THE WAY THE WIND BLOWS



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THE WAY THE WIND BLOWS

Now it's come to this
It's like we're back in the Dark Ages
From the Middle East to the Middle West
It's a world of superstition

Now it's come to this
Wide-eyed armies of the faithful
From the Middle East to the Middle West
Pray, and pass the ammunition

So many people think that way
You gotta watch what you say
To them and them, and others too
Who don't seem to see to things the way you do

We can only grow the way the wind blows
On a bare and weathered shore
We can only bow to the here and now
In our elemental war

We can only go the way the wind blows
We can only bow to the here and now
Or be broken down blow by blow


Now it's come to this
Hollow speeches of mass deception
From the Middle East to the Middle West
Like crusaders in unholy alliance

Now it's come to this
Like we're back in the Dark Ages
From the Middle East to the Middle West
It's a plague that resists all science

It seems to leave them partly blind
And they leave no child behind
While evil spirits haunt their sleep
While shepherds bless and count their sheep

Like the solitary pine
On a bare wind-blasted shore
We can only grow the way the wind blows
A DIREÇÃO QUE O VENTO SOPRA

Agora chega a isso
É como estarmos de volta à Idade das Trevas
Do Oriente Médio ao Meio Oeste
É um mundo de superstição

Agora chega a isso
Exércitos de fiéis de olhos arregalados
Do Oriente Médio ao Meio Oeste
Ore, e passe a munição

Muitas pessoas pensam dessa maneira
Você tem que prestar atenção no que diz
Para eles e eles, e para outros também
Que não parecem ver as coisas do jeito que você vê

Só podemos crescer na direção que o vento sopra
Numa costa descampada e exposta
Só podemos nos curvar ao aqui e agora
Em nossa guerra elementar

Só podemos seguir na direção que o vento sopra
Só podemos nos curvar ao aqui e agora
Ou sermos derrubados golpe após golpe


Agora chega a isso
Discursos vazios de decepção em massa
Do Oriente Médio ao Meio Oeste
Como cruzados numa aliança profana

Agora chega a isso
Como estarmos de volta à Idade das Trevas
Do Oriente Médio ao Meio Oeste
É uma praga que resiste a todas as ciências

Isso parece deixá-los parcialmente cegos
E não deixam nenhuma criança pra trás
Enquanto espíritos malignos assombram seus sonos
Enquanto pastores abençoam e contam suas ovelhas

Como o pinheiro solitário
Numa costa devastada por rajadas de vento
Só podemos crescer na direção que o vento sopra


Música por Geddy Lee e Alex Lifeson. Letra por Neil Peart


Os desdobramentos do fundamentalismo religioso

"The Way The Wind Blows" é a sétima faixa de Snakes & Arrows. Estando no grupo das três canções com mais de seis minutos no álbum, ela apresenta um composto de belíssimas variações estilísticas que a definem como outra investida bastante especial na carreira do trio. Todo o cenário é elegantemente construído para abordar algumas das questões mais preocupantes que consomem a humanidade contemporânea: o fundamentalismo e o fanatismo religioso. Continuando abordagens anteriores como em "Armor and Sword", segunda composição do disco, e "Peaceable Kingdom" (de Vapor Trails, 2002), "The Way The Wind Blows" trata com sutilezas e musicalidade brilhante o extremismo religioso e seus efeitos, trazendo um olhar interessante sobre as pessoas presas em um dos lados desse conflito - e as que são esmagadas por eles. De forma emocional e evocativa, O Rush consegue novamente se conectar com o ouvinte, instigando com sua poesia sentimentos como dúvidas e desconforto num leque de mudanças musicais que denunciam o cenário mundial atual.

