LIFESON E LEE EM MEGA ENTREVISTA PARA A CLASSIC ROCK



20 DE MAIO DE 2015 | POR VAGNER CRUZ

Rush na capa da revista Classic Rock - Edição Julho / 2015
A edição de julho de 2015 da revista britânica Classic Rock traz duas extensas entrevistas com Geddy Lee e Alex Lifeson, realizadas em Toronto um pouco antes do início dos ensaios de produção para a nova turnê R40 em Tulsa, Oklahoma. A matéria foi disponibilizada na íntegra no site da revista, onde os músicos falam sobre suas carreiras com o Rush, o relacionamento entre os integrantes, família, drogas, canções preferidas e fracassos, os primeiros anos e o futuro da banda, reconhecendo que o fim se aproxima. Acompanhem esse belíssimo material traduzido na íntegra.

Vagner Cruz

Rush: "Estamos chegando perto do fim"
Por Paul Elliot

Geddy Lee e Alex Lifeson no passado, presente e... futuro das lendas do rock progressivo.

Foi nos últimos anos que ele percebeu que ia acontecer: ele tem sido uma famosa estrela do rock por décadas, mas nos últimos dois anos vem sendo reconhecido em público com mais frequência. Agora é um pouco mais fácil, ele diz, para conseguir uma mesa em um restaurante chique. Mesmo assim, Alex Lifeson não está totalmente certo se gosta desse novo nível de fama. "É um pouco desconfortável para mim".

Como guitarrista do Rush, Lifeson faz parte de uma das bandas de rock mais bem sucedidas de todos os tempos. Desde sua formação em Toronto, no ano de 1968, eles venderam mais de 40 milhões de álbuns. No entanto, durante grande parte da carreira da banda, eles têm existido, como Lifeson diz, "sob o radar".

Os três integrantes do Rush – Lifeson, o baixista / vocalista Geddy Lee e o baterista / letrista Neil Peart – tocam juntos há 41 anos agora. Sua marca de hard rock progressivo com musicalidade virtuosa – definida com o grande avanço do álbum 2112 e modernizada com o campeão de vendas Moving Pictures, de 1981 – lhes valeu seguidores devotados que os sustenta desde a passagem do punk rock, do grunge e de tudo que se seguiu. Então a coisa mais estranha aconteceu: eles ficaram maiores. O Rush sempre foi uma grande banda, mas agora são maiores em um contexto cultural mais amplo.

Tudo começou com o filme Eu Te Amo, Cara (I Love You, Man), de 2009, diz Lifeson. Nessa comédia, há uma cena que os personagens principais são vistos dançando em um show do Rush, envergonhando uma namorada com suas sincronizações labiais perfeitas das canções e air drumming: assim como muitos outros fãs do Rush. Então veio, em 2010, o documentário da banda Beyond The Lighted Stage, no qual um elenco de heróis do rock moderno como Billy Corgan e Trent Reznor revelam a si mesmos como nerds do Rush.

E então, em 2013, ocorreu a entrada do Rush no Rock And Roll Hall Of Fame, na qual sua performance ao vivo foi precedida pelo Foo Fighters tocando 2112 Overture com perucas e robes de cetim branco que seus heróis usavam de volta a 1976. E, para Alex Lifeson, foi o ponto decisivo. "O Hall of Fame mudou as coisas", ele diz. "Ele realmente nos deu um perfil muito mais elevado".

A ironia em tudo isso é que o Rush se tornou mais famoso no ponto exato em que sua carreira estava nos primeiros estágios de encerramento. O álbum Clockwork Angels, de 2012, foi um enorme sucesso - número 1 no Canadá, número 2 nos Estados Unidos e amplamente aclamado como uma obra-prima de fim de carreira. Esse mês, o Rush encabeça 30 datas em uma turnê norte-americana, mas Peart tem afirmado repetidamente que não está mais disposto a sair regularmente. Ele tem uma filha, e sua prioridade é a família. Ele também está sofrendo de tendinite, e não está sozinho em sentir o desgaste da idade; Lifeson tem artrite. Ele simplesmente diz, "Vamos encarar os fatos, estamos chegando ao fim da nossa carreira juntos".

