25 DE MAIO DE 2016 | POR VAGNER CRUZ
Resgatamos uma excelente matéria publicada na revista brasileira Rock Press, na ocasião da primeira passagem do power-trio pelo Brasil em 2002. A banda estava prestes a fazer os shows brasileiros e Geddy e Alex concederam uma das entrevistas mais fantásticas de todos os tempos, o que nos enche de orgulho por ter sido produzida por um veículo de comunicação brasileiro. Trata-se, portanto, de um documento histórico que merece (e muito) ser eternizado no nosso acervo de matérias em português dedicadas a essa grande banda.
RUSH
Na trilha vaporosa do peso perdido
Rock Press - 2002
Por Löis Lancaster | Transcrição: Vagner Cruz
ENTREVISTA COM ALEX LIFESON
De Rush a Bush
Rock Press: Como você não é nem o vocalista e nem o letrista da banda, as pessoas têm que se aproximar da sua expressividade principalmente pelo seu instrumento. Isso faz com que você seja o mais preocupado com o aspecto instrumental do Rush, ou pelo menos o aspecto harmônico, sendo seu instrumento a guitarra?
Alex: Sim, de fato. Você tem razão, é um modo diferente de expressar emoções, e sou eu que trago essa preocupação com o aspecto harmônico e de "letra musical" - de fraseado melódico sobre a harmonia, essa "atitude" que é difícil de se obter no baixo ou na bateria. E talvez por isso tenhamos enfrentado problemas no passado, em relação aos teclados na banda. Sabe, quando os teclados são usados em excesso eles ficam no caminho, barrando a expressão da guitarra. E a guitarra vem do coração. Talvez por isso essa tenha sido uma época difícil.
Em quais álbuns essa situação ficou mais crítica?
No Power Windows e no Hold Your Fire. Especialmente no Power Windows. Parte do problema nesse álbum foi que fizemos os teclados antes das guitarras, apenas porque era conveniente no cronograma das gravações. Ficamos malucos com todos aqueles teclados. Todas as partes que eu havia escrito para as faixas foram na guitarra e, de uma hora para a outra, elas não serviam mais. Tive que recriar trechos que casassem com os teclados. Gosto desses álbuns, gosto das canções, mas foi dificílimo.
Quando começamos a trabalhar em Vapor Trails, disse ao Geddy que realmente queria ficar longe dos teclados tanto quanto possível - apesar de que, já nos últimos álbuns, estávamos lentamente nos livrando deles. Vi que essa era uma boa oportunidade de sermos bem "orgânicos" fazendo o álbum - para uma mudança de atitude da nossa parte.
Quem geralmente é o responsável pelos compassos quebrados nas músicas?
Todos nós tendemos a ser responsáveis por isso [risos] - o que é bom, pois afinal temos que fazer todos juntos! No passado, tínhamos partes originalmente em 4/4 e pensávamos no que fazer para deixá-las mais embaralhadas, mais difíceis de tocar. Esse era a nossa forma de compor essas coisas mais estranhas. Hoje em dia, trabalhar o Pro Tools e todos esses programas permite que você crie qualquer tipo de estranheza que quiser - gravar, mudar e manipular um pouco mais. Porém, compor as coisas desse jeito e depois ter que tocar ao vivo pode ser difícil. É sempre difícil.
Mas esse é o grande desafio do palco. Por exemplo, nós tocamos "Natural Science" nessa turnê, e ela tem um grande número de "notas fora", de compassos bem estranhos. Cada show é um desafio. Se você consegue tocar tudo certo é uma vitória que te deixa muito feliz.
Falando em "Natural Science": dizem que, quando vocês conceberam o álbum Permanent Waves, a intenção era fazer um épico sobre cavalaria medieval, sobre o Rei Arthur e etc. Você poderia dizer quais trechos nesse disco traria traços desse conceito abandonado?
Sabe, estávamos às voltas com essa ideia já há alguns álbuns, e acho que a primeira vez que falamos nisso foi no A Farewell to Kings. Tinha a ver com o que Neil estava escrevendo na época desse disco. A ideia foi sendo rolada pois, quando fizemos "Cygnus X-1", ela nos levou a "Hemispheres" (mas ainda falávamos nela). Depois de terminarmos Hemispheres, vimos quanto trabalho esse projeto deu, e quisemos realmente nos afastar daquele universo de fantasia que vínhamos usando nas músicas para buscar algo mais moderno, mais novo.
Talvez o que fique mais na cabeça dos fãs nesse sentido seja aquela parte de "Natural Science" que lembra uma marcha, como uma cavalaria [cantarola a linha]. É como uma parte de apresentação desse conceito - se mover adiante, marchar para frente, progredir, assumir uma nova posição - é como representamos isso musicalmente. É ótimo, e aposto que muitas pessoas vão delirar assistindo essa canção ao vivo. É uma das minhas favoritas, porque é difícil de tocar, e quando a executamos bem... cara, ficamos contentes de verdade.
Qual álbum você considera o mais perfeito da banda - aquele que você sempre quer escutar?
É uma pergunta difícil, pois nenhum deles é perfeito. Para mim, terminamos um álbum e fico orgulhoso e feliz com ele por, digamos, três semanas. Aí eu começo a analisar friamente me distanciando, e penso "Isso aqui poderia ter ficado melhor, aquela parte poderia ter sido mais curta, ou nós não deveríamos nem ter gravado essa música". É sempre assim!
Eu não ouço o Vapor Trails já há algum tempo. Lembro-me que, da última vez que o escutei, comecei a me sentir assim também - podíamos ter encurtado uma ou outra canção, mixado melhor um trecho aqui, outro ali... acho que é importante se sentir assim pois, do contrário, não se acha que pode melhorar. Se um álbum é perfeito, qual o motivo para gravar novamente? Há sempre algo no qual você pode trabalhar, e é isso que me faz continuar tocando.
E com relação a solos? Há algum que você mais goste de tocar ao vivo?
Sim, tenho alguns favoritos. O solo de "Limelight" é provavelmente o que mais gosto. Ele é bem fluido, líquido e elástico - parece que se move e que ocupa todo o espaço. Sempre gosto de tocá-lo nos shows.
Sua outra banda, Victor, lançará algum novo trabalho no futuro?
Não, acho que não. Quero fazer um novo disco solo, mas provavelmente não será sob o nome Victor e nem com as mesmas pessoas. É uma característica minha - gosto de seguir adiante, de tocar com outras pessoas, de experimentar coisas novas e explorar áreas diferentes. Adorei fazer aquele álbum, era algo que eu realmente precisava na época. Tínhamos recursos muito limitados - gravamos em casa, no meu porão. Foi bem difícil, um verdadeiro desafio.
Achei bom trabalhar com aquelas pessoas, e elas se tornaram bons amigos. Porém, fazer um projeto solo de novo com as mesmas pessoas, sabe, não é bem um projeto solo. Assim, acho que deixarei tudo mais por minha conta, me concentrando em construir composições sozinho e chamando algumas pessoas para tocar numa faixa ou outra.
Aquela pergunta inevitável: o que você conhece de música brasileira?
Muito pouco... quase nada. Charlene, a minha esposa, gosta de dance music e tem muitos CDs, mas eu não me lembro de nenhum nome. Parte deles é de música brasileira, mas eu mesmo não conheço. Na verdade, eu não ouço muito música pop. Numa outra entrevista me perguntaram a mesma coisa, e disseram que me entregariam alguns CDs da música brasileira atual.
Aqui no Brasil há muitos grupos e instrumentistas que fazem um som fortemente influenciado pelo jazz-rock de escola americana, da Berkeley. São sempre as mesmas escalas, os mesmos arranjos. O que você acha disso?
Acho uma limitação. Ao tocar ou compor, não se deve ser restringido por nada. Não quero demolir nenhum tipo de escola musical, mas minha experiência pessoal é que muitos músicos dessas escolas acabam achando muito difícil improvisar, não conseguindo ser livres para experimentar. É claro que não são todos. Mas, se um músico tem essa formação, é difícil quebrá-la.
Quando você procura uma escola é porque tem um talento natural, e não para saber se o que você ouve deve ou não ser considerado "certo" - se você pode ou não colocar isso no papel. E essa liberdade faz parte do que posso perceber da música brasileira - vem mais do coração, da intuição.
O Rush passou por muitas fases musicais na sua existência. Houve bandas que influenciaram vocês nessas fases?
Nossas influências variaram. Certamente, nos primeiros anos, o Cream, Jimi Hendrix e Who, foram grandes influências quando tocávamos na garagem. No início dos anos 70, nos inspiramos em Jethro Tull, King Crimson, Pink Floyd, Yes e Genesis. O movimento progressivo que nos interessava bastante. E havia o Led Zeppelin, claro, que teve um grande impacto em nós - provavelmente a nossa maior influência. Quando começamos a gravar nossos próprios álbuns, procuramos criar um estilo original. Acho que no período de 2112 esse estilo já estava consolidado.
E com relação a guitarristas? Você falou em Jethro e King Crimson, que tinham os grandes Martin Barre e Robert Fripp. Quem mais lhe influenciou especificamente na guitarra?
Acho que Jimmy Page foi a minha maior influência quando eu estava começando. Martin Barre era um guitarrista fabuloso, e aprecio o modo como suas intervenções integravam o som do Jethro Tull. Havia muita coisa acontecendo naquelas músicas, e a guitarra tinha um importante papel melódico e harmônico, sempre precisa e direta. Com certeza isso foi importante para mim.
Quando você cria um trecho de guitarra, qual elemento é idealizado primeiro? O tipo de som que sai dos pedais, a harmonia, a melodia, o ritmo...
Todos esses fatores têm importância, mas acho que não é o mais importante. Pode parecer um pouco tolo, mas fecho os olhos e toco. O que sair naturalmente é aproveitado. Acho que aí está a minha força, nessa espontaneidade dos primeiros instantes. Não é a coisa mais precisa do mundo, a ideia mais perfeita, mas é o sentimento que sempre acabo buscando. É difícil analisar esse processo. Considero o aspecto harmônico e melódico e tento costurá-los numa única linha.
