24 DE JUNHO DE 2016 | POR VAGNER CRUZ
O site TeamRock.com, divisão da revista britânica Classic Rock, publicou a terceira parte da longa entrevista realizada com Geddy Lee e Alex Lifeson pelo repórter Paul Elliot, na qual os músicos comentam seus primeiros anos como banda e todos os discos já lançados pelo Rush. Agora, temos um material que se dedica primordialmente às produções do trio concebidas na primeira metade da década de 1980 - desde o álbum Permanent Waves (1980) até Power Windows (1985). Acompanhe esse ótimo material, traduzido exclusivamente para o Rush Fã-Clube Brasil.
A HISTÓRIA DO RUSH POR GEDDY LEE & ALEX LIFESON: MOVING PICTURES E A DÉCADA DE 1980
Na parte 3 da retrospectiva que observa os 50 anos de carreira do Rush, Geddy Lee e Alex Lifeson olham para a mudança de direção da banda ocorrida nos anos 80.
Classic Rock - 24 de junho de 2016
Por Paul Elliot | Tradução: Vagner Cruz
Na virada dos anos 80, o Rush se encontrava numa encruzilhada. Eles haviam sido, conforme colocado mais tarde por Kirk Hammett do Metallica, "os sumos sacerdotes do metal conceitual". Mas agora, na esteira do punk, numa era dominada pela new wave, era a hora do Rush seguir em frente.
Os três integrantes da banda - o baixista / vocalista Geddy Lee, o guitarrista Alex Lifeson e o baterista Neil Peart - sentiram que estavam sendo repetitivos com o álbum Hemispheres, de 1978. Mesmo com toda genialidade do disco, ele era, conforme Lee mencionou, "estereotipado" - trazendo uma faixa-título e vinte minutos semelhante aos épicos anteriores, como "2112".
Assim, eles desenvolveram um novo som para uma nova década. A reinvenção do Rush começou com o hit "The Spirit of Radio" e o álbum Permanent Waves, lançado em janeiro de 1980. Um ano depois, a banda teve com Moving Pictures o disco mais vendido da carreira.
Mas com o sucesso e o progresso veio a tensão. O desconforto de Neil Peart com a fama foi expressado em "Limelight", canção de 1981. E em Power Windows, de 1985 - um álbum dominado por teclados - Alex Lifeson se via marginalizado.
O Rush nunca parou ao longo da década de 1980. Nessa entrevista exclusiva, Lee e Lifeson explicam como tudo se passou.
A História do Rush por Geddy Lee & Alex Lifeson: Parte 1 – Os Primeiros Anos
A História do Rush por Geddy Lee & Alex Lifeson: Parte 2 – De 2112 ao Estrelato
1979
Geddy Lee: Não posso dizer que o punk rock nos influenciou diretamente. Mas havia uma mudança na música naquele momento, no final dos anos 70. Foi um momento muito emocionante musicalmente, havia muitas mudanças no ar. Queríamos mudar também.
Alex Lifeson: Houve uma mudança dos últimos vestígios da cena do rock do começo da década de 1970 para o movimento punk. E em 1979, quando começamos a trabalhar em Permanent Waves, acho que estávamos mais conscientes do que estava acontecendo na música. Não estávamos mais no nosso próprio mundinho.
Geddy Lee: Você ligava o rádio e ouvia vários ritmos interessantes. Alguns desses ótimos ritmos eram os que Stewart Copeland fazia com o Police. Lembro-me de bandas muito fortes de ska e reggae. Estávamos ouvindo muitas coisas diferentes, que acabaram por encharcar aquilo que fazíamos. Foi natural. Absorvíamos aquilo como esponjas para ver o que poderíamos usar.
Alex Lifeson: Estávamos indo numa direção diferente, começando a compor de forma mais curta, econômica e concisa.
Geddy Lee: A ideia de nos aproximarmos de outra obra de vinte minutos não parecia atraente, soando repetitiva. Dizíamos, "Ok, precisamos nos manter modernos, mudando a forma como fazemos as coisas". Assim, parecia-nos um bom desafio ver se conseguiríamos tomar alguns desses elementos. Teríamos liberdade dos períodos de dez ou vinte minutos, tentando condensá-los em sete ou oito (o que, naquela época, era algo curto para os nossos padrões).
Alex Lifeson: Era hora de tentar algo diferente. A ideia era fazer músicas mais curtas, mas ainda assim bem complexas.
