VITÃO BONESSO RELEMBRA SUA HISTÓRIA COMO FÃ DO RUSH



02 DE ABRIL DE 2015 | POR VAGNER CRUZ

Vitão Bonesso é uma das lendas vivas do metal brasileiro. Produtor e apresentador do programa Backstage há 27 anos (atualmente na Kiss FM de São Paulo), ele também é diretor da Rádio Backstage, que está no ar pela web desde fevereiro de 2006. Além disso, escreve para a revista Roadie Crew, apresenta o quadro Backstage Drops no programa Rock Forever da TV Paulista (Cultura) de Jundiaí e de mais 14 cidades da região e é baterista da banda Electric Funeral, que há 24 anos presta tributo à música do Black Sabbath.

Vitão Bonesso com Alex Lifeson e Geddy Lee em 2010

Sempre muito gentil e sincero, Vitão é bastante admirado por seu trabalho. Ao longo dos anos, tanto ele quanto seu Backstage se tornaram referência no que se refere ao heavy rock, sendo este considerado por muitos o programa do gênero mais completo e dinâmico da América Latina.

Ainda no formato para rádio aberta, o Backstage foi ao ar pela primeira vez em novembro de 1988 pela 97 FM SP, onde permaneceu até dezembro de 1994. De janeiro de 1995 até janeiro de 2006, foi transmitido pela Brasil 2000 FM, fechando um total de 1026 edições apresentadas em 17 anos de existência, sempre divulgando a música pesada em suas mais variadas tendências e levando aos admiradores do estilo mais de 250 entrevistas exclusivas com grandes nomes do heavy rock nacional e internacional, inclusive com o próprio Rush.

Perguntado em uma ocasião sobre como chegou à decisão de que seria locutor, ele respondeu, "Não cheguei, chegaram em mim (risos). Eu era apenas um colaborador de conteúdo da 97 FM e, um dia, o diretor da rádio me propôs que eu comandasse meu próprio programa. A proposta, na verdade, foi uma intimação - tive que inventar em uma semana um novo programa, dar nome a ele e colocá-lo no ar. Na verdade, nunca tive a intenção de ser locutor. Simplesmente aconteceu", explica.

Vagner Cruz, Candice Soldatelli, Bento Araújo e Vitão Bonesso, no lançamento de Ghost Rider em São Paulo, 2014 | Foto: Fernando Camarelli

Há pouco mais de um ano, conheci Vitão Bonesso pessoalmente no lançamento do livro Ghost Rider: A Estrada da Cura de Neil Peart, pela Editora Belas-Letras em São Paulo. Um pouco antes da programação da qual participamos, ao lado de Bento Araújo da revista Poeira Zine, da tradutora Candice Soldatelli e de uma garrafa de Macallan, tivemos um bate-papo muito agradável no qual conversamos, em suma, sobre a obra do Rush. Pelos seus relatos de grande fã, percebi que ele trazia ótimas histórias para contar em torno da música da banda, tendo em vista ter acompanhado todos os lançamentos desde o álbum de estreia e o seguinte, Fly By Night. De lá para cá, conversamos sobre uma entrevista para o Rush Fã-Clube, com a qual ele concordou imediatamente em conceder, para contar um pouco sobre a representatividade da banda no país ao longo dos anos, desde a década de 1970. O material rendeu momentos muito interessantes, simpáticos e divertidos.

Vitão, foi muito bacana nossa conversa no dia do lançamento do livro Ghost Rider, e lembro que você contou coisas bem legais em torno da sua história com a banda – pude perceber rapidamente que você tem muitos relatos para compartilhar. Dessa forma, ficaria muito grato em conversarmos analisando, por seu ponto de vista, a discografia da banda.

Inicialmente, gostaria que você falasse sobre seu primeiro contato com o Rush. Em que ano ocorreu, como ficou sabendo da existência da banda e como adquiriu o primeiro álbum?


Lembro como se fosse hoje. Era um domingo, em meados de maio de 1975. Enquanto eu calçava meu tênis para uma pelada na rua com os amigos, assistia o programa Som Pop na TV Cultura. Uma parte desse programa comentava alguns lançamentos ocorridos na semana, e foi aí que ouvi pela primeira vez o nome RUSH. Na ocasião, a matéria mostrava a capa do Fly By Night dizendo, "... acaba de chegar ao Brasil o segundo trabalho do trio canadense Rush, Fly By Night". Lembro bem que eles não comentaram absolutamente nada a respeito do novo integrante.

