16 DE NOVEMBRO DE 2015 | POR VAGNER CRUZ
A revista britânica Prog trouxe em sua edição #61 (novembro / 2015) uma entrevista com Alex Lifeson, na qual o guitarrista fala sobre uma grande variedade de assuntos, incluindo a turnê R40, golf, pinturas, o uso da maconha, seus problemas de saúde, seu discurso inesquecível no Rock and Roll Hall of Fame e o futuro do Rush. Acompanhem o material, inteiramente traduzido pelo Rush Fã-Clube Brasil.
ENTREVISTA PARA A REVISTA PROG - ALEX LIFESON
Prog / Novembro de 2015 - Por Philip Wilding
Após a grande turnê de despedida do Rush, o guitarrista fala sobre tudo, desde a saúde aos prazeres da maconha, e também sobre compor novas músicas e o golf
A última vez que a Prog conversou com Alex Lifeson foi no dia 1º de agosto - no Forum em Los Angeles (leia essa entrevista completa e traduzida aqui). A extremamente bem sucedida turnê R40 chegava ao fim, com o terceiro piso do local vibrando com famílias e amigos, celebrando aquele que pode ter sido o último show do Rush. Entre seus colegas músicos e artistas, como Chad Smith, Taylor Hawkins, Matt Stone, Jack Black e Stewart Copeland, para citar alguns - Alex sorriu feliz, acenando com uma bebida, certificando-se de que nossos copos estivessem cheios antes de desaparecer na aglomeração feliz.
Nessa semana, o havíamos encontrado reunido no consulado canadense com seus companheiros de banda e com sua família, a mando do cônsul geral do Canadá, James Villeneuve. Ele era, como muitas vezes, a causa dos risos desenfreados à beira da piscina. O vimos ainda alguns dias mais tarde, no âmbito da cúpula do Irvine Amphitheatre, um local ao ar livre esculpido na encosta de uma colina que fica a duas horas da parte Sul de Hollywood. Ele estava sorridente como um banshee, enquanto o Rush se movia rapidamente através do tempo com um set que marcharia quase sem pausas, desde Clockwork Angels e fazendo todo o caminho de volta até Working Man.
Para um homem que deveria estar sofrendo as penúrias do envelhecimento e da artrite, sua forma de tocar era fluida e melodiosa como sempre foi, desde os amplos badalos do seu último álbum para os riffs agitados do primeiro, e sem uma nota perdida. Ele nem sequer estremeceu quando teve que pendurar sua guitarra double-neck para Xanadu.
Lifeson é o rosto sorridente perpétuo no coração do Rush. Você só precisa ver as cenas não editadas do documentário de 2010 da banda, Beyond The Lighted Stage, e testemunhar suas piadas, fazendo Neil Peart prender o riso até o ponto em que a asfixia parece ser sua única opção, a fim de entender o quão penetrante e incessante é de fato sua boa natureza e humor. Geddy Lee o chama de "o homem mais engraçado que conheço". Ele também é, talvez, o mais acolhedor. Certa vez, trouxe para a Prog uma boa garrafa de uísque e depois nos ajudou a beber mais que a metade dela.
Passamos uma noite com Lifeson contando histórias impregnadas de fumaça narcótica, sem nunca ficar com uma guitarra longe da mão. Ele toca naturalmente e sem pensar. O golf, na verdade, ele precisa trabalhar um pouco mais, mas o mesmo lhe traz alegria como um bom uísque, uma erva ou uma guitarra bem afinada. Seu prazer está por perto.
Dito isso, a Prog o alcançou em casa algumas semanas após o fim da turnê, planejando uma viagem à Grécia com sua extensa família. Ele estava literalmente fazendo as malas quando ligamos. Os momentos altamente deslumbrantes da turnê R40 haviam dado lugar a algo bem mais simples, desde que a banda reuniu todas as suas coisas voltando para casa em Toronto.
Como você se descomprime depois de uma turnê dessas?
Fui para nossa casa no interior para passar alguns dias sozinho. Joguei um pouco de golf, assisti TV e toquei guitarra à noite, apenas para relaxar e clarear as ideias.
No início da turnê você disse à Rolling Stone, "Acho que não estamos tendo muita dificuldade de pensar nessa como possivelmente a última turnê". Ainda se sente assim?
