ENTREVISTA COM HUGH SYME, DIRETOR DE ARTE DO RUSH



30 DE JULHO DE 2015

O Rush lançou em maio de 2015 Art of Rush (confira todos os detalhes aqui), um livro de 272 páginas que celebra os quarenta anos de relação da banda com seu artista gráfico e ilustrador Hugh Syme. Ele conversou com a Billboard no começo de julho sobre seu livro e seus trabalhos com Rush, e trazemos o material inteiramente traduzido, além do prefácio na íntegra escrito pelo próprio Neil Peart.

Hugh Syme, diretor de Arte de Rush, fala sobre as histórias por trás das capas icônicas da banda e seu novo livro, "Art of Rush"

Por Gary Graff | 01 de julho de 2015
Tradução: Vagner Cruz


O livro "Art of Rush"
Quarenta anos atrás, Hugh Syme desenhou sua primeira capa para o Rush, no álbum Caress of Steel, de 1975. Esse trabalho iniciou o que ele chama alegremente de "uma pena de prisão perpétua", concebendo cada lançamento do Rush – estúdio, álbuns ao vivo, coletâneas, vídeos – juntamente com outros produtos relacionados, como passes para o backstage e muito mais. Com a banda na estrada celebrando seu aniversário de 40 anos, Syme – um ex-tecladista da Ian Thomas Band, que também prestou serviços gráficos para Aerosmith, Megadeth, Iron Maiden, Whitesnake, Def Leppard e outros – reuniu seu trabalho em um novo livro, The Art of Rush: Serving a Life Sentence. O tomo de 272 páginas, escrito com Stephen Humphries, chega em três versões trazendo um olhar profundo sobre o processo dos conceitos de Syme e de sua interação com o trio, com comentários dos três integrantes e com um prefácio do baterista Neil Peart.

A Billboard conversou com exclusividade com Syme sobre seu longo relacionamento de quarenta anos com o Rush, sobre as histórias por trás das capas icônicas da banda e sobre como "eles estão se iludindo em pensar que esse é o canto do cisne". Em seguida, leia o prefácio do baterista Neil Peart para Art of Rush, que a Billboard traz em preview.

Como você começou a trabalhar com o Rush por volta de 1975?

Tive muita sorte. Eu estava tocando teclados em uma outra banda da mesma gravadora e fui chamado ao corredor, como um diretor de escola faz com um estudante. Fui perguntado se gostaria de fazer uma capa de álbum para eles. Eu disse, "Claro, farei a capa – [à parte] Vai durar como esses caras" (risos). Isso me levou a tocar com eles em alguns álbuns e a desenvolvermos um respeito mútuo em vários níveis, mantendo uma continuação.

Uma relação ininterrupta de 40 anos entre uma banda e um diretor de arte é incomum. Qual é a cola aqui?

Tive sorte o suficiente de encontrar uma banda que, em primeiro lugar, prestava atenção. Estamos falando de uma banda que estava emergindo em um momento em que outras bandas eram tomadas pela ideia de que deveriam ter um logotipo. Mas todos nós éramos anti-logo. Mesmo o Starman (de 2112) foi um acidente; não tínhamos ideia teria vida própria como aconteceu. Mas desde o começo eu podia sentir que a banda queria fazer cada álbum de maneira diferente, musicalmente e tematicamente. Tive sorte de encontrar um grupo que estava disposto a se desviar do padrão todas as vezes, me permitindo uma grande amplitude para responder a cada álbum como um evento único, sem desenvolver um tipo de estilo como o de Roger Dean para o Yes ou um estilo Phil Travers como o Moody Blues fez, mesmo sendo capas muito legais. Não aderimos a qualquer tipo de modelo.

Como é o processo quando um novo álbum surge?

