22 DE MAIO DE 2015 | POR VAGNER CRUZ
Rush na capa da revista Classic Rock - Edição Julho / 2015 |
Após a fantástica entrevista com Geddy Lee e Alex Lifeson publicada na última quarta feira no site da revista britânica Classic Rock (o material faz parte da edição de julho / 2015, confira na íntegra aqui), foi liberado um pouco mais do bate-papo que não sairá na versão impressa. Os assuntos abordados continuam excepcionalmente variados, abrangendo toda a carreira da banda e provocando belíssimas declarações. Novamente, imperdível. Confiram a seguir a entrevista traduzida na íntegra.
Trechos da entrevista que não sairão na revista
Por Paul Elliott
Tradução: Leo Skinner e Vagner Cruz
Às vésperas de uma turnê pelos EUA que pode ser sua última, o guitarrista do Rush Alex Lifeson e o baixista / vocalista Geddy Lee falaram com a Classic Rock em uma entrevista abrangente, que cobriu toda a carreira. Eles discutem seus maiores trabalhos – a partir do álbum de estreia enérgico e influenciado pelo Led Zeppelin, passando por obras-primas épicas como Xanadu e La Villa Strangiato até seu conceitual Clockwork Angels, de 2012. Eles falam sobre as complexidades nas letras de Neil Peart, a natureza obsessiva dos fãs e os períodos bons e ruins em sua longa história juntos. Também abordam a questão que todos os fãs do Rush no Reino Unido querem respondida: eles irão tocar aqui novamente? Mas primeiro vamos levá-los para 1974 e para seu primeiro álbum, Rush.
Quando vocês pensam na época que fizeram esse disco, qual a primeira coisa que vem à mente?
Alex Lifeson: Lembro do quão emocionante foi estar no estúdio. Lembro também de que mal podíamos pagar.
Geddy Lee: Foi um ótimo momento para nós, e há ótimos materiais brutos nesse disco. O primeiro álbum do Rush realmente resiste melhor em alguns aspectos do que coisas que fizemos mais tarde.
Esse álbum foi o único da banda com o baterista John Rutsey, que deixou o Rush em 1974 sendo substituído por Neil Peart. E agora fazem sete anos da morte de Rutsey. Como vocês se lembram dele?
Geddy: John era um cavalheiro estranho. Uma pessoa difícil, no sentido de que tinha grandes dificuldades para lidar ele mesmo. Ele não era um cara feliz, e tinha demônios com os quais lutava. E quando você é esse tipo de pessoa é difícil para você lidar com outras pessoas. Havia muitos conflitos e reservas na banda quando John estava nela. De fato, não conseguíamos entendê-lo e ele não se preocupava muito em compartilhar as coisas conosco. E, quando Alex e eu começamos a forçar nossa música em uma nova direção, ele finalmente disse: "Não posso ajudar nisso". E esse foi o fim.
Alex: John saiu antes do álbum ser lançado nos Estados Unidos. Mas ele foi parte da coisa toda. Ele tinha os mesmos sonhos que nós.
Naqueles primeiros dias, vocês sempre acreditaram que o Rush seria bem sucedido?
Alex: Acho que nunca pensamos que seríamos grandes. Os sonhos que tínhamos a seguir eram o de fazer mais discos e turnês, tocar para públicos maiores. Estávamos tocando em escolas e bares, e esse foi nosso mundo por seis anos. Como uma banda canadense, suas chances de conseguir uma gravadora são mínimas, e sair do Canadá era ainda mais difícil.
Geddy: Nós nunca fomos esse tipo detestável de banda que diz, "Seremos enormes!" Só esperávamos que pudéssemos ser bons como as bandas que achávamos boas – Led Zeppelin, Deep Purple, Yes e Genesis. Quando saímos em turnê com o Kiss em 1975, não conseguíamos acreditar que estávamos viajando e tocando pela América. Era tudo muito novo e excitante para nós. Honestamente, achávamos que seria provavelmente a última vez que aquilo aconteceria para nós, então precisávamos curtir. Acho que ainda tenho as chaves de cada quarto de hotel dessa turnê. Eu as guardei porque nunca achei que estaria em Lubbock, Texas, novamente. E na verdade eu nunca fui a Lubbock, Texas, novamente.
Para todo o sucesso que vocês conseguiram desde então, houve momentos em que vocês sentiram que – fora do núcleo de sua base de fãs – ninguém mais dava a mínima para o Rush?
Geddy: Oh, houve muitos momentos em nossa carreira em que nos sentíamos no meio de luta muito árdua. Muitos anos atrás, antes de fazermos 2112 [em 1976], pensávamos que não chegaríamos a lugar nenhum rapidamente.
E mais tarde?
Geddy: Houve momentos em que não sentíamos que estávamos recebendo o apoio das massas, mas isso não era algo que estávamos procurando.
Alex: Nós sempre fomos cientes da lealdade da nossa base de fãs. E isso mudou ao longo dos anos, claro. Na década de oitenta, perdemos alguns fãs mais antigos dos anos setenta. E, com todas as coisas que vêm acontecendo nos últimos cinco ou seis anos, houve outra mudança, com todo um segmento de fãs mais jovens somados aos nossos fãs mais antigos. Tivemos pontos onde houve menos interesse em geral, mas continuamos excursionando nesses períodos e sempre fizemos bem.
Os meados dos anos noventa pareceram ser tempos difíceis para o Rush; os álbuns Counterparts e Test For Echo foram amplamente ignorados em um momento em que o rock alternativo havia mudado a paisagem musical. Vocês sentiam, no fundo, que o Rush havia se tornado irrelevante?
Alex: A cada nova era da música, seja com o punk ou com toda a cena de Seattle na década de noventa, era como se trouxesse um prego para nosso caixão. Mas trabalhamos firme nessas épocas. Sim, houve momentos em que talvez, em um sentido mais amplo, parecíamos irrelevantes. Mas sempre conseguimos continuar. E, realmente, nunca nos preocupamos se éramos relevantes ou não.
O Rush é uma banda de rock progressivo em um sentido mais amplo; a música tem se desenvolvido constantemente ao longo dos anos.
Geddy: Acho que é verdade. De certa forma, estamos sempre à procura de algo novo em nós. Essa tem sido nossa maldição e nossa bênção – sempre achamos que há uma versão melhor de nós para surgir em um próximo disco.
Alex: Não acho que todos os nossos discos são totalmente bem sucedidos do ponto de vista criativo. Mas sempre tentamos fazer exatamente o que queríamos com cada disco.
Geddy: E de fato, qualquer crítica que tivemos foi um jogo limpo na época [risos]. Quando se está em uma banda por tanto tempo como nós, passando por altos e baixos, você continua caminhando. Cometemos vários erros em discos, mas temos sido capazes de aprender com eles seguindo em frente. Temos envelhecido bem por termos sido capazes de aplicar as coisas que aprendemos. Tudo faz parte da evolução.
Que erros são esses que vocês cometeram nos discos?
