ENTREVISTA COM PEART NA RÁDIO SIRIUS XM



12 DE FEVEREIRO DE 2015 | POR VAGNER CRUZ


No dia 03 de fevereiro de 2015, Neil Peart foi o convidado do programa Deep Tracks, da rádio norte-americana Sirius XM. Apresentado por Jim Ladd, o encontro rendeu uma extensa e fantástica entrevista. O músico conversou abertamente por cerca de duas horas, passeando por muitos temas entre execuções ocasionais de canções do Rush, incluindo a próxima turnê R40, seu novo livro Far and Near: One Days Like These, opiniões sobre a música pop, viagens de moto, reedições dos vinis da era Mercury Records, religião, história, filosofia e muito mais. Com a parceria do nosso colaborador Leo Skinner (que nos trouxe trechos e que nos incentivou nessa empreitada) oferecemos esse belíssimo documento aos amigos leitores do Rush Fã-Clube Brasil, que mostra bem de perto o lendário baterista e letrista do trio canadense.

JIM LADD ENTREVISTA NEIL PEART
Transcrição e tradução: Vagner Cruz

Inicialmente, Ladd aborda o setlist que o Rush irá oferecer em sua próxima turnê, R40:

"Quando começamos a planejar essa turnê, era notável a nossa sincronia sobre o que queríamos fazer, expressar e apresentar para as pessoas, sobre como iríamos trabalhar no setlist e assim por diante. É claro que tínhamos canções demais, e por isso dissemos, 'Bem, vamos tocar essa numa noite e essa em outra noite', acomodando as preferências e gostos de todos. É mais do que pessoal. Você está pensando na apresentação da banda para um público que já existe há décadas. De modo que eles vão ter - não necessariamente as suas expectativas - mas o nosso desejo de entregar algo de valor como uma declaração que encapsula e pontua todo esse tempo que estamos juntos"

"Acho que podemos chamar o set de "Jammin' to the Oldies" [risos]. Foi muito divertido discutir as diferentes abordagens que poderíamos tomar, e as escolhas entre todo o material. Foi simplesmente 'feito', uma vez que nós três começamos a compartilhar listas de canções por e-mail e tudo mais. Dissemos, 'Tocamos um monte desse álbum na última turnê, então podemos deixá-lo de lado. Que tal essa que não tocamos há algum tempo?' Também queremos fazer uma apresentação cronológica completa de todo esse período. Foi bem legal a maneira fácil na qual essas decisões foram tomadas, e em nenhum momento ocorreram 'coisas demais' ou alguém dizendo 'Não vou tocar isso'. Tínhamos muitas canções que todos queriam tocar e possivelmente ressuscitar como temos feito, e por isso concordamos, 'Bem, ok, podemos fazer todas essas, mas não todas na mesma noite'".


Ladd afirma que o que fala mais alto nos quarenta anos de carreira do Rush é a maneira como os integrantes gostam da presença de cada um. Sobre o assunto, Peart diz:

"Sim, é um presente inacreditável depois de tudo o que conquistamos e desenvolvemos ao longo de todo esse tempo. Mas tudo isso foi (e ainda é) fundamentalmente baseado em uma das primeiras coisas que compartilhamos: o nosso senso de humor. Logo no primeiro dia que nos conhecemos conversamos sobre uma cena do Month Phyton. Se você têm algo em comum de imediato, então há algo que você pode construir a partir daí, além do mesmo pano de fundo musical. Dessa forma, uma vez que começamos a tocar, começamos a falar sobre música e ambições, e sobre o que gostaríamos de fazer dentro de uma banda original. Isso estava lá também, mas nós, absolutamente, começamos a falar das coisas engraçadas primeiro".

Rush em 1974

Sobre o ponto de vista em agradar aos fãs e a eles mesmos, Ladd comenta que a banda sempre toca para o público como se estivessem tocando para a família, devido à estarem juntos por tanto tempo.

"Sim! Eu sempre disse isso, mas a questão é simples. Fazemos o tipo de música que gostamos e esperamos que outras pessoas gostem também, havendo uma pureza que cresceu conosco nos anos 60. Não quero soar mais valioso quando converso com alguém. A década de 60 foi uma época muito criativa para se crescer como um jovem músico. [...] Foi a segunda 'invasão britânica' que me deu o baque. Tocava bateria há um bom tempo quando ouvi The Who e The Kinks. A energia furiosa que tinham mudou meu mundo e inflamou todo o meu desejo de tocar música, me inspirando quanto a forma de fazê-la. Uma das razões que me levaram a admirar Pete Towshend naquela época foi, 'Uau, ele destrói guitarras e lê livros'".

Sobre os quarenta anos da banda, Peart diz:

"Há tantas emoções envolvidas com a gratidão... sempre salta em minha mente o que conseguimos durante esse tempo. Sim, somos gratos pelo que somos hoje, além da estrada que nos trouxe até aqui. Tudo parece tão nítido... a linguagem à nossa volta, as memórias, os bordões e incidentes que voltam por todos esses anos, os anos de luta na década de 70 e especialmente os últimos dez anos, em que cada disco foi recebido com louvor em um grau honorário que você sabe que pode de fato apresentar. É um sentimento maravilhoso ser homenageado como um músico individual. Todas as façanhas que realizamos foram realmente apreciadas, e você sabe que essa valorização nem sempre esteve lá. Surpreendentemente, nessa ultima década, esse feedback veio até nós de um modo muito gratificante. Assim, acho que estamos muito felizes e confortáveis, e consequentemente felizes e confortáveis em celebrar nossos 40º aniversário".

"Há pessoas que são neuróticas sobre envelhecer, e eu não levo isso muito a sério. Eu tenho 62 anos de idade e sou feliz por isso. Ninguém sabe o que tivemos que passar, então sou grato novamente, pois sobrevivi por mais tempo do que muitos de nossos contemporâneos do rock'n'roll. Sou grato e sempre estive ciente disso, e consequentemente tomei atitudes relativamente saudáveis. E sim, sobrevivemos por 40 anos como uma banda. Nesse setembro, completam 50 anos que toco bateria aos 62 anos. Tenho muito orgulho de tudo isso".

"Se você é aberto e não tem medo de mudanças e conhecimento, aprender mais se torna uma coisa venturosa. Não é um desafio ou uma ameaça, é uma recompensa".



Peart afirma que os três primeiros álbuns do Rush foram os que provavelmente lhes ensinaram mais coisas em relação à fama. Encararam shows de qualquer estrela que precisasse de bandas de abertura, sendo nesse período o início deles com públicos maiores. Nos dias que poderiam tirar folgas, partiam para tocar em bares e escolas. Não paravam nunca, e foi justamente nesse contato com outras bandas que os canadenses começaram a ter o senso crítico de dizer "Ok, nunca iremos agir assim, não seremos como eles". Esse tipo de pensamento e autoconsciência marcante dos músicos nasceu nessa época. Por outro lado, o baterista completa dizendo que recebeu muitas influências do tipo "quero ser esse tipo de músico, quero fazer esse tipo de som, quero ser esse tipo de herói".

"...Quando não se é um herói nos esportes escolares, especialmente para um jovem garoto, não há muitas chances de se tornar um herói algum dia. Mas, de alguma forma, você quer ser o seu próprio herói interiormente, emulando os músicos que admira e que dão um bom exemplo a você..."