Agora é diferente. Provavelmente nos últimos 15 anos ou mais tem sido muito comigo e Neil, sendo ele o letrista e o mestre dos temas. Eles me davam muita liberdade para responder aos temas no início. Mais tarde, com Neil tornando-se cada vez mais consciente do meu processo, ele se anteciparia e discutiria mais sobre o que eu estava fazendo, mas nunca ditando. Acho que nossa relação ainda é, "Aqui está nosso tema. Vai lá. Informe-nos quando você conseguir algo". Mas eu sempre volto para conseguir mais informações, orientações, e seguimos para os títulos das canções para que possamos desenvolver as imagens editoriais para cada uma delas e coisas do tipo.

Você mencionou que tocou em alguns álbuns do Rush, chegando no momento em que Geddy Lee começava a adicionar teclados em seu arsenal. Você foi chamado algum vez para ensinar?

Não, mas ele definitivamente prestava atenção. Quando vinha à minha casa, eu tocava algumas coisas nas quais estava trabalhando – e na época eu estava bastante em Tony Banks (Genesis), em Keith Jarrett e em outras tantas pessoas que me inspiraram – podendo ouvir na sua voz, "Oh, o que é isso?". "Estou só trabalhando", então ele docemente dizia, "Ah, vá se foder!" (risos). Eu conseguia ver o tecladista emergindo nele, saindo por ele ter desenvolvido um ouvido afiado de verdade e uma mão razoável para passeios sonoros. Penso que ele fez um trabalho interessante, trazendo certos elementos sonoros à frente. Acho que funcionou muito bem, indo além de quaisquer limitações que trazia quando começou.

Você tem projetos favoritos em seus trabalhos com o Rush?

Tenho a tendência de pensar mais sobre a proeza técnica, então provavelmente vou me inclinar mais para o malabarista de Hold Your Fire ou para o inukshuk de Test For Echo. Gosto muito daquela capa, foi divertido trabalhar nela, pois tive que construir esse modelo para, em seguida, fotografá-lo e recortá-lo para dentro da cena. Power Windows é querido para mim, pois pintei aquilo no período da morte do meu pai, sendo catártico pra mim. Gosto de Counterparts por sua simplicidade eloquente. Acho que Signals foi ainda mais simplista e ridículo; ele veio depois de vários becos sem saída. Em algum ponto, consideramos a ideia de um código morse. Tive também cada um da banda preso a um equipamento de eletroencefalograma com alguns técnicos entrando, enquanto estivessem gravando e tocando no estúdio para cortar uma seção específica de seus batimentos cardíacos ou ondas cerebrais em algum momento específico da música. Tudo estava ficando muito inteligente e um dia eu disse, "Teremos um cão farejando um hidrante".

O grupo tem falado sobre a possibilidade da turnê R40 ser sua última, ou a última do seu tipo, e até mesmo terminar a banda em um futuro próximo. Alguma previsão a partir de sua perspectiva?

Bem, eu não sei. Já ouvi algumas referências finais bastante firmes – mas que não partiram da banda. De certa forma, acho que o que você diz já está em vigor; eles costumavam fazer nove meses para, em seguida, descansarem três. Assim, acho que eles vêm reduzindo de maneira consistente ao longo dos anos. O que estão fazendo agora me parece uma quantidade muito razoável de datas para eles. Minha impressão é que irá acontecer algum tipo de demanda na Europa, e eles sempre conseguem uma ótima resposta quando vão ao Rio. Dessa forma, se eles conseguirem o tipo certo de ofertas eles poderão fazer, que diabos – eles querem e podem. Mas só estou pensando comigo mesmo, em voz alta. Acho que como banda, deixar toda a carreira de lado e fechar as portas é improvável. Não consigo vê-los sendo gentis ignorando a música. Acho que algo vai acontecer nos próximos anos, mesmo com eles se iludindo em pensar que esse é o canto do cisne. Acho que irão fazer outro álbum. Apenas acredito nisso.


