ENTREVISTA BÔNUS COM O RUSH NA ROLLING STONE



02 DE JULHO DE 2015 | POR VAGNER CRUZ

Como sabemos, o Rush é capa da edição de julho / 2015 da revista Rolling Stone. A matéria From Rush with Love (Do Rush com Amor), assinada pelo repórter Brian Hiatt, traz a história da banda de maneira abrangente, intercalada por várias falas provenientes das entrevistas com os integrantes realizadas nas semanas que antecederam a turnê R40. Como um complemento para esse material, o site da revista disponibilizou uma nova matéria, intitulada 22 Coisas que Você Aprende Conversando com o Rush, trazendo perguntas que não foram incluídas no material original. Entre vários assuntos, temos pensamentos sobre a possibilidade de lançamento de um filme baseado no álbum Clockwork Angels. Confiram a tradução completa, por Leo Skinner e Vagner Cruz.

Leia agora a entrevista completa do Rush para a Rolling Stone, em português

22 coisas que você aprende conversando com o Rush
Do review de Neil Peart sobre 'Whiplash' a um possível filme de 'Clockwork Angels', aqui está mais das entrevistas do Rush para a primeira capa na Rolling Stone

POR BRIAN HIATT - 30 de junho de 2015

Durante anos, o Rush teve uma difícil relação com a imprensa frequentemente cética do rock. Dessa forma, os fãs passaram a conhecer as personalidades dos integrantes da banda em grande parte nos shows ao vivo, nos tour books, nos vídeos e através própria prosa do baterista Neil Peart. Mas, como provaram este mês em sua primeira capa da história na Rolling Stone, eles são grandes assuntos no modo rock & roll clássico, mais do que dispostos a serem francos e irreverentes. Segue um pouco mais da entrevista de capa:

Há razão para existirem poucas, talvez nenhuma canção não-lançada do Rush de sessões de estúdio?

"Não há, e é como trabalhamos", diz Alex Lifeson. "O álbum é o que é. Se vamos fazer oito canções, faremos essas oito e nos concentrarmos nelas, dedicando nosso tempo a elas. Porque vocês não compõem 20 canções e escolhem as 12 melhores? Quer dizer que as outras oito são só besteira? Estaríamos perdendo nosso tempo!"

A linguagem exclusivamente formal de algumas letras de Neil Peart ("one must put up barriers to keep oneself intact" - "é preciso colocar barreiras para se manter intacto") provém de suas influências literárias.

"Foi porque minha leitura era muito ampla e precoce na época", diz ele. "Eu estava lendo John Dos Passos, e uma grande influência sobre mim foi The Acts of King Arthur and His Noble Knights, de John Steinbeck - que ele nunca terminou em sua vida. Ele abre com um pequeno prefácio, que diz: 'Algumas pessoas há...'. Eu disse, 'Porquê? Reviravolta estranha de frase'. Mas ele, obviamente, havia escolhido de forma deliberada. Algumas dessas frases aconteceram normalmente por eu ser muito impulsionado pelo ritmo das palavras - e ainda sou. Uma linha irá me golpear apenas pelo seu ritmo de percussão".

Peart diz que todos os três integrantes da banda tiveram momentos de diversão pesada nos anos setenta.

"Ah sim, tudo o que fizemos...", diz Peart. "Escrevi sobre isso uma vez, usando uma citação de Winston Churchill. Eu disse sim, passamos por tudo. Mas Churchill disse, 'Quando você estiver atravessando o inferno, continue andando!' Tivemos sorte de termos um ao outro para nos dar suporte. Se alguém ficasse fora de controle, era atacado. Mas todos nós passamos por isso juntos, continuando e indo para além disso. Bebidas alcoólicas e drogas só me fazem vomitar, então, essa é uma boa forma de manter-se na linha".

Peart tinha dificuldades em revisitar os anos setenta tocados pela banda na última turnê - porque ele é um baterista melhor agora.

"Fazer coisas que eu nunca ia fazer e com um relógio que agora venho transcendendo era difícil. E então, após ter feito por alguns dias, quando voltei para o eu moderno, estava tocando e disse, 'Porque não consigo resolver isso? O que há de errado comigo?' E era exatamente a transição. Eu havia mergulhado na minha versão de quarenta anos atrás e agora, quando volto a minha versão moderna, é muito mais evoluído - musicalmente, o senso de tempo, toque, técnica, emoção - tudo isso é muito melhor agora. Agora olho para o passado com um sorriso tolerante, mas não havia forma. Imaturidade é a palavra correta. Sei que agora tenho um domínio maduro conseguido arduamente no instrumento".

O Rush, por vezes, faz canções sobre integrantes de sua equipe nas passagens de som.

"Eu forneço as letras", diz Lifeson. "Tivemos uma que foi ótima há algumas turnês, na verdade há um bom tempo atrás, chamada 'Sex Boy'. Era do tipo brega, Eurotrash, música eletrônica".

