R40 PODE SER O ADEUS DO RUSH ÀS GRANDES TURNÊS



02 DE FEVEREIRO DE 2015 | POR VAGNER CRUZ

Neil Peart, Alex Lifeson e Geddy Lee na Clockwork Angels Tour em 2012
A edição do último domingo do jornal Toronto Star trouxe uma entrevista com Neil Peart, concedida recentemente para o repórter Vinay Menon. Ocorrido antes do anúncio da nova turnê do Rush, o baterista fala nesse bate-papo sobre a fama, viagens, a importância e as dificuldades das turnês.

Com a confirmação da R40 Tour, o site do Rush veiculou em seu comunicado oficial que a 21ª turnê será provavelmente a última de grande magnitude. Muitos veículos de comunicação e fóruns vêm erroneamente afirmando desde então que essa será uma turnê de despedida definitiva, o que jamais foi pronunciado pelo trio. O que temos, portanto, é a possibilidade real da banda continuar na estrada em tempos futuros, porém com empreendimentos menores que os habituais.

Há de se considerar também que as 35 datas inicialmente liberadas são poucas em comparação aos grandes projetos oferecidos pelos canadenses em toda a carreira, como por exemplo as 72 que constituíram a anterior Clockwork Angels Tour entre 2012 e 2013 e as 81 apresentações da Time Machine Tour, ocorridas entre 2010 e 2011, o que nos leva a crer que o circuito ainda será ampliado e anunciado em breve.

Confiram agora a entrevista do baterista do Rush na íntegra, em português.

Adeus aos Reis: nova turnê do Rush pode ser a última
"Shows ao vivo sempre foram uma religião para nós", diz o baterista Neil Peart

Por Vinay Menon (Colunista) / Tradução: Vagner Cruz
Publicado em 01 de fevereiro de 2015


Neil Peart cuida de um copo de whisky e aperta dos olhos focando à frente

O sol do fim de tarde lança sombras obscuras que dançam ao redor do Hazelton Hotel. Estamos abrigados em um canto, relaxados um de frente para o outro em sofás de couro castanho avermelhado. Uma cópia de Far and Near:On Days Like These, seu mais recente livro, está entre nós, uma âncora de prosa bem cuidada que abrange três anos de sua vida, viagens e dias de trabalho como baterista e letrista do Rush.

O trio de rock progressivo foi formado em 1974. Para colocar essa longevidade em foco: quando Peart com 21 anos dirigiu o Ford Pinto de sua mãe para Pickering e cravou sua audição com os integrantes já existentes da banda Geddy Lee e Alex Lifeson, Pierre Trudeau era o primeiro ministro (canadese). Nos Estados Unidos, um escandalizado Richard Nixon estava prestes a renunciar. E Paris era o lar do novo aeroporto Charles de Gaulle.

Políticos vem e vão. Prédios abrem e fecham. Mas uma coisa não mudou desde aquele dia de julho de mais de quarenta anos atrás: o Rush ainda é, antes de tudo, um ato ao vivo. Da mesma maneira que Corvettes são projetados para serem mais rápidos e Kardashians foram colocados na terra para destruir sinapses, o Rush é tudo sobre tocar diante de um público.

"Shows ao vivo sempre foram uma religião para nós", diz Peart, bebericando seu Macallan duplo. "Nunca fizemos um show – sendo de frente para 15 ou 15.000 pessoas – que não tivéssemos dado tudo o que tínhamos naquela noite".

Os rapazes estão prontos para dar tudo de si mais uma vez. E se você tem a intenção de vislumbrá-los em seu habitat natural, derramando licks sônicos e fúria pirotécnica em uma arena latejante, essa pode ser sua última chance.

Para comemorar quatro décadas e vinte álbuns de estúdio, a banda irá ligar os motores à jato – ou no caso de Peart, os pistões da motocicleta – descendo em 34 cidades nesse verão para a RUSH: R40 Live Tour. Começa em Tulsa no dia 8 de maio e termina em 1º de agosto em Los Angeles, próximo de onde Peart agora vive com sua esposa Carrie e sua filha Olivia.

Haverão dois shows em Toronto, nos dias 17 e 19 de junho, no Air Canada Centre, e os ingressos foram à venda na sexta.

Coincidentemente, os planos para a turnê nasceram em um jantar no mesmo dia em que Peart e eu nos encontramos para uns drinks em Yorkville. Antes de ele deixar o Skype com Olivia para se juntar aos seus companheiros e empresário, Ray Danniels, não era claro se a R40 ia mesmo acontecer.

"As negociações estão em curso, mas ainda não há planos concretos", é como Peart a prefigurava, acrescentando um sorriso careteiro. "Ela não exige minha participação nesse momento".

Não é nenhum segredo, pelo menos para os fãs do Rush, que Peart pode ser a estrela do rock mais relutante da galáxia. Seu desprezo pelas armadilhas rasas das celebridades – "Mesmo quando criança nunca quis ser famoso; eu queria ser bom" – poderia integrar o currículo para uma aula de graduação em psicologia. Ele não faz meet-and-greets com fãs. Ele se contorce em face à adoração. Nem sequer viaja com a banda em turnê, preferindo subir no ronco de sua BMW R1100GS para ver o "mundo real" em uma estrada secundária empoeirada por vez.

