25 DE MAIO DE 2016 | POR VAGNER CRUZ
No dia 25 de maio é celebrado o "Dia do Orgulho Nerd" (e também o "Dia da Toalha", para os fãs da série O Guia do Mochileiro das Galáxias), uma iniciativa que visa promover a cultura geek por todo o mundo. A ideia surgiu na Espanha em 2006, quando um grupo de pessoas decidiu levantar a bandeira de que os jovens de gostos, inclinações e preferências muito peculiares (geralmente discriminados e isolados) também deveriam ser respeitados. Associado a isso, a data marca a estreia em 1977 de Star Wars: Episódio IV - Uma Nova Esperança. Um casamento perfeito.
Podemos considerar que o destaque da data é algo relativamente recente no mercado cultural, tendo em vista que os nerds eram encarados até pouco tempo como pessoas estranhas e introspectivas, estas que preferiam direcionar seus olhares e paixões para as suas coleções, quadrinhos, livros, filmes, jogos e vídeo-games - ficando longe das curtições que geralmente caracterizam o mundo jovem. Com o advento da Internet e o acesso mais amplo à informação, e também com a popularização dos heróis nas telas de cinema e das séries de TV, muitas pessoas passaram a se reconhecer e a se identificar, compartilhando paixões similares, quebrando barreiras e encontrando o seu espaço.
Não é difícil considerar algo similar com relação ao Rush, uma banda de rock clássica que, por defender com afinco sua arte e integridade, sempre foi muito perseguida por críticos e profissionais dos veículos de comunicação. Porém, a sua base de fãs sempre se manteve fiel e crescente, dando sustentação ao trio na construção de uma carreira incontestavelmente gloriosa. Nos últimos anos, porém, Geddy, Alex e Neil conquistaram o respeito que sempre mereceram, figurando em capas de revistas que antes os negligenciavam e ingressando inclusive no controverso Rock and Roll Hall of Fame - foram praticamente obrigados a reconhecer a genialidade deles, mesmo que tardiamente.
A banda pode ser considerada como uma das que mais atrai fãs nerds e geeks, além das suas próprias construções musicais refletirem essas qualidades: investidas instrumentais que mesclam cérebro, alma e coração em doses certas e letras primorosas que passeiam por ideias e obras de escritores, pensadores, pintores, filósofos, cineastas e cientistas. Nomes como J.R.R. Tolkien, Ayn Rand, Arthur C. Clarke, George Orwell, Friedrich Nietzsche, Ernest Hemingway e Carl Jung, entre muitos outros, são fáceis de ser encontrados em construções do Rush, algo muito além das frivolidades características no mundo do rock.
Em meados dos anos de 1970, enquanto os jovens músicos da época descobriam as turnês como uma maneira espetacular de conseguirem admiradores em idade núbil permeada por bebidas e drogas, o Rush caminhava numa direção diferente: rock de primeira no palco, mas a postura totalmente voltada para o lado nerd de ser. Nas horas de descanso, a curtição para eles era assistir TV com calçados para neve, enquanto encenavam esquetes do Monty Python.
Quando Geddy Lee, Alex Lifeson e Neil Peart surgiram no cenário musical, a palavra nerd ainda era muito malvista. Portanto, se você se tornasse fã do Rush na década de 1970 e 80, tinha realmente encontrado a sua turma.
"Nunca achei que fôssemos cool", diz Lifeson. "Começamos a lotar shows e eu percebia que todos conheciam as letras, conheciam as viradas da bateria e tinham uma mentalidade do tipo 'Essa é a minha banda - eu descobri esses caras'".
Neil Peart, tido como um dos maiores bateristas de todos os tempos, é compulsivo no que diz respeito ao armazenamento de conhecimento - da mesma forma que os camelos estocam água. Ele sempre se dedicou a tentar decifrar "o mundo real" em suas andanças e observações. Quando não estava tocando bateria, seu nariz estava num livro. Refugiou-se em história, filosofia, ciência e literatura. Na infância, ele mal conseguia se equilibrar nos patins no gelo, sofrendo nas mãos dos esportistas populares da sua escola como um nerd incapaz. Como seu pai Glen disse certa vez, "Não podemos explicá-lo. A mãe dele e eu sempre dizemos que não sabemos de onde ele veio".
