonhos roubados quando criança, e há muitas pessoas como ela que passaram por tragédias ou guerras e que conseguiram seguir em frente".
"'Red Sector A' é sobre o instinto de sobrevivência, sobre a coragem e a capacidade de se manter a cabeça erguida, apesar de todo o horror que se tenha vivido", continua o baixista. "Minha mãe nunca mais se sentiu segura novamente. Ela ainda tem a tatuagem no braço. Todo o álbum Grace Under Pressure é sobre estar na beira do precipício e ter coragem e força para sobreviver".
© 2015 Rush Fã-Clube Brasil
REDBEARD. "Grace Under Pressure - In The Studio - In The Studio with Redbeard". Show #28, week of January 2, 1989.
BANASIEWICZ, B. Rush Visions: The Official Biography. Omnibus Press, 1987.
"Red Sector A" é a terceira canção de Grace Under Pressure. Intensa e comovente, traz um relato atemporal em primeira pessoa mostrando um protagonista sem nome vivendo em um campo de prisioneiros também não identificado. Trata-se, certamente, de uma das mais fortes composições da carreira do Rush, marcando todo o poderio musical e artístico do trio. Em "Red Sector A", a banda canadense consegue mais uma vez a preciosa combinação de letra e música, criando no ouvinte a sensação de estar acompanhando verdadeiras cenas em movimento.
Após tratar de assuntos relacionados à ameaça e à morte como formas de pressão, Peart traz em "Red Sector A" uma seqüência de acontecimentos dolorosos ligados à coragem e à sobrevivência.
O título da canção não expõe seu teor. Red Sector A é o nome da área VIP onde os rapazes assistiram, em 1981, a primeira decolagem do ônibus espacial Columbia - ocasião imortalizada na faixa "Countdown", do álbum anterior Signals, de 1982. Apesar de muitos entenderem "Red Sector A" como uma composição dedicada aos terríveis dramas do Holocausto vividos pelos pais de Geddy Lee, tais relatos foram utilizados somente como a principal motivação lírica. Peart decidiu tornar abstrata a temática dessa canção, de modo a se aplicar em experiências de atrocidades em qualquer cenário semelhante. O trabalho em "Red Sector A" é tão fascinante que leva o ouvinte a imaginar facilmente uma situação de opressão, sofrimento e tortura. Toda atmosfera realista construída por percussão em tons militares, guitarras gélidas e sintetizadores sinistramente ameaçadores consegue nos transportar sem muito esforço para um universo de profundo terror.
As sementes para "Red Sector A" são provenientes de abril de 1945, quando soldados britânicos libertaram o campo de concentração nazista de Bergen-Belsen, na Alemanha. A mãe de Geddy, Manya Rubenstein, estava entre os sobreviventes. Seu pai, Morris Weinrib, sairia do campo de concentração Dachau algumas semanas depois. Ambos eram poloneses judeus.
"'Red Sector A' remonta em mim a história que minha mãe me contou sobre sua libertação de Bergen-Belsen, e de como ela não sabia ao certo o que estava acontecendo", relembra Lee. "Minha mãe estava trabalhando em um local no campo e, olhando pela janela, viu todos os soldados com as mãos para o alto. Ela pensou que se tratava de algum tipo de nova saudação a Hitler, não percebendo que estavam sendo libertados na verdade. Quando ela finalmente saiu, sua primeira reação foi: 'Porque isso demorou tanto?'. A todo momento ela presumia que o resto do mundo estava sofrendo as mesmas coisas, passando por condições similares. Quando contei essa história para o Neil, alguns trechos acabaram causando grande impacto sobre ele".
Quando Manya Rubenstein viu os guardas com os braços erguidos em 15 de abril de 1945, ela inicialmente pensou que os mesmos estavam fazendo apenas mais uma saudação arrogante. Não imaginava que as forças britânicas acabavam de invadir Bergen-Belsen. Manya e seus companheiros de prisão estavam tão desnutridos que seus cérebros não funcionavam mais, e ela não podia acreditar que estava sendo libertada.
"Certa vez perguntei a minha mãe sobre quais foram seus primeiros pensamentos quando deixou o campo", relembra Geddy. "Ela me disse que não achava que a libertação fosse verdade, pois não acreditava que a sociedade que permitiu tudo aquilo acontecer pudesse naquele momento libertá-los de lá".
É fácil perceber porque Manya havia desistido da civilização. Ela e seu futuro marido Morris ainda eram adolescentes (e estranhos um para o outro) quando foram internados em um campo de trabalho na cidade natal de Starachowice, na Polônia, em 1941. Presos, foram forçados a trabalhar em uma serralheria, numa pedreira e numa fábrica de uniformes e munição.