Geddy: Não sei se todos os álbuns caem nessa categoria, mas certamente há canções com as quais não me sinto bem.
Por exemplo?
Geddy: Recentemente ouvi a canção Neurotica [do álbum Roll The Bones, de 1991] e pensei, que porra é essa? É uma canção estranha. Sinto que tivemos uma carreira bem oscilante como compositores, mas uma coisa que se manteve fiel foi a nossa honestidade sobre o que fazemos. Goste ou não, é isso o que somos [risos].
Certamente, vocês são conhecidos como uma banda de músicos virtuosos. Se há uma música do Rush acima de todas as outras, que capta todos vocês tocando no auge, tem que ser a clássica La Villa Strangiato, a proeza instrumental de nove minutos de Hemispheres, de 1978.
Alex: Absolutamente. É épica. Há tantas partes nessa canção, e todos brilham nela. Minha recordação é que levamos alguns takes para gravá-la. De fato, se ouvir atentamente durante o solo de guitarra, poderá perceber o fantasma do solo anterior por baixo. Lembro de nós tocando a música inteira como uma peça única, para depois cairmos naquele solo.
Há outro épico – Xanadu, do álbum anterior A Farewell to Kings – que também foi gravado em um único take.
Alex: Com Xanadu, fizemos uma tentativa para conseguir sons e níveis, para então apertamos 'gravar' tocando a canção - e foi feito. Pat Moran, o engenheiro daquele disco, ficou chocado. Raramente uma banda de rock fazia uma canção de 11 minutos em um take. Ele ficou impressionado.
Foi depois desses álbuns marcantes dos anos setenta que o Rush moderno nasceu, com canções mais curtas e diretas. E de Neil Peart veio uma nova abordagem para as letras, abandonando a fantasia e temas sci-fi de 2112, A Farewell to Kings e Hemispheres.
Alex: Apenas sentimos que estávamos trabalhando numa fórmula que era um pouco obsoleta. Hemispeheres foi um disco realmente complicado de fazer. Ele foi composto em um tom que foi muito difícil para Geddy cantar, registros muito altos por todo álbum. Era hora de mudar.
Geddy: Para alguns dos nossos fãs, discos como Hemispheres são seus favoritos do Rush. Quando começamos a mudar, com nossas canções ficando mais curtas e mais melódicas, perdemos esses fãs.
Permanent Waves, de 1980, foi de fato a ponte entre o velho e o novo Rush, a ligação entre Hemispheres e o rock moderno de Moving Pictures, de 1981.
Geddy: Realmente, Permanent Waves é um tipo de álbum ponte, e um disco muito importante para nós.
Alex: Não sei se isso se deve à química entre nós, mas acho que sem Hemispheres não teríamos ido para Permanent Waves da forma que fizemos. Permanent Waves é realmente um híbrido de Hemispheres e Moving Pictures. Ainda tivemos algumas faixas longas nele - como Jacob's Ladder e Natural Science – mas também canções mais curtas, como The Spirit of Radio e Freewill.
Que disco vocês acham que é um clássico não apreciado no catálogo do Rush? Para alguns fãs seria o Grace Under Pressure, de 1984.
Alex: Grace Under Pressure é uma boa escolha. Signals também é um pouco assim – esquecido por vir após Moving Pictures. Olhando para trás, acho que Grace Under Pressure sofreu na produção, mas as canções são muito fortes e há uma grande diversidade no disco. Counterparts é outro. Há muita coisa que eu realmente gosto no disco. Há sentimento nele, um tom e um estado de espírito.
Geddy: A época na qual fizemos o Grace Under Pressure foi bem difícil para nós. Não tínhamos certeza do tipo de banda que queríamos ser. Havia muita experimentação, e ocorreram rejeições de produtores com os quais esperávamos trabalhar – foi meio que um sanduíche de verdade que tivemos que engolir [risos]. Acabamos produzindo esse disco por nós mesmos, o que foi bem difícil.
Nos álbuns posteriores a Grace Under Pressure – Power Windows de 1985 e Hold Your Fire de 1987 – o som da banda se tornou cada vez mais dominado pelo uso dos sintetizadores. Como você se sente com esses álbuns agora?
Geddy: Esses discos também foram experimentais. Power Windows foi um ponto alto, foi um grande disco. Alguns dos trabalhos que fizemos em Hold Your Fire foram muito positivos, e outros de menos sucesso. Dessa forma, houve muitos altos e baixos nesses anos. Mas o conjunto cumulativo da obra, o melhor daqueles anos, resistem muito bem.
Alex, você já disse no passado que se sentia marginalizado naquele período, tendo seu papel limitado como guitarrista. Você disse que estava frustrado. Você também estava deprimido?
Alex: Honestamente não. Fui feliz daquela forma. Sim, fiquei triste às vezes, pois me sentia preso e entediado. Mas deprimido? Na verdade não. Não é da minha natureza.
Geddy: Foi uma época difícil para nós. Alex era resistente, claro, pois mais e mais teclados estavam vindo para a banda.
Isso levou a discussões entre vocês?
Geddy: Eu acho que é mais da nossa natureza abrigar calmamente ressentimentos do que partir para o ataque. Mas tivemos algumas conversas bastante ousadas, eu diria, com todas as cartas na mesa.
O guitarrista do Toto, Steve Lukather, disse que sua banda costumava brigar pela música. Isso aconteceu com vocês?
Alex: Não posso dizer que já brigamos. Nunca foi uma questão pessoal. Se discordássemos sobre algo, seja musicalmente ou por outro motivo, sempre conversávamos.
O Rush é uma autêntica democracia que funciona?
Alex: Sempre foi. E não era apenas a maioria que decidia, tínhamos que ser unânimes em qualquer decisão. Portanto, se dois caras queriam fazer algo e um não, conversávamos sobre aquilo, trabalhávamos os prós e contras e por fim, se ele ainda não quisesse fazer, não seria feito. Não valia a pena ter amargura por decisões aparentemente sem sentido.
Neil é igualmente aberto à discussão sobre as letras que escreve?
Geddy: Eu sou fã do Neil, adoro colaborar com ele pois é muito objetivo e fácil de se trabalhar. Quando vamos gravar canções e tropeçamos em uma palavra ou coisas do tipo, se Neil não estiver no estúdio, vamos ligar para ele e falar sobre isso. Ele até me permite fazer sugestões para as letras – uma palavra que possa soar bem – aceitando ou vindo com algo melhor. É realmente um prazer trabalhar com ele. Com Neil não há chiliques, nunca. E ainda, ao longo dos anos, ele se tornou cada vez mais sensível sobre dar forma a uma letra para tornar meu trabalho como vocalista mais fácil. Quando ele olha para trás, para algumas de suas letras do passado – coisas que me deu para cantar – ele não consegue entender como fiz [risos].
