NEIL PEART E AS ACUSAÇÕES DE SATANISMO CONTRA O RUSH



19 DE JULHO DE 2016 | POR VAGNER CRUZ

No dia 19 de julho de 1981, o repórter Jim Hankins publicou um artigo no jornal The Daily Texan intitulado "No One Here Gets Out Alive" ("Ninguém Aqui Sai Vivo"). O texto, patrocinado na época pela Longhorn Christian Fellowship, defendia que muitas canções no rock tentavam levar a juventude americana cristã para o satanismo e outras religiões, alegando que os músicos buscavam transmitir mensagens satânicas em suas obras, seja de forma aberta ou subliminar. O Rush era uma das bandas citadas.

Alguns dias depois, Neil Peart respondeu ao artigo no próprio jornal. Acompanhe a tradução na íntegra.

GRUPOS DE ROCK DIFICILMENTE SATANISTAS
The Daily Texan - 1981
Por Neil Peart | Tradução: Vagner Cruz

Escrevo em resposta ao artigo do repórter Jim Hankins, publicado em 19 de julho, "Grupos buscam mostrar um rock and roll satânico". Foi há algum tempo, mas a matéria foi enviada para mim por vários passos intermediários. Além disso, nunca é tarde para discutir um assunto como esse. Como aconteceu de eu ser integrante de uma das bandas mencionadas, talvez possa interpor um pouco de racionalidade e verdade nesse exercício histérico de propaganda.

Satanismo. Aqui está uma palavra que deveria ser mantida longe do alcance de algumas pessoas, da mesma forma que se deve manter fósforos longe de crianças e armas de esposos ciumentos!

Há determinadas características evidentes na natureza humana que algumas pessoas parecem possuir em maiores graus. Elas derivam de um estado de insegurança e baixa auto-estima e se manifestam nas ações daqueles que desejam parecerem bons enquanto fazem os outros ficarem mal. Você vê isso em todos os lugares quando começa prestar atenção. As pessoas que não conseguem o respeito por seus próprios méritos se sentem obrigados a derrubar aqueles que conseguiram. Vemos isso nos fracassados que tentam provar sua indiferença ao criticarem as ações daqueles que realmente fazem algo, ou em casos como o desse artigo, onde o fraco e covarde tenta provar a justiça na tentativa de punir "os menos justos".

Uma grande vantagem desse tipo de atitude é que ela mantém essas pessoas envolvidas com outras que não sentem a necessidade de examinar suas próprias vidas.

Dessa forma, são esses os hipócritas de caras feias que ficam agitando nos locais sombrios da vida, esperando encontrar alguma coisa - qualquer coisa - mais suja que o seu próprio reflexo. E se não conseguirem encontrar algo, sem problemas. Eles vão fazer alguma coisa!

Nesse texto, eles acusam músicos do rock de serem satanistas sinceros e dedicados, que tentam envenenar as almas dos jovens americanos com mensagens subliminares de adoração ao diabo. Sabe, é quase uma boa piada. Quase!

Como alguém que conhece muitas dessas "figuras demoníacas" pessoalmente, especialmente algumas mencionadas no artigo, a ideia de alguns desses vendidos, ultrapassados e convencidos tão profundamente e religiosamente comprometidos com nada (exceto com sua "imagem" e com números nos gráficos) também é uma piada - e das mais toscas!

Os tais "mercenários sem nome" nem sequer demostram esse tipo de compromisso nas músicas: por que diabos se incomodariam colocando algo ali? Tudo o que precisam (e com o que se preocupam) é descobrir um tipo de mínimo denominador comum da "aceitabilidade" comercial. Sim, para vocês cristãos cripto-fascistas, isso é uma piada! O único problema é que vocês não riem.

Também não estou rindo mais. Comecei a receber muitas perguntas e cartas de jovens confusos e impressionados, querendo saber se é verdade que adoramos o diabo. Quem é que está corrompendo as mentes dos jovens americanos?