Ele chama o Road Atlas, sorrindo, de "o livro dos sonhos".

Mesmo em meados dos anos 70, quando jovens músicos descobriam as turnês como uma maneira espetacular de conseguir admiradores em idade núbil ou prodígios em seus sistemas nervosos centrais com bebidas e drogas, com Peart era diferente. O Rush estava de fato totalmente no lado nerd. Eles assistiam TV com calçados para neve encenando esquetes do Monty Python.

Peart foi selado com uma compulsão ofuscante de aprender armazenar conhecimento da mesma forma que camelos estocam água. Assim, como agora, ele estava sempre a decifrar "o mundo real". Quando não estava tocando sua bateria à luz do dia, seu nariz estava em um livro. Três divisas longe da adoração, refugiou-se em história e filosofia, ciência e literatura.

Como seu pai Glen me disse uma vez: "Não podemos explicá-lo. A mãe dele e eu dizemos, 'Não sabemos de onde ele veio'".

Enquanto sua história de origem possa ser desconhecida, seu futuro parece repousar com as batidas sincopadas da palavra escrita. Seu novo livro, uma continuação de Far and Away: A Prize Every Time, é seu sexto trabalho de não-ficção. Ele descreve o livro como "os melhores tipos de cartas que eu adoraria enviar e receber".

Ele é um escritor de cartas inveterado. Ele se concentra em seus pensamentos mais íntimos e os escreve. Ou como ele observa, parafraseando E. M. Foster, "Como saber o que penso até ver o que escrevo?"

Peart é livre para desmascarar-se entre as páginas de um livro. Todo esse conhecimento e toda a sede por viagens e aventuras, do Vale da Morte às Montanhas Laurentides, fundem-se e formam uma faixa de pegadas da sua vida. O leitor pega carona enquanto Neil fornece uma narrativa íntima dos lugares que ele viu, assim como os estranhos que conheceu.

Ele cumpre um papel que parece inato: o de observador.

"Eu sou o público", ele diz. "Quero observar as pessoas. Mesmo quando toco bateria no palco, estou vendo as pessoas. Estou olhando para elas, para seus rostos, suas camisetas e seus acenos. E viajar de moto, especialmente, é um mundo que está apenas começando para mim".

Quando tudo isso gira, quando Peart pega suas baquetas e o observador se torna o observado, ele entende seu impacto sobre o público. Ele descobriu isso pela primeira vez quando era um adolescente talentoso, porém desajeitado, de St. Catharines.

"Ser inteligente não era um atributo, mas uma desvantagem naquela época", ele diz. "Mas quando comecei a tocar em bandas e os outros garotos notaram, isso mudou minha vida. Ao invés de ser o pária do ensino médio, de repente eu havia feito algo admirável".

Esses são os doces ferrolhos de reflexão pessoal que ricocheteiam dentro dos seus discursos do mundo real. Honestamente, animando-o a falar sobre as espécies endêmicas das Ilhas do Canal ou do fracking hidráulico em Dakota do Norte, é como se de repente você estivesse bebendo coquetéis com um homem possuído pela Wikipedia. Todo fã do Rush deveria implorar para tomar pelo menos uma bebida com Neil. É claro que, se isso acontecesse, seu próximo livro seria intitulado Really Far Away: Why I Moved to the Moon (Realmente Muito Longe: Por que me Mudei para a Lua).

Então essa será a última grande turnê do Rush? A grana é grande, "Sim". Os rapazes estão agora no começo dos seus sessenta anos. Eles têm famílias, interesses ecléticos e receita disponível. Mesmo em 1989, após o Rush ter cimentado sua fama duradoura com a força de álbuns como A Farewell to Kings, Hemispheres, Permanent Waves, Moving Pictures, Signals e Power Windows, Peart estava pronto para implorar finalizar as turnês para sempre.

"Essa sensação de subir no palco todas as noites, para provar o mérito de sua existência, noite após noite", ele diz, "é somente o custo, e encontrei maneiras de recompensar isso, absolutamente. Se eu tiver que viajar, vou fazer meu caminho de viagens no mundo real. Terei conversas todos os dias com pessoas paradas descansando em postos de gasolina e pessoas em hotéis e lanchonetes. Isso me alimenta".

Ele também é alimentado pela amizade compartilhada com Lee e Lifeson desde 1974.

Em suas viagens, Peart retornou uma vez ao Le Studio, um estúdio residencial localizado em Quebec onde vários álbuns da banda foram feitos. Ele não voltava ao local há anos. As boas lembranças, bem, elas retornaram rapidamente.

"Quando penso sobre isso", ele diz, com as sombras do inverno agora dançando em seu rosto, "éramos jovens, tolos, corajosos e divertidos".

Fonte: Toronto Star