BATE-PAPO COM CANDICE SOLDATELLI, TRADUTORA DE "FAR AND AWAY"



10 DE SETEMBRO DE 2015 | POR VAGNER CRUZ

Após Far and Away, Candice Soldatelli já trabalha em Far and Near
Seguindo Ghost Rider: A Estrada da Cura e Clockwork Angels: Os Anjos do Tempo (confira a entrevista com o tradutor Bruno Mattos), a editora gaúcha Belas-Letras se prepara agora para o lançamento de Far And Away - Longe e Distante, terceiro livro de Neil Peart que chega para os fãs e leitores brasileiros.

Em maio de 2014, a editora anunciou a aquisição dos direitos para publicar um grupo de títulos do baterista no país, como The Masked Rider: Cycling in West Africa (1996), Traveling Music: The Soundtrack to My Life and Times (2004) e Far and Near: On Days Like These, esse último liberado em 2015 como uma sequência para Far and Away: A Prize Every Time. Assim, a biblioteca do baterista somará em breve seis títulos em português.

Originalmente lançado em 2011 pela editora canadense ECW Press, Far And Away traz uma reunião de incríveis relatos do renomado baterista do Rush, ricamente ilustrados com fotografias e nos quais descreve muitas de suas viagens, falando sobre música, natureza, arte e vida - observações na maioria das vezes recolhidas durante seus passeios de moto entre turnês, ao longo de estradas da América do Norte, Europa e América do Sul. Abrangendo quase quatro anos, as vinte e duas histórias que compõem o livro são cartas abertas que narram aventuras pessoais e universais, bem como os desafios e realizações na vida profissional do artista. Far and Away traz um fluxo irresistível de palavras e imagens que se convertem em um trabalho unificado e de notável originalidade.

Conversamos nessa semana com a tradutora Candice Soldatelli, que nos contou como foi encarar seu segundo desafio dedicado à obra de Peart no Brasil. Ela revela detalhes muito interessantes sobre o livro, falando também sobre seu trabalho como tradutora e suas expectativas.

Candice, você poderia comentar quais os maiores retornos que recebeu como profissional após a tradução de Ghost Rider: A Estrada da Cura?

Candice:
Como falei aos meus colegas tradutores no último Congresso Internacional da Abrates (Associação Brasileira de Tradutores e Intérpretes) em junho durante minha palestra, traduzir Ghost Rider foi, ao mesmo tempo, um sonho e um pesadelo. Sonho, porque como fã do Rush tenho plena consciência da honra que é trabalhar com um livro de Neil Peart, um gênio. Pesadelo, porque a exigência do texto de Peart - que escreve divinamente, além do extenso trabalho em pesquisa (com tantos temas diferentes sendo abordados na mesma obra - motociclismo, ornitologia, história, geologia), fizeram deste o maior trabalho de tradução da minha vida, talvez muito além da minha capacidade na época. Felizmente, tive bastante apoio do editor, Gustavo Guertler, do preparador de originais, Bruno Mattos, e do próprio Neil Peart, para que o livro fosse tão bem recebido aqui no Brasil.

Capa de Far and Away - Longe e Distante
Como foi o trabalho em Far and Away - Longe e Distante?

Candice:
Far and Away - Longe e Distante é um livro bem mais solar, digamos assim, do que Ghost Rider: A Estrada da Cura. Havia uma carga emocional muito forte no primeiro, é um livro que faz o leitor refletir sobre um dos maiores medos que temos: a perda da nossa família e de como sobreviver a isso. Quando lemos Far and Away - Longe e Distante, parece que estamos recebendo a carta de um amigo com relatos sobre sua vida na estrada, em turnê com uma das maiores bandas de rock de todos os tempos. O tom é bem mais leve, mais divertido - a presença do segurança / companheiro de jornada Michael garante muitos dos momentos hilários do livro. Muitos textos inclusive já são conhecidos dos fãs porque foram originalmente publicados no site oficial de Neil Peart, como o maravilhoso capítulo O Poder do Pensamento Mágico, que narra a viagem de moto de Peart e Brutus aqui na América do Sul.

Quais detalhes ou peculiaridades você considerou importantes ou até mesmo surpreendentes na tradução de Far and Away?