Na véspera da turnê pelos Estados Unidos, Alex Lifeson e Geddy Lee falaram com a Classic Rock sobre o presente, o passado e o futuro do Rush. Neil Peart não estava disponível para a entrevista. Ele raramente tem falado em público nos últimos 20 anos, e a razão para isso é bem documentada. No final dos anos 90, sua filha Selena faleceu em um acidente de carro, e sua primeira esposa, Jacqueline, sucumbiu ao câncer. Na sequência, a banda manteve-se em um hiato de cinco anos. Peart retornou para o Rush para comporem o álbum Vapor Trails, de 2002, depois de ter se casado novamente. Porém, ele abandonou seu papel de porta-voz da banda, a fim de proteger sua privacidade.

Lifeson e Lee tiveram uma pequena pausa na qual falaram. Após quatro semanas de ensaios em Los Angeles, onde Peart vive agora, Lifeson e Lee estão em suas casas em Toronto com uma semana pela frente de ensaios de produção em L.A.

Lifeson fala primeiro e, na maior parte do tempo, está em estado de espírito tipicamente otimista. Ele é um entrevistado franco e engraçado. Em declarações à Classic Rock em 2014, ele revelou que havia consumido ecstasy durante os anos 90, sendo igualmente sincero quando discute a complexa dinâmica dentro do Rush em 2015. Ele admite que, nos últimos meses, pensou em deixar a banda, mas quando fala da turnê nos Estados Unidos se agita. "As vendas de ingressos foram loucas desde o início", ele diz. "Algumas datas se esgotaram em minutos, nos enviando uma mensagem de que algo está acontecendo".

Essa poderia ser a última turnê do Rush?

Veremos. Nesse momento, a turnê é o que é. Se adicionaremos mais datas, acho que, de fato, tudo se resume a Neil. É um esforço muito atlético para ele sair em turnê. Ele tem 62 anos. Fisicamente é difícil. Mesma coisa para mim.

Sua artrite – o quão ruim é isso?

Tenho artrite há dez anos, mas essa é a primeira vez que estou sentindo de verdade, nas mãos e pés. É assim que acontece. Mas é muito mais difícil para Neil. Ele tem tendinite no braço. Para ser honesto, não sei como ele consegue tocar daquela maneira, com todo esse desconforto e dor. Mas é um cara muito estoico. Nunca se queixa.

Mas há mais do que isso. Neil disse muitas vezes que sua primeira prioridade é sua família, sua jovem filha.

Não acho que isso seja algo que ele ainda precise dizer. Não sei se, por vezes, ele diz essas coisas porque não sabe como nos dizer cara a cara que não quer fazer mais, que está cansado, que sente que, depois de quarenta anos, é um bom período - ele não deveria se sentir tão mal por não querer fazer mais nada. Ele quer passar mais tempo em casa com sua família. Entendo. Ele nunca foi desejoso por turnês. É algo difícil para ele.

Neil está infeliz por fazer essa turnê?

Ele estava resistente até começar a se preparar e perceber: ei, ainda posso tocar bateria muito bem! Assim, ao entrar nos ensaios conosco, há toda a camaradagem que ele adora de verdade. Dessa forma, quando ele está de volta à corrente, ama nadar.

Você tem sentimentos conflitantes semelhantes?

A turnê Clockwork Angels foi bastante cansativa, tendo em vista que todas vão se tornando mais esgotantes a partir do momento que vamos ficando mais velhos. Depois, tivemos um ano e meio fora. Ter um tempo em casa e me desconectando do fato de fazer parte de uma banda sendo apenas o Al, saindo com meus netos, vendo meus amigos e todas as coisas que as pessoas tomam como certo me fez pensar: estou pronto para desistir agora? Posso ser feliz estando longe? E isso me fez sentir que poderia, até começarmos do zero para uma turnê. Uma vez que a máquina começou a funcionar, fui arrastada por ela.

Onde Geddy fica nisso?

Agora, mais do que nunca, Geddy quer tocar. Considerando Neil, provavelmente ele teria parado anos atrás se não sentisse que devia algo a nós.

O que você quer dizer com isso?

Acho que Neil sabe que nós não estamos prontos para o fim, e ele não quer estragar isso em nós. Lembre-se: somos como irmãos. Passamos um período terrível com ele em sua vida; nós o apoiamos e ele nunca vai esquecer disso. Acho que ele sente, como eu também sinto, uma obrigação por termos estado com ele. Assim, ele não está disposto a deixar isso de lado. Talvez agora esteja. E eu entendo. Não é como, o que seria idiota - Ele não quer mais fazer isso? Eu entendo.