Como foi adquirir o Fly By Night?

Naquela mesma semana fui em uma loja na minha cidade, a Belrus, e vi a capa do Fly By Night. O vendedor, Vagner Garcia (meu amigo até hoje), colocou o disco na pick up da loja e eu caí pra trás! Porra, aquelas primeiras levadas de "Anthem" estavam a anos-luz do que se praticava na época! É claro que a voz de Geddy Lee me soou estranha, parecia um motorzinho de carrinho de autorama (risos). Enfim, aquele foi meu primeiro contato com a banda e as viradas maravilhosas de Neil Peart. Uma semana depois, voltei à Belrus para pegar o primeiro álbum, que também já havia sido lançado por aqui (algumas semanas antes, na verdade), e fiquei surpreso em constatar que o baterista era outro. Gostei do primeiro disco, mas Fly By Night já mostrava uma evolução incrível.

Você acompanhou no Brasil o lançamento de Caress Of Steel? Esse álbum não foi tão bem recebido no exterior na época. E você, curtiu?

Sim. Naquela época a gente não tinha notícias sobre a banda. Ninguém conhecia o Rush por aqui. A primeira vez que falei com alguém que disse gostar deles foi muito tempo depois, quando haviam acabado de lançar o 2112. Me sentia solitário em se tratando de ser fã do Rush. Para aqueles que eu mostrava o Fly By Night, por exemplo, os elogios iam para o Neil, e muitos torciam o nariz para a voz do Geddy Lee. Sobre o Caress Of Steel, eu lembro que comprei com o primeiro salário que ganhei trabalhando numa funilaria (lanternagem de carros aí no Rio de Janeiro). Comprei ele e o Alive!, do Kiss. Curti demais logo nos primeiros momentos de "Bastille Day", a saga "The Necromancer" e até aquela que o Alex considera uma canção ruim, "Panacea". Gostei tanto quanto Fly By Night, mas no Brasil o disco e seu lançamento original passaram batido.


Agora sobre 2112. Como foi o impacto desse disco pra você?

Foi uma pancada. Nossa, como evoluíram! As viradas de "Temples of Syrinx" quase me fizeram desistir da bateria ali mesmo. Além dessa faixa, gosto demais de "A Passage to Bangkok" e "Something For Nothing", mas o disco todo é sensacional. Foi por aí que encontrei algumas pessoas que começavam a se interessar pelo Rush, já que na imprensa ninguém comentava nada.

Seguindo com All The World's a Stage, A Farewell to Kings e Hemispheres. Você continuou acompanhando de perto os lançamentos da banda nessa época? Como foi receber esses discos?

All The World’s a Stage é outro que me lembro nitidamente. Eu era office boy e, sempre que podia, passava por algumas lojas de discos do centro de São Paulo. Foi num desses dias que me deparei com o primeiro ao vivo do Rush, e comprei na hora! Lembro que o dinheiro que eu tinha era para pagar os juros de um título vencido da empresa que eu trabalhava, num cartório próximo dali. Usei a grana, comprei o disco e dei a desculpa que estava chovendo demais naquele dia (e estava mesmo), e não consegui chegar ao cartório a tempo (risos). Também curti esse disco, apesar de que, em alguns momentos, achava que faltava uma guitarra base durante os solos do Alex. Mas gostei demais do álbum.

O A Farewell To Kings me pegou de surpresa. Se o 2112 já mostrava um lado bem mais progressivo do Rush, esse disco revelou nitidamente qual era a direção que a banda iria seguir. Adorei a capa e me lembro que comprei esse no Museu do Disco em São Paulo. Eu havia terminado um namoro, havia brigado com minha namorada e minha mãe, me vendo triste, nem reclamou quando pedi a ela um "dim dim" emprestado para ir buscar uma cópia importada. Foi outro álbum que eu devorei de tanto ouvir (risos), a faixa-título, "Madrigal" e, é claro, a épica "Xanadu". Já Hemispheres eu curti bem mais. Como A Farewell To Kings, eu não esperei a versão nacional e fui direto pro Museu do Disco atrás de minha cópia importada. Caramba... capa dupla, e um poster lindo com fotos sensacionais dos três. Na parte musical, "The Trees" e a infalível "Lá Villa Strangiato" são as minhas preferidas.