Não sei se ainda me sinto assim. A turnê foi ótima. Tocamos muito bem, as vendas foram fantásticas, o set foi ótimo - as canções que escolhemos foram as certas. Muitas coisas foram tão positivas que, se essa for a última, acho que foi uma bela forma de sair por cima. Porém, quando estávamos no meio dela ou até mesmo no final, nos pareceu bem curta.
Na recepção do Consulado Canadense, você disse que não se importaria em prorrogar o número de shows um pouco mais...
Essa é a coisa, a coisa humana. A banda se define em nós três e sempre tomamos decisões assim. Tem que ser algo unânime e, se não for, você trabalha muito para tentar fazer com que aconteça. Se não rolar, você tem que acatar a um dos lados. Nesse caso, acho que é bastante óbvio que Neil não quer mais fazer turnês; está tudo bem e eu entendo. Ele tem algumas boas razões de fato: é doloroso, é duro, não é alegre para ele, é difícil e dói o seu corpo, seu cérebro e eu entendo totalmente. Para mim tudo bem.
Só gostaria que tivéssemos sido capazes de fazer mais uns vinte shows, sendo muito ruim perdermos o Reino Unido em particular. Parece um final ou uma resolução muito tímida. Mas, se é assim, vamos nos ajustar a isso. Acho que precisamos ter um pouco de espaço, um pouco de tempo off para nos reunirmos e pensarmos sobre o que queremos fazer no futuro. Não sei se (e quando) iremos querer gravar outro álbum, e se há a possibilidade de fazermos algo no futuro. A bola está, claramente, no campo do Neil.
Falando de dores e sofrimentos, como você está fisicamente?
Está doendo um pouco, mas não me incomoda - todo mundo tem dores e sofrimentos. Se as dores estivessem me atrapalhando e influenciando minha maneira de tocar, aí seria uma história diferente. Minha mão fica dolorida após um show como nunca ficou antes, mas tudo bem, não é um grande problema - pego dois Tylenols e o poder deles! Ainda tenho um pouco de gasolina nesse tanque e me sinto muito bem e saudável.
É o mesmo para Ged. Cara, tenho ouvido algumas dessas mixes de Toronto para o DVD, observando como ele está tocando lá. Está por cima. Quase não consigo acreditar que ele esteja tocando algumas enquanto canta. Conheço esse material há 40, 47 anos mas, quando você ouve o quão intrincado, sólido e firme ele ainda é enquanto canta, é algo extraordinário.
Deve ter sido um choque terrível para você, como guitarrista, saber que havia desenvolvido artrite nas mãos.
Não fiquei surpreso de fato. A artrite atravessa nossa família - sabia que eu seria um candidato afinal. Sendo honesto, foi um pouco difícil para que eu conseguisse viver com ela - mas não me debilitou de forma alguma.
Você foi citado recentemente dizendo que a droga era "um agente criativo". Não consigo afirmar se estava brincando ou não.
Acho que é, sem dúvidas, um agente criativo. Fumar um pouco de maconha e sentar para criar ou tocar música é muito divertido. Falando por mim, surgem riffs e adoro as diferentes afinações alternativas quando estou um pouco alto, e acho que posso tocar sempre e sempre quando tenho um fumo.
Em termos de aplicação, certamente traz um pouco de prejuízo. Acredito que você queira ter seu raciocínio e a cabeça limpa quando está tocando no estúdio, e não poderia imaginar em um milhão de anos fumar antes de fazer um show ao vivo. Não tomo nem uma cerveja sequer antes do show - você realmente tem que estar atento. É algo recreacional - algo divertido às vezes quando estou tocando. Seria assustador fazer um show do Rush ao vivo sob efeito de drogas.
Embora algumas pessoas tragam drogas para você quando está em turnê, de forma medicinal.
Na maior parte, elas vêm de conhecidos e amigos que fiz ao longo dos anos. Não é algo que é jogado no palco ou qualquer coisa do tipo. E também existem três estados nos EUA onde é legal, além da maioria deles terem um programa de maconha para fins medicinais. Esses presentes chegam em pacotes que são selados, carimbados e, obviamente, fabricados profissionalmente. Dessa forma, não é uma grande questão - são apenas pequenos presentes. Você costuma receber garrafas de vinho, chocolates ou uma bola de beisebol. Agora é maconha.
E o golf, ainda é um vício também?