Todos os três parecem bem relutantes em ter uma turnê de despedida oficial. Por quê?

Em parte porque é algo brega de se fazer, sendo também algo que te coloca atrás da bola oito se decidir que cometeu um erro querendo voltar para a estrada depois. Nós não sentimos que essa é de fato uma turnê de despedida. Eu adoraria fazer outro disco. É uma experiência divertida fazer um disco.

Você sente a confiança de que há outro álbum em vocês?

Sim, acho que há. Tenho certeza de que, se começarmos a vir com algumas coisas, é certo que Neil estará lá. Ele adoraria.

Voltando ao início, o que você ouve quando pega o primeiro álbum do Rush?

Eu ouço tanta promessa, tanta emoção. Lembro-me vividamente dessas sessões. Ouço Led Zeppelin nele - que nós adoramos. Ouço tanta esperança na oportunidade de fazermos o que sonhamos por tantos anos.

Quando vocês sentiram que alcançaram isso?

Abrimos para o New York Dolls no Victory Theater em Toronto, em 1974. Era um velho teatro burlesco, bastante caído e de baixa qualidade mas, para nós, era como se fosse o Wembley.

Rush e New York Dolls - parece um desencontro.

E era. Aquele público estava animado para ver o New York Dolls; não tanto para uma banda de heavy metal local. Mas foi emocionante estar em torno dos Dolls. Vê-los nos bastidores era tudo o que esperávamos. Estavam todos bêbados antes de entrarem no palco. Tinham umas meninas lá atrás. Foi uma cena totalmente rock and roll. Éramos canadenses tipicamente tímidos e ficamos fora do caminho deles. No entanto, lembro-me que após esse show pedi carona para casa a um amigo meu, e eu carregava uma guitarra. Um casal nos pegou e eles estavam conversando, dizendo que o show dos Dolls no Victory foi ótimo, mas que a banda de abertura, Deus, era péssima. Eles ficaram rindo, e a namorada do rapaz se virou e me viu com a guitarra – seu rosto congelou. O silêncio pairou no carro, e me senti tão abatido que disse, "Vamos descer na próxima quadra, por favor". Sai do carro e queria arremessar minha guitarra para longe. Essa foi a primeira crítica negativa que tivemos [risos]".

O Rush sempre foi uma banda que competia?

Talvez nos primeiros dias, quando você está tão cheio de energia, agressividade e animação para tocar. Você tocava com tantas bandas diferentes nesses shows de dois – ou três – atos. Havia competição muito frequentemente. Você queria empurrar o outro cara para fora do palco e ser muito melhor. Lembro de termos tocado com o Heart uma vez. Isso foi bem no começo, talvez em 1975. Foi no Stanley Warner Theatre em Pittsburgh. Falavam tanto sobre o Heart e as irmãs Wilson que estávamos realmente ansiosos por conhecê-los. Estávamos no backstage, e Roger Fisher me disse, "Vamos colocar vocês para fora do palco essa noite, é só assistir". E pensei, uau, que coisa estranha de se dizer. Mas acho que toquei bem mais pesado naquela noite.

E Roger Fisher não ganhou essa batalha?

Acho que, a longo prazo, não.

Há álbuns do Rush que, quando olha para trás, sente vergonha?

Muitas vezes as pessoas me perguntam sobre o Caress of Steel. Mas o escutei há algum tempo atrás e me senti orgulhoso do disco. Pareceu-me como um bando de jovens de vinte e dois anos tentando fazer uma grande declaração. E 'Caress of Steel' é um grande título.

Também penso assim. Por volta de 1980 eu tinha 'Caress of Steel' escrito na minha mochila da escola. As pessoas riam de mim.

As pessoas riam de nós também. Você estava em boa companhia.

Existe determinadas canções que desejaria nunca ter gravado?

Tai Shan [de Hold Your Fire, 1987] foi um pouco piegas. Queríamos fazer algo diferente, mas talvez exageramos demais no sabor pseudo-asiático dela. Talvez deveria ouvi-la novamente. Acho que não a ouço desde que gravamos [risos].