Lifeson havia planejado originalmente um discurso verdadeiro ao invés do seu famoso "blah blah blah" durante a entrada do Rush no Rock and Roll Hall of Fame.

"Estava dando uma lida no meu discurso no caminho", diz Lifeson, "e pensei, 'Meu cérebro não lembra de nada. Vai ser horrível. Poderia muito bem me levantar e apenas blah blah blah. Oh! Espere um segundo!'. Estávamos sentados em nossas mesas e falei isso para minha esposa. Não contei a ninguém, e Quincy Jones se levantou e discursou, sendo bem longo, mas sincero. Ela se inclinou a mim nesse momento e disse, 'Está quase na hora do seu blá blá blá?', e eu respondi, "Pare, você está me deixando nervoso!". Foi no momento em que estávamos subindo no palco, foi quando me comprometi realmente com isso. Pensei, 'Ok, vou fazer. Talvez seja terrível, mas vou fazer'. Acho que foi OK, não sei. Fiquei contente em fazer. É a porra do Rock and Roll Hall of Fame! Você deve ser irreverente ao invés de agradecer ao seu advogado, seu contador e toda essa besteira".

Peart não é fã do filme Whiplash.

"Não há sangue e intimidações no jazz. Meu professor Peter Erskine disse que sentiu ingratidão, pois é ótimo haver um filme sobre bateristas, mas por que teve que ser tão falho humanisticamente e sobre as pequenas técnicas? Não custaria nada ter um set de jazz adequado e lições para o cara sobre como usar os punhos. E a jarra de gelo cheia de sangue? Absurdo! Há um Band-Aid no meu dedo agora - sim, eu sangro. Mas na bateria do jazz não - não há sangue".

Enquanto o Rush gravava o álbum Presto em 1989, Peart anunciou que não sairia mais em turnês.

"Ainda era possível fomentar a ilusão de que você poderia ganhar a vida sem fazer turnês", diz Peart. "Então fui aos caras e disse, 'Quer saber, vamos fazer discos, mas sem turnês - estou farto disso tudo'. Porém, o quanto mais eu pensava nisso, mais percebia que o maior teste de um músico é tocar ao vivo, especialmente em uma banda. Nós construímos nosso próprio relacionamento, construímos nosso próprio relacionamento com os fãs, construímos nossa tensão e o nosso tocar nas turnês. Dessa forma, depois de muitas lutas na minha mente, cheguei à conclusão de que, se quero ser chamado de músico, se quero que sejamos uma banda vital, tenho que tocar ao vivo".

Rush em 1984

Lifeson teve três influências principais, e seu estilo começou a se expandir em meados dos anos setenta.

"Steve Howe, Steve Hackett - e David Gilmour, embora ele esteja mais no estilo blues, mas na forma como usa os espaços e cria aqueles climas. Steve Hackett teve uma grande presença no início do Genesis. Ele enfrentava muitas coisas - um grande baterista, ótimos teclados, um vocalista incrível e trabalhou em torno de toda a música que acontecia. Há muitos espaços em um trio, dessa forma, você tem que preenchê-los.

Antes de decidirem por sua turnê atual, o Rush considerou a gravação de uma sequência para Feedback, o álbum de covers.

"Pensamos em talvez fazer outra coisa com covers, como Feedback", diz Peart. "Nunca havíamos nos motivado para isso. Então, quando começamos a conversar, estávamos prestes a tocar ao vivo".

Peart adoraria de transformar Clockwork Angels, de 2012, em um filme.

"Para mim, daria um filme incrível e achei que iria acontecer organicamente - que alguém viria à minha porta com um bom maço de dólares: 'Vamos fazer acontecer!'. Mas não. Porém, temos uma versão gráfica feita por nós e estamos construindo o mundo e a visão dele. É impressionante para mim que ninguém ainda tenha chegado querendo a história. Seria um grande projeto de semi-aposentadoria para nós três, pois Geddy ama cinema, Alex as trilhas sonoras e eu as histórias. Esperava que fosse um projeto que nós três empreenderíamos em algum momento".

Geddy cantava em corais na escola.

"Sempre fui cantor de alguma forma", diz ele. "Nunca tive um papel predominante nos corais, mas sempre fui soprano, claro. Em bandas, ninguém queria cantar, então sempre me disseram: 'Você faz os vocais'. Eu gostava de cantar, mas gostava mais de tocar baixo e ainda gosto".

Peart tem memórias vivas da gravação do primeiro ao vivo do Rush, All the World's a Stage.

"Minha caixa quebrou na metade de 2112 e minha forma de tocar ficou muito intensa, pois fiquei furioso. Eu estava fora de mim. Aprendi, a muito tempo atrás, que a raiva é uma inspiração excelente. Lembro que a janela do meu carro estava quebrada, e tive que cobrir com plástico - ele estava estacionado do lado de fora do Massey Hall. Lembro muito bem dessa época e de como era".

Lee estava relutante em tocar a viajante "Jacob's Ladder" na atual turnê da banda.

