11 DE SETEMBRO DE 2015 | POR VAGNER CRUZ
Após trazer na edição de outubro de 2015 a extensa matéria Exit...Stage Left, na qual o repórter Philip Wilding conversa com os três integrantes do Rush, com o empresário Ray Danniels, Chad Smith, Matt Stone e com a esposa de Geddy Lee, Nancy Young, a revista britânica Classic Rock liberou nessa semana uma matéria adicional na qual Neil Peart fala sobre o solo de bateria que trouxe para a turnê R40. Confiram o artigo traduzido.
O SOLO DE NEIL PEART NA TURNÊ R40 DO RUSH LEVOU O BATERISTA A RECONSTRUIR TODA A CARREIRA. ELE EXPLICA COMO ESSA JORNADA DE VIDA O LEVOU ATÉ LÁ
Peart escreve a trilha sonora de sua vida | Foto por Richard Sibbald |
No show de encerramento da turnê R40 no LA Forum, o baterista Jon Theodore, da banda Queens of the Stone Age, ficou tão emocionado com a performance de Neil Peart que foi levado a comentar: "O solo é muito impressionista, reduzido a apenas Neil e sua bateria. Sem vídeos ou sequências. Nunca vi tanta fluidez, cor e instinto liberados nele antes. Lindo pra caramba". Levamos o comentário à Peart, e aqui está sua resposta.
***
Deixe-me dizer logo, "Obrigado Jon. Mais do que você espera".
Só posso tentar expressar o quanto significa ouvir isso de alguém que entendeu - o que eu realmente estava tentando alcançar com aquele solo. Uma vida de realizações, de fato.
No entanto, como desenvolvi esse solo ao longo dos meses de ensaios para a turnê, estava de certa forma perplexo por não ter recebido qualquer feedback, seja dos companheiros de banda ou da equipe. Às vezes, as pessoas parecem ter a atitude, "Ah, ele já sabe que é bom. Não precisa ouvir isso de novo".
Mas precisamos, não?
Especialmente quando estamos nos forçando ao risco como agora.
Dia após dia, semana após semana, depois de cada vez que ensaiamos essa parte do show, quando eu entregava meu esboço do solo, ficava ligeiramente preocupado com o grande silêncio. O que significa? Estava preocupado se minhas ambições eram muito elevadas – meu alcance excedendo meu domínio. (Muitas vezes, honestamente – quase sempre – mas talvez demais dessa vez). Não ia perguntar a ninguém o que pensavam – temendo muito a resposta! Em todo caso, estava avançando na fé e em uma ideia, e essa dedicação solitária não foi fácil.
Meu projeto vago de solo foi enganosamente simples. Ia abordá-lo como se estivesse apenas sentado na bateria para começar a tocar – para exercitar as técnicas de improvisação com as quais venho trabalhando há, oh, cerca de dez anos. Tecnicamente, estava determinado a exemplificar tudo o que achava que sabia sobre tocar bateria, e tudo o que amo sobre bateria – os quase 50 anos de experiência e paixão tinham que estar lá de alguma forma.
No entanto, apesar dessas limitações conceituais e técnicas, senti quase que imediatamente que se tornaria uma história, uma narrativa rítmica. Ele ecoou uma descoberta que tive no verão de 1999, quando fiz uma tentativa de retorno à bateria depois de uma "ausência forçada" de aproximadamente dois anos.
Conforme relatado no meu livro Ghost Rider, naquele dia eu estava sentado atrás da bateria e apenas comecei a tocar... a minha história. A parte triste, a parte da viagem, as "pequenas vitórias", a parte da raiva, a parte perdida e confusa – estava tudo lá.
Depois de todos esses anos, quando vi que poderia utilizar essa abordagem como um quadro recitável para um solo improvisado, me perguntei se poderia dar uma trilha sonora à essa história ao mesmo tempo.
Comecei a visualizar, e assim habitar, um filme imaginário, recontado, reeditado, um novo marco para cada performance. (Uma meta modesta, portanto).