Um sabor pseudo-asiático como a introdução de fronteiras étnicas para A Passage to Bangkok?

Bem, A Passage to Bangkok tinha um pouco mais de Oriente Médio, Kashmir se inclinou para ele. Tai Shan foi especificamente sobre uma experiência que Neil teve na China, enquanto Bangkok fala sobre uma experiência que tivemos em todos os lugares.

Você quer dizer, fumar maconha?

Ela certamente influenciou aqueles discos iniciais. Cada vez menos com o passar dos anos, mas nunca esteve completamente fora de cogitação. Sempre fizemos com que os ônibus das turnês fossem bem abastecidos com batatas fritas, bolos e coisas [risos].

Soa como se vocês estivessem fumando bastante até Hemispheres.

Sim, em Hemispheres e um pouco além... talvez em Clockwork Angels.

É mesmo?

Oh, com certeza. Mas Geddy desistiu disso tudo há muito tempo. Ele é um daqueles militantes anti-fumo. Leva uma vida bem limpa, embora ame seu vinho.

Ao contrário de você, que usou ecstasy na década de noventa. Você dizia a Geddy e Neil que eles deveriam experimentar?

Acho que Neil pode ter tido uma ou duas experiências com isso, mas acho que ele não gostava da sensação particular.

E quanto a cocaína?

Já faz muito tempo agora. Houve um período no final dos anos setenta e início dos anos oitenta que nos envolvemos em todo o tipo de coisa. Mas é como uma droga alienante. Lembro-me de que cada vez que usei odiei. Adorava por um momento e, em seguida, odiava tudo sobre ela. Não era bom para conversas, amizade, nada.

E agora, você é apenas um fumante?

Sou um fumante bem regular, de uma quantidade muito pequena, para finas terapêuticos. Acho que ajuda com inflamação e dor. Eu tenho uma ficha e receita médica aqui no Canadá, onde a maconha medicinal é legal. Se nos livrarmos do governo conservador tendo os liberais de volta, eles têm toda uma política sobre a legalização da maconha que é realista e que faz sentido.

Pode o problema com a legalização da maconha ser que grande parte do Canadá iria diminuir para o ritmo do primeiro álbum do Black Sabbath?

Ha ha. Sim. Mas isso é algo ruim?

Você sempre foi caracterizado como o palhaço do Rush. Como você descreveria Geddy e Neil?

Os dois são caras muito engraçados, inteligentes e espertos. Geddy gosta de aprender sobre as coisas, seja sobre beisebol, vinho ou baixos antigos. Neil é um sujeito estranho. Ele é brilhante, evidentemente, e pensativo. Mas ele é também muito privado e introspectivo, muito tímido. Você ficaria surpreso do quão facilmente ele fica envergonhado em cenas sociais. Ele pode ser ótimo em um jantar, mas com um grupo maior ele irá ficar, muito, muito, muito desconfortável. Ele vai ficar em um canto, cuidando do seu uísque, esperando para sair de lá.

Neil sempre foi tão retirado, mesmo antes dos acontecimentos do final dos anos noventa?

Nos primeiros anos ele fez provavelmente mais entrevistas que eu e Geddy. De várias maneiras, ele era o porta-voz da banda. Desde aquela tragédia, ele se tornou mais privado. Ele carrega cicatrizes profundas daquelas coisas que aconteceram em sua vida. A maioria das pessoas que sabem o que aconteceu com ele não conseguem sequer processar isso. Mas acho que, no geral, nossos fãs respeitam sua privacidade e sabem de onde ela vem. Atualmente, onde nada é privado, é um milagre que ele tenha privacidade. Uma tragédia como essa o tornaria mais um alvo.

No final dos anos noventa, Neil disse que estava aposentado do Rush. Somente em 2002 que vocês se reuniram e fizeram o álbum Vapor Trails.

Há tanta emoção nesse disco. Ele tomou um grande pedaço das nossas vidas – foi um ano de, oh, tantas coisas difíceis. Toda vez que ouço aquele disco ele me leva de volta para quando estávamos gravando e de como Neil estava tocando mal quando veio para o estúdio pela primeira vez – e como ele renasceu das cinzas – todos nós renascemos. Todos nós ficamos muito hesitantes e doloridos. Esse álbum, mas do que qualquer outro, deixou uma marca individual em nós três.