"...É provável que muitas pessoas não entendam o que Freddie Mercury quis dizer com a frase 'We Are the Champions of the world'. Há muito tempo atrás, se um vilarejo estivesse lutando contra outro vilarejo, eles escolhiam o homem mais forte para lutar contra o mais forte do outro local, ao invés de cair em pé de guerra. Esses eram os campeões, e o que Freddie quis dizer foi que você é um dos campeões lá fora quando luta essa batalha, e há um tipo de privilégio e responsabilidade sobre você. [...] As pessoas me perguntam por que ainda faço aulas, porque decido tocar com big bands e porque ainda saio à noite para tocar de frente para milhares de pessoas. Bem, considero isso uma responsabilidade que me permitir ter quando decidi ser músico profissional".

"Sempre sinto que tudo bem, pode acontecer de você não ter conseguido ser tão bom quanto queria, pode acontecer do último show não ter sido tão legal, mas haverá outro amanhã à noite. Entendo que toda essa pressão auto-imposta seja o mesmo senso de você tentando ser seu próprio herói".

"Tenho essa posição de campeão por falar nas letras na medida em que a raiva e a indignação me inspiram, tentando colocar tudo isso em palavras para outras pessoas. Canções como 'Subdivisions', que inicialmente era sobre nós, acabou sendo também sobre tantas outras pessoas, funcionando por termos colocado em palavras o que significava crescer em um ambiente de mesmice, no qual tentávamos encontrar uma saída. Trouxemos um pouco dos nossos valores suburbanos de quando éramos muito jovens, e nosso público foi capaz de trazê-los à frente conosco, por compartilharem aqueles mesmos sentimentos".



Um dos assuntos abordados por Ladd é a forma como Peart se apresenta em seu mais novo livro, Far And Near: sempre olhando à frente, nunca falando do passado de maneira nostálgica, como sentisse falta de algo, e sempre envolto por um marcante espírito aventureiro. Sobre a afirmativa, Peart menciona uma das mais marcantes frases do último disco de estúdio da banda, Clockwork Angels:

"Utilizei a frase 'Gostaria de viver tudo novamente' no disco Clockwork Angels, mas nunca senti isso. Não quero voltar, mas nesse período meu instrutor de bateria Freddie Grubber estava completando oitenta anos. Ele havia vivido a era de ouro do jazz nos anos quarenta e início dos anos cinquenta em Nova York, fazendo parte de toda aquela cena, e me disse que gostaria de viver tudo aquilo de novo. Dessa forma, decidi adaptar a frase para o personagem da canção. Só que, particularmente, nunca me senti assim, e talvez quando eu estiver com oitenta anos sentirei. Estou feliz por ter feito tudo isso apenas uma vez".

Peart diz ainda que pode dar vários exemplos sobre o assunto, começando pela bateria. "... os antigos bateristas são ótimos, mas os novos são melhores. As motos antigas são ótimas, mas as novas são melhores [risos]".

Grubber e Peart

Sobre seu sexto livro lançado, o músico diz:

"Eu estaria feliz se tivesse feito apenas um. Honestamente, esse é um exemplo de como seus objetivos podem aumentar. Muitas pessoas me diziam, 'Você já sonhou em tocar no Maple Leaf Gardens?', e eu respondia, 'Não, sonho em tocar na pista de patinação da minha escola - um passo de cada vez'. Foi a mesma coisa quando comecei a escrever. Sempre gosto de contar isso: na época do 2112, sair em turnês e mais turnês sempre foi tedioso para mim, e algumas pessoas presumiam que eu estava ficando cansado. Depois de um mês percebi quanto tempo livre eu tinha, e a leitura se tornou a minha fuga e um estímulo para gastar esses momentos ociosos. Em 1976 fui até uma loja de penhores em Little Rock, Arkansas, e comprei uma máquina de escrever - somente vinte anos mais tarde publiquei meu primeiro livro. Aprendi a trabalhar e retrabalhar com tudo de baixa qualidade que tinha, até chegar ao ponto. Portanto, publicar um livro naquele momento era meu objetivo final".

Ladd diz que trabalhar em um livro é mais solitário que escrever letras para o Rush. Sobre a afirmação, Peart explica:

"Há sempre boas colaborações disponíveis se você estiver aberto a elas. Adoro trabalhar com editores, que trazem grandes experiências na colaboração. Na novelização de Clockwork Angels por exemplo, estive com Kevin Anderson para gravar o audiobook em uma experiência de quatro dias dentro de um pequeno estúdio. Tínhamos que ter o cuidado de não nos movermos para não fazermos nenhum som. Trabalhamos com uma engenheira de som e produtora, que ouvia cada palavra saindo da minha boca assistindo as pronúncias, temperamentos na voz e tudo mais. E, por fim, aqueles dias de trabalho juntos me levaram a iniciar uma colaboração tão próxima que reflete a minha maneira favorita de trabalho, sabendo que faço parte de um grupo".

"Acabei de terminar a versão gráfica de Clockwork Angels, e trabalhar com Kevin, com os editores e com o artista gráfico é o que chamo de quorum, com todos nós tomando decisões para definir o que seria melhor para a história e para todo o caminho. Esse é o tamanho de de uma banda de rock - com cinco visionários - e a maioria dos trabalhos que fiz na vida foram em colaboração com grupos de três, quatro ou cinco pessoas criando algo juntos. Essa é a situação que adoro e acho que todas as instituições na vida deveriam ser lideradas por bandas de rock. Se o governo tivesse somente cinco pessoas tomando as decisões certas para o que acham melhor para o país, a visão seria melhor - as coisas provavelmente funcionariam [risos]".


Kevin J. Anderson e Peart

Perguntado sobre a importância da criação dos seus materiais físicos (como livros e álbuns com o Rush), Peart diz:

"Bem, algo que reflete a abordagem da banda em cada show que fazemos são os registros. Cada show que fazemos é como se fosse o único e cada álbum que gravamos vem com consentimento e cuidado. Eu digo que se alguém está ouvindo a bateria, não espero que ouça somente a complexidade polirrítmica, os toques cruzados estranhos e outros elementos da técnica. Sempre trabalho duro mas, no sentido de ouvir uma canção em um álbum do Rush ou na leitura dos meus livros, as pessoas deverão receber o senso de cuidado tomado nesses casos. Acho que esse é o valor quando olho para obras de arte ou quando assisto um filme, recebendo de imediato a sensação de que os cuidados foram tomados, sentindo à distância o que o artista ou o que qualquer outro meio está tentando lhe falar, mostrando que não estão tentando enganá-lo vendendo algo, mas sim comunicar com cuidado, falando de forma inteligente [...]. Conheci Nick Hornby, o romancista britânico que escreveu um pouco sobre música pop, e ele diz que quando conversa com algum jovem que está começando a ouvir música, sempre afirma que, 'Seja o que for que você ouça, apenas se certifique sobre o que querem dizer'".

"A palavra mágica 'pop' significa popular, e novamente outra coisa que aprendi com história da arte, crítica e com minha própria educação é que pelos padrões de um historiador da arte, o que você deve levar em conta é o que estão tentando dizer e quão bem estão fazendo isso. Estão tentando ser populares? Dessa forma você irá compreender. Um exemplo perfeito é quando dirijo para lá e para cá na Califórnia, sintonizando alguma estação de rádio por curiosidade. Na região central, decidi sintonizar uma de hip-hop de Fresno. Ouvi aquilo por duas horas e você não percebe qualquer bateria - é tudo automático. É o mesmo com a música pop, não há bateria ou bateristas. Não se trata de conseguir uma satisfação pessoal por esse elemento nas músicas e que fala a mim tão fortemente desde sempre, mas o que percebo é que ao ouvir esses artistas, cujo nome você geralmente vê em páginas de fofocas, é que em todos os casos eles têm um dom que outras pessoas não têm. Por isso o trabalho atlético se torna o trabalho de entretenimento, o que faz com que as pessoas possam admirar alguém que diz um monte de rimas muito rápido - seus admiradores não conseguem fazer isso. É simples assim".