Há! Jogo muito na estrada. Esse ano me senti muito mais saudável que nos anteriores. Tenho muita energia e joguei quase todos os dias, incluindo dias de show, algo que não fiz nas duas últimas turnês. É muito terapêutico para mim. Ele me leva para fora dos quartos de hotel, nos quais não suporto ficar - fico louco, mesmo em dias de shows.
Dessa forma, sair por cinco ou seis horas é um verdadeiro deleite, sendo um jogo impossível de ser sempre bom - é sempre um desafio. Você está sempre trabalhando para melhorar. É sempre um passo à frente, dois passos atrás, mas me divirto de verdade. Investi em um clube, do qual já não sou mais o proprietário, mas ainda sou membro de lá e adoro os dias que passo no campo.
Será que ajuda com sua insônia?
Nada ajuda. Tenho dormido menos ultimamente. Geralmente estou de pé às seis ou sete na maioria das manhãs, independentemente da hora que vou para a cama. Posso passar uma semana dormindo quatro ou cinco horas por noite, para então pegar o sétimo ou oitavo dia para dormir por oito ou nove horas. No sétimo dia eu descanso...
Vamos voltar um pouco. Neil e Geddy deixaram registrado que seu ponto mais baixo com o Rush, profissionalmente falando, foi por volta do disco Hemispheres em 1978, e para você isso não havia acontecido até nove anos depois.
Você se refere ao pós-Hold Your Fire? Sim, esse foi o ponto mais baixo para mim. Acho que nunca pensei conscientemente em deixar a banda, mas ali estava me sentindo um pouco perdido. Havíamos acabado de passar pela Europa e pelo Reino Unido e, em seguida, tivemos que voltar à Grã-Bretanha - acho que havíamos gravado o show em Manchester. Tivemos uma semana de folga do que havia sido uma longa turnê e, em seguida, estávamos de volta ao estúdio para mixar o vídeo ao vivo A Show of Hands.
Nós três estávamos sentados no fundo da sala de mixagem com círculos negros sob nossos olhos, mal nos falávamos naquele momento, e então me lembro que conversamos sobre tirar sete meses de férias pela primeira vez.
Pensando naquele tempo agora, estávamos nos vendendo por muito pouco! Mas ficou claro para nós três que, se não tivéssemos feito essa pausa, teríamos que parar em seguida. Estávamos completamente esgotados. Foi uma turnê muito rigorosa, muito longa, e no período em que estávamos utilizando um monte de novas tecnologias no palco também. Geddy estava realmente preso àquilo tudo - cantando, tocando, e com pedais e teclados. Ele tinha que se concentrar arduamente em todo aquele aparato; todos nós tínhamos.
Isso ainda é uma questão real até hoje, quando planejamos os sets - Geddy não quer ficar preso em um único local do palco. Ele precisa andar!
Que tipo de banda você acha que o Rush teria sido se não tivessem passado pelo hiato forçado quando Neil perdeu sua família?
Quem pode dizer? Foram quatro anos e, sem dúvidas, não paramos. Produzi e fiz coisas para a TV. Tocar Rush naquele momento não era uma opção. Então, quando fizemos Vapor Trails, ele se tornou esse disco tão emocional e poderoso. É por isso que foi tão bom finalmente voltarmos e retrabalharmos ele [Vapor Trails Remixed, de 2013]. Gostamos bastante daquele disco, mas havia coisas erradas com a gravação original, no que tange a maneira como soava.
Gostaríamos de ter feito as coisas de maneira diferente na época, mas suponho que não estávamos pensando em linha reta... não, não estávamos. Foi algo bem cru, bem visceral, sabe?
O Rush chegou ao Rock And Roll Hall Of Fame em 2013 e, embora o Foo Fighters tenha tocado imitando vocês no palco, a única coisa sobre a qual as pessoas realmente falam é do seu discurso 'blah blah blah'. Ainda posso ver os rostos mortificados de Geddy e Neil...
Tinha meu discurso escrito e estava ensaiando no caminho para o local. Ficava pensando, "Minha memória é tão ruim agora, não consigo me lembrar de nada. Dessa forma, poderia simplesmente me levantar e dizer 'blá blá blá'". Fiquei pensando nisso sem ter certeza de que iria fazer, até estarmos caminhando para o palco. Assim, decidi que faria. Sabia que seria horrível ou até mesmo engraçado. Foi, provavelmente, um pouco de ambos.