Permanent Waves e Moving Pictures - gostaria que comentasse esses dois álbuns em particular. Como foi pra você a mudança de direção do grupo, bem deflagrada no álbum de 1980 (com inserções da new wave) e como foi o impacto de Moving Pictures, o mais famoso trabalho? O disco foi muito badalado no Brasil também, na época do seu lançamento?

Em 1980, os fãs começaram a aparecer. O Permanent Waves é um dos meus preferidos. As viradas de Peart em "The Spirit Of Radio", "Freewill"... nossa, uma faixa melhor que a outra! Minha preferida é "Natural Science". Os teclados já se faziam presentes e, ao mesmo tempo que alguns fãs aprovaram, os mais conservadores achavam que eles estavam se tornando menos progressivos, coisas do tipo. Foi um progresso que eu em particular adorei, achei até natural. O Moving Pictures, com o tema do MacGyver, foi o ponto de partida para o Rush no Brasil. Nada absurdo, mas já era bem mais fácil encontrar admiradores, digamos, até fanáticos como eu mesmo já era há um bom tempo. Ouvi muito o Moving Pictures, muito mesmo. Decorei cada virada do Peart, cada detalhe do disco. Dizer que é o melhor da banda? Sim, naquela época eles extrapolaram, mandaram bem demais. Quanto a ser badalado no Brasil, sim, mas de uma forma ainda tímida. Porém, foi com esse disco que muita gente, que até então ainda tinha algumas reservas com o som da banda, baixou a guarda e se declarou fã.

Signals: uma mudança ainda mais clara na sonoridade do grupo. Como foi pra você receber esse disco? Ele soou como um corte muito abrupto ou fluiu naturalmente?

Totalmente natural, pelo menos pra mim. Os teclados estavam lá novamente, cada vez mais presentes. É claro que comparar logo de cara o Signals com o Moving Pictures era sacanagem, mas, depois de várias audições, pelo menos eu achei os dois meio que parecidos. "Subdivisions", "Chemistry", "Digital Man" e "Countdown" são minhas preferidas.


Grace Under Pressure, Power Windows e Hold Your Fire. Você ficou sabendo na época da saída de Terry Brown, o produtor que estava com eles desde o começo? Como foi experimentar o Rush nessa fase mais eletrônica? Você me relatou que seu álbum preferido é o Hold Your Fire - o que faz esse disco ser tão especial pra você?

Sim, o Hold Your Fire é meu preferido. Começa pela cor vermelha, minha preferida (risos). Mas, o que me fez amar esse disco foi uma viagem de Chevette para o Paraguai que fiz com um amigo. A trilha sonora foi, na ida e na volta, o Hold Your Fire. Esse disco é lindo, e minhas preferidas nele são "Open Secrets", "Prime Mover" e "Second Nature". Na verdade, acho o disco todo sensacional. Sobre a saída do Terry Brown, ficou nítida a direção musical para um lado mais "teclado". Lembro que quando saiu o Grace Under Pressure, a moda era o The Police, e o trio entrou meio que nessa. Gosto desse disco, mas aquele kit Simmons que o Peart usou me deu nos nervos. Soou meio como "maria vai com as outras". Todo baterista naquela época estava usando aqueles kits eletrônicos da Simmons. Também achei chato ver o Geddy Lee com aquele baixo Steinberger, que mais parecia um pedaço de pau. Protestei - cadê o velho Rickenbacker? (risos). Sobre o Power Windows, lembro de ouvi-lo várias vezes seguidas, enquanto polia meu Opala na casa da minha mãe na Praia Grande. Naqueles tempos, os discos do Rush começaram a ficar complicados para você assimilar musicalmente, e o jeito era ouvir muito para começar tirar alguma conclusão. Durante o polimento do Opalão, ouvi o disco umas dez vezes e fui captando as melodias e tudo mais. É outro que eu gosto demais. "Manhattan Project", "Marathon" e "Grand Designs" são sensacionais.

Presto e Roll The Bones – dois discos produzidos por Rupert Hine. O que você mais destaca no período em que ouviu esses trabalhos, este que trazia inovações curiosas como o rap em "Roll The Bones", por exemplo?