E você considera interessante gravar improvisos para escutá-los posteriormente, selecionando os melhores fragmentos?
Sim, esse é exatamente o processo que uso.
Os softwares de manipulação sonora (baseados na gravação digital) que você mencionou anteriormente lhe ajudaram nesse processo?
Sim, sempre usamos essa aparelhagem. Trabalhamos com o Logic Audio, que é outro tipo de software, desde que ele começou a ser comercializado no início dos anos 90. Sempre procuramos usar a melhor tecnologia disponível, ou quase a melhor. Esse foi um fator interessante especialmente em Vapor Trails, pois demos um grande passo no sentido contrário (num sentido não-técnico para compor). Poe outro lado, usamos um processo bem técnico para gravar.
Com o Pro Tools e todos esses programas você pode selecionar trechos de improvisos, e foi isso o que fizemos. Gravamos algumas jams durante uns dias em que saíamos tocando qualquer coisa, onde nada era predeterminado. A não ser uma vez, em que determinamos tocar em ré maior em 120 BPMs durante uma semana. Assim, depois desse tempo, você ouve a gravação, corta os melhores pedaços e começa a juntá-los numa música. Em seguida são acrescentados alguns overdubs e ouve-se de novo, sendo possível colocar um trecho do meio no começo. Você está sempre mudando as coisas de lugar.
É isso que a tecnologia pode oferecer - resultados instantâneos para aquilo que a sua imaginação criar, enquanto que no passado era preciso tocar a música toda de novo para tentar novas direções.
Moving Pictures foi um dos primeiros álbuns a usar gravação digital.
É verdade!
Essa nova forma de gravar foi um grande impacto para vocês naquela época?
Foi, e sabe de uma coisa? Achávamos que estávamos no melhor dos mundos com aquela descoberta - um método novo de gravaçã, que era uma revolução e todo mundo ia passar a usar. Realmente foi sob um ponto de vista, mas demorou uns vinte anos para que a gravação digital chegasse num nível em que você pudesse ter uma resposta quase perfeita sobre o que você toca e sobre o que você quer. Acho que da forma como gravamos digitalmente aquele álbum até agora foi uma jornada muito mais longa e lenta do que esperávamos. O padrão da época era 8 bits, se tanto, talvez 6 bits - e hoje em dia se fala em gravação de 32 bits. É um mundo digital completamente diferente do que era antes.
Você prefere escutar CDs ou vinis?
CDs. Eu não tenho mais vitrola em casa.
Mas há quem diga que o som do vinil é melhor, mais cheio.
Acho que há verdade nisso, mas há também a clareza nas frequências mais altas que não se tem no vinil, e que obviamente não se tinha nas gravações de rolo. Os harmônicos agudos ficaram muito mais evidentes. Depende do tipo de música que você escuta. Para dance, rock ou música pop há de fato uma perda de qualidade. Porém, para a música clássica ou para as diferentes sonoridades da world music, há uma abertura de frequências no CD que não é possível nos LPs. Há um tempo atrás eu escutava os dois, mas agora me decidi pelos CDs.
Você falou em música clássica. Há algum interesse seu pela música contemporânea, de autores como Stockhausen, Ligeti, Varèse, que lidam com a questão da sonoridade de outro modo?
Sim, gosto desse tipo de exploração e, à minha maneira, faço experiências nesse campo no meu estúdio nas horas vagas. Procuro essa conexão entre a manufatura do som e a música propriamente dita. É um papel muito importante para o músico buscar essas novas e poderosas sonoridades. Não digo poderosas no sentido de pesadas, mas sim aquelas que fazem seu coração bater mais depressa. Esse é o objetivo.
No estúdio, quem é o mais preocupado com a mixagem das música?
Geddy [risos]. Ele é o mais preocupado o tempo todo com tudo - especialmente com a mixagem. Ele odeia! É difícil, você sabe, ficar escutando aquilo de novo e de novo... é trabalho para meses e meses. E é a parte mais crítica, porque você gravou algo e quer ter certeza de que aquilo está aparecendo da melhor maneira, sendo muito difícil de saber. Há muitos modos diferentes acertos e erros ao mixar um disco.
E vocês têm alguma técnica para lidar com o ouvido cansado, como sair um pouco do estúdio para voltar depois?
Sim. Para esse álbum, ele ficava na sala da técnica por algumas horas, e depois eu por mais horas. Nós nos revezávamos. Outras vezes - poucas - íamos os dois juntos para decidir sobre algo mais complicado. E sempre saíamos para pôr as gravações no som dos nossos carros, que é geralmente a condição mais crítica para se ouvir. A resposta dentro do estúdio é perfeita - não dá para confiar apenas nela. O melhor modo de testar a gravação no carro é com ele andando, então ficávamos rodando em volta do estúdio com o som alto - as pessoas pensávamos que estávamos loucos [risos]. Porém, essa era a forma de se ter uma área de audição realista.
A visão do que o Rush significa para você mudou muito desde o início da banda?
Mudou. Sabe, é difícil para mim lembrar como era a minha visão da banda em 1968 ou em 1974. Mais tarde, começamos a excursionar pela América do Norte e foi uma grande virada para nós. Lembro que na época eu pensava que se pudéssemos durar mais uns cinco anos, fazer mais cinco discos, seria fantástico - e estamos aqui!
No início dos anos 90, na época do Presto e Roll The Bones, eu achava que a banda deveria ficar mais pesada do que estava. Houve uma certa "amolecida" no som, e penso que poderíamos ter tomado decisões melhores com relação às pessoas que estavam mais próximas. Foi ótimo trabalhar com Rupert Hine, grande cara, muita diversão. Porém, não acho que ele tenha sido o produtor certo para esses álbuns. Acredito que perdemos um pouco a direção nesses trabalhos, e levou muito tempo para recuperá-la. Counterparts foi um começo de mudança nesse sentido.
Em algum momento vocês pensaram em acrescentar um quarto integrante para os teclados?
Sim. Eu e Geddy conversamos sobre isso para a turnê atual. Nós nunca acrescentaríamos ninguém à banda, mas pensamos em alguém para ajudar nos shows. Ele realmente queria isso, ficar livre para andar pelo palco, para cantar e tocar baixo, e não ter que se preocupar com os teclados, com os efeitos e tudo o mais. Porém, no fim, eu disse a ele que parte da razão para assistirem nosso show é que somos só três caras que fazem muito barulho [risos]! Claro que é muito trabalho, mas esse é justamente o nosso ponto. Trazer mais alguém à essa altura nos faria parecer muito velhos e acabados. Aí Geddy me deu razão [risos].
Voltando ao álbum atual: numa faixa, "Peacable Kingdom", a letra comenta o atentado de 11 de setembro nos Estados Unidos. Vocês acham que, sendo uma banda canadense, conseguem ter uma visão mais crítica do que aconteceu - os dois lados da questão?
Acho que sim. Temos um ângulo muito mais crítico. É estritamente minha opinião, não sei se representa o que o povo canadense pensa: acho horrível o que aconteceu, mas também acredito que os EUA tende a ser muito "cabeça-fechada" com relação ao seu papel no mundo e muito hipócritas. A política externa, a forma como lidam com as outras nações... eles poderiam verdadeiramente ajudar. Acho que os EUA estão usando os eventos de 11 de setembro para forçar uma política de agressão, e isso é muito perigoso.
E a eleição de Bush contribuiu para esse estado de coisas?
Com certeza! Basta olhar as pessoas à volta dele, como Cheney [vice-presidente] e Rumsfeld [secretário de defesa]. Esses caras são belicistas, e adoram a ideia de uma guerra. E Bush é uma marionete - o cara não sabe nem falar inglês! [risos] É verdade! Esses são os homens mais poderosos do mundo? Um cara que não sabe nem falar com você? É de dar medo.
Ele ganhou as eleições com uma margem mínima, e não era tão popular. Gore era a opção popular para o governo. Mas tudo o que aconteceu, e a maneira como a opinião pública foi conduzida para aprovar essas lutas é uma busca por popularidade. Posso ver na América, quando falo com pessoas que tinham opiniões pacifistas e não-intervencionistas sobre a política internacional... essas mesmas pessoas hoje têm um pontos de vista totalmente diferentes, muito mais agressivos e violentos.
A imprensa americana, a CNN, se esmera em manter esse clima de paranoia e de medo. Ficamos muito tempo por lá, desde junho. Voltamos para o Canadá há quatro ou cinco dias, vendo os noticiários canadenses e percebendo como são diferentes, como são equilibrados e isentos, mostrando simplesmente os fatos. Nos EUA, é aquela chama de guerra queimando na televisão, é filme de guerra em cima de filme de guerra, velhos e novos, todos sobre soldados, sobre a moral americana. É como se eles ainda estivessem na Segunda Guerra Mundial!
Hoje, a letra de "The Trees", sobre os altos carvalhos (símbolo dos EUA) tirando a luz dos outros vegetais mais baixos (e de como se resolve a questão serrando todas as árvores) parece quase uma profecia...
Sim, claro, pode ser percebida dessa forma. É verdade.
Aqui no Brasil temos opiniões muito parecidas com as suas.
Acho que em todo o resto do mundo as pessoas pensam assim. É um jeito mais equilibrado de ver as coisas. Todos diriam para os EUA "foi horrível, e sentimos muito sobre o que aconteceu em setembro com vocês. Mas, por outro lado, vocês vêm provocando pessoas, batendo e matando por muitos e muitos anos, em toda parte. O que esperam? Acham que podem sair sempre por cima achando tudo maravilhoso, e que são tão poderosos que acham que todo mundo quer ser igual à América?". O mundo não quer ser igual à América. Os EUA não apreciam culturas diferentes - eles realmente não gostam.
Sabe, eles taxaram a KLA [Kosovo Liberation Army] no Kosovo de terroristas. Um ano antes de irem à Iugoslávia eles estiveram lá, destruindo tudo, matando pessoas. Eles eram terroristas como muitos desses caras da Al-Qaeda. Decidiram mudar de lado porque não gostavam do Slobodan Milosevic. E, no processo de bombardear um país soberano sem declarar guerra, eles assassinaram mais de três mil inocentes.