Além disso, esses discursos - quantas vezes você tem que ouvi-los? São todos iguais, então vamos variar um pouco. É o Rock And Roll Hall Of Fame, pelo amor de Deus - ser indiferente, irreverente! Seja relevante, mas irreverente!
Geddy me mostrou uma pintura que você fez de vocês dois, a partir de uma fotografia tirada em um restaurante parisiense. Não acho um exagero dizer que ficou excelente.
Obrigado. Eu experimento nesse tipo de coisa. Quando criança desenhava bastante, como crianças fazem. Eu pintava e então fui para o ensino médio, e eles tinham um programa de artes lá, mas não tenho nenhuma formação de fato.
Faço coisas para serem leiloadas, ajudando a arrecadar algum dinheiro para uma fundação dedicada à doenças renais com a qual estou envolvido, o que me fez olhar para a pintura com um pouco mais de detalhes, explorando-a. Acho que estou desenvolvendo um estilo.
Você sempre foi bom com as mãos?
Sim. Na adolescência tive carros nos quais trabalhei. Tinha um MG que precisava constantemente de algum tipo de serviço [risos] e, em seguida, um Jag que precisava de ainda mais. Mas sempre fui muito útil com as mãos e gosto de fazer coisas com elas.
Você trabalhou com seu pai como encanador. Ainda consegue consertar um vazamento na calada da noite?
Poderia soldar uns canos facilmente às três de uma manhã fria canadense. É tudo sobre gravidade [risos]. Vou mandar a conta para apreciação. Espero a fatura.
Seu álbum Victor foi muito bem recebido. Se o Rush não garimpar mais nada, podemos esperar mais um trabalho solo?
Claro - componho coisas o tempo todo. Tenho uma biblioteca inteira de fragmentos e canções completas que escrevi em casa ou no estúdio. Acho que, se for improvável fazermos algo no futuro próximo, então definitivamente entrarei em alguma coisa do tipo na próxima primavera. Não tenho certeza sobre o tipo de projeto que se tornará, mas será um projeto musical. Não posso ficar parado sem fazer o que tanto adoro.
Victor foi um disco muito obscuro, que surgiu em um período negro da sua vida. O que um novo álbum diria sobre você e sobre o que está à sua volta?
Certamente não seria tão obscuro quanto aquele álbum. Havia muita coisa acontecendo ao meu redor quando fiz esse disco, coisas pessoais, um monte de amigos que estavam passando por mudanças em suas vidas. Esse disco veio das observações sobre o que todos estavam passando. Começou com uma intenção bem mais leve quando iniciei os trabalhos.
Não tinha a intenção de que ficasse dessa maneira, mas gostei da variedade - vai do folk ao industrial. Porém, acho que o próximo seria muito mais textural e agradável ao ouvido, uma obra mais instrumental e que melhore o humor.
Então, será mais um reflexo de você mesmo como músico?
Essa é a semente, eu acho. É disso que gosto nesse assunto. Não penso nessas coisas, apenas toco. Dessa forma, é só a captura de vários pedaços, unindo-os em algum tipo de formato.
Você acabou brigando no Ritz-Carlton na véspera do ano novo de 2003 e, em seguida, entrou com uma ação contra os agentes que lhe prenderam. O que aconteceu depois?
Nunca recebi qualquer satisfação. Foram muitos tormentos e angústias por anos e, quando acabou, percebi que, quando você está em uma situação como essa, o cara menor nunca ganha. Especialmente contra uma grande corporação e um poderoso escritório de advocacia, que fazem um ótimo trabalho para seus clientes à custa da vida de todos, criando tantos problemas que acabam se tornando obstáculos no caminho da resolução e da justiça. E, por fim, você sente que não entendeu nada. Eu não entendi.
E o que vem por aí pra você?
Vou continuar tocando, com certeza. Acho que Geddy e eu vamos nos reunir no próximo outono [primavera no Hemisfério Sul], na verdade. Jantei com ele ontem à noite e conversamos muito brevemente. Ele disse, 'Uma vez que decidirmos, vamos nos reunir, fazer o que pudermos para então incluir Neil, vendo se ele está pronto para, em seguida, partirmos dali.
Mas, se por alguma razão não acontecer, vou definitivamente trabalhar em algumas coisas nesse outono, provavelmente antes.
R40 Live será lançado em CD, DVD e Blu-ray no dia 20 de novembro de 2015. Veja todas as informações no Rush Fã-Clube Brasil.