"Todos esses artistas que essas pessoas admiram trazem um estilo que evoluiu desde a minha geração. Dessa forma, você pode julgar o hip-hop pelos padrões de uma banda de rock por exemplo, e quando ouve especialmente dessa forma diz, 'Como isso é feito? E porque as pessoas gostam?' Então percebi que, enquanto ouvia todos esses artistas famosos desse tipo de música negra por duas horas, ouvia as mesmas canções novamente, e vi que eles realmente têm um dom inimitável e é isso que os faz trabalhar para essas pessoas. Assim, quando você menciona a música pop, ela foi feita para ser popular - e o rock foi feito para ser rock".

Ladd elogia o poderio de Peart para descrever detalhes naturais em seus livros. Sobre o assunto, o músico diz:

"Para começar sou um amante da natureza. Sou como um pequeno garoto que responde a ela e a leitura foi como um grande imã para mim quando jovem. Dessa forma, um dos melhores exercícios que utilizo na escrita é estar em cima da minha motocicleta, observando e pensando, 'Como colocar isso em palavras?', muitas vezes lutando contra os movimentos, sendo esse um exercício constante para mim - uma ótima terapia, pois uma das coisas que me fazem continuar dedicado à escrita é uma frase que gosto de adaptar, 'Como saber o que penso até ver o que escrevo?' [risos] Dessa forma, você acaba desenvolvendo a técnica ao longo do tempo como na música, para transmiti-la de forma mais clara. Faço esse exercício o tempo todo, olhando o mundo que atravesso e pensando no que sinto, tentando colocar em palavras. Trata-se absolutamente de uma influência da infância, informada na música como uma dedicação de ofício, comunicando essas coisas da forma mais clara e comovente que eu puder".

"Aprendi todas essas coisas através de leituras recreativas. Li muitos romances que também incluem esse tipo de conhecimento que acabo trazendo para mim, sempre fico curioso. Um exemplo é quando estava pilotando pela costa leste na primavera, e não parava de observar algumas árvores que têm folhas ou florações em um tipo magenta. Nas duas semanas seguintes perguntei às pessoas, 'Que cores são essas?', e ninguém sabia. Finalmente descobri que a cor e a árvore se chama Redbud. Dessa forma, dar nome às coisas em meus caminhos pode ajudar em definições para as pessoas. Sempre digo que gostaria de tentar escrever um livro sobre motociclismo para pessoas não não ligam para motociclismo, tentando escrever também sobre a natureza para pessoas que não se importam particularmente com ela. Se eu escrever sobre a banda as pessoas vão indagar, 'O que você sempre diz ao seu companheiro de banda Geddy?' O que esperar de uma pessoa que não sabe o que é o Rush? Se como escritor estou preocupado em ter uma história para elas, aprendi a deixar isso quieto e dizer à elas, 'Ok, há algumas histórias realmente interessantes aqui e vou deixar você acompanhar da maneira que gosta'. Porém, você deve saber o quão longe um leitor desinteressado está de um interessado, e o quão longe pode levar alguém que não tenha nenhuma inclinação. Tudo bem que seja o quanto vou levá-lo, mas se ele quiser ir mais longe há muitas e muitas histórias além das que deixei, porque o interesse para mim é o contexto desses locais que visitei, como o do meio-oeste, ou das pradarias, dos desertos, das montanhas... todos esses itens regionais com os quais estou muito sintonizado tanto nas viagens quanto nas leituras. Há um certo nível de interesse com o qual posso contar e, se eu puder expressá-lo corretamente, contando para alguém sobre motociclismo, corridas de carro, pássaros e minhas fixações comuns, em um certo ponto vou dizer, 'Ok, essas pessoas provavelmente já ouviram o bastante sobre os hábitos de nidificação dos colibris [risos]'"



Perguntado sobre os longos períodos de viagens que passa com seus companheiros Brutus e Michael, Peart diz:

"É engraçado que implicamos um com o outro de forma tão constante, mas nossa colaboração mútua funciona. Às vezes alguns falam sobre isso, 'Vocês falam tão mal um do outro o tempo todo', e dizemos, 'O que vocês querem dizer com isso?' Mas mantemos esse nível constante de abuso sem nunca borbulharmos de raiva ou para uma tensão interpessoal, mas é claro que é uma relação difícil viajar todos os dias com pessoas que sabem das dificuldades de clima e tudo mais, o que requer uma certa capacidade de resistência, paciência, humor ou coisas das quais você precisa fugir para construir. Nas dinâmicas da minha vida, a primeira coisa que acontece após a tragédia é a comédia, o humor negro, as piadas horríveis nas quais pessoas em situações terríveis de dor podem receber a maravilhosa essência da humanidade e esperança, tendo sempre essa visão bizarra que não é necessariamente o lado bom, mas o bem-humorado que distorce situações, sendo constantemente surpreendente para mim aqueles que podem fazer isso".

Sobre os discos em vinil (a Mercury está relançando discos do Rush nessa versão em 2015):

"Acho que os vinis estão saindo em todos os lugares para algumas centenas de pessoas que são interessadas. É bonito de se ver o formato trinta por trinta para sua arte do álbum, o que é uma recompensa. Não importa o tipo de mídia, uma coisa que acho que está perdida no mundo digital são essas recompensas e as várias maneiras com que eu posso utilizar meu material. Adoro segurar um livro em minhas mãos, sendo uma coisa diferente ver a história em uma tela de cinema. A mesma coisa com um CD ou DVD, que trazem um encarte especial com o qual foi gasto bastante tempo para alguém que ainda esteja interessado em um pouco de arte. E essa é a forma com a qual sempre concebemos a nossa música. Desde os velhos tempos, o exterior e o interior sempre trouxeram um senso de utilidade para nós, onde escolhíamos as canções com muito cuidado para esses papéis, tentando diferentes ordens entre elas. Quando tínhamos dois lados era muito mais complicado. E as capas dos álbuns, sobre as quais tomamos cuidado durante todos esses anos, são elementos que sempre foram importantes para nossos livretos, objetos que as pessoas podem segurar através dos tempos, sendo esse outro outro aspecto também. Há a ideia de que as coisas na Internet são permanentes, mas de uma maneira que as pessoas não sentem que seja de fato permanente - e sim totalmente transitórias. Tenho problemas para ler um e-book por exemplo, pois um dos presentes de Natal mais legais para mim é comprar livros para as pessoas. Esse ano pela primeira vez percebi que cada vez mais e mais amigos estão lendo e-books, e eu continuo os sobrecarregando com esses feixes de papel que provavelmente não queriam mais carregar. A minha primeira opção de presentes é escolher livros, baseado em conversas em comum com as pessoas, e acabo pegando algum sobre o qual sei bastante. E isso me deixa triste, pois é a minha escolha mais satisfatória - dar livros para amigos que acho que iriam gostar. Ocorre da mesma forma se você decide presentear seus amigos com música. Esses objetos permanecem com valores e qualidade para as pessoas, e os vinis, claro, representam o extremo ostensivo disso. Independentemente do gosto em torno do que você ouve nessa mídia, o que importa é o valor para você como um objeto, da mesma forma que os livros significam para mim".