Num dos curta-metragens reunidos no filme 11 de Setembro (11'9"01), sobre o atentado a Nova York, Ken Loach mostra que em 1974, num outro 11 de setembro, os EUA ajudaram a bombardear o palácio presidencial, matando Salvador Allende e preparando a ascensão de Pinochet ao poder.
Sim, veja o que eles fizeram lá! E em 1988, quando Saddam Hussein matou milhares de curdos, a América não falou nada - eles estavam abastecendo-os com armas. Aquelas armas são americanas! Então, o que eles queriam? O que mais incomoda os americanos é que aquele atentado ocorreu no seu próprio solo. Se fosse em outro país, eles não estariam tratando as coisas desse modo. Mas, como aconteceu nos EUA, essa foi a desculpa perfeita para a enorme máquina de propaganda deles entrar em ação. E está fora de controle agora. Totalmente.
Bem, voltando agora à música...
[Risos] Deveria ser uma entrevista sobre música, não é? Me desculpe...
[Mais risos] Que nada, acho que música é bem mais abrangente do que a gente pensa, muita coisa influi. Bem, o que você mais gosta de fazer quando não está tocando nem compondo?
Gosto de jogar golfe - comecei a aprender há uns dez anos e continuo praticando. Jogo tênis, pratico mergulho, tenho meu brevê de piloto há uns vinte anos e de vez em quando estou voando. Mas a música ocupa uma grande parte na minha vida. Quando não estou com o Rush, estou no meu estúdio caseiro mexendo com sons e experimentando.
Para finalizar: sobre o que você gostaria de falar que a imprensa nunca lhe pergunta?
Bem, política não é nada mal [risos].
Pois é - muitas pessoas têm medo de expressar certas opiniões, mas às vezes é importante.
Geralmente é perigoso, pois, quando as pessoas se expressam, coisas podem acontecer. Se você se manifesta contra o que muitos pensam, como falei há pouco sobre a América, podem haver menos chances de trabalho e a sua situação fica difícil. Não devia ser assim. Devia haver liberdade a manifestação de opiniões. Gosto quando se debate por quê a América é como é.
Temos nossos problemas no Canadá também - todos têm. Há o problema da tensão entre a parte francesa do Canadá e os que falam inglês -uma pequena parte da população quer a separação desses locais, e o impacto que isso teria no país inteiro. Acho que a política é sempre um campo de exaltação de ânimos [risos].
E essa diversidade linguística que vocês têm se reflete mesmo nas letras do Rush, como em "Circumstances", onde há o verso em francês "Plus ça change, plus c'est la même chose". Isso aumenta as possibilidades expressivas para vocês, não?
Aumenta, e dá também um maior alcance de visão. Aqui no Canadá somos geralmente chamados de "blasé", de "em-cima-do-muro" - e sabe, adoramos isso [Risos]. Gostamos sempre de ver os dois lados de cada história. Os canadenses geralmente são muito educados, se comportam com equilíbrio.
Não é verdade se disserem que somos como os americanos. Somos similares em alguns aspectos, mas vejo o lado violento da América que não existe aqui, e isso é algo que nos amedronta um pouco, pois as gerações mais novas acabam influenciadas por esse tipo de cultura. Não queremos isso. Queremos manter o clima de paz que o Canadá tem.
Os soldados canadenses são um pequeno exército bastante fora de forma, mas eles estão em várias partes do mundo (em áreas de conflito) como mantenedores da paz. E os canadenses se orgulham muito do seu exército ser voltado para a paz, não para lutar em guerras. Mas estamos sendo lentamente infiltrados por essa agressividade da América nesses últimos dez anos.
A globalização e a Internet têm servido para disseminar ainda mais esse "american way".
Sim, e há muito na América que é maravilhoso e poderoso, que tem muito valor - e eles podem fazer muito mais. É a primeira vez em muitos séculos que temos uma única superpotência, que poderia trazer enormes benefícios para o mundo, respeitando as características de cada nação. Todos poderiam ficar muito orgulhosos deles, se eles se importassem mais com as pessoas. Eles não se importam com os afegãos ou com os iraquianos. A questão é apenas o dinheiro, o petróleo, é sobre conseguirem mais petróleo com o Iraque para não dependerem tanto da Arábia Saudita e começar a pressioná-los! Bem, vou ficar maluco. Acho que é melhor parar por aqui [risos].
Alex, foi um grande prazer bater esse papo com você. E acho que os leitores vão adorar ouvir as suas opiniões.
Foi um prazer para mim também, Löis. Espero vê-lo quando estivermos por aí. Um grande abraço!
ENTREVISTA COM GEDDY LEE
Por Cordas Diferentes
Sendo o vocalista para as letras de outra pessoa, você tem de concordar na maioria das vezes com suas palavras. Como foi isso no começo, quando Neil entrou na banda?
No começo foi fácil, pois eu não gostava de fazer letras e ele parecia gostar disso, me liberando desse encargo [risos]. Achei ótimo. Não era hiper-crítico em relação ao que Neil escrevia e estava aliviado com outra pessoa assumindo o trabalho.
Obviamente, enquanto crescíamos juntos musicalmente, fui me tornando mais crítico e com mais opiniões sobre o tipo de coisas que gostaria de cantar - e sobre como cantar certas coisas era difícil musicalmente. Nossa relação mudou muito através dos anos, pois desenvolvemos um grande respeito um pelo outro e ele sentiu que poderia confiar em mim como um escritor confia num editor - sobre o que eu acho que é material para texto escrito, sobre o que acho que posso cantar e que é compatível com a minha capacidade. Assim, boa ou ruim, a minha opinião acaba sendo muito importante no resultado final da canção.
E como foi cantar suas próprias letras em My Favorite Headache?
Foi uma aventura muito interessante trabalhar com novas pessoas, com novas circunstâncias e com o fato de eu mesmo escrever as letras. À princípio foi difícil criar a confiança necessária, pois trabalhar com Neil é sempre um prazer. Trabalhamos muito tempo juntos e eu estava confortável. Comecei a gostar muito desse processo e foi quase que uma ameaça para mim ser capaz de dar forma às ideias em letras sozinho, sem muita discussão.
Se tenho problemas com alguma letra de Neil, eu só tenho que mencionar isso para encontrarmos uma resposta. Ele é uma pessoa muito fácil de se trabalhar junto - nunca aparece grandes problemas. Mas não é a mesma coisa fazer sozinho, quando você pode simplesmente jogar tudo fora se de repente não gostar.
Quando você está tocando e cantando, onde é mais difícil de dar expressão: na voz ou no baixo?
No baixo você pode se expressar muito facilmente, e em muitos sentidos não é tão importante quanto a expressão que a voz permite. Uma canção pode ser um sucesso ou um fracasso dependendo de quanta expressividade sua voz alcança, enquanto o baixo é geralmente um elemento bem sutil na composição. Assim, acho que expressão na voz é mais difícil porque é a mais importante.
Você teve influências de vocalistas de outras bandas na sua forma de cantar?
Muita gente me influenciou através dos anos - hoje em dia, nada que possa ser reconhecido muito facilmente. No início, obviamente Robert Plant, Jon Anderson, Jack Bruce, Ian Anderson... os cantores de que eu mais gostava. As influências se diversificaram muito quando fui ficando mais velho, e são mais difíceis de se apontar. Sempre que ouço uma boa música no rádio, uma boa ideia sendo tocada, isso me faz querer compor. Mas as referências vão ficando muito sutis. Por exemplo, se eu te disser que sou influenciado pela Björk você nunca acreditaria - mas é verdade. Pode ser em alguma orquestração, alguma atitude ou alguma linha vocal. É bem discreto, mas está lá.
A Björk fez um musical recentemente. Há algum filme que você curta tanto que gostaria de ter feito a trilha sonora?
Claro, há toneladas deles! Gosto muito de cinema. Tenho muitas afinidades com os temas que alguns diretores exploram - gostaria muito ter alguma experiência nessa área. Com certeza farei algum dia.
Quais são seus diretores preferidos?
Adoro o trabalho do Francis Ford Coppola, do Martin Scorcese e aprecio demais o Clint Eastwood. Acho um diretor muito subestimado.
A banda sempre se reúne em jams para gravar e colher novas ideias?
O modo como foi a vida do Rush por muitos anos tornou isso impossível. Fazíamos muitos shows e só conseguíamos fazer jams nas passagens de som. Costumávamos gravar essas passagens - eu levava para casa e tentava ter alguma ideia baseada nelas. Invertemos o processo para esse novo álbum, e o que mais fizemos foi improvisar em jams para compor as músicas.
Fora do Canadá, quais são os lugares onde vocês têm mais retorno dos fãs?
É claro que, recentemente, no México e na América do Sul - mas temos muito retorno na Alemanha, na Grã-Bretanha, Amsterdam - em muitos lugares da Europa.
E como é cantar para pessoas que não falam inglês quando vocês fazem shows nesses lugares? Há alguma diferença?
É muito interessante pois, no meu próprio país, tocamos em Quebec - onde, por exemplo, bem poucos falam inglês. Num certo sentido, os franco-canadenses são os nossos maiores fãs. Assim, não acho necessário falar um bom inglês para entender algo das nossas músicas.
Você e Alex se envolveram em outros trabalhos fora do Rush recentemente. Isso foi uma causa ou uma conseqüência do período de inatividade da banda?
Não posso falar pelo Alex, mas eu tinha planos de trabalhar com Ben Mink [guitarrista de K.D. Lang, co-compositor e co-produtor do trabalho] antes do período de inatividade. Era algo que eu já havia decidido, mas não tinha ideia de que se tornaria um álbum. Acho que o período inativo do Rush tornou isso mais viável.
Como foi o advento dos teclados na banda? Você achava possível anteriormente poder controlar todos aqueles equipamentos?
Não, eu não tinha a menor ideia de que eles se tornariam um monstro. Hoje eu acho bom poder mudar o clima no meio do show para tocar teclados, mas é muito melhor ficar livre para percorrer o palco tocando baixo, que é o que mais gosto de fazer. O bom nessa nova turnê é que esses dois momentos estão bem equilibrados.