Alex: Em se tratando de letras, Geddy é bem livre para usar o bisturi. Ele faz edições rigorosas, pois quer ser capaz de conhecer claramente a ideia da canção. Geddy tem um grande senso do que a apresentação das letras precisa para que todos compreendam o que está acontecendo. Ele tem o talento de condensá-las à sua essência. Isso faz com que a entrega seja mais convincente para ele, ele saca muito dessa parte. E Neil também é muito bom nisso.
Geddy: Você se concentra no que funciona, não no que não funciona. E se aquilo era algo muito importante para ele, iremos discutir conceitualmente: porque não funciona para mim?
Houve momentos em que Neil escreveu uma letra que você não entendeu?
Alex: Suas letras não são fáceis. Várias vezes não tenho nenhuma ideia do que ele está falando [risos].
Muitas pessoas ficaram perplexas com a história que Neil escreveu para o conceito do álbum Clockwork Angels, de 2012. Você entendeu?
Alex: Oh, com Clockwork Angels acho fiquei mais confuso do que nunca.
Geddy: Eu entendi muito bem. Passei meses trabalhando com as letras e discutindo-as com Neil. Ficamos muito de lá para cá com alguns aspectos de Clockwork Angels, para nos certificarmos de que saísse mais universal e menos abertamente prog.
Alex: Neil é muito paciente com esse tipo de coisa. Se eu escrevesse uma canção que fosse dissecada da maneira que suas letras são, sendo reescritas e reescritas, acho que não conseguiria, principalmente com dez ou doze músicas no disco. Acho que estrangularia o Ged e me estrangularia.
Se você tivesse que escolher uma canção para ilustrar o quão grande letrista é o Neil, qual seria?
Geddy: Eu adoro Bravado, do Roll The Bones. Essa é uma que foi muito pouco alterada desde sua criação original até a versão final.
Alex: Acho The Pass muito bonita. Essa foi uma daquelas que aconteceram bem rápido. Resist é outra. Amo a letra dessa canção, ela fala profundamente.
Como um nerd do Rush de trinta e cinco anos, eu diria que essa banda, mais do que qualquer outra, é a que mais traz geeks entre seus fãs.
Geddy: Acho que há verdade nisso, com certeza [risos].
Você entende o porquê?
Alex: Talvez porque levamos as coisas mais à sério de certa maneira. Talvez nossa música e letras, sejam geeky?
Talvez esse seja o detalhe no trabalho de vocês. Há muita coisa para ficar obcecado.
Geddy: Os fãs adoram detalhes, como fazemos. Trazemos muitos detalhes para nossa música, capas dos álbuns e filmes para nossos shows. Tentamos ter um monte de coisas para manter as pessoas se divertindo e entretidas.
Alex: Há sem dúvidas um monte detalhes para ficar obcecado [risos]. Não é apenas a música superficial que te faz sentir bem, e isso é certo! É a música séria. Acho que fazemos isso há tanto tempo que foi o rótulo que ganhamos.
O Rush também é, para muitos fãs, uma obsessão de vida – uma vez dentro, não há como sair.
Geddy: Ha ha. Sim, isso também é verdade.
Alguns fãs – eu me incluo – sempre gostam de saborear o momento em que o relógio avança para 21:12.Na última vez que fiz isso, segurando meu telefone e mostrando para minha esposa, dizendo: "É a hora do Rush!", ela revirou os olhos.
Alex: Acho que sua esposa e a minha iriam se dar muito bem [risos].
Você já fez isso?
Geddy: Não. Mas talvez, se estivesse em um aeroporto à noite nessa hora, e visse em um relógio digital...
Você se permite pelo menos um pequeno sorriso?
Geddy: Sim, me permito.
Esse nível geek dos fãs foi muito bem retratado na famosa cena do filme "Eu Te Amo, Cara", quando dois amigos estão em um show do Rush assistindo vocês tocando a canção Limelight, cantando cada palavra um para o outro. É meio embaraçoso, mas todos nós fazemos isso.
Geddy: Bem, esse filme bateu bastante no fato de ir a um show e curtir o momento. Acho que isso é algo importante de se lembrar quando se ama o rock: que há um senso de liberdade em se permitir essa sensação de desprendimento, curtindo sua banda. Olhando de fora pode ser embaraçoso, com certeza.
Com uma base de fãs tão leal, o Rush é a maior banda cult do mundo. Para vocês, esse é um cenário perfeito?
Geddy: Basicamente sim, não há nada de errado com isso.
Alex: Para nós, ter esse status cult por tanto tempo foi uma verdadeira válvula de segurança. Você pode ser esse tipo de famoso, bem conhecido para um pequeno grupo de pessoas, levando uma existência perfeitamente normal. Há um grau de desconforto que vem com ser famoso, mas é parte do trabalho. E ei, há problemas piores.
Geddy: Acho que por muitos anos as pessoas não sabiam muito sobre nós, e nunca fomos loucos por muita publicidade. Mas o tempo passou e crescemos, ficando mais confortáveis com nós mesmos, mais confortáveis com nosso papel como banda e mais confortáveis em torno das pessoas, e acho que isso tem contribuído por esse interesse em nós. Quando as pessoas veem essa banda, com os integrantes grudados a tanto tempo como amigos, acho que se sentem bem sobre a possibilidade de relacionamentos a longo prazo [risos].
Alex: E, apesar do sucesso e da fama que vem junto, acho que você pode equilibrar as coisas. Com a fama, você não pode simplesmente desligar e ser um babaca. Você tem que ser pelo menos um pouco aberto e agradável. Acho que você deve dar um tempo às pessoas que o apoiam, que se preocupam com o que você está fazendo e que são movidos por isso. É uma questão de cortesia. Fui criado por meus pais para ser muito cortês. Isso está em mim, e me sentiria mal se afastasse ou se fosse rude com alguém.
Vocês comentaram que a banda está sem seus estágios finais. Quando finalmente acabar, irão se manter ativos na música?
Geddy: Definitivamente. Está em minha natureza ser produtivo, gosto de estar ativo. Então a música sempre será algo que espero fazer, em qualquer contexto que seja. Além disso, músicos e artistas não se aposentam. Ou você trabalha ou pára de trabalhar. Quando as pessoas falam sobre aposentadoria, elas se referem em parar o relógio, e eu não gosto de olhar para minha vida desse modo.
Alex: A ideia de aposentadoria - sentar em alguma praia na Flórida, esse senso de aposentadoria - não é o que eu faria. Eu iria viajar. Estaria tão ativo quanto eu poderia estar. Tenho convites para tocar em álbuns de outras pessoas, para produzir - iria me dedicar a isso cada vez mais. Amo compor. Sempre estou compondo música quando estou em casa e sempre quero tocar guitarra o quanto puder.
Clockwork Angels foi um enorme sucesso. Número 1 no Canadá, número 2 nos Estados Unidos, sendo aclamado como um dos melhores álbuns que o Rush já fez.
Alex: Sinto que realmente conquistamos algo com Clockwork Angels - um álbum que foi muito bem nessa fase final da nossa carreira.
Geddy: Queria fazer a turnê desse álbum pra sempre. Me diverti muito naquela turnê.
