WORKIN' THEM ANGELS



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ARMOR AND SWORD  WORKIN' THEM ANGELS  THE LARGER BOWL


WORKIN' THEM ANGELS

Driving away to the east, and into the past
History receeds in my rear-view mirror
Carried away on a wave of music down a desert road
Memory humming at the heart of a factory town

All my life
I've been workin' them angels overtime
Riding and driving and living
So close to the edge
Workin' them angels - Overtime

Riding through the Range of Light to the wounded city
Filling my spirit with the wildest wish to fly
Taking the high road to the wounded city
Memory strumming at the heart of a moving picture

All this time
I've been workin' them angels overtime
Riding and driving and flying
Just over the edge
Workin' them angels - Overtime

Driving down the razor's edge between the past and the future
Turn up the music and smile
Get carried away on the songs and stories of vanished times
Memory drumming at the heart of an English winter
Memories beating at the heart of an African village
DANDO TRABALHO AOS ANJOS

Arrancando para o leste, e para o passado
A história recua no meu retrovisor
Levado por uma onda de música numa estrada deserta
Memória cantarolando no coração de uma cidade industrial

Minha vida inteira
Tenho dado trabalho aos anjos além da conta
Pilotando, dirigindo e vivendo
Tão perto do limite
Dando trabalho aos anjos - Além da conta

Pilotando pela Range of Light, para a cidade ferida
Enchendo meu espírito com o desejo de voar mais selvagem
Pegando a auto estrada para a cidade ferida
Memória dedilhando no coração de uma pintura em movimento

Por toda minha vida
Tenho dado trabalho aos anjos além da conta
Pilotando, dirigindo e voando
Tão perto do limite
Dando trabalho aos anjos - Além da conta

Dirigindo no fio da navalha entre o passado e o futuro
Aumento o volume da música e sorrio
Deixo-me levar por canções e histórias de tempos antigos
Memória rufando no coração de um inverno inglês
Memórias batendo no coração de um povoado africano


Música por Lee e Lifeson. Letra por Peart


As incríveis e perigosas viagens de Neil Peart

A terceira faixa de Snakes & Arrows é "Workin' Them Angels", uma bela e cativante canção constituída primordialmente por elementos folk e progressivos, munida de padrões melódicos de fluxo e refluxo bastante vigorosos e inesperados. Com doces arranjos, harmonias cadenciadas e uma abundante utilização de backing vocals, a peça traz versos e refrões muito marcantes, além de belíssimas passagens.

Com uma narrativa lírica soberba que oferece uma gama muito vívidas de imagens, "Workin' Them Angels" brinda o ouvinte com excelentes performances dos três músicos, mesmo que organizada por tomadas que prezam pela simplicidade. Alex Lifeson brilha novamente em suas guitarras, criando climas e verdadeiras paredes sonoras envolvidas por componentes acústicos caprichados. Neil Peart atua com sua habitual precisão sensível nas muitas variações percussivas que a canção exige. Já Geddy Lee conduz com inteligência seu baixo aguerrido, oferecendo também linhas vocais que alcançam notas fantásticas e que caminham tranquilamente ao lado de graves mais sutis.

O título e a própria canção vieram do livro Traveling Music: The Soundtrack to My Life and Times, lançado por Neil Peart em 2004. A obra oferece memórias de uma viagem feita pelo baterista ao Parque Nacional de Big Bend, localizado no estado do Texas (EUA), na qual ele descreve, concomitantemente, a importância da música para sua vida. As primeiras páginas mostram a letra de uma canção intitulada "Traveling Music", da qual todos os títulos dos doze capítulos são retirados. Um desses capítulos é Workin' Them Angels Overtime, onde Peart narra que, durante uma de suas viagens, ouviu uma conversa entre um casal de idosos que havia acabado de sair da estrada no restaurante Cracker Barrel, no Tennessee. A esposa discutia com seu marido por conta do mesmo dirigir com perigo constante, afirmando que ele estava sempre "dando trabalho aos anjos", ou seja, abusando da própria sorte.