"Cinco pessoas fizeram o teste para baterista do Rush, três antes do Neil e um cara depois, Jerry Fielding - que substituiu John Rutsey por alguns meses", lembra Lifeson. "Neil parecia bem nerd. Ele tinha cabelos curtos, era muito alto, desengonçado e pensei comigo, 'Oh meu Deus, esse cara definitivamente não é legal o suficiente para estar na banda!'. Então ele tocou e pensei, 'Oh meu Deus, esse cara é legal o suficiente para estar na banda!".
"Alex e eu prometemos que não falaríamos nada sério com nenhum dos caras que já haviam feito testes antes de discutirmos", diz Geddy. "Porém, trinta segundos após Neil começar a tocar fiquei completamente fora de mim, então comecei a falar com ele como se já estivesse na banda. Não consegui segurar! Alex ficou muito bravo comigo, mas não disse nenhuma palavra. Neil me falou mais tarde que achou que Alex era um completo idiota por não ter dito nada. Não havia como negar que Neil era o cara".
"Acho que há toda essa imagem das pessoas que gostam de espadas e de magia, da música que traz a fantasia encontrando a tecnologia... dos fanboys que adoram todas as coisas geeks e nerds - daí, muitos dos fãs do Rush são geeks e nerds. Tenho certeza que há um corte transversal enorme na nossa base de fãs que não está muito longe dessa descrição [risos]. Porém, acho que generalizamos, pois há muitos outros, e cada vez mais - como as mulheres, e até mesmo aqueles que podem se considerar levemente descolados [risos]".
"Nunca havia sido um nerd sci-fi - não assistia Star Trek ou lia ficção científica", explica Neil. "Porém, quando morei na Inglaterra, estava bem duro e não tinha dinheiro para comprar livros. Então, ao vasculhar o armário onde morava, encontrei um monte desses títulos. Isso me reintroduziu ao gênero e me fez perceber que nem tudo eram apenas números e circuitos integrados, atualizando minha ideia do que o estilo era e me levando para a fantasia. Eu tinha um lote inteiro dessas leituras naquele momento, me tornando um jovem interessado em fantasia, ficção científica e universos alternativos. Isso era tudo nas minhas leituras, e naturalmente elas refletiram nas minhas letras".
"Minha infância foi bem enfadonha", recorda Geddy. "Eu era um garoto do tipo nerd e tranquilo. Meu pai faleceu quando eu tinha doze anos e, nesse momento, comecei a andar com más companhias - que incluía um sujeito chamado Alex Lifeson. Ele me apresentou a maconha e começamos a tocar juntos em uma banda de rock. Tudo foi por água abaixo".
E eles ganharam o mundo. Mais de quarenta anos de música, de amizade e integridade. Mais de 40 milhões de discos vendidos de sua arte totalmente sincera. Geddy Lee, Alex Lifeson e Neil Peart, como afirmou certa vez a revista brasileira Bizz, não são apenas uma banda: mas um fenômeno em evolução permanente. É bem certo que o som do trio não cabe em rótulos, mas quem preza pela afirmação pessoal e o nadar contra a maré encontra neles uma grande identificação.
Essa afirmação e o tema orgulho nerd nos transporta para 1982, época em que o Rush já trazia na sua música opiniões sobre o reconhecimento de jovens presos à tradições numa realidade que não admite questionamentos. Estes, muitas vezes, deveriam seguir caminhos traçados por seus pais ou pelas próprias determinações da sociedade, que através de mecanismos como o ensino subserviente poderiam apenas designar direções para atender determinados padrões e papéis sociais. Como produto, temos possíveis efeitos colaterais como a depressão e frustrações, provenientes de ambições pessoais que são suprimidas por moldes de como se pensar e agir.
Com "Subdivisions", do álbum Signals, o trio prega a não-conformidade de uma vida coletiva, criticando as pressões sociais para que indivíduos se encaixem em padrões a fim de cumprirem funções determinadas. De certa forma, a canção expõe a vida e os posicionamentos tomados pela própria banda ao longo da sua carreira: jovens canadenses suburbanos que conseguiram alcançar seus sonhos negando consensos forçados, popularidade, modismos, futilidades e outros apelos, defendendo seus pontos de vista sempre longe do lugar comum. A sabedoria da banda consegue estender suas experiências pessoais na observação de tópicos como segregação, divisão de classes, exclusão social e as dificuldades do mundo do trabalho. O perfeccionismo, a complexidade, a originalidade e a entrega dos músicos fazem de "Subdivisions", certamente, um dos mais poderosos hinos da história do Rush.