"Ela me soava muito inocente", diz Lee, "e a letra não é uma das nossas melhores. Você pode ver Neil brincando com a aliteração, o que é de fato um tipo de exercício, e eu estava com medo de fazer toda a parte do meio no teclado. Mas, quando você começa a tocá-la, começa a se lembrar de como ela era quando a escreveu, o que você estava pensando quando a compôs mergulhando nela - porque se estávamos comprometidos em gravá-la, significa que estávamos arriscando. Nós sempre dizemos que se houve uma canção na qual não arriscamos, não a mantemos em um álbum. Ela refletiu quem nós éramos na época, exatamente quem éramos. Nós estávamos lutando na tentativa de sermos mais concisos e ainda apaixonados com as longas passagens instrumentais".

Lifeson recentemente ficou decepcionado ao passar um tempo ouvindo uma estação de rádio adolescente.

"É toda essa música contemporânea gerada para esse público, e foi muito decepcionante escutá-la. Composições realmente fracas, produção e vocais insípidos. Foi muito desanimador, fiquei triste em ouvir aquilo. Você fica esperando algo acontecer musicalmente, espera por algo grandioso, como em cada geração ou cada década que pareciam ter aquela coisa grande que te levava até o fim. Não há nada agora, pelo menos no rock".

Foi assustador para os colegas de banda de Peart quando ele começou a viajar de show em show de motocicleta.

"Foi estressante", diz Lee, "especialmente para nosso empresário. Mas agora nem sequer pensamos nisso, pois ele sempre aparece e sempre chega antes de nós. Ele é muito cuidadoso. Não irá pilotar em qualquer tipo de clima arriscado e seu ônibus nunca fica muito longe".

Pelo menos três cantores ajudaram a inspirar o estilo vocal de Lee.

"Eu era fã de Steve Marriot, que antecede Rober Plant nessa forma de cantar. Mas, definitivamente, Plant foi uma influência enorme, pois o achava um vocalista incrível. E claro, Jon Anderson também tem uma voz aguda, mas não esse tipo de voz aguda e agressiva".

Lee e Lifeson cresceram "excluídos".

"Nos conectamos e nos grudamos", diz Lifeson. "Éramos amigos na nona série, em uma classe de trinta crianças, e não éramos amigos de nenhum deles, exceto nós dois. Então éramos excluídos, mas não no sentido de sermos condenados ao ostracismo ou deixados de lado. Nós meio achávamos que todos eram idiotas. Estávamos fazendo o nosso próprio negócio, e tínhamos nosso vínculo com a música e todas essas coisas. E também nossos pais tinham as mesmas origens. Sim, nos conectamos logo de cara. É incrível. Nós continuamos os mesmos. Somos os melhores amigos, moramos um próximo do outro nos últimos vinte anos".

Lifeson queria ressuscitar Fly By Night, não tocada há muito tempo, para a atual turnê.

"Eu estava ensaiando", diz ele. "Achei que seria ótimo, uma versão moderna dela muito mais pesada e poderosa. Acho que Geddy sentiu que teria sérios problemas cantando - ele já tem um desafio com "Lakeside Park". "Fly by Night" seria logo em seguida, e nós não queríamos descer a afinação nela. Então o consenso foi deixar passar".

Peart não gostava das críticas hostis no começo do Rush.

"Era uma merda naquela época", diz ele. "Sinto que esperamos e o respeito chegou. Me surpreendeu nos anos noventa, quando de repente tivemos músicos admitindo que se inspiraram e que foram influenciados por nós. Significou muito na época. Mas claro, o ser humano...o desrespeito não é uma palavra forte o bastante, não é? O opróbrio foi doloroso. Ser popular e odiado não é satisfatório".

Há uma razão para os momentos funk sutis no meio da música do Rush.

"Quando comecei a tocar, tocava em bandas de R&B", diz Peart, "Eu tocava James Brown, Wilson Picket, Otis Redding e todas essas coisas. Enquanto crescíamos, o soul era a coisa do momento em Toronto. Todas as bandas significantes dos anos sessenta tinham ótimos bateristas e tocavam todo o tipo de música. Então crescemos com isso, e ainda recorro a esse recurso constantemente, apenas porque foi formativo, era o estilo com o qual crescemos e as bandas que vimos.

Lee inicialmente queria ser um guitarrista.

"Eu tinha essa atitude de que ninguém escolhe ser um baixista", diz ele. "O resto da banda decide que você será o baixista - e foi assim comigo. Eu estava tocando guitarra em uma banda de porão e a mãe de nosso baixista não deixou que ele tocasse mais, então não tínhamos baixista. Todos olharam pra mim e disseram, você toca o baixo. Eu disse, bem, não tenho baixo. Ele disseram, então vai perguntar pra sua mãe se ela te empresta um dinheiro. Minha mãe me emprestou trinta dólares, trabalhei em sua lojas de variedades aos sábados e comprei meu baixo Canora, e foi assim que começou pra mim. Então me apaixonei com a ideia de ser baixista porque ninguém queria ser o baixista".