Perguntado sobre a possibilidade da banda trazer outros músicos para o palco nessa nova turnê, conforme ocorrido na anterior Clockwork Angels, Peart diz:

"Não. Por várias boas razões, ficamos muito gratos e realizados pois falávamos sobre isso há anos, de como seria ótimo ter uma seção de cordas, o que finalmente aconteceu. Gostamos muito mesmo, não só musicalmente, mas pelo significado social. Era ótimo ter mais alguém para conversar todos os dias além de nós, e se tornou um ritual irmos marchando todas as tardes para o palco para algumas checagens no local das cordas e para conversar, compartilhando também os dias de folga. Tudo o que ampliou nosso mundo de fato nessa turnê foi muto gratificante. É claro que eles soaram grandiosamente no palco, com a energia trazida para a performance deles, pois se você é um violinista ou algum músico do mundo clássico está sempre bem sóbrio sob muitos aspectos [risos]. Para eles, se sentirem parte de uma banda de rock ao trabalhar conosco foi um desafio, e esse desafio os eletrificava (essa é a palavra certa) quando chegavam no palco, recebendo aquela ótima energia ao nosso redor. Agora, pensando no aspecto básico, ser um trio é algo atraente, pois queremos um outro extremo. Ficamos muito felizes com os resultados das gravações que fizemos nessa última turnê e tudo mais, portanto, tendo experimentado o outro formato, dissemos 'Ok, traga somente nós três novamente'".


Perguntado se o Rush trará alguma canção jamais tocada ao vivo para a turnê R40, citando como exemplo "Losing It" (faixa do álbum Signals de 1982), Peart diz:

"Sim, conversamos sobre todos os aspectos, e realmente abrimos um campo para nós mesmos em relação à seleção de músicas. Gostamos de certos álbuns que representaram muito nos últimos anos, e não dissemos, 'Ok, não temos que fazer aquele álbum daquelas canções'. Quisemos tocar nos pontos altos, tornando-os uma espécie de resumo cronológico de nós mesmos, e sim, surgiram canções nessa discussão que são 'deep tracks' [risos]. Falamos sobre esse tema, pois deveríamos celebrar os grandes êxitos que alcançaram o público e várias dessas 'deep tracks', que para nós poderiam ter sido decepcionantes e não necessariamente peças de trabalho, e outras que falam tão bem para nós mas que talvez não preencham essa lacuna no ouvinte. Você sempre pode dar esse salto de comunicação que se espera. Essa é uma razão do porquê Geddy define a mixagem como a 'morte da esperança'. Temos um monte de canções que adoramos, mas há aquelas que você realmente tinha aspirações e sobre a qual estávamos apaixonados e, por um motivo ou outro, percebemos que não atingiram o público tão fortemente quanto outras. Isso é legal, pois as conservamos na memória como valiosas e esperamos que em outra vida possamos refazê-las corretamente. Por outro lado, é claro que temos um vasto corpo de trabalho que alcançou os ouvintes, às vezes de maneira profunda como parte de suas vidas ou até mesmo como subtítulos utilizados em meu livro 'Travelling Music: The Soundtracks of My Life and Times', e sei que essas canções ressoam em nosso público quando os vejo. Pode haver lá uma mãe e um pai com seus filhos ou talvez um avô e uma avó também. Temos sido capazes de falar às gerações como músicos e isso é maravilhoso. Taylor Hawkins me contou uma história há algum tempo que ele havia comprado um dos banners do meu kit da Tama que foi montado no meio do lago, algo feito para a publicidade da empresa no começo dos anos oitenta. Aquilo lhe inspirou tanto quando criança que ele decidiu comprar um desses no e-Bay. Estava escrevendo sobre isso quando fiz uma visita ao Le Studio em Quebec no último verão, abandonado há mais ou menos quinze anos. Caminhei entre todas aquelas lembranças olhando para o lago e me lembrando no meu kit lá, e quis usar aquela ilustração me lembrando do Taylor - 'Você pode me enviar uma foto daquele banner para que eu possa usar?' - e ele me enviou uma foto do seu filho de frente pra o banner segurando suas baquetas. Para outra geração de inspiração, ver um baterista tão puro é maravilhoso. No geral, o que eu dizia é que essas canções saíram das nossas frustrações de juventude, dos mistérios juvenis e das zonas de questionamentos. Por vezes, na melhor das hipóteses, mencionei como exemplo 'Subdivisions', que é bem difícil de bater em termos de pano de fundo resiliente para nós e para muitos outros, e essa se tornou também para alguém a pedra angular. De modo que, quando a ouvem uma rádio (acho que uma das histórias que eu estava lendo em um livro sobre máquinas do tempo falava sobre todas as coisas que podem desencadear uma memória, como o olfato, que é dito como um dos mais fantásticos nesse assunto) funcionando como um veículo, assim como um kit de bateria antigo pode funcionar como uma máquina do tempo ou qualquer outro instrumento, acho que não há qualquer um maior para lhe transportar através do tempo como a música. Muitas coisas desencadeiam memórias, mas às vezes, quando você ouve uma canção, ela te traz algumas lembranças que você sequer havia pensado por décadas, isso se você tiver atingido uma idade como a nossa [risos]. Quando você ouve uma canção que não tenha ouvido há muito tempo, você diz 'Uau' e, boom! Está de volta àquele tempo".



"Alguém me enviou um link de um show que foi feito para provavelmente ser o último dos super concertos da Grã-Bretanha em 1969 ou próximo disso, e a banda de abertura era a Colosseum, uma que eu adorava na época. O baterista era o grande John Heisman, e me perguntava se ele era realmente tão bom quanto eu pensava que era. Com certeza, assisti-lo tocando com sua bela técnica, postura e musicalidade impecável foi bom. Sabe, eu era um garoto de quinze anos e já sabia como um bom baterista deveria soar. É assim que penso a música, como um veículo em termos de memória, e reconheço que nossos fãs ao longo de todo esse tempo têm certas canções que para eles não são apenas para aquele momento específico, mas para todos os momentos desde que encapsulem bastante. Não se trata necessariamente de nostalgia - não penso nessas canções como nostalgia. Quando tocamos 'Freewill' por exemplo, ela ainda soa boa para mim e me sinto feliz em tocá-la, pois ainda representa um bom ponto de referência sobre nós mesmos. Não estou distante dessa canção como um todo, pois ela ainda ressoa em mim".


Perguntado se a própria banda prepara a lista de canções para o público curtir antes do início dos shows, Peart diz:

"Sim, fazemos desde provavelmente o fim dos anos 70. Naquela época, quando havia um monte de canções atuais que estavam na mesma área de gostos como o nosso, eu buscava empurrar também mais algumas coisas do começo dos anos 80. Lembro-me de termos tocado muito do que na época era chamado de 'novos românticos' na new wave, e eu realmente gostava, pois éramos de fato fãs de música. Porém, mudei mais para um campo do classic rock, a fim de encontrar a relação musical com o show que estivéssemos prestes a realizar, montado com canções que se relacionavam com aquelas que tocavam antes. Dessa forma, me vejo indo bem mais pela música que iremos fazer - o que é perfeito, pois antes dos shows o público está ouvindo canções que eu e os outros caras escolhemos, sobre as quais fizemos sugestões do tipo 'Que tal essa?', e que foram encaminhadas por nós para tocarmos antes da música que fazemos".