Vocês já estão pensando em um novo álbum?
Alex: Eu e Geddy conversamos sobre nos reunir nas próximas férias apenas compor por diversão. Neil adora gravar e sempre adorou.
Geddy: Mas para fazer outro álbum, tem que haver um engajamento de cem por cento de todos nós. Não acho que você pode chegar em um álbum ou qualquer outro projeto do Rush de meia-boca. Você tem realmente querer fazer.
Então...
Geddy: A conversa sobre futuros álbuns terá que esperar até o final dessa turnê. Mas não há negatividade nisso.
Vocês disseram que não haverá grandes turnês para o Rush no futuro. Vocês poderiam ter em vista gravar um álbum mas não sair em turnê?
Geddy: Posso nos ver lançando um álbum e tocando ao vivo, mas não fazendo vários shows. Posso nos ver fazendo um álbum, mas não uma turnê.
Alex: Posso nos ver fazendo duas ou três semanas de shows. Há alguns anos, vi David Gilmour, na turnê On An Island. Acho que ele fez dezoito datas naquela turnê. Ele esteve fora por algumas semanas, e foi isso. Quando vejo aquele show, meu Deus, aquilo foi fantástico. Ele estava tocando muito bem, e que apresentação fantástica! E ele provavelmente teve o mesmo trabalho e dedicação nessas dezoito datas que teria ao fazer dez meses de turnê. E isso é legal - você comprometendo uma grande quantidade de energia e trabalho para fazer apenas algumas datas, e só. Posso nos ver fazendo algo assim.
Os ingressos para a turnê atual nos Estados Unidos se esgotaram muito rápido.
Alex: Se esgotaram. Acho que muitos fãs do Rush se anteciparam por essa ser talvez nossa última grande turnê. Eles querem a saideira [risos].
O Led Zeppelin foi uma grande influência para o Rush no começo. Vocês conseguem entender o porquê Robert Plant se recusa a fazer uma turnê de reunião da banda? É uma situação frustrante para Jimmy Page.
Geddy: Eu entendo isso. Entendo como Jimmy Page se sente. Ele ainda quer fazer, e Robert está em outra. Mas Robert não está menos ocupado - ele está apenas ocupado com coisas novas, precisando de novos estímulos. Tenho total respeito por isso.
Você também sente, como um vocalista em certa idade, que Plant tem mais a perder se o Zeppelin se reunir?
Geddy: Sim. É mais difícil para o vocalista sob vários aspectos. Quando o vocalista envelhece na frente do público, eles podem ouvir. Ser o vocalista do Led Zeppelin é um trabalho difícil da porra. Requer muita disciplina e muito trabalho. Então entendo sua relutância em fazer isso novamente, mesmo que esteja criativamente preenchido com todos esses projetos que faz. Bom para ele. Estou feliz por ele.
Vocês ensaiaram muito para essa turnê. Realmente precisavam?
Alex: Claro. Comecei em janeiro, tocando mais regularmente. Durante março passei quatro ou cinco dias por semana em meu estúdio, tocando três ou quatro horas sem parar. Neil e Geddy fizeram a mesma coisa por um mês antes dos ensaios. Nós ensaiamos para ensaiar!
Por que?
Alex: Gostamos de estar tão preparados para o primeiro show como se fosse o nosso vigésimo. Vale a pena. Na primeira noite, você se sente confiante. É dessa forma que sempre fizemos.
Então, o que estará no setlist dessa turnê?
Alex: Nós cavamos fundo. Puxamos algumas músicas que não tocamos há muito tempo. Trouxemos algumas favoritas dos fãs, e vamos curtir tocá-las. Visitamos talvez todas as eras, exceto meados dos anos 80, o qual já cobrimos boa parte na última turnê. Não incluímos nada do Power Windows ou Hold Your Fire, mas terá coisas de quase todos os álbuns.
Podem ser mais específicos?
Alex: Nós trouxemos Hemispheres Prelude e Jacob's Ladder, Cygnus X-1. É divertido e excitante tocar essas canções antigas. Jacob's Ladder soa perfeita! Por anos a ignoramos, embora sempre tenha sido a favorita dos fãs. Temos três sets - A, B e C - os quais iremos alternar no decorrer da turnê.
Geddy: É divertido, algumas dessas canções antigas soam estranhas pra mim agora, mas quando você começa a tocá-las, retorna àquele espaço aéreo que você estava quando elas foram escritas e gravadas.
Você se apaixonou por elas novamente?
Geddy: É tudo uma questão de perspectiva. Há alguns anos, trouxemos The Camera Eye de volta. Nunca quis tocar essa canção. Eu nunca pensei que seria particularmente digna, e ainda era uma das canções do Rush mais requisitadas. Eu não conseguia entender isso. Como as pessoas poderiam estar tão erradas?
Então o que mudou?
Geddy: Percebi que subestimei o momento na época - o contexto daquele momento. Quando começamos a tocar The Camera Eye, pensei, ok, há muitos momentos pretensiosos nessa canção, ela não envelheceu bem. Porém comecei a reaprender as partes dos teclados e fazer uma versão ligeiramente diferente - ao invés de onze minutos, agora com nove minutos e meio. E, ao tocá-la, sim, me apaixonei por ela novamente. E é ai que isso se torna muito subjetivo, e não objetivo. Parei de dizer que era uma canção pretensiosa e curti aqueles os acordes, lembrando do porquê esse som ter sido gravado primeiramente - gostei da progressão de acordes e das melodias vocais. Você pode voltar no tempo e apreciar o que você estava tentando fazer. Essa canção - foi um ponto em sua vida, e os fãs querem reviver esse ponto de sua vida e você pode se divertir a tocando. Expulsei os demônios dessa canção.
O que mais está planejado para essa turnê?
Alex: Eu e Geddy enlouquecemos ao trazer todos os nossos instrumentos antigos, comprando equipamentos vintage por todos os lugares. Seu objetivo é usar um baixo diferente para cada música no show.
E, para os fãs do Rush no Reino Unido, a grande questão é muito simples: Vocês irão voltar?
Geddy: Estou sempre de volta. Passo muito tempo em Londres, tenho uma casa lá. É uma das minhas cidades favoritas na Terra.
Você sabe o que estou querendo dizer - seus fãs do Reino Unido querem ver a banda ao vivo novamente.
Geddy: Não há nada nos planos no momento. Eu diria que alguns de nós preferem fazer algumas datas no Reino Unido e até mesmo na Europa, e há uma oportunidade. Uma vez que começar a rolar, vamos ver o que poderemos adicionar. Mas vamos dizer que, nesse momento, Neil deixou claro que está bem com essa turnê americana ser o ultimo grupo de datas.
Alex: Você nunca sabe. Os últimos meses foram fundamentais. Eles nos mostraram, após um ano e meio fora, o quanto realmente amamos fazer o que fazemos. Acho que foi muito importante no caso do Neil. Mas quando você passa muito tempo só tocando é duro.
Então você está gentilmente nos entristecendo?