A Vida Sem Possibilidade de Liberdade Condicional
Por Neil Peart

No início de 1975, Alex, Geddy e eu lançamos nosso primeiro álbum juntos, Fly By Night. Para a capa, sugeri uma ilustração que lembrava da minha infância como um amante de pássaros – uma coruja voando em direção ao expectador. Assim, acabei no telefone do nosso escritório em Toronto com o diretor de arte da gravadora em Chicago, descrevendo as ideias da banda. (Nós também queríamos um avião à distância, para ecoar o tema da canção-título e as luzes do norte, pois uma outra ideia para a canção-título havia sido Aurora Borealis – provavelmente arquivado após jovens americanos aos quais falamos sobre o assunto olharem para trás sem expressão antes de dizerem, "Hum – o quê?").

Imaginei o cara da gravadora procurando a imagem da coruja da qual me lembrava, dizendo, "Vamos fazer uma como essa". (Típica esquiva corporativa, percebo agora!). A sede da Mercury Records ficava em Chicago, assim como a revista Playboy naquela época, e os caras da Mercury sempre apresentavam cada um dos seus artistas gráficos e fotógrafos como, "Ele trabalha para a Playboy" – o que naturalmente impressionava jovens machos dos subúrbios canadenses.


Nunca imaginei que estava assumindo um papel que me cairia durante os próximos 40 anos – mas essa noção seria boa para mim também. Depois da música e talvez dos livros, sempre adorei artes gráficas – desenho, pintura, fotografia e design. Por isso, foi uma relação natural. Dentro da dinâmica da banda, além da participação compartilhada na música, todos nós tivemos nossas próprias áreas de interesse e conhecimento – Alex, o Cientista Musical; Geddy como o responsável pelos aspectos cinematográficos como vídeos e produções ao vivo e eu verdadeiramente dedicado à tinta no papel.

Um dia, na primavera de 1975, estava no escritório em North Toronto do empresário do Rush, Ray Danniels. Sabendo do meu interesse e envolvimento com a arte da capa anterior, ele me mostrou um álbum chamado Delights, de um de seus clientes: a Ian Thomas Band. Pegando a capa doze por doze do LP (doces memórias!), admirei o desenho hábil (o rosto radiante do velho com bom humor – o bisavô de Ian, Ray me contou), a combinação de letras formais para o nome de Ian Thomas e a complexidade lúdica do título. Para meu gosto, ainda não formado naqueles dias remotos, todos os elementos e colocações estavam bem "certos". Eu já sentia o olhar de Hugh para a proporção e para o "espaço negativo" – raramente entendido como uma representação de luxo, como o espaço sempre faz com os seres humanos. Hoje posso definir o que vi naquela época e o que percebi: foi criada com talento e amor.

Quando disse ao Ray que admirei bastante o trabalho artístico, ele me disse que havia sido feito pelo tecladista da Ian Thomas Band, Hugh Syme. (Chamado por Ian, com seu típico humor irônico, de "Huge Slime", um apelido que, naturalmente, ele vem suportando entre os amigos).


Desde a primeira vez que eu e Hugh nos encontramos, um nível de comunicação nos sustentou ao longo de todos os anos: o de discutir arte à longa distância – às vezes pelo telefone de algum estúdio de gravação no País de Gales ou Caribe, e mais tarde por fax e e-mail. Tínhamos os mesmos valores e gostos sobre imagens e design – simplesmente falávamos a mesma língua.

Muitas vezes, esquece-se de que o termo "fine art" vem, na verdade, do fin francês – final ou fim – tal como o fim do propósito da arte sendo a arte, ou "arte pela arte". (Como o 10CC observou com ironia, "arte pela arte / dinheiro pelo amor de Deus"). Esse ideal estético é distinto de artes aplicadas ou artes de palco, como o comentário de Oscar Wilde: "Podemos perdoar um homem por fazer alguma coisa útil, desde que ele não a admire. A única desculpa para se fazer uma coisa inútil é admirá-la intensamente".