ENTREVISTA PARA A REVISTA PROG - ALEX LIFESON
Prog / Novembro de 2015 - Por Philip Wilding
Após a grande turnê de despedida do Rush, o guitarrista fala sobre tudo, desde a saúde aos prazeres da maconha, e também sobre compor novas músicas e o golf
A última vez que a Prog conversou com Alex Lifeson foi no dia 1º de agosto - no Forum em Los Angeles (leia essa entrevista completa e traduzida aqui). A extremamente bem sucedida turnê R40 chegava ao fim, com o terceiro piso do local vibrando com famílias e amigos, celebrando aquele que pode ter sido o último show do Rush. Entre seus colegas músicos e artistas, como Chad Smith, Taylor Hawkins, Matt Stone, Jack Black e Stewart Copeland, para citar alguns - Alex sorriu feliz, acenando com uma bebida, certificando-se de que nossos copos estivessem cheios antes de desaparecer na aglomeração feliz.
Nessa semana, o havíamos encontrado reunido no consulado canadense com seus companheiros de banda e com sua família, a mando do cônsul geral do Canadá, James Villeneuve. Ele era, como muitas vezes, a causa dos risos desenfreados à beira da piscina. O vimos ainda alguns dias mais tarde, no âmbito da cúpula do Irvine Amphitheatre, um local ao ar livre esculpido na encosta de uma colina que fica a duas horas da parte Sul de Hollywood. Ele estava sorridente como um banshee, enquanto o Rush se movia rapidamente através do tempo com um set que marcharia quase sem pausas, desde Clockwork Angels e fazendo todo o caminho de volta até Working Man.
Para um homem que deveria estar sofrendo as penúrias do envelhecimento e da artrite, sua forma de tocar era fluida e melodiosa como sempre foi, desde os amplos badalos do seu último álbum para os riffs agitados do primeiro, e sem uma nota perdida. Ele nem sequer estremeceu quando teve que pendurar sua guitarra double-neck para Xanadu.
Lifeson é o rosto sorridente perpétuo no coração do Rush. Você só precisa ver as cenas não editadas do documentário de 2010 da banda, Beyond The Lighted Stage, e testemunhar suas piadas, fazendo Neil Peart prender o riso até o ponto em que a asfixia parece ser sua única opção, a fim de entender o quão penetrante e incessante é de fato sua boa natureza e humor. Geddy Lee o chama de "o homem mais engraçado que conheço". Ele também é, talvez, o mais acolhedor. Certa vez, trouxe para a Prog uma boa garrafa de uísque e depois nos ajudou a beber mais que a metade dela.
Passamos uma noite com Lifeson contando histórias impregnadas de fumaça narcótica, sem nunca ficar com uma guitarra longe da mão. Ele toca naturalmente e sem pensar. O golf, na verdade, ele precisa trabalhar um pouco mais, mas o mesmo lhe traz alegria como um bom uísque, uma erva ou uma guitarra bem afinada. Seu prazer está por perto.
Dito isso, a Prog o alcançou em casa algumas semanas após o fim da turnê, planejando uma viagem à Grécia com sua extensa família. Ele estava literalmente fazendo as malas quando ligamos. Os momentos altamente deslumbrantes da turnê R40 haviam dado lugar a algo bem mais simples, desde que a banda reuniu todas as suas coisas voltando para casa em Toronto.
Como você se descomprime depois de uma turnê dessas?
Fui para nossa casa no interior para passar alguns dias sozinho. Joguei um pouco de golf, assisti TV e toquei guitarra à noite, apenas para relaxar e clarear as ideias.
No início da turnê você disse à Rolling Stone, "Acho que não estamos tendo muita dificuldade de pensar nessa como possivelmente a última turnê". Ainda se sente assim?
Não sei se ainda me sinto assim. A turnê foi ótima. Tocamos muito bem, as vendas foram fantásticas, o set foi ótimo - as canções que escolhemos foram as certas. Muitas coisas foram tão positivas que, se essa for a última, acho que foi uma bela forma de sair por cima. Porém, quando estávamos no meio dela ou até mesmo no final, nos pareceu bem curta.
"Componho coisas o tempo todo. Tenho uma biblioteca inteira
de fragmentos e canções completas que escrevi em casa ou no estúdio".
de fragmentos e canções completas que escrevi em casa ou no estúdio".