Peart, perguntado sobre a sua reação quando recebeu a ligação informando que o Rush estaria no Rock and Roll Hall of Fame, diz:

"Bem, venho tendo cuidado antes de falar sobre isso, pois é mais fácil quando você está sentado na frente do seu teclado com as palavras com as quais posso lutar para conseguir a resposta certa. É uma coisa contraditória, pois você não deveria se sentir tão bem sobre si mesmo. Fomos negligenciados por muito tempo e isso afetou meu discurso na noite da cerimônia, quando disse que por anos afirmamos que aquilo não era uma boa. Tive que mudar isso [risos]. Tivemos que reajustar nosso tipo de atitude ali, pois tudo que estava sendo apresentado à nós trazia muita sinceridade e, naquela noite, nosso público que estava mandando no local - eles eram parte daquilo, e foram parte dos meus comentários. Em outras palavras, você pode levá-los à sério e ainda assim terá que levá-los mais à sério. Esse é um debate interno que tem que continuar em qualquer caso como esse. É claro que aprecio essa honraria dizendo, 'Ok, vamos continuar tentando viver de acordo com isso'. Essa é a melhor postura, seja conseguindo o Hall of Fame, um prêmio pelo conjunto da obra e mais ainda por nossas vidas e carreiras, por isso temos que tentar fazer jus à fé que as pessoas colocam no seu direito de recebê-los, quando elas investem colocando fé em você. Temos que viver de acordo com isso".


Ladd aborda uma passagem do último livro de Peart, Far and Near, onde o baterista menciona os outdoors de igrejas que via enquanto dirigia pelo Bible Belt (Cinturão Bíblico) nos Estados Unidos, pedindo que citasse dois deles que tenha gostado:

"Oh, são tantos! Teve alguns que eu realmente gostei, pois uns abordam simplesmente a moral, enquanto outros pregam o fogo e enxofre afirmando que você vai para o inferno. Mas um que adorei e que traz um determinado tom de gozação é, 'Se você quiser fazer Deus rir, conte a ele sobre seus planos' [risos]. Há muitos desses, e é engraçado pois não é algo que penso quando estou no Canadá, na Califórnia ou na Europa, mas quando viajo para esses locais que forçam essas coisas garganta abaixo penso, 'Não, não, isso está tão errado', e fico irritado. Mencionei anteriormente que a raiva e a indignação às vezes me trazem inspiração, e acabo escrevendo sobre isso. Pessoas irão dizer, 'Porque você é intolerante com a fé?' Eu não me sinto um intolerante com a fé. Só não é algo com o qual fico pensando o dia inteiro, e minha vida tem sido completa sem nenhum desses aspectos. Eu não entendo porque seja necessária uma espécie de lavagem cerebral em quase todos os casos, em que pobres crianças têm sido criadas e formadas nesses moldes e, de repente, esse 'ismo' é colocado após o seu nome a partir do momento em que você nasce. Elas não escolheram isso. Por qualquer motivo, eles nunca questionam. Sempre fiz isso, desde o começo. Fui à escola dominical quando garoto, e naquela época eles nos diziam para cantar a canção "Deus Observa os Pardais", e eu dizia para eles, 'Eu não penso assim de fato, olhe para o mundo agora'. Há um comediante e ótimo escritor chamado Stephen Fry que outro dia falava sobre isso, dizendo 'E se você fosse para o céu encontrar Deus? Embora fosse um encontro agradável, eu diria, 'Porque você cria todos esses parasitas que crescem por trás dos olhos dos bebês que destroem a visão'. Nenhum tipo de Deus deveria ser adorado por isso, não é?"

"Digo que se eu subir para conhecer São Pedro, Jesus, Deus, Alá, Buda ou qualquer um que você quiser na foto, estarei bem, pois vivi uma vida baseada na crença na generosidade, caridade, bondade e cortesia, todas essas coisas que parecem boas para mim de qualquer maneira. Não preciso de uma ameaça que me faça me comportar dessa forma e não preciso de uma recompensa. Há sempre a mística em todos os aspectos: não importa o quão ruim essa vida é, você vai pro céu, ou, se isso não funcionou muito bem, é melhor você se comportar ou irá para o inferno, sendo esses os dois únicos lados que a religião lhe oferece. Eu não acho necessário, e fico curioso por saber porque outras pessoas precisam desse amigo invisível, ao passo que para as nações 'o meu amigo invisível pode detonar o seu amigo invisível'".

"Se você voltar para as religiões pagãs (e novamente estou aberto a todas elas, não sou cínico), quando viajei para a África estava muito interessado no panteísmo deles, e sobre como atribuem espiritualidade para tudo ao seu redor. As religiões se arquearam à nossas buscas. Elas não são um fim, e eu admiro a busca espiritual. Eu não sinto que preciso, mas se elas são inocentes e não prejudicam as crianças, então está tudo bem".

"A frase 'Não te estribes no teu próprio entendimento' [utilizada na canção "Clockwork Angels", do álbum de mesmo nome de 2012] me diz que eu não deveria pensar, e é claro que sobre a doutrina com a qual você é atingido, novamente, eu não devia pensar, porque elas na verdade não importam para a maioria no mundo. Você pode ir aos bolsões de extremismo no Oriente Médio ou no meio-sul dos Estados Unidos - os dois vão tentar empurrar pela sua garganta, sendo perigosos nesse contexto. São como um barril de pólvora, que pode acender para esse tipo de fé assassina. Podem matar pessoas porque Deus lhes disse".


Perguntado se já acreditou algum dia, e se suas decisões partiram de algum acontecimento ou processo, Peart diz:

"Não, nunca houve uma época em que acreditei, e questionava realmente quando criança indo para a escola dominical. O ser onipresente e benevolente, o Deus do céu me confundia naquela época e, uma vez que fiquei mais velho, me lembrei de quando eu era um adolescente em meu quarto em casa. Peguei umas latas de spray, umas latas de grafite, e tomei 'Deus Está Morto' de Nietzsche. Meus pais, mesmo não sendo religiosos em particular, disseram, 'Oh meu Deus, sua avó vai morrer se ela ver isso'. Então pintei 'Deus Não Está Morto'. Não importava pra mim, para ficar tudo em paz. Mas não, nunca houve um tempo que acreditei, eu só era curioso e aberto a isso, e quando entrei na idade adulta, aprendendo sobre diferentes religiões e filosofias, dizendo 'Bem, não há nada aqui para mim'. Às vezes, aparecia alguma que eu poderia adotar - em termos de crenças a reencarnação nunca me atraiu ou me parecia impossível ou improvável, mas outras atitudes pareciam perfeitamente certas. Tomamos a 'bússola moral' em nossa canção 'Faithless' ('Eu tenho minha própria bússola moral' / 'Tenho meu próprio nível espiritual'). Sempre tenho um senso do certo ou do errado, tenho um pequeno juiz no meu ombro, como dizem sobre os puritanos, me dizendo o que é certo e o que não é, me censurando se fui mal, o que pode ser comparado aos desenhos antigos da Disney, que mostravam o Pluto ou o Pateta com uma versão malvada e uma boa em seus ombros [risos]. Isso é algo ligado à moral, e temos um Pateta bom e um Pateta mau em nossos ombros. Isso sempre significa algo para mim, pois me sinto bem se faço algo legal e fico mal se faço alguma merda. Ter esse senso me sustenta agora, e sobre o senso de raiva também. Há pessoas que são visivelmente doentes mentais que ainda são julgadas como se fossem indivíduos sem deficiência. Dessa forma, há um monte delas sem-teto por aqui, e eu sempre contribuo com eles de boa vontade. Há aqui uma linda ilustração do faz-tudo desconhecido, com a pessoa dizendo 'Oh, Deus te abençoe', e eu respondendo, 'Oh não não, Deus não tem nada a ver com isso. Isso é entre eu e você', e me dizem, 'Oh, sim'. Tem um cara que vi pela segunda vez, e ele começou a dizer, 'Deus te abençoe', mas logo depois se lembrou que aquilo era entre eu e ele. Gostei disso".