Se a banda tivesse terminado no final dos anos noventa, o que você teria feito com sua vida?

É tão difícil especular. Eu amo a arte. Talvez tivesse me tornado um pintor. No ano passado, pensei em fazer um curso na Faculdade de Arte de Ontário. Tem sido fantástico tocar nessa banda por toda minha vida, mas há muito mais lá fora.

A banda já chegou perto de terminar antes disso?

Sim. Em 1989, tínhamos feito uma longa turnê e mixado o disco ao vivo A Show of Hands. Estávamos tão profundamente exaustos que aquilo simplesmente não era mais divertido. Queríamos – todos nós – seguir nossos caminhos separados. Não era nada pessoal, apenas pressão do trabalho. Realmente, o estresse e a tensão estavam nos separando. Felizmente, fizemos uma longa pausa e voltamos renovados.

Estar nessa banda a tanto tempo, o que lhe custou a nível pessoal?

Fazíamos duzentos e cinquenta shows por ano quando meus filhos eram novos e quando eu deveria estar em casa com eles. Esse é um sacrifício pelo qual todos nós passamos. Mas agora meus filhos estão crescidos, felizes e orgulhosos do pai. Tem funcionado bem.

Olhando para trás em sua carreira, do que mais você se orgulha?

Vou para sessenta e dois anos esse ano, e tenho tocado com esses mesmos caras durante mais tempo do que qualquer outra banda no mundo. Isso é um grande feito.

Se você tivesse que escolher três álbuns para resumir a carreira da banda, quais seriam?

2112, Moving Pictures e Clockwork Angels. Acho que cobriria o que somos, do começo ao fim. Rapaz, são dois álbuns conceituais.

Bem, Kirk Hammett do Metallica chamou vocês de "os sumos sacerdotes do metal conceitual".

Ele estava certo! Sabia que era um garoto esperto.

Mas, brincadeiras à parte, quando o fim chegar de fato, como você quer que o Rush seja lembrado?

Rapaz, como responder isso sem soar meio brega? Acho que quero que o legado seja: eles fizeram seu caminho, foram fiéis ao que acreditavam. Ganhamos nossa independência da indústria da música desde cedo, com 2112, e sempre fomos livres para fazer o que queremos. Fomos fiéis à nossa arte. Quero ser lembrado por isso.

***

Para Geddy Lee, estar em casa em Toronto por alguns dias entre os ensaios é uma oportunidade de passar um tempo com sua família, em especial com seu neto. "Ser avós é uma experiência nova para minha esposa e eu", diz Lee. "Levamos um mês ou mais para colocarmos nossas cabeças em torno desse fato. Estávamos em um tipo de negação".

Atualmente, ele divide seu tempo livre entre Toronto e Londres, onde também tem uma casa. Quando está em Toronto, ele e Lifeson estão em contato frequente, mesmo quando não estão trabalhando. Cerca de uma vez por semana, Lee diz, eles se reúnem para jantar, apenas os dois. Lee, como conhecedor, sempre escolhe o vinho. No passado, eles costumavam jogar tênis juntos, porém agora com menos frequência desde que Lifeson desenvolveu artrite.

Foi em Toronto que Lee e Lifeson frequentaram a escola juntos. Peart encontrou com eles pela primeira vez em 1974, quando fez o teste para o Rush no momento em que procuravam um substituto para o baterista original, John Rutsey. De certa forma, Peart sempre foi o estranho no ninho. Depois de ingressar no Rush, ele viveu em Toronto por alguns anos, mais tarde se mudando do país. Quando ele foi para Los Angeles, isso teve pouco impacto sobre sua relação com Lee e Lifeson.

"Neil nunca foi realmente acessível", explica Lee. "Então, o fato de que ele está na Califórnia agora não é algo enorme para se superar. Quando precisamos conversar, nos falamos".

Atualmente, é Lee quem conduz o Rush à frente. Ele quer fazer uma turnê a mais. Se conseguir, a banda irá retornar ao Reino Unido e à Europa em 2016. O que quer que aconteça em seguida, ele diz, dependerá da forma como os outros dois caras estarão se sentindo após a turnê pelos Estados Unidos. "Se todos estiverem trabalhando firme da forma que acho que estaremos, então poderemos continuar".