De Starachowice, que ficava a cerca de uma hora ao Sul de Varsóvia, Manya e Morris, juntamente com muitos membros de suas respectivas famílias, foram enviados a Auschwitz. Por fim, Morris foi encaminhado para Dachau, que fica no Sul da Alemanha, e Manya para Bergen-Belsen, ao norte do país. Trinta e cinco mil pessoas morreram de fome, doenças, brutalidades e excesso de trabalho naquele campo. Outras dez mil faleceram logo no primeiro mês após a libertação, por estarem muito fracas e doentes.
Depois da guerra, os sobreviventes foram reunidos e alojados em quartos dos oficiais de Berger-Belsen, que acabou sendo posteriormente transformado em um acampamento para as pessoas deslocadas e perdidas de seus familiares. Após alguns meses, foram realizados nos campos casamentos para cerca de 2000 casais. Morris e Manya estavam entre eles.
Os pais de Lee acabaram imigrando para o Canadá em 1947, onde chegaram com apenas dez dólares no bolso. Trabalharam arduamente até conseguirem abrir uma pequena loja de variedades em Willowdale, Ontário. Cinco anos mais tarde, mais precisamente no dia 29 de julho de 1953, nasce Gary Lee Weinrib, segundo filho do casal. Eles já tinham uma menina, Susie, e, mais tarde, nasceria o caçula Allan.
Geddy foi criado em um bairro residencial, com sua família estabilizada como classe média baixa, uma das poucas judias do local. Eles sentiam muito medo de serem atacados a qualquer momento devido a esse fato. Ao contrário de muitos sobreviventes do Holocausto, Manya e Morris não escondiam suas experiências. Geddy começou a ouvir as histórias de horror muito cedo, em torno dos 8 anos de idade. Embora sua mãe afirme que nunca falava com os filhos sobre as desgraças presenciadas no passado, Geddy ainda se recorda do estresse e dos pesadelos que as histórias lhe causavam. "Essas foram as coisas que lhes aconteceram na época mais formativa em suas vidas", comenta. "Algumas pessoas vão para aulas de equitação, porém meus pais foram para campos de concentração".
O casal deu aos filhos uma educação judaica, e Lee teve seu Bar Mitzvah (cerimônia que insere o jovem judeu como um membro maduro na comunidade judaica) aos 13 anos de idade. Seu pai falecera um ano antes, em decorrência de problemas de saúde adquiridos quando era prisioneiro. O jovem Geddy era obrigado a ir à sinagoga duas vezes por dia, o que aconteceu durante onze meses, não podendo ter acesso as coisas que a maioria dos garotos de sua idade começava a se interessar. Ele não podia sequer ouvir música.
Sua mãe, como a maioria dos sobreviventes do Holocausto, era excessivamente protetora de seus três filhos. Durante os próximos anos da adolescência, Geddy se distanciava cada vez mais da história de seus pais, classificando o período como um "momento egoísta" de sua vida. Nesse momento, o jovem descobria enfim o rock and roll, seu grito de liberdade. Após a morte de seu pai, uma tia revelava que o mesmo adorava tocar Balalaica em cerimônias judaicas e casamentos, mas que tinha mantido esse fato em segredo para seus filhos. "Ele não queria que víssemos música como uma carreira. Foi uma grande sensação saber que ele era musical", lembra.
Na vida adulta, Geddy passou a se afirmar como um judeu cultural. "Me considero judeu como raça, mas não tanto como religião. Não ligo para religião. Sou um judeu ateu, se isso é possível. Comemoro as datas no sentido de que minha família se reúna e gosto de fazer parte disso. Então olho sempre o pelo aspecto do 'estarmos juntos'".
A maneira com que Peart trabalha com as palavras em "Red Sector A" consegue mais uma vez capturar o espírito humano em sua essência. "Acho que talvez valha a pena esclarecer. Essa canção é um dos temas de Grace Under Pressure que capturam minha imaginação, mas que não pretende retratar uma atrocidade humana específica - embora muitos dos relatos históricos que me inspiraram estavam, naturalmente, localizados na Segunda Guerra Mundial. Houve muitos períodos de escravidão e de prisão em massa no mundo, além de muitos trabalhos de ficção futurista apocalíptica. Pensei em todas essas coisas e quis expressar algo atemporal o suficiente para abranger tudo isso".
"Certamente que minha personalidade, meu senso de humor e minha visão de vida foram formados pelas experiências dos meus pais e pelas histórias que eles compartilharam comigo", comenta Lee. "Neil e eu conversamos sobre isso, e ele colocou algumas dessas imagens nessa canção, que traz algo similar a uma ideia de prisão. A história teve algum impacto sobre ele".