Ladd menciona uma passagem no livro Far and Near, onde Peart relata sua viagem para a cidade de Selma, Alabama, por jamais ter se esquecido do local tendo em vista que teve o privilégio de encontrar Rosa Parks, a costureira que foi símbolo do movimento dos direitos civis dos negros nos Estados Unidos. Ele explica que usava um cabelo longo que parecia desalinhado na época, mas que colocou um belo terno para fazer a entrevista. "Chegando no hotel onde ela estava, topei com um tipo de guarda-costas por lá, daqueles que é difícil de se olhar e que sempre parece que está falando sério. Eles me revistaram e o cara que estava comigo parecia contente. Depois disso fomos levados para a sala onde ela estava com outras cinco vovós como se estivessem em seu melhor domingo. Me senti como se estivesse interrompendo a reunião, mas eu não queria fazer isso. Eu era de capaz de dizer para ela, pois nunca pude dizer ao Dr. Martin Luther King: 'Obrigado, é claro, não somente por seu trabalho no movimento dos direitos civis para a liberdade dos afro-americanos, mas por me libertar do fardo da intolerância. Esse foi o grande presente que o Dr. King e que você me deram como uma pessoa branca, para não ter que carregar isso por toda a minha vida'". Sobre o assunto, Peart comenta:

"Conversamos anteriormente sobre termos crescido nessa época. Novamente, sou eternamente grato por ter crescido na década de cinquenta e sessenta, mas não quando testemunhávamos essas coisas em primeira mão em nossas televisões, que mostravam mangueiras de incêndio sendo usadas em pessoas e menininhas, e quando gritavam palavrões para eles enquanto tentavam ir para a escola pela primeira vez. Víamos essas coisas acontecendo ao nosso redor e ficávamos perplexos sobre elas. Como crianças perguntávamos, 'Porque isso está acontecendo?', até alguma mudança ser implementada. Sobre o exemplo que você mencionou da minha viagem à Selma, estava dando uma olhada no mapa um dia para saber onde iria no seguinte, e pensei, 'Ok, como posso fazer dessa viagem interessante?' E me lembrei daqueles tempos, e tinha Selma, que soava grande na minha memória - a Marcha para Montgomery. Decidi ir à todos aqueles lugares, passando por Montgomery, Selma e na ponte que eles cruzaram se mantendo pacíficos. Talvez as pessoas não percebam o porquê do Dr. Martin Luther King ser tão celebrado. Ele salvou muitas vidas sem ser conflituoso na hora errada. Quando reconheceu aquele momento, ele disse, 'Ok, olhem tudo que está contra nós. Vamos voltar pessoal, e tentar mais tarde' - e assim foi feito. E fizeram aquilo acontecer em março, quando chegaram aos degraus do capitólio em Montgomery. Naqueles período, o curso que eu seguia pelos campos de algodão, considerando tudo o que foi e tudo o que é, me lembrava do que ainda resta a ser feito nos encargos da história americana. Passar por esses lugares ciente do passado e ser sensível para olhar ao redor, me remete a uma observação que acho que você fez uma vez, ao assistir o documentário vendo nós três em nosso jantar de despedida, comentando para Alex, 'Eu era o maior público' - peguei isso. Sou um tipo de pessoa como o público, e uma das razões para a canção 'Limelight' é que estou preso em um dilema por não querer ser o foco das atenções. Quero ser o observador e, uma vez que estou no palco, me sinto como o público. Estou vendo aquelas pessoas, como estão respondendo, como estão se comportando e dançando, o som que estão ensinando e isso é tudo para mim. E, quando estou na motocicleta, o mundo chega à mim como um desfile que assisto tão perto quanto posso, utilizando o exercício da escrita, 'Como posso colocar isso em palavras?', ajudando a fazer sentido para mim mesmo e sim, indo através da historia para outro tempo. Em um dia de folga, estava olhando para a casa de Thomas Jefferson em Monticello e disse 'Sim, eu quero ir lá pois é no caminho, e porque alguns pontos podem ser interessantes ao reviver a história'. Posso escrever nesse sentido para pessoas que não foram até lá e lembrá-las. Houve um tempo na era nuclear, quando eu estava viajando para o oeste de Los Alamos no Novo México, que me fez lembrar da terrível sombra de uma devastação nuclear na qual crescemos, que fez com que meu pai construísse um abrigo nuclear patético no porão do nosso sobrado, onde dormiríamos em sacos, com água e rádios transistores. Essa foi minha infância, quando as pessoas falavam sobre a crise cubana e da Baía dos Porcos - eu vivi tudo isso. Eu tinha dez anos de idade quando os pais do vizinho estavam parados falando de como os russos estavam certos de que iam bombardear Niagara Falls, que ficava a trinta quilômetros da nossa casa. Você pode imaginar no que um garoto de dez anos pensava ao ouvir esses tipos de coisa? Dessa forma, isso me impressionou bastante e para sempre, sendo esse o mundo em que eu vivia - ele e era frágil. Então, ver os protestos do Vietnã na televisão e todas as lutas pelos direitos civis da época, os assassinatos de Kennedy e do Dr. King, coisas que aconteciam enquanto eu estava em pé na escada do pátio na escola, e o que foi dito contado mudou o mundo para sempre, e certamente me mudou também".

Sobre uma canção em torno desse assunto em particular que tenha marcado o baterista, ele diz:

"Sim, Alabama surge na canção chamada "Eve of Destruction", que foi um grande hit do Barry McGuire naquela época. Escrita por P. F. Sloan, trazia um dos maiores bateristas de todos os tempos ajudando na faixa, remontando várias histórias quando olho para coisas como o Monterey Pop Festival, ou para o que de fato aconteceu por trás das cenas em Woodstock. Quando escrevo letras, preciso conseguir a verdade dos fatos. Ao abordar o Projeto Manhattan, pensando na era nuclear e trazendo o assunto da bomba atômica, precisava conseguir os fatos exatos, e naqueles tempos não havia Wikipedia. Dessa forma, tive que ler um grande número de livros para escrever as duzentas palavras que a canção comporta, conseguindo meus fatos concretos para entender o que os cientistas passavam, isolados no deserto para inventar a arma definitiva. Essas coisas têm grande resiliência e como ser humano você pensa, 'Ok, eles eram jovens', homens e mulheres jovens que foram até lá e viveram esse tempo. Dessa forma, torna-se vivo para mim quando você tenta tornar isso vivo para outras pessoas. Não se trata da história americana, trata-se da história do mundo, da história humana. Dessa forma, é claro que eu gosto da caminhada, lembrando às pessoas que esse mundo louco no qual crescemos pode valer a pena".