Alex está lutando contra a artrite, Neil com a tendinite. E você, como está?

Estou apto como um violino. Mas para Alex a artrite não é algo pequeno. Francamente, estou um pouco surpreso dele ter falado com você sobre isso. E realmente, se há alguma coisa que irá significar que não podemos mais fazer turnês como costumamos, é muito provável que seja a artrite, isso porque é algo que irá afetar diretamente sua capacidade de tocar. Se eu fosse para o palco e não pudesse tocar da forma que eu fazia no passado, se não houvesse nenhuma maneira de fazer, não gostaria de ir lá para ser uma sombra do que fui anteriormente.

Isso é algo que certamente lhe preocupa tanto quanto ele.

Sabe, me dói vê-lo quando está em um dia ruim fisicamente. Ele é um dos meus amigos mais antigos e queridos. Não é bom ver seu amigo sofrer quando ensaia e não toca o seu melhor. Isso é algo que está no fundo da sua mente, e ele tem medo disso.

Neil é o que mais fala sobre a relutância em sair em turnês.

Bem, Neil tem uma vida mais complicada do que eu e Alex, vamos reconhecer. Nossos filhos estão crescidos, é muito mais fácil para nós fazer uma turnê. Quando meus filhos tinham a idade da filha do Neil, sempre era uma decisão mais difícil cada vez que você saía pela porta. Temos que lembrar o que ele passou - ele foi ao inferno e voltou. Agora ele tem uma segunda família, com a qual ele está tentando fazer a coisa certa. Não há ninguém na Terra que poderia culpá-lo por isso. Trata-se da questão de ele ser capaz de fazer os malabarismos que pode com a banda, como sua família podendo lidar com isso e como ele se sente tudo isso em seu coração. Eu entendo completamente.

Como você lida com um assunto tão delicado?

É uma conversa em curso; uma conversa difícil que estávamos adiando antes de nos reunirmos para essa turnê. Acho que é difícil para Neil trazer à tona essas coisas, porque ele sabe que, não importa o que aconteça, não quer se sentir como o cara que está puxando o plugue. É difícil para ele e eu aceito isso. Mas as decisões têm que ser tomadas, temos que seguir com nossas vidas. Dessa forma, essa conversa foi difícil. Mas, por fim, decidimos que faríamos a turnê, e Neil estava bem com isso. Uma vez que tomou essa decisão, estava cem por cento lá. Há uma coisa que quero deixar muito claro: não há vilão nesse cenário.

Se Clockwork Angels acabar sendo o último álbum do Rush, você poderia viver bem com isso?

Oh sim. Estou muito orgulhoso desse disco. Certamente que está entre nossos três trabalhos mais notáveis.

O quão confiante você está de que poderia fazer outro?

Se ainda sinto a magia de fazer mais discos? Absolutamente. Mas não posso dizer se os outros caras concordam. Não estou cem por cento certo de que Neil concorda, mas tenho certeza que Alex concorda.

Ele concorda. Você devia pergunta-lo. Eu fiz isso.

Ha ha. Ok. O que ele disse?

Ele disse que gostaria de fazer um novo álbum. Então vai lá – ajudei você com essa.

Obrigado, Paul!

Parece que todo mundo gosta do Rush agora. É um sentimento estranho?

Em primeiro lugar, isso é ótimo. Mas sim, é estranho. O fato de que mais fãs querem nos ver, e as pessoas mais jovens que estão ficando ligadas em nossa música é algo muito legal. É bom que pessoas como nós se sintam bem em dizer isso em voz alta [risos]. Não há realmente nada de negativo em toda essa nova aceitação.

Você tem ideia do por que isso aconteceu?

É difícil e entender. Obviamente a longevidade compensa. Acho que há uma quantidade de paixão e autenticidade que trazemos para nosso tipo de música que também deve significar algo atualmente.

Não é apenas sobre a música. O documentário Beyond The Lighted Stage humanizou a banda.

Isso é verdade. O documentário é o que o Rush é: uma história sobre três amigos, e um monte de gente que gostou dessa história. Ao fazer esse filme, ao permitir pessoas nele, é mostrado um lado da nossa personalidade que é atraente. O fato de nos darmos tão bem, de nos divertirmos e amarmos o que fazemos, se tornou a 'coisa' - por falta de uma forma melhor de descrever [risos].