Qual a sensação de apenas três pessoas tocarem em palcos tão grandes? Como vocês ocupam todo esse espaço?
Fazemos muito barulho! [risos]. É a nossa especialidade: muito barulho!
Vocês têm alguma limitação de tempo no estúdio para gravar e mixar os álbuns ou a liberdade é total?
É mais ou menos livre. É claro que, depois de um ano, as pessoas começam a bater na sua porta - a cobrar material novo. É sempre assim. Porém, desde cedo, tivemos liberdade quanto ao que iríamos gravar. No primeiro álbum fomos financiados por nosso empresário, e não sabíamos bem o quê e como estávamos fazendo. Mas nunca estivemos numa situação em que alguém de fora nos dissesse o que fazer. Sempre fizemos o que quisemos.
E com relação aos videoclipes? O roteiro é feito apenas pelo diretor ou vocês dão ideias sobre o que querem que apareça?
O diretor faz uma sugestão e, se concordamos, trabalhamos com ele para desenvolvê-la. É claro que, se não gostamos, demitimos o diretor! [risos]
Alex me disse que você é o mais preocupado com a mixagem dos álbuns. Como é para você ficar ouvindo a mesma música de novo e de novo até ficar satisfeito?
Sim, essa é a parte mais difícil e mais crítica. Você pode ter tudo bem gravado, a sua performance pode ter sido inspirada e as músicas serem boas. Mas, se o menor detalhe na mixagem sair errado, pode arruinar a música inteira. E mixar requer muito tempo, e paciência. Você tem sempre que checar fora do estúdio para ouvir em outras condições. Para mim é no meu carro. Tenho que testar nele pois é geralmente dirigindo que eu escuto música. Se a faixa fica boa no meu carro, acho que ficará boa em qualquer lugar.
Sua visão do que o Rush significa para você mudou muito ao longo dos anos?
Sim, claro. Quando eu era mais jovem, tinha apenas o sonho de tocar numa banda, tendo várias pessoas na sua frente e gravar discos com a minha música. Eu não acreditava que fosse possível. Daí você segue em frente, e percebe que é possível. Depois você se acha muito importante, aí tem um período em que você percebe que é apenas mais um músico e que não é tão importante [risos]. Hoje estou num ponto da minha vida em que me sinto novamente privilegiado por ainda ter a oportunidade de fazer música e de tocar para as pessoas. É o que me dá mais satisfação atualmente. Sinto que gosto do que segui construindo, e gosto muito dos meus fãs.
Qual o álbum do Rush que, após todos esses anos, você considera especial - que foi mais marcante?
É difícil dizer. O 2112 sobressai, e também o Moving Pictures. O Permanent Waves se destaca também, o Power Windows e, surpreendentemente, Hemispheres.
Alguns grupos de discussão na Internet consideram Permanent Waves um disco às vezes sombrio - mais introspectivo que os demais. Você concorda?
Faz muito tempo que eu não ouço esse álbum, então não posso dizer com certeza. Talvez isso tenha a ver com as fotografias em preto-e-branco da capa, com algumas letras serem mais introspectivas, como "Entre Nous" e "Different Strings". Mas faixas como "The Spirit of Radio" e "Freewill" não são exatamente sombrias. "Jacob's Ladder" é bem lírica, e a letra tem a forma de um soneto. Não acho que seja sombria. Grace Under Pressure... esse sim, é um álbum sombrio.
Pois é. Esse álbum e Caress of Steel têm títulos bem sugestivos, como se através da pressão fosse possível alcançar estágios mais elevados de realização. Essa é uma ideia recorrente entre vocês?
Grace Under Pressure é mais como um teste de caráter. Não sei se você chega a um estágio mais elevado, mas com certeza descobre de que é feito quando está sob pressão.
Como vocês escolhem as músicas antigas que vão ser novamente ensaiadas para serem apresentadas nas turnês?
Essa escolha é a mais difícil de todas, pois você tenta agradar a si mesmo e agradar aos fãs. Precisamos apresentar um show que tenha um fluxo dinâmico e que não se torne arrastado. Basicamente, tentamos seguir o que os fãs nos pedem (aquilo que escrevem para nós), tentando pegar músicas que não tenhamos tocado por um tempo e que continuam "frescas" para nós - e que combinem com as novas, que felizmente o público tem apreciado também.
No álbum Vapor Trails, em "Peacable Kingdom", a letra comenta o atentado de 11 de setembro nos Estados Unidos. Vocês acham que, sendo uma banda canadense, conseguem ter uma visão mais crítica do que aconteceu - os dois lados da questão?
Eu não sei se é crítico, porque muitos canadenses morreram em 11 de setembro também. Foi mais um golpe no livre-arbítrio do que qualquer outra coisa. Acho que nós apenas dissemos sobre como nos sentimos com esse grande vão cultural que ficou tão à mostra nesse dia. Essa é a parte triste da canção.
Sobre o que você gostaria de falar que geralmente não perguntam?
Quão bonitos nós somos [risos]! Brincadeira. Nós falamos sobre tantas coisas! Eu sou sempre grato numa entrevista por ter uma conversa interessante com uma outra pessoa. Entrevistas, especialmente por telefone, são coisas estranhas porque você está apenas falando com uma voz no escuro, esperando que seja interessante, passando o tempo...
E passar o tempo? O que você gosta de fazer quando não está envolvido com música?
Além de ficar com minha família, com meus filhos, eu tenho muitos hobbies - gosto de fazer várias coisas. Gosto de jogar tênis, de pedalar por longas distâncias e de viajar com minha esposa.
Há alguma razão específica para a frequência de quatro álbuns de estúdio para cada álbum ao vivo?
Começou como uma coincidência, então virou um plano. Agora eu acho que é hora de interromper o plano [risos].
Como vocês escolhem a ordem das músicas num álbum?
É como escolher as músicas para um show - é muito difícil. Principalmente agora, porque é só um lado. Sabe, em primeiro lugar, eu adoro álbuns em vinil.
Sério?
Sim, pois acho que os CDs prejudicaram a nosso amor pela música. O que quero dizer é que o vinil era grande, era delicado - você tinha que cuidar dele. Era uma coisa preciosa, como um velho livro. Você tinha que respeitá-lo. CDs são pequenos, parecem insignificantes - as caixas se quebram, eles são descartáveis. Acho que são simbólicos de como reverenciamos menos a música hoje em dia do que há vinte anos atrás. E também era interessante no vinil a disposição de vinte minutos por lado, pois você podia ter dois climas ou duas jornadas diferentes com um pequeno intervalo entre elas. Agora com o CD são mais de setenta minutos de uma tacada só. Para fazer isso fluir é mais difícil.
E você acha que no CD há uma perda de qualidade sonora em relação ao vinil?
Não. Acho que o CD reproduz o som tão bem quanto o vinil. É uma questão de gosto - eu tenho amigos que colecionam vinil, e eles juram que os LPs soam melhor - mas é apenas porque os seus aparelhos de som são projetados para fazer o vinil ter um som melhor. Não acredito nisso. Acho que, em termos de som, o CD foi uma mudança para melhor. Só lamento a trivialização da música com a perda do impacto das capas, por exemplo.
A capa de Exit...Stage Left, onde há elementos de todos os álbuns anteriores...
Pois é. Eram como posters - era como fazer arte em posters. Agora você folheia um livretinho se tiver a sorte de conseguir tirá-lo da caixa sem rasgar. Sem falar nos picture discs em vinil, que eram mágicos. Acho que deveriam fazer CDs com capas do tamanho das de vinil, trazendo de volta os CDs gigantes!
Você ainda acha que nas rádios, como na letra de "The Spirit of Radio", "All this machinery making modern music, can still be open-hearted" ["Todo esse maquinário
fazendo música moderna, ainda pode estar de coração aberto"]? Esse processo de trivialização não está se estendendo também às músicas que são tocadas nas rádios?
Concordo. Acho que a indústria radiofônica não é saudável. Não acho bom quando você tem, como exemplo nos EUA, uma ou duas pessoas que controlam todas as estações de rádio. Isso não é liberdade. Eles estão decidindo o que milhares vão ouvir. Isso dói. Você chega numa cidade e um cara controla duas estações, tocando dois tipos de música diferentes nas duas. Ele não pode estar lidando de uma forma honesta com o público. É tudo marketing.
Como você se sente fazendo parte de um seleto grupo de vocalistas que qualquer um reconhece na primeira sílaba cantada, como Ozzy ou Robert Smith?
Acho ótimo [risos]! Você sabe que a minha voz foi sempre o ponto em que os críticos se fixaram para falar bem ou mal da banda. Num certo período passei a cantar num registro mais grave, e isso coincidiu com uma suavização no nosso som. Mas agora as músicas estão com mais punch, e eu voltei a cantar agudo. Acho que dá mais energia, e parece apropriado para esse novo momento. Na verdade, minha voz vai para onde a música a leva. E agora que estamos mais velhos queremos fazer mais rock [risos].
Com relação à Internet, já que falamos no mercado de música, hoje em dia muitas pessoas estão podendo baixar e gravar livremente músicas de artistas sem pagarem copyrights. O que você acha disso?
É errado gravar músicas de outras pessoas sem pagar por elas. Esta é a única área no mundo onde roubar entra em discussão. Em qualquer outra profissão, isso seria impensável - nem se consideraria como ponto de polêmica. Mas, como músicos, porque teríamos que discutir se a nossa música deveria ser gratuita? O que fizemos de tão errado para sermos subjugados e levarem o produto do nosso trabalho embora? Eu acho um absurdo. Passei um ano fazendo esse disco. Gastei um número X de dólares, e foram horas e horas de trabalho. Não fiz isso para simplesmente levarem embora. Não acho que isso leva em conta o trabalho que tantas pessoas têm para fazer o álbum.
Mas a internet pode ser um território onde as pessoas tenham a liberdade de escutar a música que quiserem, fora do monopólio das rádios.
Bem, acho a rádio via Internet excelente, e é bom poder ouvir qualquer música que se queira. Você clica no link e paga por ela - ou o site paga e tem seu retorno por anúncios com a música chegando até você. É uma grande diferença.