Sobre como a banda funciona em uma nova canção, Peart diz:

"Isso evoluiu ao longo do tempo, e de fato nesse momento escrevo um monte de letras sem investir muito nelas, passando a Geddy e Alex enquanto eles fazem algumas jams. É simples e orgânico com os dois sentados de frente para um gravador começando a tocar, com Geddy sendo paciente e meticuloso, escolhendo os pontos altos do que fizeram. Em seguida, eles se voltam para as minhas folhas com as letras encontrando coisas que se encaixam, dizendo, 'Talvez essas duas linhas', ou espero que a página inteira. Por isso não invisto tanto em conseguir 'a' obra - 'Aqui está essa na qual trabalhei por dias, tem que ser exatamente como é'. Não sou tão possessivo sobre Geddy gostar de apenas duas linhas da página, pois estamos trabalhando em uma canção e só por isso já estou feliz, inspirado com algo que tenha funcionado. Se ele diz que precisa de mais linhas como essa, ou talvez mais um pouco de apenas uma delas, vou correr de volta para minha mesa feliz, dizendo 'Está funcionando!' Há um momento importante quando escrevo letras, não quando estão terminadas, mas quando tenho a luta por dias quando as coisas não parecem funcionar, estando pronto para abandonar uma composição para sempre pensando, 'Nunca deveria ter feito isso'. Então algo se transforma, as luzes se apagam e tudo o que eu começo a pensar é, 'Vai funcionar'. Podemos ter mais um dia de trabalho da mesma forma com a canção, com Geddy jejuando com ela mais algumas vezes, e já estou inspirado novamente, estando mais do que feliz por voltar ao trabalho artesanal necessário para fazê-la acontecer. Nesse refinamento infinito que vai e vem, Geddy tem que se sentir confortável com as palavras como vocalista, não necessariamente apenas no significado, mas na maneira como esses são entregues como música. Essa é uma lição que tive que aprender, as coisas que parecem boas na página e que soam boas para serem faladas em minha cabeça. Essas, necessariamente, serão ótimas de serem cantadas. Aprendo mais sobre isso ao longo do tempo e ainda continuo a aprender, e quando Geddy me diz que uma linha é ótima para cantar, capturo o modelo de todas aquelas combinações de ritmos. As palavras são lidas para mim e, especialmente para as letras, eu gravito entre elas, porque amo palavras e leitura, sendo uma oportunidade de tornar essas frases rítmicas, e é dessa maneira que elas sempre caem na minha cabeça - como ritmos".

"Nada cai até um consenso, não há nada deixado de lado com o que você pretendia com aquela porção. Nunca há o senso de 'perdida', no sentido de alcançá-las e mais ainda em nossas partes individuais. Sempre encontro partes para bateria atravessando essas ideias coletivas. Não significa uma comissão e não é uma democracia. Posso vir com uma parte de bateria e os outros dois com uma dúzia ou uma canção inteira. Há uma história que adoro contar: as instrumentais são sempre as mais difíceis para todos nós gostarmos. No Snakes & Arrows, temos uma canção chamada 'The Main Monkey Business', na qual trabalhamos aproximadamente cinco vezes mais pesado do que em qualquer outra com vocais, pois muito além daquele instrumental, queríamos ficar satisfeitos melodicamente, dinamicamente e com todos o demais elementos. Dessa forma, leva mais tempo para chegarmos nesse consenso pois, quando as fazemos, temos que estar confortáveis para tocá-las pelos próximos quatro anos. Isso é algo notável: nunca escolhemos uma canção baseados nas quais podemos tocar, porque quase todas voltam por ainda sermos as pessoas que fomos, que ainda respondem ao entusiasmo que fizeram uma parte de bateria inspirada, com um tipo que seja empolgante de ouvir. Dessa forma, minha maneira de tocar será empolgante, e espero comunicar isso ao público. Novamente, como disse desde o início, a simples declaração de fazermos a música que gostamos nos leva a esperar que outros gostem também. Em termos de emoção e paixão, há muito de quando ouvia Keith Moon aos quinze anos. Quis essa emoção na minha forma de tocar também".

"Agora voltamos às nossas raízes novamente, tocando músicas que nos deixam entusiasmados e que trazem toda a ideia de ser uma banda, de compormos canções, de tocar todas as noites aquelas que escolhemos voltar como parte de nós. São mais do que escolhas individuais, sendo o significado daqueles tempos de formação o que mais importa para todos nós. Há dez anos, estávamos com meros trinta anos de banda, mais jovens, não querendo comemorar no sentido do que falamos dessa vez, mas no senso de que teríamos mais canções que ficaríamos contentes de interpretar por cobrirem todos os discos. Porém, é difícil voltar - sempre é".


Ladd diz a Peart o quão ficou surpreso quando soube que a banda havia regravado a canção 'Mr. Soul', da banda folk norte-americana Buffalo Spingfield. O baterista responde:

"'For What It's Worth' foi outra do Buffalo Springfield vinda das lembranças do Alex. Ele gostava muito dessas canções quando garoto, essas que lhes inspiraram. 'Como posso amar tanto a música?' E ele quis fazer parte dela".

Perguntado sobre as prioridades em sua vida, Peart diz:

"As mesmas coisas, dirigir, viajar e absolutamente permanecer escrevendo. Agora tenho o maior prazer, ao invés de cair na estrada por um mês, de estar em casa por uma semana escrevendo sobre isso. Prefiro ainda mais ficar em casa por um mês, ir embora por alguns dias, voltar e passar meu tempo escrevendo sobre isso. Ainda fico motivado com o mesmo encanto desse mundo que veio à tona novamente, de uma forma absolutamente mágica. Mesmo lugares já familiares ainda me chamam, como os desertos da Califórnia e todo o sudoeste americano, e quero encontrar maneiras de transmitir isso aos outros. Agora, é claro, minha maior ambição no momento é desenvolver a turnê e começar meus ensaios, que ocorrem aproximadamente um mês antes dos ensaios da banda. Geddy sempre brinca que eu sou o único músico que ensaia para ensaiar [risos], mas eu gostaria de ver se conseguiríamos tudo isso em poucos dias, não só na minha técnica de bateria (que já é um desempenho pronto), mas em todas as canções, nuances, transições, tempos e em tudo o que esbarramos. Pelo menos um de nós vai saber o que está fazendo lá [risos]".

Neil e sua filha Olivia

Ladd diz, "... Você gosta de estar no palco, gosta do público e, quanto à isso, não resta a menor dúvida. Porém, é difícil pra você deixar sua casa. Isso é explicável?"