O Rush se mostrava atual nos segmentos musicais que surgiam. Presto tinha algumas coisas estranhas, como "Scars". Foi um álbum razoável pra mim. Gosto demais de "Chain Lightning", "Presto" e a melô do super-motorista-de-ônibus, ou "Superconductor" (risos). Mas não é um dos meus preferidos, acho que faltou peso na gravação. Já Roll The Bones é um dos que eu gosto bastante. Não senti nenhum medo ou raiva com os momentos rap na faixa-título, já que fica claro o bom humor da banda. "The Big Wheel" é a que eu mais gosto, puta disco legal!

Counterparts e Test For Echo. Como foi experimentar esses discos (o Counterparts com sua sonoridade próxima ao grunge da época e o Test For Echo com as novas abordagens na bateria de Peart)?

Cara, eu curti muito o Counterparts. O Alex e o Geddy quase saíram no tapa por causa do excesso de teclados que incomodavam o guitarrista, que acabou ganhando a queda de braço, tornando o som do Rush mais básico, mas não menos complexo. Não achei nada parecido com grunge e essas merdas (risos). Achei um bom disco, mas talvez alguma coisa a mais dos teclados poderia ter sido mantida. Sempre curti a fase com teclados da banda. Já o Test For Echo não entra na lista dos meus preferidos. Senti a banda meio sem identidade e, musicalmente, não senti muita inspiração, apesar de "Driven" e "Resist" serem bons momentos do álbum.

Como fã, como foi o período do hiato da banda pra você, após as tragédias do Neil? Como você recebeu aquelas trágicas notícias?

Com tristeza e preocupação. Achei que os resultados de Test For Echo, seguidos das tragédias na vida do Peart fossem colocar um ponto final no Rush. Imaginar a banda com outro baterista ou outro integrante qualquer era algo que eu não conseguia nem pensar. Foram quatro anos de espera e o retorno deles foi um alívio, misturado com desconfiança. Será que esse retorno iria acontecer depois de tanto tempo? Aconteceu.

Quais foram suas percepções em torno do renascimento com Vapor Trails?

Não muito boas. Muita gente começou a ouvir o Rush nesse álbum, e gosta dele. Pra mim é o disco mais fraco do Rush. Gosto de "One Little Victory" e "Earthshine", mas nem mesmo a versão remasterizada salvou alguma coisa para mim. Tentei gostar, mas não virou. Achei a banda perdida e duvidava que eles seguiriam em frente. Por felicidade, eu errei (risos).

Gostaria que você comentasse um pouco sobre os dois últimos álbuns de estúdio, Snakes & Arrows e Clockwork Angels.

São absurdamente sensacionais! Clockwork Angels mostrou toda a versatilidade e superação da banda de uma forma natural. A música de bom gosto prevaleceu. Snakes & Arrows foi um dos discos que eu mais ouvi do Rush, e ainda ouço. Clockwork Angels é bem mais complexo, eles romperam com tudo. É difícil explicar como esses caras conseguem se superar a cada álbum, como conseguem ser tão inventivos e originais. Ainda ouço demais esse disco e fico, de queixo caído com o som do baixo dele.

Vitão, como foi a experiência do Meet & Greet com Geddy e Alex em São Paulo em 2010?

Meet & Greet, que momento mágico aquele! Porém, na primeira visita da banda por aqui, estive presente na coletiva (inclusive apareço nas imagens do DVD Rush In Rio - puta honra). Lembro que, ao final da entrevista, peguei autógrafos no tour book do Roll The Bones e na capa do Hold Your Fire. Perguntei ao Geddy, "Cadê seu Rickenbacker?" Ele sorriu e respondeu, "Caramba, vocês aqui do Brasil gostam desse baixo hein!" E com o Alex dei uma espécie de bronca: "Nenhuma música do Hold Your Fire no set?" E ele, sempre simpático, disse, "E você ainda me traz justamente essa capa para eu assinar?".

Já o Meet & Greet em 2010 aconteceu de forma tranquila. Como eu promovi o show nas minhas rádios na internet e no meu programa na Kiss, eu meio que exigi que fosse até eles, e fui (risos). Foi tranquilo, mas rápido demais. É uma das minhas fotos que viraram pôster e está aqui no meu estúdio. Puta orgulho gostar de Rush.
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