Na recepção do Consulado Canadense, você disse que não se importaria em prorrogar o número de shows um pouco mais...
Essa é a coisa, a coisa humana. A banda se define em nós três e sempre tomamos decisões assim. Tem que ser algo unânime e, se não for, você trabalha muito para tentar fazer com que aconteça. Se não rolar, você tem que acatar a um dos lados. Nesse caso, acho que é bastante óbvio que Neil não quer mais fazer turnês; está tudo bem e eu entendo. Ele tem algumas boas razões de fato: é doloroso, é duro, não é alegre para ele, é difícil e dói o seu corpo, seu cérebro e eu entendo totalmente. Para mim tudo bem.
Só gostaria que tivéssemos sido capazes de fazer mais uns vinte shows, sendo muito ruim perdermos o Reino Unido em particular. Parece um final ou uma resolução muito tímida. Mas, se é assim, vamos nos ajustar a isso. Acho que precisamos ter um pouco de espaço, um pouco de tempo off para nos reunirmos e pensarmos sobre o que queremos fazer no futuro. Não sei se (e quando) iremos querer gravar outro álbum, e se há a possibilidade de fazermos algo no futuro. A bola está, claramente, no campo do Neil.
No backstage do Birmingham Odeon em 78 (Foto por Getty Images) |
Falando de dores e sofrimentos, como você está fisicamente?
Está doendo um pouco, mas não me incomoda - todo mundo tem dores e sofrimentos. Se as dores estivessem me atrapalhando e influenciando minha maneira de tocar, aí seria uma história diferente. Minha mão fica dolorida após um show como nunca ficou antes, mas tudo bem, não é um grande problema - pego dois Tylenols e o poder deles! Ainda tenho um pouco de gasolina nesse tanque e me sinto muito bem e saudável.
É o mesmo para Ged. Cara, tenho ouvido algumas dessas mixes de Toronto para o DVD, observando como ele está tocando lá. Está por cima. Quase não consigo acreditar que ele esteja tocando algumas enquanto canta. Conheço esse material há 40, 47 anos mas, quando você ouve o quão intrincado, sólido e firme ele ainda é enquanto canta, é algo extraordinário.
Deve ter sido um choque terrível para você, como guitarrista, saber que havia desenvolvido artrite nas mãos.
Não fiquei surpreso de fato. A artrite atravessa nossa família - sabia que eu seria um candidato afinal. Sendo honesto, foi um pouco difícil para que eu conseguisse viver com ela - mas não me debilitou de forma alguma.
Você foi citado recentemente dizendo que a droga era "um agente criativo". Não consigo afirmar se estava brincando ou não.
Acho que é, sem dúvidas, um agente criativo. Fumar um pouco de maconha e sentar para criar ou tocar música é muito divertido. Falando por mim, surgem riffs e adoro as diferentes afinações alternativas quando estou um pouco alto, e acho que posso tocar sempre e sempre quando tenho um fumo.
Em termos de aplicação, certamente traz um pouco de prejuízo. Acredito que você queira ter seu raciocínio e a cabeça limpa quando está tocando no estúdio, e não poderia imaginar em um milhão de anos fumar antes de fazer um show ao vivo. Não tomo nem uma cerveja sequer antes do show - você realmente tem que estar atento. É algo recreacional - algo divertido às vezes quando estou tocando. Seria assustador fazer um show do Rush ao vivo sob efeito de drogas.
Foto por Richard Sibbald |
Embora algumas pessoas tragam drogas para você quando está em turnê, de forma medicinal.
Na maior parte, elas vêm de conhecidos e amigos que fiz ao longo dos anos. Não é algo que é jogado no palco ou qualquer coisa do tipo. E também existem três estados nos EUA onde é legal, além da maioria deles terem um programa de maconha para fins medicinais. Esses presentes chegam em pacotes que são selados, carimbados e, obviamente, fabricados profissionalmente. Dessa forma, não é uma grande questão - são apenas pequenos presentes. Você costuma receber garrafas de vinho, chocolates ou uma bola de beisebol. Agora é maconha.
E o golf, ainda é um vício também?
Há! Jogo muito na estrada. Esse ano me senti muito mais saudável que nos anteriores. Tenho muita energia e joguei quase todos os dias, incluindo dias de show, algo que não fiz nas duas últimas turnês. É muito terapêutico para mim. Ele me leva para fora dos quartos de hotel, nos quais não suporto ficar - fico louco, mesmo em dias de shows.