Geddy Lee: Vamos tentar algo com sete minutos! É suficiente. Podemos tocar bastante em sete minutos, e teríamos uma canção entregando mais, em termos de clímax, num período curto de tempo. Ainda seria possível contar uma história numa canção, mas sem bater na cabeça de vocês com ela. Em termos de conceito global, poderíamos tornar os fios que conectam cada canção um pouco mais sutis. Estávamos à procura de mais diversidade.
Alex Lifeson: Ainda tivemos algumas coisas longas em Permanent Waves. Havia "Natural Science", uma faixa muito ambiciosa, e "Jacob's Ladder". Mas também tínhamos "The Spirit Of Radio", "Freewill" e "Entre Nous" - canções mais curtas e encorpadas.
Geddy Lee: "The Spirit of Radio" foi escrita bem antes, sendo a canção que desencadeou a maior parte do ponto de vista do álbum. Conseguimos trazer várias coisas diferentes para essa música em cinco minutos, e funcionou.
Alex Lifeson: A inspiração para essa canção veio de uma estação de rádio que apareceu em Toronto, que tocava no formato 24 horas. Lembro-me de estarmos reunidos falando sobre isso.
Geddy Lee: A música estava mudando, e o rádio também. Nosso acesso à boa música - que conseguíamos nas FMs - estava morrendo e tornando-se mais comercializado. "The Spirit of Radio" carrega esse sentimento, e acho que as pessoas se relacionaram com ela devido ao que acontecia com a indústria da música. Não era sobre amor e sexo, coisas típicas do rock. Por isso soou como algo novo. A música traz um som bem positivo. Há vida nela.
Alex Lifeson: O riff qua abre a canção foi baseado no movimento das ondas de rádio - pelo menos essa era a ideia!
Geddy Lee: A forma como a música muda de um estilo para outro foi feita para replicar o rodar do dial na FM. Talvez tenha sido muito sutil - às vezes me pergunto se não deveríamos ter sido mais óbvios. O riff de Alex dá o tom da música. E, enquanto o riff explodia progressivamente, Neil e eu compúnhamos pontuações e contrapontos em torno dele, brincando com compassos. Achamos bem inovador. Gravamos ao vivo, usando um sequenciador que naquele tempo precisava ser programado manualmente para ser utilizado uma vez. Assim, você não poderia estragar tudo.
Alex Lifeson: Gravamos Permanent Waves no Canadá, depois de dois álbuns feitos no Rockfield no País de Gales. Assim, tivemos outra mudança - voltamos para casa. Foi inspirador.
Geddy Lee: Foi a primeira vez em que gravamos no Le Studio em Morin Heights, Quebec - um belo refúgio montanhoso. Gravamos naquela sala com enormes janelas panorâmicas. Após gravamos durante muitos anos em bunkers, foi uma mudança refrescante. Acho que contribuiu para a vibe positiva presente em todo o disco. Esse álbum nasceu bem rápido, e até hoje foi uma das sessões de gravação mais agradáveis que tivemos. Conseguimos terminá-lo em cinco ou seis semanas, e foi isso. Feito.
Alex Lifeson: Sentimos que havíamos conseguido algo com esse disco. As canções estavam mais curtas, mas ainda assim foram desafiadoras para nós como músicos. E mesmo agora, quando trazemos "The Spirit of Radio" ao vivo, ainda é difícil de tocá-la bem.
1980-81
Geddy Lee: Passamos ótimos momentos fazendo Permanent Waves, mas Moving Pictures foi uma experiência muito mais intensa. Foi um pouco mais demorado para fazermos. De certo, não foi tão fácil quanto gostaríamos que fosse.
Alex Lifeson: É sempre difícil fazer discos. As emoções são sempre bem drenadas.
Geddy Lee: Voltamos ao Le Studio para o Moving Pictures. Era o auge do inverno. Também tivemos vários problemas técnicos. Houve muita experimentação, a fim de conseguirmos os sons certos.
Alex Lifeson: A maior parte desse disco foi escrita por nós ao mesmo tempo, tocando uma ideia na sala e todos indo dali. Acho que conseguimos um dos materiais mais fortes e duradouros que já compomos. Há várias músicas nesse álbum que alcançaram um padrão bem elevado.
Geddy Lee: Todos apontam "Tom Sawyer" como a grande faixa de Moving Pictures, mas "Red Barchetta" foi crucial no disco. Ela veio bem fácil e acabou nos levando. "Tom Sawyer" foi completamente o oposto.