Hugh e eu partilhamos essa intensa admiração por "coisas inúteis". O tempo e novamente a luta contra o "homem" para uma abordagem artística sem compromissos em nosso trabalho em conjunto, uma batalha que, lamentavelmente, continua até hoje. Ao trabalhar em projetos de livros recentes, por exemplo, tenho ficado chocado e consternado ao ouvir variações dessas palavras:

"Nós adoramos a arte e mostramos aos agentes de vendas, e eles acharam que -".

Ok, de fato, paremos bem aqui. O que há de errado com essa afirmação? Apenas tudo. Imaginem-se como um jovem músico em uma audição, "Nós adoramos sua música. Tocamos para os agentes de vendas e eles acharam que -".

Não que esse seja o exemplo mais paranoico, vocês sabem que isso acontece – mas oh não, não aqui. No entanto, Hugh e eu conhecemos essa maneira do mundo, e podemos senão escolher nossas batalhas.

O primeiro projeto em que Hugh e eu colaboramos foi Caress of Steel, de 1975. Discutimos ideias para suas ilustrações e layout, mas como foi dito, nem tudo ocorreu conforme planejado. Como que de uma forma amaldiçoada, o álbum estava fadado a ser a "cruz" para a banda carregar em todos os sentidos. Não vendeu, não conseguimos as rádios e gerou uma turnê de shows cada vez menores e deprimentes, que nós e nossa equipe chegamos a chamar ironicamente de "Turnê Pelo Cano".

Mas não importa – para Hugh e eu, o pouquinho daquele álbum foi o começo de um relacionamento longo e ricamente simbiótico.


Nos primeiros anos da banda, fez-se necessário trabalharmos em alguns álbuns "experimentais", a fim de encontrar e definir nosso terreno comum. Nós mais ou menos chegamos lá (pela primeira vez) no início de 1976, com 2112. Concebido como uma rebelião raivosa contra a conformidade corporativa ("o homem"), ele seria o nosso primeiro disco de ouro. (Apesar de ser também apenas uma validação vinda "do homem" – o verdadeiro tesouro que ganhamos foi a ausência de agentes de vendas intrometidos!).

É provável não ter sido coincidência que 2112 foi o projeto que veio para o Hugh também. A capa frontal luminosa, arrojada e de cores marcantes atingiu o expectador com a mesma energia intransigente que a música expressa, enquanto na capa interna (após anos implorando finalmente temos uma boa capa dobrável!), o Starman se tornaria o símbolo icônico por quatro décadas. Embora Hugh e eu sempre rejeitamos a ideia de "logos", alterando constantemente os caracteres e imagens de um projeto para o próximo, aquela estrela, o círculo e o homem nu – o indivíduo contra a opressão – resistiu e retornou. É inegável.


No álbum 2112, High também esteve envolvido com o aspecto de "trilha sonora" da música, criando a introdução espacial para a faixa-título em seu sintetizador ARP, contribuindo em seguida para os teclados da canção de Geddy, "Tears".

Os designs de capa vieram incluir mais tarde nosso senso compartilhado de humor – os trocadilhos desavergonhados de Permanent Waves, Moving Pictures e Power Windows, por exemplo. Signals, Presto e Counterparts destacam o humor ainda assim astuto e, em seguida, tivemos capas "icônicas" como Test for Echo e Clockwork Angels. Também tenho carinho pelos "mais silenciosos", como Grace Under Pressure, Hold Your Fire e Vapor Trails.

Resumindo, não posso oferecer maior tributo que esse: em quatro décadas da minha vida e trabalho, cada gravação, tour book, DVD instrucional ou livro publicado que traz meu nome, traz também o de Hugh Syme.

É por isso que eu, sem constrangimentos, me referi a ele uma vez como que "cumprindo prisão perpétua como meu diretor de arte".

E é por isso que nunca será concedida a ele a liberdade condicional...