Alex: Bem, como eu disse, você nunca sabe o que pode acontecer. Mas vou dizer uma coisa: Geddy sente que é importante para nós nesse momento voltarmos ao Reino Unido, para reconhecer o suporte que vocês nos deram por todos esses anos. E eu concordo com ele.
Fonte: Team Rock
Trechos da entrevista que não sairão na revista
Por Paul Elliott
Tradução: Leo Skinner e Vagner Cruz
Às vésperas de uma turnê pelos EUA que pode ser sua última, o guitarrista do Rush Alex Lifeson e o baixista / vocalista Geddy Lee falaram com a Classic Rock em uma entrevista abrangente, que cobriu toda a carreira. Eles discutem seus maiores trabalhos – a partir do álbum de estreia enérgico e influenciado pelo Led Zeppelin, passando por obras-primas épicas como Xanadu e La Villa Strangiato até seu conceitual Clockwork Angels, de 2012. Eles falam sobre as complexidades nas letras de Neil Peart, a natureza obsessiva dos fãs e os períodos bons e ruins em sua longa história juntos. Também abordam a questão que todos os fãs do Rush no Reino Unido querem respondida: eles irão tocar aqui novamente? Mas primeiro vamos levá-los para 1974 e para seu primeiro álbum, Rush.
Quando vocês pensam na época que fizeram esse disco, qual a primeira coisa que vem à mente?
Alex Lifeson: Lembro do quão emocionante foi estar no estúdio. Lembro também de que mal podíamos pagar.
Geddy Lee: Foi um ótimo momento para nós, e há ótimos materiais brutos nesse disco. O primeiro álbum do Rush realmente resiste melhor em alguns aspectos do que coisas que fizemos mais tarde.
Esse álbum foi o único da banda com o baterista John Rutsey, que deixou o Rush em 1974 sendo substituído por Neil Peart. E agora fazem sete anos da morte de Rutsey. Como vocês se lembram dele?
Geddy: John era um cavalheiro estranho. Uma pessoa difícil, no sentido de que tinha grandes dificuldades para lidar ele mesmo. Ele não era um cara feliz, e tinha demônios com os quais lutava. E quando você é esse tipo de pessoa é difícil para você lidar com outras pessoas. Havia muitos conflitos e reservas na banda quando John estava nela. De fato, não conseguíamos entendê-lo e ele não se preocupava muito em compartilhar as coisas conosco. E, quando Alex e eu começamos a forçar nossa música em uma nova direção, ele finalmente disse: "Não posso ajudar nisso". E esse foi o fim.
Alex: John saiu antes do álbum ser lançado nos Estados Unidos. Mas ele foi parte da coisa toda. Ele tinha os mesmos sonhos que nós.
Naqueles primeiros dias, vocês sempre acreditaram que o Rush seria bem sucedido?
Alex: Acho que nunca pensamos que seríamos grandes. Os sonhos que tínhamos a seguir eram o de fazer mais discos e turnês, tocar para públicos maiores. Estávamos tocando em escolas e bares, e esse foi nosso mundo por seis anos. Como uma banda canadense, suas chances de conseguir uma gravadora são mínimas, e sair do Canadá era ainda mais difícil.
Geddy: Nós nunca fomos esse tipo detestável de banda que diz, "Seremos enormes!" Só esperávamos que pudéssemos ser bons como as bandas que achávamos boas – Led Zeppelin, Deep Purple, Yes e Genesis. Quando saímos em turnê com o Kiss em 1975, não conseguíamos acreditar que estávamos viajando e tocando pela América. Era tudo muito novo e excitante para nós. Honestamente, achávamos que seria provavelmente a última vez que aquilo aconteceria para nós, então precisávamos curtir. Acho que ainda tenho as chaves de cada quarto de hotel dessa turnê. Eu as guardei porque nunca achei que estaria em Lubbock, Texas, novamente. E na verdade eu nunca fui a Lubbock, Texas, novamente.
Para todo o sucesso que vocês conseguiram desde então, houve momentos em que vocês sentiram que – fora do núcleo de sua base de fãs – ninguém mais dava a mínima para o Rush?
Geddy: Oh, houve muitos momentos em nossa carreira em que nos sentíamos no meio de luta muito árdua. Muitos anos atrás, antes de fazermos 2112 [em 1976], pensávamos que não chegaríamos a lugar nenhum rapidamente.
E mais tarde?
Geddy: Houve momentos em que não sentíamos que estávamos recebendo o apoio das massas, mas isso não era algo que estávamos procurando.
Alex: Nós sempre fomos cientes da lealdade da nossa base de fãs. E isso mudou ao longo dos anos, claro. Na década de oitenta, perdemos alguns fãs mais antigos dos anos setenta. E, com todas as coisas que vêm acontecendo nos últimos cinco ou seis anos, houve outra mudança, com todo um segmento de fãs mais jovens somados aos nossos fãs mais antigos. Tivemos pontos onde houve menos interesse em geral, mas continuamos excursionando nesses períodos e sempre fizemos bem.
Os meados dos anos noventa pareceram ser tempos difíceis para o Rush; os álbuns Counterparts e Test For Echo foram amplamente ignorados em um momento em que o rock alternativo havia mudado a paisagem musical. Vocês sentiam, no fundo, que o Rush havia se tornado irrelevante?
Alex: A cada nova era da música, seja com o punk ou com toda a cena de Seattle na década de noventa, era como se trouxesse um prego para nosso caixão. Mas trabalhamos firme nessas épocas. Sim, houve momentos em que talvez, em um sentido mais amplo, parecíamos irrelevantes. Mas sempre conseguimos continuar. E, realmente, nunca nos preocupamos se éramos relevantes ou não.
O Rush é uma banda de rock progressivo em um sentido mais amplo; a música tem se desenvolvido constantemente ao longo dos anos.
Geddy: Acho que é verdade. De certa forma, estamos sempre à procura de algo novo em nós. Essa tem sido nossa maldição e nossa bênção – sempre achamos que há uma versão melhor de nós para surgir em um próximo disco.
Alex: Não acho que todos os nossos discos são totalmente bem sucedidos do ponto de vista criativo. Mas sempre tentamos fazer exatamente o que queríamos com cada disco.
Geddy: E de fato, qualquer crítica que tivemos foi um jogo limpo na época [risos]. Quando se está em uma banda por tanto tempo como nós, passando por altos e baixos, você continua caminhando. Cometemos vários erros em discos, mas temos sido capazes de aprender com eles seguindo em frente. Temos envelhecido bem por termos sido capazes de aplicar as coisas que aprendemos. Tudo faz parte da evolução.
Que erros são esses que vocês cometeram nos discos?
Geddy: Não sei se todos os álbuns caem nessa categoria, mas certamente há canções com as quais não me sinto bem.
Por exemplo?
Geddy: Recentemente ouvi a canção Neurotica [do álbum Roll The Bones, de 1991] e pensei, que porra é essa? É uma canção estranha. Sinto que tivemos uma carreira bem oscilante como compositores, mas uma coisa que se manteve fiel foi a nossa honestidade sobre o que fazemos. Goste ou não, é isso o que somos [risos].