O consultor de tecnologia de longa data da banda, Jim Burgess, me ajudou a montar uma paleta de samplers musicais e texturas no MalletKat, e experimentei diferentes formas de combiná-los durante horas. Mesmo os samplers foram incorporados de forma jamais feita, pois não havia outros disparadores no set estilo anos 70 que toquei na segunda parte da turnê R40. (Pra dizer a verdade, preferia muito mais ter solado no set "moderno" que usei no primeiro set – muito melhor em ergonomia e com um "layout" mais musical – mas... foi dessa forma que funcionou).
Inevitavelmente, durante o desenvolvimento desse solo e mesmo com cada apresentação da turnê, certos temas de dinâmicas emergiram e foram mais ou menos repetidos – mas nunca exatamente ao mesmo tempo, ou na mesma parte da história. Às vezes, eu tentaria repetir um quase acidente anterior – assim, uma nuance inesperada iria ocorrer, enviando a narrativa em uma direção diferente. A qualidade compartilhada importante foi que toda a ideia havia nascido em espontaneidade.
Durante todos os ensaios com a banda trabalhei com esboços daquilo que buscava – padrões rítmicos que conversassem ao longo de ostinatos destacados (repetindo bases rítmicas), polirritmia e contra ritmos definidos entre si e o trabalho rudimentar na caixa que sempre gostei para riffs – deixando-o evoluir naturalmente o tempo todo.
Mas, novamente, tocando aquela "visão" todos os dias por semanas, ninguém dizia nada. Nem meu confiável técnico de bateria de longa data, Lorne "Gump" Wheaton, nem meus colegas de banda, nem o Brad da sala de mixagem, nem Jim Burgess, nem os caras da equipe, ninguém.
Finalmente, depois de algumas semanas na turnê, meu amigo Matt Scannell me disse depois de um show que gostou muito do solo – de como parecia contar uma história.
Eu poderia tê-lo beijado. (É provável que tenha feito na verdade. Somos assim).
No fim da turnê, outro amigo, Chris Stankee, um baterista que estudou em Berklee amigo de muito tempo da Sabian (e companheiro de viagens), havia assistindo a alguns dos nossos shows, e descreveu o solo de uma maneira que me deixou cheio por muito tempo.
"É o seu casamento como letrista e baterista. São os fraseados. E, com tudo isso, a técnica que não passa despercebida pelo público".
Assim, com esses poucos "acenos" e agora o de Jon, posso ficar tranquilo sabendo que consegui o que me propus a fazer, pelo menos aos olhos e ouvidos daqueles que poderiam "receber".
Como meu professor de bateria Freddie Grubber gostava de dizer, "Qual a diferença – se você não sabe a diferença".
Fico tão feliz que algumas pessoas saibam...
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Deixe-me dizer logo, "Obrigado Jon. Mais do que você espera".
Só posso tentar expressar o quanto significa ouvir isso de alguém que entendeu - o que eu realmente estava tentando alcançar com aquele solo. Uma vida de realizações, de fato.
No entanto, como desenvolvi esse solo ao longo dos meses de ensaios para a turnê, estava de certa forma perplexo por não ter recebido qualquer feedback, seja dos companheiros de banda ou da equipe. Às vezes, as pessoas parecem ter a atitude, "Ah, ele já sabe que é bom. Não precisa ouvir isso de novo".
Mas precisamos, não?
Especialmente quando estamos nos forçando ao risco como agora.
Dia após dia, semana após semana, depois de cada vez que ensaiamos essa parte do show, quando eu entregava meu esboço do solo, ficava ligeiramente preocupado com o grande silêncio. O que significa? Estava preocupado se minhas ambições eram muito elevadas – meu alcance excedendo meu domínio. (Muitas vezes, honestamente – quase sempre – mas talvez demais dessa vez). Não ia perguntar a ninguém o que pensavam – temendo muito a resposta! Em todo caso, estava avançando na fé e em uma ideia, e essa dedicação solitária não foi fácil.