"Dessa vez as pessoas me dizem, 'Você está entusiasmado para sair em turnê?' Isso transmite um monte de fantasias, e eu não quero necessariamente esvaziar as fantasias de outras pessoas. Porém, quando a conversa é sobre minha própria vida... tenho uma filha de cinco anos, e eu ficaria empolgado em deixar minha casa com minha filha de cinco anos? O que isso diria sobre mim se eu confirmasse? Tenho uma esposa, um lar, um cachorro, meu escritório, meus prazeres, minha cozinha... eu iria querer deixar todas essas coisas? Não. Falei algum tempo atrás sobre a responsabilidade de ser um músico profissional, e decidi há muito tempo. Por volta de 1990, quando estava muito cansado de turnês, fiquei muito satisfeito por pensar e pensar sobre isso e, novamente, como posso saber o que acho até que eu veja ou escreva? Começando a escrever sobre o assunto, percebi que, se você é um músico, você toca ao vivo. Assim, o teste final de um músico é a expressão do que faz. Disse isso pra mim mesmo há vinte e cinco anos, que tinha que sair em turnês porque é o que eu faço. Uma performance ao vivo continua a ser o teste crucial e decisivo daquilo que o músico fez, do que a banda fez e, obviamente, de tudo o que nos fez. É com os shows que encontramos o nosso público, e tocar em todas essas casas é como gradualmente vamos construindo o público que sequer sabia quem éramos nós, e que começaram a responder ao compromisso que trazemos para o palco todas as noites. Então, somente parece necessário. Disse também nos primeiros anos de turnês que havia encontrado o que queria como modo de vida, e meio que encontrei uma forma de dividir a minha vida de turnês através das décadas. Passei os dez primeiros anos lendo, me tornando um dos mais vorazes leitores de ficção e não-ficção e preenchendo todas as lacunas da minha educação que estava bastante defasada por ser um baterista na adolescência. Foi o mesmo que aconteceu nos anos oitenta, quando comecei a pedalar, carregando uma bicicleta no ônibus da turnê para sair em dias de folga, e em dias de shows passeando por diferentes cidades, encontrando outra missão ao visitar museus de arte como uma pequena desculpa para dar uma volta, conseguindo uma educação totalmente nova. Nesses grandes museus que existem pelos Estados Unidos e por cidades onde as pessoas não esperam, como Kansas City, St. Louis, Portland e Oregon, encontramos uma grande coleção sobre a arte africana, coisas que você encontra e que podem fazer uma turnê valer à pena. Uma vez que comecei a pedalar para fazer parte do mundo real, passando por estradas secundárias, ruas de cidades e me sentindo parte de algo que está fora da bolha, isso realmente me pegou. Uma vez que comecei com o motociclismo pensei que poderia expandir ainda mais essa paleta, fazendo parte desse mundo real quase que o tempo todo. É tão nutritivo e tranquilizador se sentir em contato com a vida real e com outras pessoas, tendo pequenos encontros maravilhosos em postos de gasolina! Um pequeno exemplo foi quando eu estava em um posto em Iowa. Enquanto Michael abastecia nossas motos, uma senhora idosa que estava abastecendo seu Buick se dirigiu a nós, sem estar nenhum pouco ameaçada por homens grandes em jaquetas de couro, dizendo, 'Eu pago a de vocês se vocês pagarem a minha'. O fato dela dizer isso foi um lindo pequeno momento de confiança humana, simpatizando conosco e nós nos encantando. Portanto, dias como esse, com esses tipos de momento são os que me lembro quando quero julgar o país, e até mesmo quando as pessoas começam a menosprezar uma parte dele. Posso sempre voltar em sua defesa por conhecê-lo bem mais do que a maioria dos americanos, tendo esses tesouros em pequenos momentos em todos os lugares, seja em áreas para repouso, lanchonetes, hotéis e outros locais".



"Mesmo falando sobre mágica, essa às vezes requer algum planejamento. Acho que existe algo como a sorte, eu tive sorte de estar lá. Picasso disse, 'A inspiração existe, porém temos que encontrá-la trabalhando'.


Ladd comenta sobre o circuito da nova turnê R40, que terá início em Tulsa, Oklahoma, no dia 8 de maio seguindo por 34 cidades até o fechamento em Los Angeles, no dia 1º de agosto. Sobre o assunto, diz Neil:

"Estamos animados por encerrar no The Forum (Los Angeles), mas o maior tributo a esses quarenta anos seria terminar em Toronto ou Cleveland, onde tudo começou nos Estados Unidos. Porém, o The Forum remonta tantas histórias para nós, e algo que lembro dos anos 60 era ouvir os álbuns ao vivo forjados por lá, como o 'Captured Live at the Forum' do Three Dog Night, sendo um local sobre o qual eu ouvia falar muito antes, sem jamais ter sonhado tocar um dia".

Finalizando a entrevista, Ladd diz para Peart que ele parece um homem que aproveita cada dia de sua vida mais do que qualquer outro que conhece, perguntando-lhe se ele ouve constantemente o relógio da vida tiquetaqueando em sua cabeça. Ele responde:

"Estou contente em dizer que não é esse tipo de urgência em tudo, mas uma ânsia sensível, uma antecipação. É o valor que ponho em um dia, sendo a coisa mais excelente que eu posso fazer atualmente. Em uma vida de turnês, se eu tiver a chance de escapar dela com minha moto para explorar algumas paisagens na história e tudo mais será ótimo, se tenho que estar em algum lugar longe de casa usufruindo dele. E estar em casa durante nosso período sabático durante os últimos dezoito meses aproximadamente me fez ser grato logo de início, sendo capaz de sentar em minha mesa para escrever todos os dias, acordar em casa de manhã, fazer o jantar para a família... decidi que ia fazer algo por alguém todos os dias, mesmo que fosse apenas uma nota de agradecimento por um presente na turnê, escrever uma carta para algum amigo que eu sabia que iria gostar, fazer um prefácio para o livro de transcrições de bateria de um amigo, gastando um pouco do tempo cada dia não para mim, mas para alguém que cuido ou que me preocupo ou com apenas alguma coisa que valha a pena fazer por um estranho, enviando-lhe um pequeno agradecimento que sei que significará o mundo para ele. Fazer dessas coisas parte do dia é o que de mais excelente você pode fazer, incluindo passar um tempo com minha filha, ir para Indianápolis, fazer o jantar para a família - cozinhar para as pessoas é ótimo. Por fim, esse é o tipo de base e, com o término do dia, tenho pra você algumas coisas boas, pois fiz coisas certas que adoro fazer - passando um tempo com amigos, talvez fazer um pouco do momento estrela para alguém de longe, um estranho, um amigo... vou para a apneia do sono e acordarei feliz".

Ladd diz que, para alguém que não é religioso, a palavra 'espiritual' funciona com Peart, pois ele se mostra quase 'zen' por sempre estar muito consciente ao olhar para a vida, dando-lhe sempre muita importância.

"O nascer da lua cheia nunca é certo antes de vermos. Dessa forma, uma vida caseira nunca é garantida, assim como as pessoas ao meu redor e amigos, todos os transitórios que aprendi ao meu custo, infelizmente. As coisas são transitórias. Estava uma vez com meu professor de bateria falecido Freddie Grubber, e tenho que trazê-lo porque ele aparece em minha mente muitas vezes Um de seus princípios de vida depois de tudo que havia passado ao longo de mais de oitenta anos era, 'É o que é. Lide com isso'. Esse é o realismo fundamental que algumas pessoas odeiam, essa aceitação da realidade concreta das coisas. Mas, por outro lado, isso é um alicerce, um alicerce de concreto para se construir em cima, uma aceitação da realidade. Se você quiser fazê-la melhor ou contribuir com ela de alguma maneira significativa como eu disse antes, ajudando alguma pessoa sem-teto nas ruas, compartilhando os momentos de uma pequena conversa em postos de gasolina ou em uma loja de assistência técnica, se você ceder em algum lugar tendo um momento com alguém que irá iluminar o dia dele e o seu, se sentirá muito bem após se afastarem".


Finalizando, Ladd pergunta a Peart se, além dos créditos que já carrega como baterista, piloto de motos, letrista, escritor de livros, historiador e até mesmo cheff, há algo na vida que ele gostaria de fazer que nunca tenha tentado.

"Provavelmente não, honestamente, porque já tive as oportunidades de fazer um pouco do que gostaria. Falei antes sobre mágica - há mágica na vida, mas é preciso um pouco de planejamento. Essa é a maneira com a qual me aproximo em um dia e, nesse sentido, aprendi a cozinhar (esse é um ótimo exemplo). Sempre achei mágico o fato de Alex ser uma das pessoas que passaria o dia inteiro cozinhando se estivéssemos no interior trabalhando em canções ou algo do tipo. Eu não entendia isso quando jovem, e agora eu compreendo como uma expressão máxima do amor alimentar as pessoas. Ao alcançar isso, torna-se algo que vale à pena, e não é mágica. Há uma subseção no meu site chamada Bubba's Bar 'n' Grill criada apenas para transmitir às pessoas que não há mágica, e sim simples instruções de como cozinhar uma cenoura, como preparar uma pizza de peixe e uma torta, se você quer impressionar uma moça. Isso é tudo o que você pode encontrar no Bubba's Bar 'n' Grill".