Dessa forma, sair por cinco ou seis horas é um verdadeiro deleite, sendo um jogo impossível de ser sempre bom - é sempre um desafio. Você está sempre trabalhando para melhorar. É sempre um passo à frente, dois passos atrás, mas me divirto de verdade. Investi em um clube, do qual já não sou mais o proprietário, mas ainda sou membro de lá e adoro os dias que passo no campo.
Será que ajuda com sua insônia?
Nada ajuda. Tenho dormido menos ultimamente. Geralmente estou de pé às seis ou sete na maioria das manhãs, independentemente da hora que vou para a cama. Posso passar uma semana dormindo quatro ou cinco horas por noite, para então pegar o sétimo ou oitavo dia para dormir por oito ou nove horas. No sétimo dia eu descanso...
Foto por Getty Images |
Vamos voltar um pouco. Neil e Geddy deixaram registrado que seu ponto mais baixo com o Rush, profissionalmente falando, foi por volta do disco Hemispheres em 1978, e para você isso não havia acontecido até nove anos depois.
Você se refere ao pós-Hold Your Fire? Sim, esse foi o ponto mais baixo para mim. Acho que nunca pensei conscientemente em deixar a banda, mas ali estava me sentindo um pouco perdido. Havíamos acabado de passar pela Europa e pelo Reino Unido e, em seguida, tivemos que voltar à Grã-Bretanha - acho que havíamos gravado o show em Manchester. Tivemos uma semana de folga do que havia sido uma longa turnê e, em seguida, estávamos de volta ao estúdio para mixar o vídeo ao vivo A Show of Hands.
Nós três estávamos sentados no fundo da sala de mixagem com círculos negros sob nossos olhos, mal nos falávamos naquele momento, e então me lembro que conversamos sobre tirar sete meses de férias pela primeira vez.
Pensando naquele tempo agora, estávamos nos vendendo por muito pouco! Mas ficou claro para nós três que, se não tivéssemos feito essa pausa, teríamos que parar em seguida. Estávamos completamente esgotados. Foi uma turnê muito rigorosa, muito longa, e no período em que estávamos utilizando um monte de novas tecnologias no palco também. Geddy estava realmente preso àquilo tudo - cantando, tocando, e com pedais e teclados. Ele tinha que se concentrar arduamente em todo aquele aparato; todos nós tínhamos.
Isso ainda é uma questão real até hoje, quando planejamos os sets - Geddy não quer ficar preso em um único local do palco. Ele precisa andar!
Que tipo de banda você acha que o Rush teria sido se não tivessem passado pelo hiato forçado quando Neil perdeu sua família?
Quem pode dizer? Foram quatro anos e, sem dúvidas, não paramos. Produzi e fiz coisas para a TV. Tocar Rush naquele momento não era uma opção. Então, quando fizemos Vapor Trails, ele se tornou esse disco tão emocional e poderoso. É por isso que foi tão bom finalmente voltarmos e retrabalharmos ele [Vapor Trails Remixed, de 2013]. Gostamos bastante daquele disco, mas havia coisas erradas com a gravação original, no que tange a maneira como soava.
Gostaríamos de ter feito as coisas de maneira diferente na época, mas suponho que não estávamos pensando em linha reta... não, não estávamos. Foi algo bem cru, bem visceral, sabe?
O famoso discurso no Rock and Roll Hall of Fame |
O Rush chegou ao Rock And Roll Hall Of Fame em 2013 e, embora o Foo Fighters tenha tocado imitando vocês no palco, a única coisa sobre a qual as pessoas realmente falam é do seu discurso 'blah blah blah'. Ainda posso ver os rostos mortificados de Geddy e Neil...
Tinha meu discurso escrito e estava ensaiando no caminho para o local. Ficava pensando, "Minha memória é tão ruim agora, não consigo me lembrar de nada. Dessa forma, poderia simplesmente me levantar e dizer 'blá blá blá'". Fiquei pensando nisso sem ter certeza de que iria fazer, até estarmos caminhando para o palco. Assim, decidi que faria. Sabia que seria horrível ou até mesmo engraçado. Foi, provavelmente, um pouco de ambos.