Geddy, foi muito bom falar com você. Estamos muito ansiosos pelo show. Conheço gente que daria tudo que fosse preciso para ver vocês. Eles esperaram muito por isso.
Eu também gostei, foi divertido. Peço desculpas por só agora estarmos tocando no Brasil, e espero que vocês gostem do que temos para mostrar. Até!
RUSH
Na trilha vaporosa do peso perdido
Rock Press - 2002
Por Löis Lancaster | Transcrição: Vagner Cruz
ENTREVISTA COM ALEX LIFESON
De Rush a Bush
Rock Press: Como você não é nem o vocalista e nem o letrista da banda, as pessoas têm que se aproximar da sua expressividade principalmente pelo seu instrumento. Isso faz com que você seja o mais preocupado com o aspecto instrumental do Rush, ou pelo menos o aspecto harmônico, sendo seu instrumento a guitarra?
Alex: Sim, de fato. Você tem razão, é um modo diferente de expressar emoções, e sou eu que trago essa preocupação com o aspecto harmônico e de "letra musical" - de fraseado melódico sobre a harmonia, essa "atitude" que é difícil de se obter no baixo ou na bateria. E talvez por isso tenhamos enfrentado problemas no passado, em relação aos teclados na banda. Sabe, quando os teclados são usados em excesso eles ficam no caminho, barrando a expressão da guitarra. E a guitarra vem do coração. Talvez por isso essa tenha sido uma época difícil.
Em quais álbuns essa situação ficou mais crítica?
No Power Windows e no Hold Your Fire. Especialmente no Power Windows. Parte do problema nesse álbum foi que fizemos os teclados antes das guitarras, apenas porque era conveniente no cronograma das gravações. Ficamos malucos com todos aqueles teclados. Todas as partes que eu havia escrito para as faixas foram na guitarra e, de uma hora para a outra, elas não serviam mais. Tive que recriar trechos que casassem com os teclados. Gosto desses álbuns, gosto das canções, mas foi dificílimo.
Quando começamos a trabalhar em Vapor Trails, disse ao Geddy que realmente queria ficar longe dos teclados tanto quanto possível - apesar de que, já nos últimos álbuns, estávamos lentamente nos livrando deles. Vi que essa era uma boa oportunidade de sermos bem "orgânicos" fazendo o álbum - para uma mudança de atitude da nossa parte.
Quem geralmente é o responsável pelos compassos quebrados nas músicas?
Todos nós tendemos a ser responsáveis por isso [risos] - o que é bom, pois afinal temos que fazer todos juntos! No passado, tínhamos partes originalmente em 4/4 e pensávamos no que fazer para deixá-las mais embaralhadas, mais difíceis de tocar. Esse era a nossa forma de compor essas coisas mais estranhas. Hoje em dia, trabalhar o Pro Tools e todos esses programas permite que você crie qualquer tipo de estranheza que quiser - gravar, mudar e manipular um pouco mais. Porém, compor as coisas desse jeito e depois ter que tocar ao vivo pode ser difícil. É sempre difícil.
Mas esse é o grande desafio do palco. Por exemplo, nós tocamos "Natural Science" nessa turnê, e ela tem um grande número de "notas fora", de compassos bem estranhos. Cada show é um desafio. Se você consegue tocar tudo certo é uma vitória que te deixa muito feliz.
Falando em "Natural Science": dizem que, quando vocês conceberam o álbum Permanent Waves, a intenção era fazer um épico sobre cavalaria medieval, sobre o Rei Arthur e etc. Você poderia dizer quais trechos nesse disco traria traços desse conceito abandonado?
Sabe, estávamos às voltas com essa ideia já há alguns álbuns, e acho que a primeira vez que falamos nisso foi no A Farewell to Kings. Tinha a ver com o que Neil estava escrevendo na época desse disco. A ideia foi sendo rolada pois, quando fizemos "Cygnus X-1", ela nos levou a "Hemispheres" (mas ainda falávamos nela). Depois de terminarmos Hemispheres, vimos quanto trabalho esse projeto deu, e quisemos realmente nos afastar daquele universo de fantasia que vínhamos usando nas músicas para buscar algo mais moderno, mais novo.
Talvez o que fique mais na cabeça dos fãs nesse sentido seja aquela parte de "Natural Science" que lembra uma marcha, como uma cavalaria [cantarola a linha]. É como uma parte de apresentação desse conceito - se mover adiante, marchar para frente, progredir, assumir uma nova posição - é como representamos isso musicalmente. É ótimo, e aposto que muitas pessoas vão delirar assistindo essa canção ao vivo. É uma das minhas favoritas, porque é difícil de tocar, e quando a executamos bem... cara, ficamos contentes de verdade.
Qual álbum você considera o mais perfeito da banda - aquele que você sempre quer escutar?
É uma pergunta difícil, pois nenhum deles é perfeito. Para mim, terminamos um álbum e fico orgulhoso e feliz com ele por, digamos, três semanas. Aí eu começo a analisar friamente me distanciando, e penso "Isso aqui poderia ter ficado melhor, aquela parte poderia ter sido mais curta, ou nós não deveríamos nem ter gravado essa música". É sempre assim!
Eu não ouço o Vapor Trails já há algum tempo. Lembro-me que, da última vez que o escutei, comecei a me sentir assim também - podíamos ter encurtado uma ou outra canção, mixado melhor um trecho aqui, outro ali... acho que é importante se sentir assim pois, do contrário, não se acha que pode melhorar. Se um álbum é perfeito, qual o motivo para gravar novamente? Há sempre algo no qual você pode trabalhar, e é isso que me faz continuar tocando.
E com relação a solos? Há algum que você mais goste de tocar ao vivo?
Sim, tenho alguns favoritos. O solo de "Limelight" é provavelmente o que mais gosto. Ele é bem fluido, líquido e elástico - parece que se move e que ocupa todo o espaço. Sempre gosto de tocá-lo nos shows.
Sua outra banda, Victor, lançará algum novo trabalho no futuro?
Não, acho que não. Quero fazer um novo disco solo, mas provavelmente não será sob o nome Victor e nem com as mesmas pessoas. É uma característica minha - gosto de seguir adiante, de tocar com outras pessoas, de experimentar coisas novas e explorar áreas diferentes. Adorei fazer aquele álbum, era algo que eu realmente precisava na época. Tínhamos recursos muito limitados - gravamos em casa, no meu porão. Foi bem difícil, um verdadeiro desafio.
Achei bom trabalhar com aquelas pessoas, e elas se tornaram bons amigos. Porém, fazer um projeto solo de novo com as mesmas pessoas, sabe, não é bem um projeto solo. Assim, acho que deixarei tudo mais por minha conta, me concentrando em construir composições sozinho e chamando algumas pessoas para tocar numa faixa ou outra.
Aquela pergunta inevitável: o que você conhece de música brasileira?
Muito pouco... quase nada. Charlene, a minha esposa, gosta de dance music e tem muitos CDs, mas eu não me lembro de nenhum nome. Parte deles é de música brasileira, mas eu mesmo não conheço. Na verdade, eu não ouço muito música pop. Numa outra entrevista me perguntaram a mesma coisa, e disseram que me entregariam alguns CDs da música brasileira atual.
Aqui no Brasil há muitos grupos e instrumentistas que fazem um som fortemente influenciado pelo jazz-rock de escola americana, da Berkeley. São sempre as mesmas escalas, os mesmos arranjos. O que você acha disso?
Acho uma limitação. Ao tocar ou compor, não se deve ser restringido por nada. Não quero demolir nenhum tipo de escola musical, mas minha experiência pessoal é que muitos músicos dessas escolas acabam achando muito difícil improvisar, não conseguindo ser livres para experimentar. É claro que não são todos. Mas, se um músico tem essa formação, é difícil quebrá-la.
Quando você procura uma escola é porque tem um talento natural, e não para saber se o que você ouve deve ou não ser considerado "certo" - se você pode ou não colocar isso no papel. E essa liberdade faz parte do que posso perceber da música brasileira - vem mais do coração, da intuição.
O Rush passou por muitas fases musicais na sua existência. Houve bandas que influenciaram vocês nessas fases?
Nossas influências variaram. Certamente, nos primeiros anos, o Cream, Jimi Hendrix e Who, foram grandes influências quando tocávamos na garagem. No início dos anos 70, nos inspiramos em Jethro Tull, King Crimson, Pink Floyd, Yes e Genesis. O movimento progressivo que nos interessava bastante. E havia o Led Zeppelin, claro, que teve um grande impacto em nós - provavelmente a nossa maior influência. Quando começamos a gravar nossos próprios álbuns, procuramos criar um estilo original. Acho que no período de 2112 esse estilo já estava consolidado.
E com relação a guitarristas? Você falou em Jethro e King Crimson, que tinham os grandes Martin Barre e Robert Fripp. Quem mais lhe influenciou especificamente na guitarra?
Acho que Jimmy Page foi a minha maior influência quando eu estava começando. Martin Barre era um guitarrista fabuloso, e aprecio o modo como suas intervenções integravam o som do Jethro Tull. Havia muita coisa acontecendo naquelas músicas, e a guitarra tinha um importante papel melódico e harmônico, sempre precisa e direta. Com certeza isso foi importante para mim.
Quando você cria um trecho de guitarra, qual elemento é idealizado primeiro? O tipo de som que sai dos pedais, a harmonia, a melodia, o ritmo...
Todos esses fatores têm importância, mas acho que não é o mais importante. Pode parecer um pouco tolo, mas fecho os olhos e toco. O que sair naturalmente é aproveitado. Acho que aí está a minha força, nessa espontaneidade dos primeiros instantes. Não é a coisa mais precisa do mundo, a ideia mais perfeita, mas é o sentimento que sempre acabo buscando. É difícil analisar esse processo. Considero o aspecto harmônico e melódico e tento costurá-los numa única linha.
E você considera interessante gravar improvisos para escutá-los posteriormente, selecionando os melhores fragmentos?
Sim, esse é exatamente o processo que uso.
Os softwares de manipulação sonora (baseados na gravação digital) que você mencionou anteriormente lhe ajudaram nesse processo?