Podemos considerar que o destaque da data é algo relativamente recente no mercado cultural, tendo em vista que os nerds eram encarados até pouco tempo como pessoas estranhas e introspectivas, estas que preferiam direcionar seus olhares e paixões para as suas coleções, quadrinhos, livros, filmes, jogos e vídeo-games - ficando longe das curtições que geralmente caracterizam o mundo jovem. Com o advento da Internet e o acesso mais amplo à informação, e também com a popularização dos heróis nas telas de cinema e das séries de TV, muitas pessoas passaram a se reconhecer e a se identificar, compartilhando paixões similares, quebrando barreiras e encontrando o seu espaço.
Não é difícil considerar algo similar com relação ao Rush, uma banda de rock clássica que, por defender com afinco sua arte e integridade, sempre foi muito perseguida por críticos e profissionais dos veículos de comunicação. Porém, a sua base de fãs sempre se manteve fiel e crescente, dando sustentação ao trio na construção de uma carreira incontestavelmente gloriosa. Nos últimos anos, porém, Geddy, Alex e Neil conquistaram o respeito que sempre mereceram, figurando em capas de revistas que antes os negligenciavam e ingressando inclusive no controverso Rock and Roll Hall of Fame - foram praticamente obrigados a reconhecer a genialidade deles, mesmo que tardiamente.
A banda pode ser considerada como uma das que mais atrai fãs nerds e geeks, além das suas próprias construções musicais refletirem essas qualidades: investidas instrumentais que mesclam cérebro, alma e coração em doses certas e letras primorosas que passeiam por ideias e obras de escritores, pensadores, pintores, filósofos, cineastas e cientistas. Nomes como J.R.R. Tolkien, Ayn Rand, Arthur C. Clarke, George Orwell, Friedrich Nietzsche, Ernest Hemingway e Carl Jung, entre muitos outros, são fáceis de ser encontrados em construções do Rush, algo muito além das frivolidades características no mundo do rock.
Em meados dos anos de 1970, enquanto os jovens músicos da época descobriam as turnês como uma maneira espetacular de conseguirem admiradores em idade núbil permeada por bebidas e drogas, o Rush caminhava numa direção diferente: rock de primeira no palco, mas a postura totalmente voltada para o lado nerd de ser. Nas horas de descanso, a curtição para eles era assistir TV com calçados para neve, enquanto encenavam esquetes do Monty Python.
Quando Geddy Lee, Alex Lifeson e Neil Peart surgiram no cenário musical, a palavra nerd ainda era muito malvista. Portanto, se você se tornasse fã do Rush na década de 1970 e 80, tinha realmente encontrado a sua turma.
"Nunca achei que fôssemos cool", diz Lifeson. "Começamos a lotar shows e eu percebia que todos conheciam as letras, conheciam as viradas da bateria e tinham uma mentalidade do tipo 'Essa é a minha banda - eu descobri esses caras'".
Neil Peart, tido como um dos maiores bateristas de todos os tempos, é compulsivo no que diz respeito ao armazenamento de conhecimento - da mesma forma que os camelos estocam água. Ele sempre se dedicou a tentar decifrar "o mundo real" em suas andanças e observações. Quando não estava tocando bateria, seu nariz estava num livro. Refugiou-se em história, filosofia, ciência e literatura. Na infância, ele mal conseguia se equilibrar nos patins no gelo, sofrendo nas mãos dos esportistas populares da sua escola como um nerd incapaz. Como seu pai Glen disse certa vez, "Não podemos explicá-lo. A mãe dele e eu sempre dizemos que não sabemos de onde ele veio".
"Cinco pessoas fizeram o teste para baterista do Rush, três antes do Neil e um cara depois, Jerry Fielding - que substituiu John Rutsey por alguns meses", lembra Lifeson. "Neil parecia bem nerd. Ele tinha cabelos curtos, era muito alto, desengonçado e pensei comigo, 'Oh meu Deus, esse cara definitivamente não é legal o suficiente para estar na banda!'. Então ele tocou e pensei, 'Oh meu Deus, esse cara é legal o suficiente para estar na banda!".