Além disso, esses discursos - quantas vezes você tem que ouvi-los? São todos iguais, então vamos variar um pouco. É o Rock And Roll Hall Of Fame, pelo amor de Deus - ser indiferente, irreverente! Seja relevante, mas irreverente!
Geddy me mostrou uma pintura que você fez de vocês dois, a partir de uma fotografia tirada em um restaurante parisiense. Não acho um exagero dizer que ficou excelente.
Obrigado. Eu experimento nesse tipo de coisa. Quando criança desenhava bastante, como crianças fazem. Eu pintava e então fui para o ensino médio, e eles tinham um programa de artes lá, mas não tenho nenhuma formação de fato.
Faço coisas para serem leiloadas, ajudando a arrecadar algum dinheiro para uma fundação dedicada à doenças renais com a qual estou envolvido, o que me fez olhar para a pintura com um pouco mais de detalhes, explorando-a. Acho que estou desenvolvendo um estilo.
Você sempre foi bom com as mãos?
Sim. Na adolescência tive carros nos quais trabalhei. Tinha um MG que precisava constantemente de algum tipo de serviço [risos] e, em seguida, um Jag que precisava de ainda mais. Mas sempre fui muito útil com as mãos e gosto de fazer coisas com elas.
Você trabalhou com seu pai como encanador. Ainda consegue consertar um vazamento na calada da noite?
Poderia soldar uns canos facilmente às três de uma manhã fria canadense. É tudo sobre gravidade [risos]. Vou mandar a conta para apreciação. Espero a fatura.
Seu álbum Victor foi muito bem recebido. Se o Rush não garimpar mais nada, podemos esperar mais um trabalho solo?
Claro - componho coisas o tempo todo. Tenho uma biblioteca inteira de fragmentos e canções completas que escrevi em casa ou no estúdio. Acho que, se for improvável fazermos algo no futuro próximo, então definitivamente entrarei em alguma coisa do tipo na próxima primavera. Não tenho certeza sobre o tipo de projeto que se tornará, mas será um projeto musical. Não posso ficar parado sem fazer o que tanto adoro.
Victor foi um disco muito obscuro, que surgiu em um período negro da sua vida. O que um novo álbum diria sobre você e sobre o que está à sua volta?
Certamente não seria tão obscuro quanto aquele álbum. Havia muita coisa acontecendo ao meu redor quando fiz esse disco, coisas pessoais, um monte de amigos que estavam passando por mudanças em suas vidas. Esse disco veio das observações sobre o que todos estavam passando. Começou com uma intenção bem mais leve quando iniciei os trabalhos.
Não tinha a intenção de que ficasse dessa maneira, mas gostei da variedade - vai do folk ao industrial. Porém, acho que o próximo seria muito mais textural e agradável ao ouvido, uma obra mais instrumental e que melhore o humor.
Foto por Getty Images |
Então, será mais um reflexo de você mesmo como músico?
Essa é a semente, eu acho. É disso que gosto nesse assunto. Não penso nessas coisas, apenas toco. Dessa forma, é só a captura de vários pedaços, unindo-os em algum tipo de formato.
Você acabou brigando no Ritz-Carlton na véspera do ano novo de 2003 e, em seguida, entrou com uma ação contra os agentes que lhe prenderam. O que aconteceu depois?
Nunca recebi qualquer satisfação. Foram muitos tormentos e angústias por anos e, quando acabou, percebi que, quando você está em uma situação como essa, o cara menor nunca ganha. Especialmente contra uma grande corporação e um poderoso escritório de advocacia, que fazem um ótimo trabalho para seus clientes à custa da vida de todos, criando tantos problemas que acabam se tornando obstáculos no caminho da resolução e da justiça. E, por fim, você sente que não entendeu nada. Eu não entendi.
E o que vem por aí pra você?
Vou continuar tocando, com certeza. Acho que Geddy e eu vamos nos reunir no próximo outono [primavera no Hemisfério Sul], na verdade. Jantei com ele ontem à noite e conversamos muito brevemente. Ele disse, 'Uma vez que decidirmos, vamos nos reunir, fazer o que pudermos para então incluir Neil, vendo se ele está pronto para, em seguida, partirmos dali.
Mas, se por alguma razão não acontecer, vou definitivamente trabalhar em algumas coisas nesse outono, provavelmente antes.
R40 Live será lançado em CD, DVD e Blu-ray no dia 20 de novembro de 2015. Veja todas as informações no Rush Fã-Clube Brasil.