Sim, sempre usamos essa aparelhagem. Trabalhamos com o Logic Audio, que é outro tipo de software, desde que ele começou a ser comercializado no início dos anos 90. Sempre procuramos usar a melhor tecnologia disponível, ou quase a melhor. Esse foi um fator interessante especialmente em Vapor Trails, pois demos um grande passo no sentido contrário (num sentido não-técnico para compor). Poe outro lado, usamos um processo bem técnico para gravar.
Com o Pro Tools e todos esses programas você pode selecionar trechos de improvisos, e foi isso o que fizemos. Gravamos algumas jams durante uns dias em que saíamos tocando qualquer coisa, onde nada era predeterminado. A não ser uma vez, em que determinamos tocar em ré maior em 120 BPMs durante uma semana. Assim, depois desse tempo, você ouve a gravação, corta os melhores pedaços e começa a juntá-los numa música. Em seguida são acrescentados alguns overdubs e ouve-se de novo, sendo possível colocar um trecho do meio no começo. Você está sempre mudando as coisas de lugar.
É isso que a tecnologia pode oferecer - resultados instantâneos para aquilo que a sua imaginação criar, enquanto que no passado era preciso tocar a música toda de novo para tentar novas direções.
Moving Pictures foi um dos primeiros álbuns a usar gravação digital.
É verdade!
Essa nova forma de gravar foi um grande impacto para vocês naquela época?
Foi, e sabe de uma coisa? Achávamos que estávamos no melhor dos mundos com aquela descoberta - um método novo de gravaçã, que era uma revolução e todo mundo ia passar a usar. Realmente foi sob um ponto de vista, mas demorou uns vinte anos para que a gravação digital chegasse num nível em que você pudesse ter uma resposta quase perfeita sobre o que você toca e sobre o que você quer. Acho que da forma como gravamos digitalmente aquele álbum até agora foi uma jornada muito mais longa e lenta do que esperávamos. O padrão da época era 8 bits, se tanto, talvez 6 bits - e hoje em dia se fala em gravação de 32 bits. É um mundo digital completamente diferente do que era antes.
Você prefere escutar CDs ou vinis?
CDs. Eu não tenho mais vitrola em casa.
Mas há quem diga que o som do vinil é melhor, mais cheio.
Acho que há verdade nisso, mas há também a clareza nas frequências mais altas que não se tem no vinil, e que obviamente não se tinha nas gravações de rolo. Os harmônicos agudos ficaram muito mais evidentes. Depende do tipo de música que você escuta. Para dance, rock ou música pop há de fato uma perda de qualidade. Porém, para a música clássica ou para as diferentes sonoridades da world music, há uma abertura de frequências no CD que não é possível nos LPs. Há um tempo atrás eu escutava os dois, mas agora me decidi pelos CDs.
Você falou em música clássica. Há algum interesse seu pela música contemporânea, de autores como Stockhausen, Ligeti, Varèse, que lidam com a questão da sonoridade de outro modo?
Sim, gosto desse tipo de exploração e, à minha maneira, faço experiências nesse campo no meu estúdio nas horas vagas. Procuro essa conexão entre a manufatura do som e a música propriamente dita. É um papel muito importante para o músico buscar essas novas e poderosas sonoridades. Não digo poderosas no sentido de pesadas, mas sim aquelas que fazem seu coração bater mais depressa. Esse é o objetivo.
No estúdio, quem é o mais preocupado com a mixagem das música?
Geddy [risos]. Ele é o mais preocupado o tempo todo com tudo - especialmente com a mixagem. Ele odeia! É difícil, você sabe, ficar escutando aquilo de novo e de novo... é trabalho para meses e meses. E é a parte mais crítica, porque você gravou algo e quer ter certeza de que aquilo está aparecendo da melhor maneira, sendo muito difícil de saber. Há muitos modos diferentes acertos e erros ao mixar um disco.
E vocês têm alguma técnica para lidar com o ouvido cansado, como sair um pouco do estúdio para voltar depois?
Sim. Para esse álbum, ele ficava na sala da técnica por algumas horas, e depois eu por mais horas. Nós nos revezávamos. Outras vezes - poucas - íamos os dois juntos para decidir sobre algo mais complicado. E sempre saíamos para pôr as gravações no som dos nossos carros, que é geralmente a condição mais crítica para se ouvir. A resposta dentro do estúdio é perfeita - não dá para confiar apenas nela. O melhor modo de testar a gravação no carro é com ele andando, então ficávamos rodando em volta do estúdio com o som alto - as pessoas pensávamos que estávamos loucos [risos]. Porém, essa era a forma de se ter uma área de audição realista.
A visão do que o Rush significa para você mudou muito desde o início da banda?
Mudou. Sabe, é difícil para mim lembrar como era a minha visão da banda em 1968 ou em 1974. Mais tarde, começamos a excursionar pela América do Norte e foi uma grande virada para nós. Lembro que na época eu pensava que se pudéssemos durar mais uns cinco anos, fazer mais cinco discos, seria fantástico - e estamos aqui!
No início dos anos 90, na época do Presto e Roll The Bones, eu achava que a banda deveria ficar mais pesada do que estava. Houve uma certa "amolecida" no som, e penso que poderíamos ter tomado decisões melhores com relação às pessoas que estavam mais próximas. Foi ótimo trabalhar com Rupert Hine, grande cara, muita diversão. Porém, não acho que ele tenha sido o produtor certo para esses álbuns. Acredito que perdemos um pouco a direção nesses trabalhos, e levou muito tempo para recuperá-la. Counterparts foi um começo de mudança nesse sentido.
Em algum momento vocês pensaram em acrescentar um quarto integrante para os teclados?
Sim. Eu e Geddy conversamos sobre isso para a turnê atual. Nós nunca acrescentaríamos ninguém à banda, mas pensamos em alguém para ajudar nos shows. Ele realmente queria isso, ficar livre para andar pelo palco, para cantar e tocar baixo, e não ter que se preocupar com os teclados, com os efeitos e tudo o mais. Porém, no fim, eu disse a ele que parte da razão para assistirem nosso show é que somos só três caras que fazem muito barulho [risos]! Claro que é muito trabalho, mas esse é justamente o nosso ponto. Trazer mais alguém à essa altura nos faria parecer muito velhos e acabados. Aí Geddy me deu razão [risos].
Voltando ao álbum atual: numa faixa, "Peacable Kingdom", a letra comenta o atentado de 11 de setembro nos Estados Unidos. Vocês acham que, sendo uma banda canadense, conseguem ter uma visão mais crítica do que aconteceu - os dois lados da questão?
Acho que sim. Temos um ângulo muito mais crítico. É estritamente minha opinião, não sei se representa o que o povo canadense pensa: acho horrível o que aconteceu, mas também acredito que os EUA tende a ser muito "cabeça-fechada" com relação ao seu papel no mundo e muito hipócritas. A política externa, a forma como lidam com as outras nações... eles poderiam verdadeiramente ajudar. Acho que os EUA estão usando os eventos de 11 de setembro para forçar uma política de agressão, e isso é muito perigoso.
E a eleição de Bush contribuiu para esse estado de coisas?
Com certeza! Basta olhar as pessoas à volta dele, como Cheney [vice-presidente] e Rumsfeld [secretário de defesa]. Esses caras são belicistas, e adoram a ideia de uma guerra. E Bush é uma marionete - o cara não sabe nem falar inglês! [risos] É verdade! Esses são os homens mais poderosos do mundo? Um cara que não sabe nem falar com você? É de dar medo.
Ele ganhou as eleições com uma margem mínima, e não era tão popular. Gore era a opção popular para o governo. Mas tudo o que aconteceu, e a maneira como a opinião pública foi conduzida para aprovar essas lutas é uma busca por popularidade. Posso ver na América, quando falo com pessoas que tinham opiniões pacifistas e não-intervencionistas sobre a política internacional... essas mesmas pessoas hoje têm um pontos de vista totalmente diferentes, muito mais agressivos e violentos.
A imprensa americana, a CNN, se esmera em manter esse clima de paranoia e de medo. Ficamos muito tempo por lá, desde junho. Voltamos para o Canadá há quatro ou cinco dias, vendo os noticiários canadenses e percebendo como são diferentes, como são equilibrados e isentos, mostrando simplesmente os fatos. Nos EUA, é aquela chama de guerra queimando na televisão, é filme de guerra em cima de filme de guerra, velhos e novos, todos sobre soldados, sobre a moral americana. É como se eles ainda estivessem na Segunda Guerra Mundial!
Hoje, a letra de "The Trees", sobre os altos carvalhos (símbolo dos EUA) tirando a luz dos outros vegetais mais baixos (e de como se resolve a questão serrando todas as árvores) parece quase uma profecia...
Sim, claro, pode ser percebida dessa forma. É verdade.
Aqui no Brasil temos opiniões muito parecidas com as suas.
Acho que em todo o resto do mundo as pessoas pensam assim. É um jeito mais equilibrado de ver as coisas. Todos diriam para os EUA "foi horrível, e sentimos muito sobre o que aconteceu em setembro com vocês. Mas, por outro lado, vocês vêm provocando pessoas, batendo e matando por muitos e muitos anos, em toda parte. O que esperam? Acham que podem sair sempre por cima achando tudo maravilhoso, e que são tão poderosos que acham que todo mundo quer ser igual à América?". O mundo não quer ser igual à América. Os EUA não apreciam culturas diferentes - eles realmente não gostam.
Sabe, eles taxaram a KLA [Kosovo Liberation Army] no Kosovo de terroristas. Um ano antes de irem à Iugoslávia eles estiveram lá, destruindo tudo, matando pessoas. Eles eram terroristas como muitos desses caras da Al-Qaeda. Decidiram mudar de lado porque não gostavam do Slobodan Milosevic. E, no processo de bombardear um país soberano sem declarar guerra, eles assassinaram mais de três mil inocentes.
Num dos curta-metragens reunidos no filme 11 de Setembro (11'9"01), sobre o atentado a Nova York, Ken Loach mostra que em 1974, num outro 11 de setembro, os EUA ajudaram a bombardear o palácio presidencial, matando Salvador Allende e preparando a ascensão de Pinochet ao poder.