Meu projeto vago de solo foi enganosamente simples. Ia abordá-lo como se estivesse apenas sentado na bateria para começar a tocar – para exercitar as técnicas de improvisação com as quais venho trabalhando há, oh, cerca de dez anos. Tecnicamente, estava determinado a exemplificar tudo o que achava que sabia sobre tocar bateria, e tudo o que amo sobre bateria – os quase 50 anos de experiência e paixão tinham que estar lá de alguma forma.
No entanto, apesar dessas limitações conceituais e técnicas, senti quase que imediatamente que se tornaria uma história, uma narrativa rítmica. Ele ecoou uma descoberta que tive no verão de 1999, quando fiz uma tentativa de retorno à bateria depois de uma "ausência forçada" de aproximadamente dois anos.
Conforme relatado no meu livro Ghost Rider, naquele dia eu estava sentado atrás da bateria e apenas comecei a tocar... a minha história. A parte triste, a parte da viagem, as "pequenas vitórias", a parte da raiva, a parte perdida e confusa – estava tudo lá.
Depois de todos esses anos, quando vi que poderia utilizar essa abordagem como um quadro recitável para um solo improvisado, me perguntei se poderia dar uma trilha sonora à essa história ao mesmo tempo.
Comecei a visualizar, e assim habitar, um filme imaginário, recontado, reeditado, um novo marco para cada performance. (Uma meta modesta, portanto).
O consultor de tecnologia de longa data da banda, Jim Burgess, me ajudou a montar uma paleta de samplers musicais e texturas no MalletKat, e experimentei diferentes formas de combiná-los durante horas. Mesmo os samplers foram incorporados de forma jamais feita, pois não havia outros disparadores no set estilo anos 70 que toquei na segunda parte da turnê R40. (Pra dizer a verdade, preferia muito mais ter solado no set "moderno" que usei no primeiro set – muito melhor em ergonomia e com um "layout" mais musical – mas... foi dessa forma que funcionou).
Inevitavelmente, durante o desenvolvimento desse solo e mesmo com cada apresentação da turnê, certos temas de dinâmicas emergiram e foram mais ou menos repetidos – mas nunca exatamente ao mesmo tempo, ou na mesma parte da história. Às vezes, eu tentaria repetir um quase acidente anterior – assim, uma nuance inesperada iria ocorrer, enviando a narrativa em uma direção diferente. A qualidade compartilhada importante foi que toda a ideia havia nascido em espontaneidade.
Durante todos os ensaios com a banda trabalhei com esboços daquilo que buscava – padrões rítmicos que conversassem ao longo de ostinatos destacados (repetindo bases rítmicas), polirritmia e contra ritmos definidos entre si e o trabalho rudimentar na caixa que sempre gostei para riffs – deixando-o evoluir naturalmente o tempo todo.
Mas, novamente, tocando aquela "visão" todos os dias por semanas, ninguém dizia nada. Nem meu confiável técnico de bateria de longa data, Lorne "Gump" Wheaton, nem meus colegas de banda, nem o Brad da sala de mixagem, nem Jim Burgess, nem os caras da equipe, ninguém.
Finalmente, depois de algumas semanas na turnê, meu amigo Matt Scannell me disse depois de um show que gostou muito do solo – de como parecia contar uma história.
Eu poderia tê-lo beijado. (É provável que tenha feito na verdade. Somos assim).
No fim da turnê, outro amigo, Chris Stankee, um baterista que estudou em Berklee amigo de muito tempo da Sabian (e companheiro de viagens), havia assistindo a alguns dos nossos shows, e descreveu o solo de uma maneira que me deixou cheio por muito tempo.
"É o seu casamento como letrista e baterista. São os fraseados. E, com tudo isso, a técnica que não passa despercebida pelo público".
Assim, com esses poucos "acenos" e agora o de Jon, posso ficar tranquilo sabendo que consegui o que me propus a fazer, pelo menos aos olhos e ouvidos daqueles que poderiam "receber".
Como meu professor de bateria Freddie Grubber gostava de dizer, "Qual a diferença – se você não sabe a diferença".
Fico tão feliz que algumas pessoas saibam...
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