Alex Lifeson: "Tom Sawyer" foi uma canção difícil de acertar. Num certo momento não tínhamos certeza se seríamos capazes de fazê-la funcionar.
Geddy Lee: A coisa mais difícil de tudo foi conseguir o som correto da guitarra no solo. Queríamos que a sessão fosse tocada como um trio, e não com vários overdubs - um som que enchesse o espectro e que não soasse vazio. Dessa forma, o som da guitarra para o solo de Alex era algo crítico. Não era para ser afogado em ecos, um velho truque que usávamos no passado. Se você quisesse encher o espaço, era só colocar um Echoplex no Alex e as repetições iriam preencher tudo. Porém, não queríamos fazer isso. Queríamos um som seco, com aquela sonoridade única, e que não parecesse vazio - algo meio difícil.
Alex Lifeson: Lembro-me de passar muito tempo nessa canção. Muito tempo...
Geddy Lee: Num certo ponto eu disse, "Sempre temos uma canção, em todos os álbuns, que não funciona". E achávamos que "Tom Sawyer" ia ser essa - o que só serve para mostrar que não sabíamos o que estávamos dizendo!
Alex Lifeson: Ficamos muito felizes quando finalmente acertamos.
Geddy Lee: Tivemos outras músicas que nasceram com mais facilidade. "YYZ" foi uma delas. Neil e eu a compomos num dia quando, por alguma razão, Alex não estava por perto. Eu e Neil fomos para o galpão no Le Studio, onde os equipamentos estavam montados, e começamos a fazer "YYZ" como uma jam de baixo e bateria. Então Al entrou e acrescentou seus licks, e antes que percebêssemos a música foi concluída.
Alex Lifeson: Outra canção que nasceu bem rápido foi "Limelight". É de fato uma canção rock bem pra cima.
Geddy Lee: Neil escreveu a letra para "Limelight" numa época em que a banda estava se tornando mais popular. Era um nível diferente de fama, e ele estava se confrontando regularmente com coisas que o deixavam muito desconfortável. Assim, ele escreveu o trecho, "Não posso fingir que um estranho é amigo muito esperado". Essa música foi a forma que Neil encontrou para resolver seu problema.
Alex Lifeson: Há uma música que é do tipo bem excêntrica - "Witch Hunt". Mas ela é boa, bem dinâmica.
Geddy Lee: "Witch Hunt" foi uma tentativa de algo cinematográfico, ilustrando um tema com ousadia. Foi divertido fazê-la.
Alex Lifeson: A última coisa que compomos para o álbum foi "Vital Signs". Precisávamos de mais uma música, e escrevemos e gravamos essa em apenas um dia. Foi uma daquelas coisas espontâneas felizes.
Geddy Lee: Sentimos que precisávamos de algo realmente diferente do resto do disco - algo de ritmo acelerado com uma vibração pop / rock mais moderna.
Alex Lifeson: "Vital Signs" acabou sendo a última faixa do disco. Olhando para as canções, você decidiria que "The Camera Eye" deveria ser o encerramento. Mas conseguimos um tom diferente com "Vital Signs". Foi uma forma interessante de fechar o disco.
Geddy Lee: Moving Pictures se tornou o maior disco da nossa carreira, mas no fim das sessões eu estava tão esgotado que não sabia o que pensar dele. Demoramos tanto tempo para terminá-lo que já era final de dezembro quando deixamos o Le Studio. Peguei meu novo carro esporte de forma estúpida lá em cima. Foi um dos primeiros carros esportivos que havia comprado, e precisei fazer todo o caminho de volta para casa em Toronto no meio de uma nevasca terrível, com nosso produtor Terry Brown seguindo em seu carro com sua cadela Daisy. Quando cheguei em Toronto, fui direto para o aeroporto sem dormir, a fim de pegar um voo para o Caribe, onde minha esposa estava me esperando. Ouvi o disco na primeira noite das nossas férias, e parecia que estava tudo errado. Levei algumas semanas para ouvir novamente, e aí sim - ok. Parecia muito bom!
Alex Lifeson: As canções eram boas, e se ligaram à um público maior. Mas também havia algo no som daquele disco que ressoava nas pessoas. Moving Pictures foi muito bem sucedido. Não é nenhum exagero dizer que esse disco mudou nossas vidas.
1982-85
Geddy Lee: Signals foi um momento decisivo para a banda. Era o início da nossa "era dos teclados". Já vínhamos utilizando sintetizadores desde antes, mas no Signals eles de fato vieram à frente.