Visitando elementos do rock clássico que delineiam transições progressivas memoráveis, "The Way The Wind Blows" pode ser categorizada como outra canção intrigante e verdadeiramente atípica do Rush - o que mostra que a busca pela evolução é de fato um dos traços mais marcantes dos músicos. Com arranjos intensos e bastante envolventes, a composição é direcionada por Alex Lifeson em três movimentos integrados. Após um início de percussão militarista, que traz lembranças de "Manhattan Project" (de Power Windows, 1985), recebemos um poderoso riff de blues bastante marcante, seguido por uma pegada hard rock para os versos e tomadas acústicas nos refrões flertando com o folk, modulações que por si só revelam o grande divertimento do trio nesse trabalho. A capacidade vocal de Geddy Lee se mostra ainda mais evoluída - substancialmente mais madura e proficiente na capacidade de expressar as letras escritas por Neil Peart.

"Essa é uma das minhas faixas favoritas no álbum, como ouvinte e como baterista", explica Peart. "Ela simplesmente tem de tudo. A montagem da abertura, com toques rolantes em eco na caixa rudimentar, mergulha numa seção blues (uma canalização coletiva de nossas primeiras influências), seguida de uma unidade irregular e sincopada dos versos. Esse padrão de bateria foi ideia de Booujze [o produtor Nick Raskulinecz] no último minuto. Enquanto estava no estúdio gravando a canção, ele me chamou até a sala de controle para discutirmos os versos, propondo no fim que eu fosse mais 'ativo' na faixa. Dessa forma, tive que trabalhar novamente. Uma das suas sugestões era que eu deveria trazer tímpanos reais ao invés dos sons sampleados (um tipo de trabalho próximo a Nick Manson, eu diria). Sempre gostei dessa fluidez - dessa abordagem descontraída de preenchimentos - e de uma forma que nunca havia feito antes".

"A frase mais dita por Nick era, 'Ficaria curioso em ouvir...'", diz Geddy. "Quando ele dizia isso, você sabia que iria voltar ao estúdio. Estávamos trabalhando em 'The Way The Wind Blows' e muito perto de gravá-la, até eu ir à sala e ver que Neil estava tocando a parte que já havíamos feito. Olhei para o rosto do Nick enquanto ele coçava o queixo, chamando Neil e dizendo, 'Ficaria curioso em ouvir você tocar...' descrevendo o que queria, e Neil perguntou, 'Você está me pedindo para reescrever completamente todos os versos?'. Ele deu uma olhada para Nick como se fosse explodir - mas obviamente não iria, pois sabia que era o certo. Ele confiava em suas ideias e não se sentia desconfortável - só estava um pouco chateado por suas mãos estarem doloridas. Ele respondeu, 'Vou voltar pra lá', mas dizendo, 'Que merda, o que eu vou tirar daqui?'. Então percebeu que havia algo que poderia funcionar, de modo que tocou bastante naquela sala. Ele se iluminou - cheguei a dançar! Ele transformou a canção totalmente, e Nick tinha um grande sorriso no rosto. Ele trouxe Neil para ouvir depois, que disse: 'Bem, quando você está certo, está certo'".

Snakes & Arrows traz uma grande miscelânea de estilos na guitarra, e "The Way The Wind Blows" pode ser o maior exemplo dessa diversidade. O marcante solo de blues mostra-se bastante reminiscente do músico David Gilmour (que inclusive é creditado no encarte do disco por inspirar Lifeson a compor a maioria das canções no violão) e também de Eric Clapton. É provável que a produção do álbum de covers Feedback, gravado em 2004, também tenha influenciado tais elementos nas demais composições, como afirmado pelos próprios músicos ao comentarem a canção "The Larger Bowl". Lifeson atribui uma parte significativa desses sons clássicos a uma espécie de renovar de relações com velhos amigos. "Usei uma Gibson ES-335, a mesma dos álbuns 2112 e Caress of Steel. Fui extremamente influenciado por Eric Clapton quando jovem, e foi bom trazer um pouco dessa abordagem blues para a canção. É provável que essa seria a última coisa que as pessoas esperariam de mim, e foi por isso que eu fiz. Quando ouço essa canção, sinto que somos uma nova banda, assim como fomos no Moving Pictures. Ninguém esperava aquele som, e nós também não".