"Um casal de negros veio atrás de nós, uma mulher grande de vestido florido e chapéu e seu marido, um homem pequeno e magro de terno e gravata. Ele sorria timidamente enquanto ela discursava com o dedo apontado sobre como dirigia, dizendo: 'Você está dando trabalho aos anjos além da conta. Você está dando trabalho aos anjos além da conta'. A partir daí, Brutus e eu passamos a utilizar essa frase um com o outro muitas vezes, a fim de descrever a maneira que vivemos com nossas motocicletas e fora delas - o que continuou a ser uma metáfora para minha própria vida. Não me acho imprudente ou irresponsável, mas esse certo nível de risco sempre me parece valer a pena pelo retorno de excitação prometido e pelas experiências preciosas. Apesar de não acreditar realmente nesses 'anjos', imagino que sempre os manteria muito ocupados se caso os tivesse".

A ideia de adaptar os versos que abrem o livro veio de Geddy, com a canção também passando a refletir as aventuras e momentos audaciosos do baterista em suas famosas viagens. Em The Masked Rider: Cycling in West Africa (1996), Peart fala sobre andar de bicicleta "mais rápido do que a velocidade segura, descendo uma colina na África Ocidental". Já em Ghost Rider: A Estrada da Cura (2002) e Roadshow: Landscape With Drums: A Concert Tour by Motorcycle (2006), há passagens em que ele relata ter pilotado sua moto acima do limite permitido, até mesmo em tráfego intenso.

Uma das peculiaridades mais marcantes de "Workin' Them Angels" são os adornos acústicos especialíssimos trazidos por Lifeson. "Utilizo aqui um bandolim e um bouzouki, e é uma história engraçada. Certa vez, visitei um amigo na Grécia que possuía um bouzouki. Enquanto estive lá, comprei um desses e passei a levantar todas as manhãs, por volta das seis, sentando à beira de um penhasco com os pés balançando no ar, tomando um café e dedilhando-o, aprendendo a tocar. Quando barcos pequenos de pesca passavam, os pescadores ficavam gritando e acenando para mim. Era fantástico. Assim, tive que usar isso em algum lugar do disco".

"'Workin' Them Angels' é uma das canções de Snakes & Arrows que não traz solos de guitarra, pois este foi substituído por bandolins de atmosfera céltica", explica Lifeson. "Eu tinha um solo legal para ela, mas nada de errado com isso. Um pouco antes de mixar o álbum, liguei para Nick e disse que não achava que ele fosse necessário, que soaria melhor apenas com os bandolins. Estava preparado para uma grande discordância, mas ele disse, 'Cara! Absolutamente. Estava pensando a mesma coisa'. Odeio desapontar os fãs de guitarra que esperam pelos solos, mas às vezes você simplesmente não precisa deles".

Como no anterior Vapor Trails (2002), "Workin' Them Angels" traz algumas revelações autobiográficas de Peart, onde o baterista expõe memórias de suas várias jornadas e pensamentos sobre correr riscos a partir de uma crença popular, aflorando um pouco mais de sua personalidade, vida e experiências. Um de seus hobbies mais famosos é o de fazer longas viagens de motocicleta em épocas de folga e entre shows nas turnês do Rush, cruzando lugarejos, cidades e até mesmo países - sempre com a oportunidade de conhecer variadas realidades e de observar o cotidiano de muitas pessoas. "Workin' Them Angels" expõe claramente o significado para o baterista de estar sempre em movimento, citando imagens vívidas de locais visitados e os sentimentos experimentados em cada um desses momentos - uma tocante e poética visão através dos olhos do músico sobre suas andanças.

Conforme mencionado no segundo verso de "Workin' Them Angels", Range Of Light é o apelido dado pelo naturalista e escritor norte-americano John Muir (1838 - 1914) para a cordilheira Sierra Nevada, localizada na parte leste do estado da Califórnia (EUA). Já a incrível arte do anjo trabalhador, criada pelo artista gráfico Hugh Syme para ilustrar o tema da canção no encarte do disco, foi feita a partir da famosa imagem Powerhouse Mechanic Working on Steam Pump, realizada pelo fotógrafo e sociólogo norte-americano Lewis Hine (1874 - 1940) em 1920. No começo do século XX, as crianças compunham uma boa parcela da mão de obra industrial nos Estados Unidos, e Hine encontrou na fotografia sua forma de denunciar as mazelas do trabalho infantil, além das condições do trabalho em indústrias, questões de saúde pública e de discriminação de minorias. Encaradas como documentos e acompanhadas de alentada pesquisa e investigação, suas fotos ajudaram na criação de diversas leis trabalhistas e de reforma social.

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