Alex Lifeson: Concordei totalmente no início. Eu mesmo toquei alguns teclados. Achava que era uma parte única e muito importante daquilo que o Rush estava se tornando.
Geddy Lee: Signals foi um bom disco, mas depois houve outra grande mudança. Decidimos seguir com um novo produtor, não queríamos voltar com Terry Brown. Não achávamos que era a coisa certa a fazer. Estávamos prontos para avançar.
Alex Lifeson: Nos reunimos com Steve Lillywhite em Londres, enquanto estávamos em turnê, e parecia que estávamos fechados com ele.
Geddy Lee: Achávamos a música com a qual Steve trabalhava bem legal. Lembro-me do disco do Big Country que ele havia acabado de fazer, The Crossing. Adorei a forma como as guitarras soaram naquele álbum - elas tinham atitude. Estávamos pensando em fazer um disco mais guiado pelas guitarras e, naquele momento, achamos que Steve nos daria uma nova abordagem, pois era um cara bem legal. Seria uma nova abordagem para um disco baseado em guitarras, e ele nos daria um novo olhar sobre os teclados também. Estávamos sedentos por aprender.
Alex Lifeson: Porém, no último momento, Steve pulou fora. Ele foi trabalhar com o Simple Minds.
Geddy Lee: Foi duro. Ainda tenho um grande respeito por Steve como produtor, mas naquele momento ficamos muito frustrados e decepcionados.
Alex Lifeson: Acabamos coproduzindo o Grace Under Pressure com Peter Henderson. Assim, trabalhamos muito mais nesse disco. Ficamos meses no estúdio durante um inverno bem rigoroso e com muita neve em Quebec. Mas, por fim, o som, o poder e a qualidade das composições realmente me impressionaram. Amo esse disco de verdade.
Geddy Lee: Meu amor pelos teclados - acho que você pode chamar de obsessão - atingiu o auge em Power Windows.
Alex Lifeson: Os teclados eram a novidade, então havia essa atitude: "Vamos trazê-los pra cima. Eles soam grandiosos e legais".
Geddy Lee: Ficamos focados na confecção do álbum e, depois de feito, Alex (talvez com seus ouvidos descansados) disse, "Hum, talvez tenhamos colocado teclados demais". De vez em quando essa conversa vinha entre nós.
Alex Lifeson: Eu olhei o panorama: sabia que estávamos indo numa nova direção e os teclados eram parte dela. Não tenho nada contra os teclados.
Geddy Lee: Power Windows foi um álbum que ficou fora da escola de Trevor Horn. Trouxemos o cara dos sintetizadores, Andy Richards, que realmente ficou marcado em termos de qualidade e tecnologia. Foi algo bem atraente para mim, pois soava novo, moderno e emocionante.
Alex Lifeson: Para mim, esse disco foi um desafio. Pensei, "vou com ele e dará certo no final". Então fiz. Percebi que havia uma mudança no meu papel.
Geddy Lee: Quando se usa muitos teclados, você acaba preenchendo muito espaço no disco. Em seguida, a guitarra tem que se encaixar em torno disso. Em muitas canções de Power Windows - como "Grand Designs" e "Marathon" - já tínhamos várias partes feitas nos teclados nas primeiras gravações que a guitarra teria preenchido. Assim, Alex teve que descobrir uma forma de trabalhar. Era isso que exigia-se dele.
Alex Lifeson: A guitarra sofreu em várias mixagens. Era isso o que me incomodava, mais do que qualquer coisa. O principal para mim é que achava necessário preservarmos a essência do que a banda era: um trio.
Geddy Lee: Alex tocou coisas ótimas nesse disco, como em "Mystic Rhythms". Sem o riff de guitarra, essa música não funciona. Gosto muito do som desse álbum - acho uma produção muito forte. Há grandes canções nesse disco. Gosto muito de "Middletown Dreams" - sabe, de vem em quando compomos boas melodias! No geral, achei que Power Windows foi uma grande conquista para nós, algo que talvez não tenhamos conseguido nos dois álbuns seguintes, Hold Your Fire e Presto. Nesses, os teclados ainda estavam presentes, mas não de forma positiva. Eram apenas para o processo mais uma vez, para realinhar o som...