"Através de relatos de pessoas que saíram de lá no fim de tudo aquilo, contentes por ainda estarem vivas, pude perceber que tal fato se mostra como uma essência de graça, uma graça sob pressão", afirma Peart. "Mesmo com todos esses acontecimentos, as pessoas nunca desistiram da forte vontade de sobreviver, mesmo encarando o horror máximo e privações físicas de todos os tipos. Queria ter sido mais específico nessa canção, apenas descrevendo circunstâncias e tentando olhar para a reação desses prisioneiros, porém uma realidade importante e realmente comovente para mim se traduziu na imagem mais forte que consegui sobre o fim de todo esse drama, com pessoas totalmente isoladas do resto do mundo, dos seus familiares e de qualquer notícia. E eles, nos casos que li, acreditavam que eram as últimas pessoas que haviam sobrevivido".
O Trecho "For my father and my brother, it’s too late / But I must help my mother stand up straight" ("Para meu pai e meu irmão - já é tarde demais / Mas devo ajudar minha mãe a ficar de pé") refere-se à atitude das pessoas que viviam nos campos de extermínio da Segunda Guerra Mundial em levantar os doentes e os fracos quando os guardas passavam, para evitar que esses fossem levados para as câmaras de gás, pois essa era uma prática imediata para aqueles que não podiam mais trabalhar.
"Um livro de memórias de outra sobrevivente de Auschwitz estava preenchido com mais detalhes, falando que se alguém aparecesse muito doente ou fraco para trabalhar, era imediatamente levado para as câmaras de gás. Dessa forma, mesmo nesse pesadelo desumanizado, as pessoas mostravam 'graça sob pressão', tentando ajudar uns aos outros para que parecessem saudáveis".
"Fiz uma certa quantidade de leituras, tanto ficção quanto biográficas, à respeito de viver em campos de concentração de todos os tipos. Porém, eu queria fazer uma canção atemporal. Não estou apontando o dedo para ninguém, pois sei que esse tratamento desumano pode acontecer em qualquer lugar. Você não pode dizer, 'Bem, os nazistas fizeram isso, os americanos fizeram aquilo, os ingleses fizeram isso'. Todos fizeram isso em algum momento a alguém. É estranho como as fontes de canções como essa vêm. A semente era a indignação com a forma como os nativos americanos foram tratados, a maneira como os canadenses nativos foram manipulados. Novamente, não se trata de apontar o dedo, pois isso acontece tantas vezes - no Canadá, os esquimós do interior foram tratados tão brutalmente como os índios americanos, e a primeira pessoa sobre a qual tinha ouvido falar, ou lido à respeito, era da Segunda Guerra Mundial, claro".
"Todas essas coisas meio que vieram juntas. Foi uma expressão da incrível desumanidade que as pessoas podem demonstrar. Esse foi um dos assuntos, e algo quase clichê. Mas, outra vertente importante era como as pessoas reagiam a isso. Após ler todos esses relatos que pude encontrar, mesmo sob as mais terríveis circunstâncias, ninguém nunca quis morrer. Essa foi a questão mais importante e com a qual lidei nessa canção, e uma questão importante para outras canções de Grace Under Pressure sobre as quais refleti. Porém, a coisa mais importante que descobri através de toda essa pesquisa é que quando as pessoas eram libertadas desse tipo de confinamento e de desumanidade absurda, eles acreditavam que não existia mais ninguém no mundo, pois não conseguiam acreditar em alguém permitindo que isso acontecesse".
"Quando pessoas foram libertadas de campos de concentração após a Segunda Guerra Mundial, quando indígenas foram confinados da mesma forma, sem permissão de se comunicarem com qualquer pessoa, com seus parentes, eles não faziam ideia se suas tribos ainda existiam. A mesma história com os esquimós no Canadá. Eles eram tratados de maneira tão desumana que, quando algum deles sobrevivia, não conseguiam acreditar que havia alguém deixado e que pudesse permitir que fossem tratados dessa maneira. Dessa forma, é algo pesado, mas encontrei um denominador comum em todas essas coisas. Não há desespero, somente espanto: 'Somos os últimos deixados vivos?'".
"Minha mãe é uma sobrevivente do Holocausto que, junto com a maioria dos meus familiares, viveu durante a guerra e passou seu próprio inferno particular", diz Lee. "Ela conduziu sua vida de uma forma completamente elegante e heroica. Teve seus sonhos roubados quando criança, e há muitas pessoas como ela que passaram por tragédias ou guerras e que conseguiram seguir em frente".
"'Red Sector A' é sobre o instinto de sobrevivência, sobre a coragem e a capacidade de se manter a cabeça erguida, apesar de todo o horror que se tenha vivido", continua o baixista. "Minha mãe nunca mais se sentiu segura novamente. Ela ainda tem a tatuagem no braço. Todo o álbum Grace Under Pressure é sobre estar na beira do precipício e ter coragem e força para sobreviver".
© 2015 Rush Fã-Clube Brasil
REDBEARD. "Grace Under Pressure - In The Studio - In The Studio with Redbeard". Show #28, week of January 2, 1989.
BANASIEWICZ, B. Rush Visions: The Official Biography. Omnibus Press, 1987.