Há caricaturas do Rush: Alex como o palhaço, você como o uber-nerd e o Neil como o tipo professoral.

Certamente que há verdade em tudo isso. As caricaturas são um começo.

E em um nível profundo?

Eu diria que Alex é o de sangue quente. Se eu colocá-lo no contexto do Rush, ele é a emoção crua da banda. Ele é o cara que vai surtar primeiro, o cara que vai perder a paciência. Ele é também muito doce e amável, o cara da banda que você quer abraçar mais. Ele é tão engraçado e atencioso, mas que também pode ser muito irracional.

E Neil?

Neil é surpreendentemente pateta. Isso é algo que a maioria das pessoas não percebem nele. Ele é um cara grande e pesado e, quando fica em seu estado de espirito pateta, é hilário. No primeiro dia, em sua audição, Alex e eu pensamos que ele era o cara mais idiota. Não tínhamos ideia do que estava à espreita por trás daquela bobeira, o homem professoral e sério. Obviamente todos somos mais do que aparentamos. Ou menos [risos].

Você parou de usar drogas há muito tempo. Os outros dois não. Você se sente confortável próximo a eles quando estão drogados?

Se você ficar muito tempo com pessoas que adoram sua erva, você se acostuma. Eu só fico espantado com quão bem as pessoas funcionam com essas coisas.

Você não poderia lidar com essa merda?

Foi por isso que parei – porque me tornei completamente disfuncional quando estava alto. Eu simplesmente não conseguia parar de falar. Não conseguia para de fingir que era o Woody Allen, ou tentar tirar as calças pela cabeça. Ficava tentando fazer as pessoas rirem, e é fácil e difícil fazer pessoas drogadas rirem. Você vai dizer alguma coisa e eles vão rir, e vai dizer algo mais e a sala vai ficar muito tranquila, como se dissessem, "ok..."

A clássica paranoia das drogas.

Sempre me senti bem quando estava com os caras. O que era difícil pra mim era ir para meu beliche no ônibus com meu cérebro a 1000 quilômetros por hora. Meu problema é que não consigo parar de pensar sobre tudo. Não me ajuda ter um estimulante do tipo. Ele contribui para meus pensamentos em excesso. Eu prefiro uma taça de vinho ou duas, o que me ajuda a relaxar. Isso me coloca no meu lugar feliz. Eu não preciso ficar alto. Sinto que tenho sido abençoado com um tipo natural de elevação.

Quando Alex lhe falou sobre a tentativa com o ecstasy você não sentiu que estava perdido?

Oh meu Deus, estou muito além disso. E eu não gostaria de ser uma testemunha. Não quero estar em qualquer lugar ao redor do cara nessa condição. Pensar nisso me enche de pavor.

Você sente vergonha por alguma canção feita pelo Rush?

Algumas coisas dos materiais mais antigos me estremecem um pouco. Eu ouço uma canção e penso: Isso foi tão influenciado pelo Genesis. Que diabos eu estava pensando? É tão derivativo. E as longas instrumentais que fazíamos nos anos setenta, algumas que parecem muito pretensiosas.

Canções longas, instrumentais, pretensiosas – é o que eu chamo do "bom Rush".

Ok [risos]. Posso entender. Tenho amigos, músicos, que me dizem o tempo todo que, depois do Hemispheres, não ouve mais nada que os interessasse. Então, quando você faz essa afirmação, faz todo o sentido pra mim. Nas suas mentes, aquele era o bom Rush. Você pode ver algo do tipo em nosso documentário. Adorei o fato do Trent Reznor ter mais interesse em nós no pós-teclados, e ainda Tim Commerford (baixista do Rage Against The Machine) odiar qualquer coisa pós-teclados. Isso diz tudo.

A pretensão nessas primeiras canções tem muito a ver com as letras que Neil escreveu. Talvez a mais pretensiosa de todas tenha sido Xanadu, com sua letra inspirada no poema Kubla Khan, de Coleridge.

'I have dined on honeydew' [risos]. Tente cantar isso! Tente cantar sobre Kubla Khan, pelo amor de Deus.

Você conseguiu.

Oh sim. Eu adorei! Estava dentro daquilo. Mas depois de um certo tempo, acho que me tornei um pouco mais objetivo sobre as letras.