Certamente, vocês são conhecidos como uma banda de músicos virtuosos. Se há uma música do Rush acima de todas as outras, que capta todos vocês tocando no auge, tem que ser a clássica La Villa Strangiato, a proeza instrumental de nove minutos de Hemispheres, de 1978.
Alex: Absolutamente. É épica. Há tantas partes nessa canção, e todos brilham nela. Minha recordação é que levamos alguns takes para gravá-la. De fato, se ouvir atentamente durante o solo de guitarra, poderá perceber o fantasma do solo anterior por baixo. Lembro de nós tocando a música inteira como uma peça única, para depois cairmos naquele solo.
Há outro épico – Xanadu, do álbum anterior A Farewell to Kings – que também foi gravado em um único take.
Alex: Com Xanadu, fizemos uma tentativa para conseguir sons e níveis, para então apertamos 'gravar' tocando a canção - e foi feito. Pat Moran, o engenheiro daquele disco, ficou chocado. Raramente uma banda de rock fazia uma canção de 11 minutos em um take. Ele ficou impressionado.
Foi depois desses álbuns marcantes dos anos setenta que o Rush moderno nasceu, com canções mais curtas e diretas. E de Neil Peart veio uma nova abordagem para as letras, abandonando a fantasia e temas sci-fi de 2112, A Farewell to Kings e Hemispheres.
Alex: Apenas sentimos que estávamos trabalhando numa fórmula que era um pouco obsoleta. Hemispeheres foi um disco realmente complicado de fazer. Ele foi composto em um tom que foi muito difícil para Geddy cantar, registros muito altos por todo álbum. Era hora de mudar.
Geddy: Para alguns dos nossos fãs, discos como Hemispheres são seus favoritos do Rush. Quando começamos a mudar, com nossas canções ficando mais curtas e mais melódicas, perdemos esses fãs.
Permanent Waves, de 1980, foi de fato a ponte entre o velho e o novo Rush, a ligação entre Hemispheres e o rock moderno de Moving Pictures, de 1981.
Geddy: Realmente, Permanent Waves é um tipo de álbum ponte, e um disco muito importante para nós.
Alex: Não sei se isso se deve à química entre nós, mas acho que sem Hemispheres não teríamos ido para Permanent Waves da forma que fizemos. Permanent Waves é realmente um híbrido de Hemispheres e Moving Pictures. Ainda tivemos algumas faixas longas nele - como Jacob's Ladder e Natural Science – mas também canções mais curtas, como The Spirit of Radio e Freewill.
Que disco vocês acham que é um clássico não apreciado no catálogo do Rush? Para alguns fãs seria o Grace Under Pressure, de 1984.
Alex: Grace Under Pressure é uma boa escolha. Signals também é um pouco assim – esquecido por vir após Moving Pictures. Olhando para trás, acho que Grace Under Pressure sofreu na produção, mas as canções são muito fortes e há uma grande diversidade no disco. Counterparts é outro. Há muita coisa que eu realmente gosto no disco. Há sentimento nele, um tom e um estado de espírito.
Geddy: A época na qual fizemos o Grace Under Pressure foi bem difícil para nós. Não tínhamos certeza do tipo de banda que queríamos ser. Havia muita experimentação, e ocorreram rejeições de produtores com os quais esperávamos trabalhar – foi meio que um sanduíche de verdade que tivemos que engolir [risos]. Acabamos produzindo esse disco por nós mesmos, o que foi bem difícil.
Nos álbuns posteriores a Grace Under Pressure – Power Windows de 1985 e Hold Your Fire de 1987 – o som da banda se tornou cada vez mais dominado pelo uso dos sintetizadores. Como você se sente com esses álbuns agora?
Geddy: Esses discos também foram experimentais. Power Windows foi um ponto alto, foi um grande disco. Alguns dos trabalhos que fizemos em Hold Your Fire foram muito positivos, e outros de menos sucesso. Dessa forma, houve muitos altos e baixos nesses anos. Mas o conjunto cumulativo da obra, o melhor daqueles anos, resistem muito bem.
Alex, você já disse no passado que se sentia marginalizado naquele período, tendo seu papel limitado como guitarrista. Você disse que estava frustrado. Você também estava deprimido?
Alex: Honestamente não. Fui feliz daquela forma. Sim, fiquei triste às vezes, pois me sentia preso e entediado. Mas deprimido? Na verdade não. Não é da minha natureza.
Geddy: Foi uma época difícil para nós. Alex era resistente, claro, pois mais e mais teclados estavam vindo para a banda.
Isso levou a discussões entre vocês?
Geddy: Eu acho que é mais da nossa natureza abrigar calmamente ressentimentos do que partir para o ataque. Mas tivemos algumas conversas bastante ousadas, eu diria, com todas as cartas na mesa.
O guitarrista do Toto, Steve Lukather, disse que sua banda costumava brigar pela música. Isso aconteceu com vocês?
Alex: Não posso dizer que já brigamos. Nunca foi uma questão pessoal. Se discordássemos sobre algo, seja musicalmente ou por outro motivo, sempre conversávamos.
O Rush é uma autêntica democracia que funciona?
Alex: Sempre foi. E não era apenas a maioria que decidia, tínhamos que ser unânimes em qualquer decisão. Portanto, se dois caras queriam fazer algo e um não, conversávamos sobre aquilo, trabalhávamos os prós e contras e por fim, se ele ainda não quisesse fazer, não seria feito. Não valia a pena ter amargura por decisões aparentemente sem sentido.
Neil é igualmente aberto à discussão sobre as letras que escreve?
Geddy: Eu sou fã do Neil, adoro colaborar com ele pois é muito objetivo e fácil de se trabalhar. Quando vamos gravar canções e tropeçamos em uma palavra ou coisas do tipo, se Neil não estiver no estúdio, vamos ligar para ele e falar sobre isso. Ele até me permite fazer sugestões para as letras – uma palavra que possa soar bem – aceitando ou vindo com algo melhor. É realmente um prazer trabalhar com ele. Com Neil não há chiliques, nunca. E ainda, ao longo dos anos, ele se tornou cada vez mais sensível sobre dar forma a uma letra para tornar meu trabalho como vocalista mais fácil. Quando ele olha para trás, para algumas de suas letras do passado – coisas que me deu para cantar – ele não consegue entender como fiz [risos].
Alex: Em se tratando de letras, Geddy é bem livre para usar o bisturi. Ele faz edições rigorosas, pois quer ser capaz de conhecer claramente a ideia da canção. Geddy tem um grande senso do que a apresentação das letras precisa para que todos compreendam o que está acontecendo. Ele tem o talento de condensá-las à sua essência. Isso faz com que a entrega seja mais convincente para ele, ele saca muito dessa parte. E Neil também é muito bom nisso.