Não vamos nos esquecer nem por um minuto de que esta é a mesma mentalidade hipócrita que se pôs a trabalhar perseguindo bruxas, cristãos, judeus, quakers, índios, católicos, negros, comunistas, hippies e capitalistas através das eras. Há sempre alguém para te chutar quando você está no chão. Parece que todos os grupos têm experimentado as desvantagens um do outro. Ir dos amargamente oprimidos aos opressores justos é um passo bem curto.

Falando por mim, como letrista e baterista da banda Rush e um dos acusados desse crime hediondo, protesto, excelência! Longe de mim ser um fervoroso satanista, e confesso cruamente: eu nem acredito no bastardo! Pergunto-me se isso é melhor ou pior aos seus olhos, Inquisidor Geral.

Certamente, posso assegurar que minhas letras não contém mensagens secretas "demoníacas" ou habilmente escondidas pela mística comercial. Nada disso - tenho medo. Não é só absurdo e patético, mas também totalmente incompatível com minha filosofia, com meu trabalho e minhas crenças.

Recebo todos os tipos de cartas de pessoas como essas, cujas percepções são estreitadas e distorcidas por valores pré-estabelecidos e ideias, dizendo-me as coisas fantásticas que vêm "descobrindo" nas minhas palavras! Como é a verdade de sempre, eles encontram o que desejam encontrar. Pois bem, eu sei o que coloco lá. Não é isso, e não é aquilo também. Ponto.

Não quero ofender ninguém com crenças verdadeiras, já que é um princípio fundamental na minha filosofia que as pessoas devem acreditar no que escolhem acreditar. Porém, deve-se dizer que quando você "tem" religião, como Sidarta, você a encontra em todos os lugares que olhar. E quando você tem o mal, você também o encontrará em todos os lugares que olhar.

Ah! É o velho truque do "rodar o disco ao contrário", certo Watson? Tenho certeza de que se você tocar "The Star Spangled Banner" [Hino nacional dos Estados Unidos] ao contrário encontrará uma mensagem secreta também. Francis Scott Key ficaria surpreso com sua inteligência! Como você acha que ele sabia disso em 1812?

Você não acha que algo tão vago como isso é como o teste do borrão de tinta de Rorschach, ou das formas nas nuvens? A interpretação é baseada no estado de espírito do observador - não em qualquer realidade objetiva. Uma mancha de tinta é uma mancha, uma nuvem é uma nuvem e uma canção uma canção - normal e ao contrário. Encontra-se o que se deseja encontrar.

Sim, há algo subliminar no trabalho aqui: a doença subliminar e venenosa que reside nas mentes desses temerosos, pomposos e supostos cristãos. E ainda se chamam de "irmãos". Pense nisso por um instante. Agora, pense no que esse jornal e outros têm conseguido dando tinta e papel inocentes para esse tipo de baboseiras.

Vocês leitores sabem que eu nunca usaria esse tipo de gramática, a qual essas pessoas têm atribuído a mim, e muito menos uma mensagem insípida e supostamente sem valor. Ouçam isso, "Oh Satã, você é o único que brilha. Muros de satanás, muros de sacrifício. Sei que você é o único que amo" [N. do T.: Alguns afirmam que essa é a mensagem encontrada na canção "Anthem", do álbum Fly By Night, se tocada ao contrário]. Afirmo: isso é nojento. Essas pessoas devem estar doentes. Se não acredita em mim, pergunte à minha mãe!

***

Em 2015, Neil Peart declarou para o repórter Jim Ladd, da rádio SiriusXM:

"Não, nunca houve uma época em que acreditei, e questionava realmente quando criança indo para a escola dominical. O ser onipresente e benevolente, o Deus do céu me confundia naquela época e, uma vez que fiquei mais velho, me lembrei de quando eu era um adolescente em meu quarto em casa. Peguei umas latas de spray, umas latas de grafite, e tomei 'Deus Está Morto' de Nietzsche. Meus pais, mesmo não sendo religiosos em particular, disseram, 'Oh meu Deus, sua avó vai morrer se ela ver isso'. Então pintei 'Deus Não Está Morto'. Não importava pra mim, para ficar tudo em paz".

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