"Alex e eu prometemos que não falaríamos nada sério com nenhum dos caras que já haviam feito testes antes de discutirmos", diz Geddy. "Porém, trinta segundos após Neil começar a tocar fiquei completamente fora de mim, então comecei a falar com ele como se já estivesse na banda. Não consegui segurar! Alex ficou muito bravo comigo, mas não disse nenhuma palavra. Neil me falou mais tarde que achou que Alex era um completo idiota por não ter dito nada. Não havia como negar que Neil era o cara".
"Acho que há toda essa imagem das pessoas que gostam de espadas e de magia, da música que traz a fantasia encontrando a tecnologia... dos fanboys que adoram todas as coisas geeks e nerds - daí, muitos dos fãs do Rush são geeks e nerds. Tenho certeza que há um corte transversal enorme na nossa base de fãs que não está muito longe dessa descrição [risos]. Porém, acho que generalizamos, pois há muitos outros, e cada vez mais - como as mulheres, e até mesmo aqueles que podem se considerar levemente descolados [risos]".
"Nunca havia sido um nerd sci-fi - não assistia Star Trek ou lia ficção científica", explica Neil. "Porém, quando morei na Inglaterra, estava bem duro e não tinha dinheiro para comprar livros. Então, ao vasculhar o armário onde morava, encontrei um monte desses títulos. Isso me reintroduziu ao gênero e me fez perceber que nem tudo eram apenas números e circuitos integrados, atualizando minha ideia do que o estilo era e me levando para a fantasia. Eu tinha um lote inteiro dessas leituras naquele momento, me tornando um jovem interessado em fantasia, ficção científica e universos alternativos. Isso era tudo nas minhas leituras, e naturalmente elas refletiram nas minhas letras".
"Minha infância foi bem enfadonha", recorda Geddy. "Eu era um garoto do tipo nerd e tranquilo. Meu pai faleceu quando eu tinha doze anos e, nesse momento, comecei a andar com más companhias - que incluía um sujeito chamado Alex Lifeson. Ele me apresentou a maconha e começamos a tocar juntos em uma banda de rock. Tudo foi por água abaixo".
E eles ganharam o mundo. Mais de quarenta anos de música, de amizade e integridade. Mais de 40 milhões de discos vendidos de sua arte totalmente sincera. Geddy Lee, Alex Lifeson e Neil Peart, como afirmou certa vez a revista brasileira Bizz, não são apenas uma banda: mas um fenômeno em evolução permanente. É bem certo que o som do trio não cabe em rótulos, mas quem preza pela afirmação pessoal e o nadar contra a maré encontra neles uma grande identificação.
Essa afirmação e o tema orgulho nerd nos transporta para 1982, época em que o Rush já trazia na sua música opiniões sobre o reconhecimento de jovens presos à tradições numa realidade que não admite questionamentos. Estes, muitas vezes, deveriam seguir caminhos traçados por seus pais ou pelas próprias determinações da sociedade, que através de mecanismos como o ensino subserviente poderiam apenas designar direções para atender determinados padrões e papéis sociais. Como produto, temos possíveis efeitos colaterais como a depressão e frustrações, provenientes de ambições pessoais que são suprimidas por moldes de como se pensar e agir.
Com "Subdivisions", do álbum Signals, o trio prega a não-conformidade de uma vida coletiva, criticando as pressões sociais para que indivíduos se encaixem em padrões a fim de cumprirem funções determinadas. De certa forma, a canção expõe a vida e os posicionamentos tomados pela própria banda ao longo da sua carreira: jovens canadenses suburbanos que conseguiram alcançar seus sonhos negando consensos forçados, popularidade, modismos, futilidades e outros apelos, defendendo seus pontos de vista sempre longe do lugar comum. A sabedoria da banda consegue estender suas experiências pessoais na observação de tópicos como segregação, divisão de classes, exclusão social e as dificuldades do mundo do trabalho. O perfeccionismo, a complexidade, a originalidade e a entrega dos músicos fazem de "Subdivisions", certamente, um dos mais poderosos hinos da história do Rush.