LEIA TAMBÉM:
GEDDY LEE E ALEX LIFESON: 50 ANOS DE MÚSICA E AMIZADE
OS ÁLBUNS FAVORITOS DE GEDDY LEE
A VIDA DE GEDDY LEE ALÉM DO RUSH
GEDDY SE MOSTRA PREOCUPADO COM O FUTURO DO RUSH
GEDDY FALA SOBRE O PASSADO, O PRESENTE E O FUTURO DO RUSH
PERGUNTAS INCOMUNS PARA GEDDY LEE
GEDDY QUASE PRODUZIU MASTER OF PUPPETS, DO METALLICA
NEIL PEART ANUNCIA SUA APOSENTADORIA DAS GRANDES TURNÊS
GEDDY LEE E SUA PAIXÃO POR OBRAS DE ARTE
GEDDY CONSIDERA GRAVAR UM NOVO ÁLBUM SOLO
A HISTÓRIA DO RUSH POR GEDDY LEE & ALEX LIFESON: MOVING PICTURES E A DÉCADA DE 1980
Na parte 3 da retrospectiva que observa os 50 anos de carreira do Rush, Geddy Lee e Alex Lifeson olham para a mudança de direção da banda ocorrida nos anos 80.
Classic Rock - 24 de junho de 2016
Por Paul Elliot | Tradução: Vagner Cruz
Na virada dos anos 80, o Rush se encontrava numa encruzilhada. Eles haviam sido, conforme colocado mais tarde por Kirk Hammett do Metallica, "os sumos sacerdotes do metal conceitual". Mas agora, na esteira do punk, numa era dominada pela new wave, era a hora do Rush seguir em frente.
Os três integrantes da banda - o baixista / vocalista Geddy Lee, o guitarrista Alex Lifeson e o baterista Neil Peart - sentiram que estavam sendo repetitivos com o álbum Hemispheres, de 1978. Mesmo com toda genialidade do disco, ele era, conforme Lee mencionou, "estereotipado" - trazendo uma faixa-título e vinte minutos semelhante aos épicos anteriores, como "2112".
Assim, eles desenvolveram um novo som para uma nova década. A reinvenção do Rush começou com o hit "The Spirit of Radio" e o álbum Permanent Waves, lançado em janeiro de 1980. Um ano depois, a banda teve com Moving Pictures o disco mais vendido da carreira.
Mas com o sucesso e o progresso veio a tensão. O desconforto de Neil Peart com a fama foi expressado em "Limelight", canção de 1981. E em Power Windows, de 1985 - um álbum dominado por teclados - Alex Lifeson se via marginalizado.
O Rush nunca parou ao longo da década de 1980. Nessa entrevista exclusiva, Lee e Lifeson explicam como tudo se passou.
A História do Rush por Geddy Lee & Alex Lifeson: Parte 1 – Os Primeiros Anos
A História do Rush por Geddy Lee & Alex Lifeson: Parte 2 – De 2112 ao Estrelato
1979
Geddy Lee: Não posso dizer que o punk rock nos influenciou diretamente. Mas havia uma mudança na música naquele momento, no final dos anos 70. Foi um momento muito emocionante musicalmente, havia muitas mudanças no ar. Queríamos mudar também.
Alex Lifeson: Houve uma mudança dos últimos vestígios da cena do rock do começo da década de 1970 para o movimento punk. E em 1979, quando começamos a trabalhar em Permanent Waves, acho que estávamos mais conscientes do que estava acontecendo na música. Não estávamos mais no nosso próprio mundinho.
Geddy Lee: Você ligava o rádio e ouvia vários ritmos interessantes. Alguns desses ótimos ritmos eram os que Stewart Copeland fazia com o Police. Lembro-me de bandas muito fortes de ska e reggae. Estávamos ouvindo muitas coisas diferentes, que acabaram por encharcar aquilo que fazíamos. Foi natural. Absorvíamos aquilo como esponjas para ver o que poderíamos usar.
Alex Lifeson: Estávamos indo numa direção diferente, começando a compor de forma mais curta, econômica e concisa.
Geddy Lee: A ideia de nos aproximarmos de outra obra de vinte minutos não parecia atraente, soando repetitiva. Dizíamos, "Ok, precisamos nos manter modernos, mudando a forma como fazemos as coisas". Assim, parecia-nos um bom desafio ver se conseguiríamos tomar alguns desses elementos. Teríamos liberdade dos períodos de dez ou vinte minutos, tentando condensá-los em sete ou oito (o que, naquela época, era algo curto para os nossos padrões).