Houve letras do Neil que vocês rejeitaram de imediato?

Ah sim, absolutamente. Às vezes simplesmente não funcionam, e não consigo chegar nelas.

Isso trouxe problemas entre você e ele?

Nos primeiros dias era mais difícil. Estávamos nos tornando parceiros de composição, em um relacionamento de confiança que levou anos para se desenvolver. Mas ele é um parceiro notável, no sentido de que não tem o ego como requisito de trabalho.

Nos anos posteriores, Neil escreveu belas letras sobre a condição humana, para canções como Afterimage e The Pass. Existe uma canção que fala a você mais do que qualquer outra nesse nível de profundidade?

Gosto de The Pass. É uma das minhas favoritas. Acho que The Garden, do Clockwork Angels, é uma das mais belas coisas que ele escreveu.

Agora fazem 41 anos desde o lançamento do primeiro álbum do Rush. Naquela época, com qual grandeza vocês sonhavam? Vocês achavam que se encaminhavam para serem o novo Led Zeppelin ou apontavam para algo menor – próximo Budgie talvez?

Ha ha. Bem, quem sonha pequeno? Ninguém faz isso. Especialmente quando jovem, você sonha grande. Você quer ser o próximo grande sucesso. Você quer ser o próximo Deep Purple. Mas, de fato, não quer igualar seu talento escasso com suas bandas favoritas, especialmente por sermos canadenses. Somos muito modestos para esse salto de fé.

Em todos esses anos, você já pensou em deixar a banda?

Não, nunca. Posso dizer honestamente que não tive um único dia em que pensei em desistir.

Você dedicou toda sua vida adulta a essa banda. Algum arrependimento?

Queria não ter sido tão obcecado com a banda quando meu filho era pequeno. Gostaria de ter tido mais momentos com ele. Dessa forma, sim, tenho arrependimentos sobre a primeira parte da sua vida. Mas meu filho e eu estamos muito próximos agora. E quando minha filha veio, 14 anos depois que meu filho nasceu, me fiz mais disponível para ela. Você vive e aprende, sabe?

E se a banda terminar em breve – por todas as razões das quais falamos – você poderia aceitar com um sentimento de gratidão por tudo o que ela lhe proporcionou?

Vou ser honesto. Não gosto da ideia de terminar. Mas, obviamente, as conversas do ano passado me forçaram a entrar em acordo com a mortalidade – mortalidade no sentido da banda. Se houver um momento em que nos tornemos uma unidade criativa não funcional, será difícil me mover para outras coisas, mas vou seguir em frente.

***

1º de agosto de 2015 é quando o Rush concluirá sua turnê pelos Estados Unidos, no Forum em Los Angeles. Além disso, o futuro da banda continua indeciso. Durante essa turnê, as difíceis conversas entre os três integrantes continuarão. Por enquanto, apenas uma coisa é certa: eles ainda não chegaram no fim da estrada, mas o fim está à vista.

Geddy Lee diz que sua natureza é ser otimista. Mesmo assim, ele continua pragmático. "Agora", ele diz, "Tento apenas desfrutar da turnê. Podemos seguir para sempre? Claro que não. Não sabemos se esse é o fim. E se esse é o fim, vai acontecer aos poucos. Se não pudermos sair e fazer uma grande turnê no futuro devido não concordarmos, não haverá nada a dizer a não ser fazermos outro disco ou shows aqui e ali. Essa é a melhor maneira com a qual posso descrever isso".

E, para Alex Lifeson, há uma mistura de emoções. Após uma vida passada na estrada, Lifeson, como Neil Peart, pretende dedicar mais tempo à sua família. Mas ele está bem ciente de que, se a banda quer sair em alta, isso tem que acontecer em breve.

"Quero saber se posso tocar tão bem como sempre fiz, ou pelo menos perto disso", diz ele. "Adoro quando as pessoas dizem: 'Você tem que ver esses caras, eles realmente podem tocar'. Quero que o Rush seja sempre essa banda. Esse é um legado que eu gostaria de manter intacto. Essa é a essência do que é o Rush – esses três caras que sempre adoraram tocar juntos. Sei que estamos chegando perto do fim, mas ainda tenho me divertido bastante tocando com esses dois caras. Quando chegar a hora, vai ser difícil deixar essa energia".