Sim, veja o que eles fizeram lá! E em 1988, quando Saddam Hussein matou milhares de curdos, a América não falou nada - eles estavam abastecendo-os com armas. Aquelas armas são americanas! Então, o que eles queriam? O que mais incomoda os americanos é que aquele atentado ocorreu no seu próprio solo. Se fosse em outro país, eles não estariam tratando as coisas desse modo. Mas, como aconteceu nos EUA, essa foi a desculpa perfeita para a enorme máquina de propaganda deles entrar em ação. E está fora de controle agora. Totalmente.
Bem, voltando agora à música...
[Risos] Deveria ser uma entrevista sobre música, não é? Me desculpe...
[Mais risos] Que nada, acho que música é bem mais abrangente do que a gente pensa, muita coisa influi. Bem, o que você mais gosta de fazer quando não está tocando nem compondo?
Gosto de jogar golfe - comecei a aprender há uns dez anos e continuo praticando. Jogo tênis, pratico mergulho, tenho meu brevê de piloto há uns vinte anos e de vez em quando estou voando. Mas a música ocupa uma grande parte na minha vida. Quando não estou com o Rush, estou no meu estúdio caseiro mexendo com sons e experimentando.
Para finalizar: sobre o que você gostaria de falar que a imprensa nunca lhe pergunta?
Bem, política não é nada mal [risos].
Pois é - muitas pessoas têm medo de expressar certas opiniões, mas às vezes é importante.
Geralmente é perigoso, pois, quando as pessoas se expressam, coisas podem acontecer. Se você se manifesta contra o que muitos pensam, como falei há pouco sobre a América, podem haver menos chances de trabalho e a sua situação fica difícil. Não devia ser assim. Devia haver liberdade a manifestação de opiniões. Gosto quando se debate por quê a América é como é.
Temos nossos problemas no Canadá também - todos têm. Há o problema da tensão entre a parte francesa do Canadá e os que falam inglês -uma pequena parte da população quer a separação desses locais, e o impacto que isso teria no país inteiro. Acho que a política é sempre um campo de exaltação de ânimos [risos].
E essa diversidade linguística que vocês têm se reflete mesmo nas letras do Rush, como em "Circumstances", onde há o verso em francês "Plus ça change, plus c'est la même chose". Isso aumenta as possibilidades expressivas para vocês, não?
Aumenta, e dá também um maior alcance de visão. Aqui no Canadá somos geralmente chamados de "blasé", de "em-cima-do-muro" - e sabe, adoramos isso [Risos]. Gostamos sempre de ver os dois lados de cada história. Os canadenses geralmente são muito educados, se comportam com equilíbrio.
Não é verdade se disserem que somos como os americanos. Somos similares em alguns aspectos, mas vejo o lado violento da América que não existe aqui, e isso é algo que nos amedronta um pouco, pois as gerações mais novas acabam influenciadas por esse tipo de cultura. Não queremos isso. Queremos manter o clima de paz que o Canadá tem.
Os soldados canadenses são um pequeno exército bastante fora de forma, mas eles estão em várias partes do mundo (em áreas de conflito) como mantenedores da paz. E os canadenses se orgulham muito do seu exército ser voltado para a paz, não para lutar em guerras. Mas estamos sendo lentamente infiltrados por essa agressividade da América nesses últimos dez anos.
A globalização e a Internet têm servido para disseminar ainda mais esse "american way".
Sim, e há muito na América que é maravilhoso e poderoso, que tem muito valor - e eles podem fazer muito mais. É a primeira vez em muitos séculos que temos uma única superpotência, que poderia trazer enormes benefícios para o mundo, respeitando as características de cada nação. Todos poderiam ficar muito orgulhosos deles, se eles se importassem mais com as pessoas. Eles não se importam com os afegãos ou com os iraquianos. A questão é apenas o dinheiro, o petróleo, é sobre conseguirem mais petróleo com o Iraque para não dependerem tanto da Arábia Saudita e começar a pressioná-los! Bem, vou ficar maluco. Acho que é melhor parar por aqui [risos].
Alex, foi um grande prazer bater esse papo com você. E acho que os leitores vão adorar ouvir as suas opiniões.
Foi um prazer para mim também, Löis. Espero vê-lo quando estivermos por aí. Um grande abraço!
ENTREVISTA COM GEDDY LEE
Por Cordas Diferentes
Sendo o vocalista para as letras de outra pessoa, você tem de concordar na maioria das vezes com suas palavras. Como foi isso no começo, quando Neil entrou na banda?
No começo foi fácil, pois eu não gostava de fazer letras e ele parecia gostar disso, me liberando desse encargo [risos]. Achei ótimo. Não era hiper-crítico em relação ao que Neil escrevia e estava aliviado com outra pessoa assumindo o trabalho.
Obviamente, enquanto crescíamos juntos musicalmente, fui me tornando mais crítico e com mais opiniões sobre o tipo de coisas que gostaria de cantar - e sobre como cantar certas coisas era difícil musicalmente. Nossa relação mudou muito através dos anos, pois desenvolvemos um grande respeito um pelo outro e ele sentiu que poderia confiar em mim como um escritor confia num editor - sobre o que eu acho que é material para texto escrito, sobre o que acho que posso cantar e que é compatível com a minha capacidade. Assim, boa ou ruim, a minha opinião acaba sendo muito importante no resultado final da canção.
E como foi cantar suas próprias letras em My Favorite Headache?
Foi uma aventura muito interessante trabalhar com novas pessoas, com novas circunstâncias e com o fato de eu mesmo escrever as letras. À princípio foi difícil criar a confiança necessária, pois trabalhar com Neil é sempre um prazer. Trabalhamos muito tempo juntos e eu estava confortável. Comecei a gostar muito desse processo e foi quase que uma ameaça para mim ser capaz de dar forma às ideias em letras sozinho, sem muita discussão.
Se tenho problemas com alguma letra de Neil, eu só tenho que mencionar isso para encontrarmos uma resposta. Ele é uma pessoa muito fácil de se trabalhar junto - nunca aparece grandes problemas. Mas não é a mesma coisa fazer sozinho, quando você pode simplesmente jogar tudo fora se de repente não gostar.
Quando você está tocando e cantando, onde é mais difícil de dar expressão: na voz ou no baixo?
No baixo você pode se expressar muito facilmente, e em muitos sentidos não é tão importante quanto a expressão que a voz permite. Uma canção pode ser um sucesso ou um fracasso dependendo de quanta expressividade sua voz alcança, enquanto o baixo é geralmente um elemento bem sutil na composição. Assim, acho que expressão na voz é mais difícil porque é a mais importante.
Você teve influências de vocalistas de outras bandas na sua forma de cantar?
Muita gente me influenciou através dos anos - hoje em dia, nada que possa ser reconhecido muito facilmente. No início, obviamente Robert Plant, Jon Anderson, Jack Bruce, Ian Anderson... os cantores de que eu mais gostava. As influências se diversificaram muito quando fui ficando mais velho, e são mais difíceis de se apontar. Sempre que ouço uma boa música no rádio, uma boa ideia sendo tocada, isso me faz querer compor. Mas as referências vão ficando muito sutis. Por exemplo, se eu te disser que sou influenciado pela Björk você nunca acreditaria - mas é verdade. Pode ser em alguma orquestração, alguma atitude ou alguma linha vocal. É bem discreto, mas está lá.
A Björk fez um musical recentemente. Há algum filme que você curta tanto que gostaria de ter feito a trilha sonora?
Claro, há toneladas deles! Gosto muito de cinema. Tenho muitas afinidades com os temas que alguns diretores exploram - gostaria muito ter alguma experiência nessa área. Com certeza farei algum dia.
Quais são seus diretores preferidos?
Adoro o trabalho do Francis Ford Coppola, do Martin Scorcese e aprecio demais o Clint Eastwood. Acho um diretor muito subestimado.
A banda sempre se reúne em jams para gravar e colher novas ideias?
O modo como foi a vida do Rush por muitos anos tornou isso impossível. Fazíamos muitos shows e só conseguíamos fazer jams nas passagens de som. Costumávamos gravar essas passagens - eu levava para casa e tentava ter alguma ideia baseada nelas. Invertemos o processo para esse novo álbum, e o que mais fizemos foi improvisar em jams para compor as músicas.
Fora do Canadá, quais são os lugares onde vocês têm mais retorno dos fãs?
É claro que, recentemente, no México e na América do Sul - mas temos muito retorno na Alemanha, na Grã-Bretanha, Amsterdam - em muitos lugares da Europa.
E como é cantar para pessoas que não falam inglês quando vocês fazem shows nesses lugares? Há alguma diferença?
É muito interessante pois, no meu próprio país, tocamos em Quebec - onde, por exemplo, bem poucos falam inglês. Num certo sentido, os franco-canadenses são os nossos maiores fãs. Assim, não acho necessário falar um bom inglês para entender algo das nossas músicas.
Você e Alex se envolveram em outros trabalhos fora do Rush recentemente. Isso foi uma causa ou uma conseqüência do período de inatividade da banda?
Não posso falar pelo Alex, mas eu tinha planos de trabalhar com Ben Mink [guitarrista de K.D. Lang, co-compositor e co-produtor do trabalho] antes do período de inatividade. Era algo que eu já havia decidido, mas não tinha ideia de que se tornaria um álbum. Acho que o período inativo do Rush tornou isso mais viável.
Como foi o advento dos teclados na banda? Você achava possível anteriormente poder controlar todos aqueles equipamentos?
Não, eu não tinha a menor ideia de que eles se tornariam um monstro. Hoje eu acho bom poder mudar o clima no meio do show para tocar teclados, mas é muito melhor ficar livre para percorrer o palco tocando baixo, que é o que mais gosto de fazer. O bom nessa nova turnê é que esses dois momentos estão bem equilibrados.
Qual a sensação de apenas três pessoas tocarem em palcos tão grandes? Como vocês ocupam todo esse espaço?
Fazemos muito barulho! [risos]. É a nossa especialidade: muito barulho!
Vocês têm alguma limitação de tempo no estúdio para gravar e mixar os álbuns ou a liberdade é total?