Alex Lifeson: Era hora de tentar algo diferente. A ideia era fazer músicas mais curtas, mas ainda assim bem complexas.
Geddy Lee: Vamos tentar algo com sete minutos! É suficiente. Podemos tocar bastante em sete minutos, e teríamos uma canção entregando mais, em termos de clímax, num período curto de tempo. Ainda seria possível contar uma história numa canção, mas sem bater na cabeça de vocês com ela. Em termos de conceito global, poderíamos tornar os fios que conectam cada canção um pouco mais sutis. Estávamos à procura de mais diversidade.
Alex Lifeson: Ainda tivemos algumas coisas longas em Permanent Waves. Havia "Natural Science", uma faixa muito ambiciosa, e "Jacob's Ladder". Mas também tínhamos "The Spirit Of Radio", "Freewill" e "Entre Nous" - canções mais curtas e encorpadas.
Geddy Lee: "The Spirit of Radio" foi escrita bem antes, sendo a canção que desencadeou a maior parte do ponto de vista do álbum. Conseguimos trazer várias coisas diferentes para essa música em cinco minutos, e funcionou.
Alex Lifeson: A inspiração para essa canção veio de uma estação de rádio que apareceu em Toronto, que tocava no formato 24 horas. Lembro-me de estarmos reunidos falando sobre isso.
Geddy Lee: A música estava mudando, e o rádio também. Nosso acesso à boa música - que conseguíamos nas FMs - estava morrendo e tornando-se mais comercializado. "The Spirit of Radio" carrega esse sentimento, e acho que as pessoas se relacionaram com ela devido ao que acontecia com a indústria da música. Não era sobre amor e sexo, coisas típicas do rock. Por isso soou como algo novo. A música traz um som bem positivo. Há vida nela.
Alex Lifeson: O riff qua abre a canção foi baseado no movimento das ondas de rádio - pelo menos essa era a ideia!
Geddy Lee: A forma como a música muda de um estilo para outro foi feita para replicar o rodar do dial na FM. Talvez tenha sido muito sutil - às vezes me pergunto se não deveríamos ter sido mais óbvios. O riff de Alex dá o tom da música. E, enquanto o riff explodia progressivamente, Neil e eu compúnhamos pontuações e contrapontos em torno dele, brincando com compassos. Achamos bem inovador. Gravamos ao vivo, usando um sequenciador que naquele tempo precisava ser programado manualmente para ser utilizado uma vez. Assim, você não poderia estragar tudo.
Alex Lifeson: Gravamos Permanent Waves no Canadá, depois de dois álbuns feitos no Rockfield no País de Gales. Assim, tivemos outra mudança - voltamos para casa. Foi inspirador.
Geddy Lee: Foi a primeira vez em que gravamos no Le Studio em Morin Heights, Quebec - um belo refúgio montanhoso. Gravamos naquela sala com enormes janelas panorâmicas. Após gravamos durante muitos anos em bunkers, foi uma mudança refrescante. Acho que contribuiu para a vibe positiva presente em todo o disco. Esse álbum nasceu bem rápido, e até hoje foi uma das sessões de gravação mais agradáveis que tivemos. Conseguimos terminá-lo em cinco ou seis semanas, e foi isso. Feito.
Alex Lifeson: Sentimos que havíamos conseguido algo com esse disco. As canções estavam mais curtas, mas ainda assim foram desafiadoras para nós como músicos. E mesmo agora, quando trazemos "The Spirit of Radio" ao vivo, ainda é difícil de tocá-la bem.
1980-81
Geddy Lee: Passamos ótimos momentos fazendo Permanent Waves, mas Moving Pictures foi uma experiência muito mais intensa. Foi um pouco mais demorado para fazermos. De certo, não foi tão fácil quanto gostaríamos que fosse.
Alex Lifeson: É sempre difícil fazer discos. As emoções são sempre bem drenadas.
Geddy Lee: Voltamos ao Le Studio para o Moving Pictures. Era o auge do inverno. Também tivemos vários problemas técnicos. Houve muita experimentação, a fim de conseguirmos os sons certos.
Alex Lifeson: A maior parte desse disco foi escrita por nós ao mesmo tempo, tocando uma ideia na sala e todos indo dali. Acho que conseguimos um dos materiais mais fortes e duradouros que já compomos. Há várias músicas nesse álbum que alcançaram um padrão bem elevado.