Geddy: Você se concentra no que funciona, não no que não funciona. E se aquilo era algo muito importante para ele, iremos discutir conceitualmente: porque não funciona para mim?
Houve momentos em que Neil escreveu uma letra que você não entendeu?
Alex: Suas letras não são fáceis. Várias vezes não tenho nenhuma ideia do que ele está falando [risos].
Muitas pessoas ficaram perplexas com a história que Neil escreveu para o conceito do álbum Clockwork Angels, de 2012. Você entendeu?
Alex: Oh, com Clockwork Angels acho fiquei mais confuso do que nunca.
Geddy: Eu entendi muito bem. Passei meses trabalhando com as letras e discutindo-as com Neil. Ficamos muito de lá para cá com alguns aspectos de Clockwork Angels, para nos certificarmos de que saísse mais universal e menos abertamente prog.
Alex: Neil é muito paciente com esse tipo de coisa. Se eu escrevesse uma canção que fosse dissecada da maneira que suas letras são, sendo reescritas e reescritas, acho que não conseguiria, principalmente com dez ou doze músicas no disco. Acho que estrangularia o Ged e me estrangularia.
Se você tivesse que escolher uma canção para ilustrar o quão grande letrista é o Neil, qual seria?
Geddy: Eu adoro Bravado, do Roll The Bones. Essa é uma que foi muito pouco alterada desde sua criação original até a versão final.
Alex: Acho The Pass muito bonita. Essa foi uma daquelas que aconteceram bem rápido. Resist é outra. Amo a letra dessa canção, ela fala profundamente.
Como um nerd do Rush de trinta e cinco anos, eu diria que essa banda, mais do que qualquer outra, é a que mais traz geeks entre seus fãs.
Geddy: Acho que há verdade nisso, com certeza [risos].
Você entende o porquê?
Alex: Talvez porque levamos as coisas mais à sério de certa maneira. Talvez nossa música e letras, sejam geeky?
Talvez esse seja o detalhe no trabalho de vocês. Há muita coisa para ficar obcecado.
Geddy: Os fãs adoram detalhes, como fazemos. Trazemos muitos detalhes para nossa música, capas dos álbuns e filmes para nossos shows. Tentamos ter um monte de coisas para manter as pessoas se divertindo e entretidas.
Alex: Há sem dúvidas um monte detalhes para ficar obcecado [risos]. Não é apenas a música superficial que te faz sentir bem, e isso é certo! É a música séria. Acho que fazemos isso há tanto tempo que foi o rótulo que ganhamos.
O Rush também é, para muitos fãs, uma obsessão de vida – uma vez dentro, não há como sair.
Geddy: Ha ha. Sim, isso também é verdade.
Alguns fãs – eu me incluo – sempre gostam de saborear o momento em que o relógio avança para 21:12.Na última vez que fiz isso, segurando meu telefone e mostrando para minha esposa, dizendo: "É a hora do Rush!", ela revirou os olhos.
Alex: Acho que sua esposa e a minha iriam se dar muito bem [risos].
Você já fez isso?
Geddy: Não. Mas talvez, se estivesse em um aeroporto à noite nessa hora, e visse em um relógio digital...
Você se permite pelo menos um pequeno sorriso?
Geddy: Sim, me permito.
Esse nível geek dos fãs foi muito bem retratado na famosa cena do filme "Eu Te Amo, Cara", quando dois amigos estão em um show do Rush assistindo vocês tocando a canção Limelight, cantando cada palavra um para o outro. É meio embaraçoso, mas todos nós fazemos isso.
Geddy: Bem, esse filme bateu bastante no fato de ir a um show e curtir o momento. Acho que isso é algo importante de se lembrar quando se ama o rock: que há um senso de liberdade em se permitir essa sensação de desprendimento, curtindo sua banda. Olhando de fora pode ser embaraçoso, com certeza.
Com uma base de fãs tão leal, o Rush é a maior banda cult do mundo. Para vocês, esse é um cenário perfeito?
Geddy: Basicamente sim, não há nada de errado com isso.
Alex: Para nós, ter esse status cult por tanto tempo foi uma verdadeira válvula de segurança. Você pode ser esse tipo de famoso, bem conhecido para um pequeno grupo de pessoas, levando uma existência perfeitamente normal. Há um grau de desconforto que vem com ser famoso, mas é parte do trabalho. E ei, há problemas piores.
Geddy: Acho que por muitos anos as pessoas não sabiam muito sobre nós, e nunca fomos loucos por muita publicidade. Mas o tempo passou e crescemos, ficando mais confortáveis com nós mesmos, mais confortáveis com nosso papel como banda e mais confortáveis em torno das pessoas, e acho que isso tem contribuído por esse interesse em nós. Quando as pessoas veem essa banda, com os integrantes grudados a tanto tempo como amigos, acho que se sentem bem sobre a possibilidade de relacionamentos a longo prazo [risos].
Alex: E, apesar do sucesso e da fama que vem junto, acho que você pode equilibrar as coisas. Com a fama, você não pode simplesmente desligar e ser um babaca. Você tem que ser pelo menos um pouco aberto e agradável. Acho que você deve dar um tempo às pessoas que o apoiam, que se preocupam com o que você está fazendo e que são movidos por isso. É uma questão de cortesia. Fui criado por meus pais para ser muito cortês. Isso está em mim, e me sentiria mal se afastasse ou se fosse rude com alguém.
Vocês comentaram que a banda está sem seus estágios finais. Quando finalmente acabar, irão se manter ativos na música?
Geddy: Definitivamente. Está em minha natureza ser produtivo, gosto de estar ativo. Então a música sempre será algo que espero fazer, em qualquer contexto que seja. Além disso, músicos e artistas não se aposentam. Ou você trabalha ou pára de trabalhar. Quando as pessoas falam sobre aposentadoria, elas se referem em parar o relógio, e eu não gosto de olhar para minha vida desse modo.
Alex: A ideia de aposentadoria - sentar em alguma praia na Flórida, esse senso de aposentadoria - não é o que eu faria. Eu iria viajar. Estaria tão ativo quanto eu poderia estar. Tenho convites para tocar em álbuns de outras pessoas, para produzir - iria me dedicar a isso cada vez mais. Amo compor. Sempre estou compondo música quando estou em casa e sempre quero tocar guitarra o quanto puder.
Clockwork Angels foi um enorme sucesso. Número 1 no Canadá, número 2 nos Estados Unidos, sendo aclamado como um dos melhores álbuns que o Rush já fez.
Alex: Sinto que realmente conquistamos algo com Clockwork Angels - um álbum que foi muito bem nessa fase final da nossa carreira.
Geddy: Queria fazer a turnê desse álbum pra sempre. Me diverti muito naquela turnê.
Vocês já estão pensando em um novo álbum?
Alex: Eu e Geddy conversamos sobre nos reunir nas próximas férias apenas compor por diversão. Neil adora gravar e sempre adorou.
Geddy: Mas para fazer outro álbum, tem que haver um engajamento de cem por cento de todos nós. Não acho que você pode chegar em um álbum ou qualquer outro projeto do Rush de meia-boca. Você tem realmente querer fazer.