Candice:
Como eu já tinha um glossário pronto sobre os termos relacionados a motociclismo e geografia, essa parte foi relativamente tranquila. O mais difícil foram os capítulos sobre bateria, porque Peart traz alguns detalhes sobre suas aulas com Peter Erskine e também sobre suas experiências com jazz. Pude conversar com um baterista de jazz, o Matheus Sabbi, para aprender algumas coisas sobre esse estilo musical. Foram algumas "aulas", entre mensagens trocadas e visitas ao estúdio dele em Caxias do Sul. Um dos meus capítulos favoritos é justamente aquele sobre o Hockey Theme, em que Neil descreve com detalhes a criação do tema musical para as transmissões de hóquei no Canadá a convite de um canal de televisão, desde a concepção do kit de bateria juntamente com a equipe da Drum Workshop, a seleção de músicos, a composição do arranjo, a gravação e as filmagens. Outro capítulo que adoro mostra claramente que o mestre é muito nerd: ele fica obcecado por encontrar a origem de uma luz vermelha de uma antena na região de sua casa em Quebec, a qual compara o tempo todo ao Olho de Sauron da trilogia Senhor dos Anéis. É um dos capítulos mais engraçados do livro.


"Far and Away - Longe e Distante é um livro bem mais solar,
digamos assim, do que Ghost Rider: A Estrada da Cura"


Quais as principais diferenças entre as traduções de Ghost Rider e Far and Away?

Candice:
Tanto em Far and Away quanto em Far and Near, que estou traduzindo atualmente, a banda e a música ganham mais espaço nas narrativas de Peart. Eu já comentei com outros fãs que dá para ver, por exemplo, o álbum Clockwork Angels sendo construído ao longo dos capítulos de Far and Away - o epílogo é basicamente a base da letra de "The Garden". Entre as semelhanças, destaco as reflexões sobre história e sociedade que já apareciam em Ghost Rider e retornam agora, pensamentos que só comprovam que Neil Peart é realmente uma das grandes mentes do nosso tempo.

Você precisou entrar em contato com o próprio Neil Peart dessa vez? Poderia falar um pouco dessa experiência?

Candice:
É bastante normal no meio editorial que tradutores e escritores mantenham contato para solucionar algumas dúvidas. Precisei falar com Neil Peart em duas ocasiões, sempre por e-mail. Ele responde muito rápido, sempre se demonstra solícito e animado em participar do processo de tradução. Abaixo, uma pergunta que fiz e a resposta dada por ele (rindo, porque tinha a ver com uma brincadeira entre ele e Michael). Assim vocês podem ter uma ideia dos nossos diálogos por e-mail e das contribuições que ele, como escritor, traz para a tradução.

On page 133, you and Michael were in a restaurant when a waiter / friend gave you a note recommending a book for Bubba’s Book Club (the “discreet” guy). You rolled your eyes to Michael, with “facial italics” and said “The Boy”. We have no such idiom here in Brazil like “facial italics” so I couldn’t quite understand your facial expression. What kind of face is that?

Ha ha - good question!
Perhaps the simplest solution would be to offer something equivalent to "gave him an ironic look."

***

Na página 133, você e Michael estão em um restaurante quando um garçom / amigo entrega a vocês um bilhete recomendando um livro para o Bubba's Book Club (o cara "discreto"). Você olhou para Michael, com "facial italics" e disse "O Garoto". Não temos uma expressão aqui no Brasil para "facial italics", dessa forma não pude entender sua expressão facial. Que tipo de cara é essa?

Ha ha - boa pergunta!
Talvez a solução mais simples seja oferecer algo equivalente a "deu-lhe um olhar irônico".

Sabemos que a Belas-Letras já conseguiu adquirir praticamente todos os direitos sobre os lançamentos dos livros do Neil no Brasil. Porque optar dessa vez por Far and Away?

Candice:
Ano passado, durante a Book Expo America em Nova York, conversamos com Jack David, editor da ECW - a editora canadense que publica os livros de Neil Peart na América do Norte. Na época, a mesma estava preparando o lançamento de Far and Near. David sugeriu que lançássemos o Far and Away - Longe e Distante para aproveitarmos depois a sequência do que será uma trilogia (há previsão de lançamento de um terceiro livro da série Far em 2016). Além disso, a Belas-Letras entende que é o livro perfeito para os fãs do Rush lerem nas férias, já que trata de temas mais leves que Ghost Rider: A Estrada da Cura. Na sequência, portanto, provavelmente será lançado Far and Near e ano que vem Travelling Music e Masked Rider. Não há previsão para Roadshow. Em breve, iniciam as negociações para aquisição dos direitos de Clockwork Lives (dedos cruzados).

Qual a previsão de lançamento de Far and Away - Longe e Distante?

Candice:
O livro entra em pré-venda na segunda quinzena de setembro e parece que os primeiros leitores terão uma surpresinha bem agradável!


Confira também a entrevista com Candice Soldatelli sobre Ghost Rider: A Estrada da Cura.