Geddy Lee: Todos apontam "Tom Sawyer" como a grande faixa de Moving Pictures, mas "Red Barchetta" foi crucial no disco. Ela veio bem fácil e acabou nos levando. "Tom Sawyer" foi completamente o oposto.
Alex Lifeson: "Tom Sawyer" foi uma canção difícil de acertar. Num certo momento não tínhamos certeza se seríamos capazes de fazê-la funcionar.
Geddy Lee: A coisa mais difícil de tudo foi conseguir o som correto da guitarra no solo. Queríamos que a sessão fosse tocada como um trio, e não com vários overdubs - um som que enchesse o espectro e que não soasse vazio. Dessa forma, o som da guitarra para o solo de Alex era algo crítico. Não era para ser afogado em ecos, um velho truque que usávamos no passado. Se você quisesse encher o espaço, era só colocar um Echoplex no Alex e as repetições iriam preencher tudo. Porém, não queríamos fazer isso. Queríamos um som seco, com aquela sonoridade única, e que não parecesse vazio - algo meio difícil.
Alex Lifeson: Lembro-me de passar muito tempo nessa canção. Muito tempo...
Geddy Lee: Num certo ponto eu disse, "Sempre temos uma canção, em todos os álbuns, que não funciona". E achávamos que "Tom Sawyer" ia ser essa - o que só serve para mostrar que não sabíamos o que estávamos dizendo!
Alex Lifeson: Ficamos muito felizes quando finalmente acertamos.
Geddy Lee: Tivemos outras músicas que nasceram com mais facilidade. "YYZ" foi uma delas. Neil e eu a compomos num dia quando, por alguma razão, Alex não estava por perto. Eu e Neil fomos para o galpão no Le Studio, onde os equipamentos estavam montados, e começamos a fazer "YYZ" como uma jam de baixo e bateria. Então Al entrou e acrescentou seus licks, e antes que percebêssemos a música foi concluída.
Alex Lifeson: Outra canção que nasceu bem rápido foi "Limelight". É de fato uma canção rock bem pra cima.
Geddy Lee: Neil escreveu a letra para "Limelight" numa época em que a banda estava se tornando mais popular. Era um nível diferente de fama, e ele estava se confrontando regularmente com coisas que o deixavam muito desconfortável. Assim, ele escreveu o trecho, "Não posso fingir que um estranho é amigo muito esperado". Essa música foi a forma que Neil encontrou para resolver seu problema.
Alex Lifeson: Há uma música que é do tipo bem excêntrica - "Witch Hunt". Mas ela é boa, bem dinâmica.
Geddy Lee: "Witch Hunt" foi uma tentativa de algo cinematográfico, ilustrando um tema com ousadia. Foi divertido fazê-la.
Alex Lifeson: A última coisa que compomos para o álbum foi "Vital Signs". Precisávamos de mais uma música, e escrevemos e gravamos essa em apenas um dia. Foi uma daquelas coisas espontâneas felizes.
Geddy Lee: Sentimos que precisávamos de algo realmente diferente do resto do disco - algo de ritmo acelerado com uma vibração pop / rock mais moderna.
Alex Lifeson: "Vital Signs" acabou sendo a última faixa do disco. Olhando para as canções, você decidiria que "The Camera Eye" deveria ser o encerramento. Mas conseguimos um tom diferente com "Vital Signs". Foi uma forma interessante de fechar o disco.
Geddy Lee: Moving Pictures se tornou o maior disco da nossa carreira, mas no fim das sessões eu estava tão esgotado que não sabia o que pensar dele. Demoramos tanto tempo para terminá-lo que já era final de dezembro quando deixamos o Le Studio. Peguei meu novo carro esporte de forma estúpida lá em cima. Foi um dos primeiros carros esportivos que havia comprado, e precisei fazer todo o caminho de volta para casa em Toronto no meio de uma nevasca terrível, com nosso produtor Terry Brown seguindo em seu carro com sua cadela Daisy. Quando cheguei em Toronto, fui direto para o aeroporto sem dormir, a fim de pegar um voo para o Caribe, onde minha esposa estava me esperando. Ouvi o disco na primeira noite das nossas férias, e parecia que estava tudo errado. Levei algumas semanas para ouvir novamente, e aí sim - ok. Parecia muito bom!
Alex Lifeson: As canções eram boas, e se ligaram à um público maior. Mas também havia algo no som daquele disco que ressoava nas pessoas. Moving Pictures foi muito bem sucedido. Não é nenhum exagero dizer que esse disco mudou nossas vidas.