Então...
Geddy: A conversa sobre futuros álbuns terá que esperar até o final dessa turnê. Mas não há negatividade nisso.
Vocês disseram que não haverá grandes turnês para o Rush no futuro. Vocês poderiam ter em vista gravar um álbum mas não sair em turnê?
Geddy: Posso nos ver lançando um álbum e tocando ao vivo, mas não fazendo vários shows. Posso nos ver fazendo um álbum, mas não uma turnê.
Alex: Posso nos ver fazendo duas ou três semanas de shows. Há alguns anos, vi David Gilmour, na turnê On An Island. Acho que ele fez dezoito datas naquela turnê. Ele esteve fora por algumas semanas, e foi isso. Quando vejo aquele show, meu Deus, aquilo foi fantástico. Ele estava tocando muito bem, e que apresentação fantástica! E ele provavelmente teve o mesmo trabalho e dedicação nessas dezoito datas que teria ao fazer dez meses de turnê. E isso é legal - você comprometendo uma grande quantidade de energia e trabalho para fazer apenas algumas datas, e só. Posso nos ver fazendo algo assim.
Os ingressos para a turnê atual nos Estados Unidos se esgotaram muito rápido.
Alex: Se esgotaram. Acho que muitos fãs do Rush se anteciparam por essa ser talvez nossa última grande turnê. Eles querem a saideira [risos].
O Led Zeppelin foi uma grande influência para o Rush no começo. Vocês conseguem entender o porquê Robert Plant se recusa a fazer uma turnê de reunião da banda? É uma situação frustrante para Jimmy Page.
Geddy: Eu entendo isso. Entendo como Jimmy Page se sente. Ele ainda quer fazer, e Robert está em outra. Mas Robert não está menos ocupado - ele está apenas ocupado com coisas novas, precisando de novos estímulos. Tenho total respeito por isso.
Você também sente, como um vocalista em certa idade, que Plant tem mais a perder se o Zeppelin se reunir?
Geddy: Sim. É mais difícil para o vocalista sob vários aspectos. Quando o vocalista envelhece na frente do público, eles podem ouvir. Ser o vocalista do Led Zeppelin é um trabalho difícil da porra. Requer muita disciplina e muito trabalho. Então entendo sua relutância em fazer isso novamente, mesmo que esteja criativamente preenchido com todos esses projetos que faz. Bom para ele. Estou feliz por ele.
Vocês ensaiaram muito para essa turnê. Realmente precisavam?
Alex: Claro. Comecei em janeiro, tocando mais regularmente. Durante março passei quatro ou cinco dias por semana em meu estúdio, tocando três ou quatro horas sem parar. Neil e Geddy fizeram a mesma coisa por um mês antes dos ensaios. Nós ensaiamos para ensaiar!
Por que?
Alex: Gostamos de estar tão preparados para o primeiro show como se fosse o nosso vigésimo. Vale a pena. Na primeira noite, você se sente confiante. É dessa forma que sempre fizemos.
Então, o que estará no setlist dessa turnê?
Alex: Nós cavamos fundo. Puxamos algumas músicas que não tocamos há muito tempo. Trouxemos algumas favoritas dos fãs, e vamos curtir tocá-las. Visitamos talvez todas as eras, exceto meados dos anos 80, o qual já cobrimos boa parte na última turnê. Não incluímos nada do Power Windows ou Hold Your Fire, mas terá coisas de quase todos os álbuns.
Podem ser mais específicos?
Alex: Nós trouxemos Hemispheres Prelude e Jacob's Ladder, Cygnus X-1. É divertido e excitante tocar essas canções antigas. Jacob's Ladder soa perfeita! Por anos a ignoramos, embora sempre tenha sido a favorita dos fãs. Temos três sets - A, B e C - os quais iremos alternar no decorrer da turnê.
Geddy: É divertido, algumas dessas canções antigas soam estranhas pra mim agora, mas quando você começa a tocá-las, retorna àquele espaço aéreo que você estava quando elas foram escritas e gravadas.
Você se apaixonou por elas novamente?
Geddy: É tudo uma questão de perspectiva. Há alguns anos, trouxemos The Camera Eye de volta. Nunca quis tocar essa canção. Eu nunca pensei que seria particularmente digna, e ainda era uma das canções do Rush mais requisitadas. Eu não conseguia entender isso. Como as pessoas poderiam estar tão erradas?
Então o que mudou?
Geddy: Percebi que subestimei o momento na época - o contexto daquele momento. Quando começamos a tocar The Camera Eye, pensei, ok, há muitos momentos pretensiosos nessa canção, ela não envelheceu bem. Porém comecei a reaprender as partes dos teclados e fazer uma versão ligeiramente diferente - ao invés de onze minutos, agora com nove minutos e meio. E, ao tocá-la, sim, me apaixonei por ela novamente. E é ai que isso se torna muito subjetivo, e não objetivo. Parei de dizer que era uma canção pretensiosa e curti aqueles os acordes, lembrando do porquê esse som ter sido gravado primeiramente - gostei da progressão de acordes e das melodias vocais. Você pode voltar no tempo e apreciar o que você estava tentando fazer. Essa canção - foi um ponto em sua vida, e os fãs querem reviver esse ponto de sua vida e você pode se divertir a tocando. Expulsei os demônios dessa canção.
O que mais está planejado para essa turnê?
Alex: Eu e Geddy enlouquecemos ao trazer todos os nossos instrumentos antigos, comprando equipamentos vintage por todos os lugares. Seu objetivo é usar um baixo diferente para cada música no show.
E, para os fãs do Rush no Reino Unido, a grande questão é muito simples: Vocês irão voltar?
Geddy: Estou sempre de volta. Passo muito tempo em Londres, tenho uma casa lá. É uma das minhas cidades favoritas na Terra.
Você sabe o que estou querendo dizer - seus fãs do Reino Unido querem ver a banda ao vivo novamente.
Geddy: Não há nada nos planos no momento. Eu diria que alguns de nós preferem fazer algumas datas no Reino Unido e até mesmo na Europa, e há uma oportunidade. Uma vez que começar a rolar, vamos ver o que poderemos adicionar. Mas vamos dizer que, nesse momento, Neil deixou claro que está bem com essa turnê americana ser o ultimo grupo de datas.
Alex: Você nunca sabe. Os últimos meses foram fundamentais. Eles nos mostraram, após um ano e meio fora, o quanto realmente amamos fazer o que fazemos. Acho que foi muito importante no caso do Neil. Mas quando você passa muito tempo só tocando é duro.
Então você está gentilmente nos entristecendo?
Alex: Bem, como eu disse, você nunca sabe o que pode acontecer. Mas vou dizer uma coisa: Geddy sente que é importante para nós nesse momento voltarmos ao Reino Unido, para reconhecer o suporte que vocês nos deram por todos esses anos. E eu concordo com ele.
Fonte: Team Rock