É mais ou menos livre. É claro que, depois de um ano, as pessoas começam a bater na sua porta - a cobrar material novo. É sempre assim. Porém, desde cedo, tivemos liberdade quanto ao que iríamos gravar. No primeiro álbum fomos financiados por nosso empresário, e não sabíamos bem o quê e como estávamos fazendo. Mas nunca estivemos numa situação em que alguém de fora nos dissesse o que fazer. Sempre fizemos o que quisemos.
E com relação aos videoclipes? O roteiro é feito apenas pelo diretor ou vocês dão ideias sobre o que querem que apareça?
O diretor faz uma sugestão e, se concordamos, trabalhamos com ele para desenvolvê-la. É claro que, se não gostamos, demitimos o diretor! [risos]
Alex me disse que você é o mais preocupado com a mixagem dos álbuns. Como é para você ficar ouvindo a mesma música de novo e de novo até ficar satisfeito?
Sim, essa é a parte mais difícil e mais crítica. Você pode ter tudo bem gravado, a sua performance pode ter sido inspirada e as músicas serem boas. Mas, se o menor detalhe na mixagem sair errado, pode arruinar a música inteira. E mixar requer muito tempo, e paciência. Você tem sempre que checar fora do estúdio para ouvir em outras condições. Para mim é no meu carro. Tenho que testar nele pois é geralmente dirigindo que eu escuto música. Se a faixa fica boa no meu carro, acho que ficará boa em qualquer lugar.
Sua visão do que o Rush significa para você mudou muito ao longo dos anos?
Sim, claro. Quando eu era mais jovem, tinha apenas o sonho de tocar numa banda, tendo várias pessoas na sua frente e gravar discos com a minha música. Eu não acreditava que fosse possível. Daí você segue em frente, e percebe que é possível. Depois você se acha muito importante, aí tem um período em que você percebe que é apenas mais um músico e que não é tão importante [risos]. Hoje estou num ponto da minha vida em que me sinto novamente privilegiado por ainda ter a oportunidade de fazer música e de tocar para as pessoas. É o que me dá mais satisfação atualmente. Sinto que gosto do que segui construindo, e gosto muito dos meus fãs.
Qual o álbum do Rush que, após todos esses anos, você considera especial - que foi mais marcante?
É difícil dizer. O 2112 sobressai, e também o Moving Pictures. O Permanent Waves se destaca também, o Power Windows e, surpreendentemente, Hemispheres.
Alguns grupos de discussão na Internet consideram Permanent Waves um disco às vezes sombrio - mais introspectivo que os demais. Você concorda?
Faz muito tempo que eu não ouço esse álbum, então não posso dizer com certeza. Talvez isso tenha a ver com as fotografias em preto-e-branco da capa, com algumas letras serem mais introspectivas, como "Entre Nous" e "Different Strings". Mas faixas como "The Spirit of Radio" e "Freewill" não são exatamente sombrias. "Jacob's Ladder" é bem lírica, e a letra tem a forma de um soneto. Não acho que seja sombria. Grace Under Pressure... esse sim, é um álbum sombrio.
Pois é. Esse álbum e Caress of Steel têm títulos bem sugestivos, como se através da pressão fosse possível alcançar estágios mais elevados de realização. Essa é uma ideia recorrente entre vocês?
Grace Under Pressure é mais como um teste de caráter. Não sei se você chega a um estágio mais elevado, mas com certeza descobre de que é feito quando está sob pressão.
Como vocês escolhem as músicas antigas que vão ser novamente ensaiadas para serem apresentadas nas turnês?
Essa escolha é a mais difícil de todas, pois você tenta agradar a si mesmo e agradar aos fãs. Precisamos apresentar um show que tenha um fluxo dinâmico e que não se torne arrastado. Basicamente, tentamos seguir o que os fãs nos pedem (aquilo que escrevem para nós), tentando pegar músicas que não tenhamos tocado por um tempo e que continuam "frescas" para nós - e que combinem com as novas, que felizmente o público tem apreciado também.
No álbum Vapor Trails, em "Peacable Kingdom", a letra comenta o atentado de 11 de setembro nos Estados Unidos. Vocês acham que, sendo uma banda canadense, conseguem ter uma visão mais crítica do que aconteceu - os dois lados da questão?
Eu não sei se é crítico, porque muitos canadenses morreram em 11 de setembro também. Foi mais um golpe no livre-arbítrio do que qualquer outra coisa. Acho que nós apenas dissemos sobre como nos sentimos com esse grande vão cultural que ficou tão à mostra nesse dia. Essa é a parte triste da canção.
Sobre o que você gostaria de falar que geralmente não perguntam?
Quão bonitos nós somos [risos]! Brincadeira. Nós falamos sobre tantas coisas! Eu sou sempre grato numa entrevista por ter uma conversa interessante com uma outra pessoa. Entrevistas, especialmente por telefone, são coisas estranhas porque você está apenas falando com uma voz no escuro, esperando que seja interessante, passando o tempo...
E passar o tempo? O que você gosta de fazer quando não está envolvido com música?
Além de ficar com minha família, com meus filhos, eu tenho muitos hobbies - gosto de fazer várias coisas. Gosto de jogar tênis, de pedalar por longas distâncias e de viajar com minha esposa.
Há alguma razão específica para a frequência de quatro álbuns de estúdio para cada álbum ao vivo?
Começou como uma coincidência, então virou um plano. Agora eu acho que é hora de interromper o plano [risos].
Como vocês escolhem a ordem das músicas num álbum?
É como escolher as músicas para um show - é muito difícil. Principalmente agora, porque é só um lado. Sabe, em primeiro lugar, eu adoro álbuns em vinil.
Sério?
Sim, pois acho que os CDs prejudicaram a nosso amor pela música. O que quero dizer é que o vinil era grande, era delicado - você tinha que cuidar dele. Era uma coisa preciosa, como um velho livro. Você tinha que respeitá-lo. CDs são pequenos, parecem insignificantes - as caixas se quebram, eles são descartáveis. Acho que são simbólicos de como reverenciamos menos a música hoje em dia do que há vinte anos atrás. E também era interessante no vinil a disposição de vinte minutos por lado, pois você podia ter dois climas ou duas jornadas diferentes com um pequeno intervalo entre elas. Agora com o CD são mais de setenta minutos de uma tacada só. Para fazer isso fluir é mais difícil.
E você acha que no CD há uma perda de qualidade sonora em relação ao vinil?
Não. Acho que o CD reproduz o som tão bem quanto o vinil. É uma questão de gosto - eu tenho amigos que colecionam vinil, e eles juram que os LPs soam melhor - mas é apenas porque os seus aparelhos de som são projetados para fazer o vinil ter um som melhor. Não acredito nisso. Acho que, em termos de som, o CD foi uma mudança para melhor. Só lamento a trivialização da música com a perda do impacto das capas, por exemplo.
A capa de Exit...Stage Left, onde há elementos de todos os álbuns anteriores...
Pois é. Eram como posters - era como fazer arte em posters. Agora você folheia um livretinho se tiver a sorte de conseguir tirá-lo da caixa sem rasgar. Sem falar nos picture discs em vinil, que eram mágicos. Acho que deveriam fazer CDs com capas do tamanho das de vinil, trazendo de volta os CDs gigantes!
Você ainda acha que nas rádios, como na letra de "The Spirit of Radio", "All this machinery making modern music, can still be open-hearted" ["Todo esse maquinário
fazendo música moderna, ainda pode estar de coração aberto"]? Esse processo de trivialização não está se estendendo também às músicas que são tocadas nas rádios?
Concordo. Acho que a indústria radiofônica não é saudável. Não acho bom quando você tem, como exemplo nos EUA, uma ou duas pessoas que controlam todas as estações de rádio. Isso não é liberdade. Eles estão decidindo o que milhares vão ouvir. Isso dói. Você chega numa cidade e um cara controla duas estações, tocando dois tipos de música diferentes nas duas. Ele não pode estar lidando de uma forma honesta com o público. É tudo marketing.
Como você se sente fazendo parte de um seleto grupo de vocalistas que qualquer um reconhece na primeira sílaba cantada, como Ozzy ou Robert Smith?
Acho ótimo [risos]! Você sabe que a minha voz foi sempre o ponto em que os críticos se fixaram para falar bem ou mal da banda. Num certo período passei a cantar num registro mais grave, e isso coincidiu com uma suavização no nosso som. Mas agora as músicas estão com mais punch, e eu voltei a cantar agudo. Acho que dá mais energia, e parece apropriado para esse novo momento. Na verdade, minha voz vai para onde a música a leva. E agora que estamos mais velhos queremos fazer mais rock [risos].
Com relação à Internet, já que falamos no mercado de música, hoje em dia muitas pessoas estão podendo baixar e gravar livremente músicas de artistas sem pagarem copyrights. O que você acha disso?
É errado gravar músicas de outras pessoas sem pagar por elas. Esta é a única área no mundo onde roubar entra em discussão. Em qualquer outra profissão, isso seria impensável - nem se consideraria como ponto de polêmica. Mas, como músicos, porque teríamos que discutir se a nossa música deveria ser gratuita? O que fizemos de tão errado para sermos subjugados e levarem o produto do nosso trabalho embora? Eu acho um absurdo. Passei um ano fazendo esse disco. Gastei um número X de dólares, e foram horas e horas de trabalho. Não fiz isso para simplesmente levarem embora. Não acho que isso leva em conta o trabalho que tantas pessoas têm para fazer o álbum.
Mas a internet pode ser um território onde as pessoas tenham a liberdade de escutar a música que quiserem, fora do monopólio das rádios.
Bem, acho a rádio via Internet excelente, e é bom poder ouvir qualquer música que se queira. Você clica no link e paga por ela - ou o site paga e tem seu retorno por anúncios com a música chegando até você. É uma grande diferença.
Geddy, foi muito bom falar com você. Estamos muito ansiosos pelo show. Conheço gente que daria tudo que fosse preciso para ver vocês. Eles esperaram muito por isso.
Eu também gostei, foi divertido. Peço desculpas por só agora estarmos tocando no Brasil, e espero que vocês gostem do que temos para mostrar. Até!