1982-85
Geddy Lee: Signals foi um momento decisivo para a banda. Era o início da nossa "era dos teclados". Já vínhamos utilizando sintetizadores desde antes, mas no Signals eles de fato vieram à frente.
Alex Lifeson: Concordei totalmente no início. Eu mesmo toquei alguns teclados. Achava que era uma parte única e muito importante daquilo que o Rush estava se tornando.
Geddy Lee: Signals foi um bom disco, mas depois houve outra grande mudança. Decidimos seguir com um novo produtor, não queríamos voltar com Terry Brown. Não achávamos que era a coisa certa a fazer. Estávamos prontos para avançar.
Alex Lifeson: Nos reunimos com Steve Lillywhite em Londres, enquanto estávamos em turnê, e parecia que estávamos fechados com ele.
Geddy Lee: Achávamos a música com a qual Steve trabalhava bem legal. Lembro-me do disco do Big Country que ele havia acabado de fazer, The Crossing. Adorei a forma como as guitarras soaram naquele álbum - elas tinham atitude. Estávamos pensando em fazer um disco mais guiado pelas guitarras e, naquele momento, achamos que Steve nos daria uma nova abordagem, pois era um cara bem legal. Seria uma nova abordagem para um disco baseado em guitarras, e ele nos daria um novo olhar sobre os teclados também. Estávamos sedentos por aprender.
Alex Lifeson: Porém, no último momento, Steve pulou fora. Ele foi trabalhar com o Simple Minds.
Geddy Lee: Foi duro. Ainda tenho um grande respeito por Steve como produtor, mas naquele momento ficamos muito frustrados e decepcionados.
Alex Lifeson: Acabamos coproduzindo o Grace Under Pressure com Peter Henderson. Assim, trabalhamos muito mais nesse disco. Ficamos meses no estúdio durante um inverno bem rigoroso e com muita neve em Quebec. Mas, por fim, o som, o poder e a qualidade das composições realmente me impressionaram. Amo esse disco de verdade.
Geddy Lee: Meu amor pelos teclados - acho que você pode chamar de obsessão - atingiu o auge em Power Windows.
Alex Lifeson: Os teclados eram a novidade, então havia essa atitude: "Vamos trazê-los pra cima. Eles soam grandiosos e legais".
Geddy Lee: Ficamos focados na confecção do álbum e, depois de feito, Alex (talvez com seus ouvidos descansados) disse, "Hum, talvez tenhamos colocado teclados demais". De vez em quando essa conversa vinha entre nós.
Alex Lifeson: Eu olhei o panorama: sabia que estávamos indo numa nova direção e os teclados eram parte dela. Não tenho nada contra os teclados.
Geddy Lee: Power Windows foi um álbum que ficou fora da escola de Trevor Horn. Trouxemos o cara dos sintetizadores, Andy Richards, que realmente ficou marcado em termos de qualidade e tecnologia. Foi algo bem atraente para mim, pois soava novo, moderno e emocionante.
Alex Lifeson: Para mim, esse disco foi um desafio. Pensei, "vou com ele e dará certo no final". Então fiz. Percebi que havia uma mudança no meu papel.
Geddy Lee: Quando se usa muitos teclados, você acaba preenchendo muito espaço no disco. Em seguida, a guitarra tem que se encaixar em torno disso. Em muitas canções de Power Windows - como "Grand Designs" e "Marathon" - já tínhamos várias partes feitas nos teclados nas primeiras gravações que a guitarra teria preenchido. Assim, Alex teve que descobrir uma forma de trabalhar. Era isso que exigia-se dele.
Alex Lifeson: A guitarra sofreu em várias mixagens. Era isso o que me incomodava, mais do que qualquer coisa. O principal para mim é que achava necessário preservarmos a essência do que a banda era: um trio.
Geddy Lee: Alex tocou coisas ótimas nesse disco, como em "Mystic Rhythms". Sem o riff de guitarra, essa música não funciona. Gosto muito do som desse álbum - acho uma produção muito forte. Há grandes canções nesse disco. Gosto muito de "Middletown Dreams" - sabe, de vem em quando compomos boas melodias! No geral, achei que Power Windows foi uma grande conquista para nós, algo que talvez não tenhamos conseguido nos dois álbuns seguintes, Hold Your Fire e Presto. Nesses, os teclados ainda estavam presentes, mas não de forma positiva. Eram apenas para o processo mais uma vez, para realinhar o som...
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