"Sempre adorei tocar blues, mas nunca houve oportunidade para isso em nossa música. Sou da segunda geração. Aprendi com Eric Clapton e Jimmy Page, e acho que isso está dentro de mim. A maioria das coisas que toquei nos primeiros dias era baseada em escalas de blues - mas a forma que Jimmy Page costumava fazer, tocando de maneira tão particular, assumiu um caráter totalmente diferente para mim. Essa era a minha oportunidade de ser mais 'puro' (não sei se seria a palavra certa), pois queria estar mais enraizado no gênero. Pareceu funcionar muito bem nessa canção, e foi muito divertido de fazer".

"Conversamos sobre a ideia de trazer pequenos trechos de trinta segundos no início das canções, estes que contassem um pouco das coisas do nosso passado, do início. Não desenvolvemos isso de fato senão em algumas, como em 'The Way The Wind Blows'. Essa canção era tão pesada que achei que algo atmosférico na introdução poderia funcionar. A partir daí, foi uma questão de andar com a linha melódica e aprendê-la para as bases, até alcançar essa coisa que Neil chama de 'surf music psicodélico'. Queríamos criar uma tensão arrepiante até chegarmos no refrão, que é muito pulsante e edificante".


Liricamente, "The Way The Wind Blows" se mostra como um registro bastante realista sobre a conjuntura política e cultural internacional, marcada pela resignação em face aos males do mundo. A faixa destaca novamente a opressão, a separação e o fundamentalismo que parte de muitas religiões. Bastante pensativa, sincera e analítica, este trabalho contrasta com fases anteriores de Peart como letrista, nas quais canções de abordagem libertária como "Freewill" (de Permanent Waves, 1980) e "Tom Sawyer" (de Moving Pictures, 1981) se consolidavam como um dos principais embasamentos líricos da banda. Agora, nos deparamos com sua disposição em expressar (da maneira mais honesta possível) as feridas abertas da humanidade, sugerindo o reflexo da maturidade, da prudência e do resultado de suas experiências pessoais, passando a reconhecer que a inocência se perde na realidade e que esta deve ser sempre encarada face a face.

Novamente impressionante, Peart utiliza belas figuras naturais para expor seus pensamentos. A analogia dessa vez é proposta a partir das árvores que se moldam na direção dos ventos constantes ao longo dos anos, comparando estas às formações de caráter, de pontos de vista e de posicionamentos que são moldados nas pessoas desde a infância. Além disso, as palavras mostram preocupação com aqueles que decidem negar tradições para viverem da forma que entendem como a melhor e mais correta, comumente recebendo como ônus níveis diversos de repressão e preconceito. Partindo dessas comparações, observamos questionamentos sobre os diversos graus de fundamentalismo e extremismo (principalmente aqueles ligados às religiões), e também os posicionamentos arbitrários do Ocidente. Com um marcante jogo de palavras do trecho "From the Middle East to the Middle West" ("Do Oriente Médio ao Meio Oeste"), não recebemos de Peart somente ponderações sobre as intensas, sangrentas e aterradoras guerras frequentes no Oriente Médio - mas também um olhar para a prepotência, incoerência, intolerância e insensibilidade do próprio Ocidente, inspirado por suas constantes viagens pelo território cristão norte-americano.

"Crianças criadas num determinado ambiente só poderão crescer na direção que o vento sopra", explica Peart. "No Canadá, podemos observar ao longo dos Grandes Lagos as árvores da costa oeste de Newfoundland, estas que crescem se adaptando à direção dos ventos. Pensei nisso como uma grande metáfora para expor que todos nós crescemos num determinado ambiente, onde o vento sopra numa determinada direção, e no qual acabamos nos inclinando também. Portanto, se alguém deseja ser diferente, querendo tentar sobreviver contra uma fortemente militante (e extremamente religiosa) onda de ventos, este será como uma pedra no rio: talvez você precise rolá-la um pouco, pois terá que enfrentar muita aspereza. As árvores ao vento devem aprender a se dobrar um pouco (e também as flores no deserto, que, por estarem em um ambiente tão hostil, só poderão florescer durante à noite - o único momento seguro). Foi nisso que pensei, nos momentos em você quer ser você e não um hipócrita, levantando um pequeno lápis contra todo esse exército de espadas".

Ao mesmo tempo em que "The Way The Wind Blows" revela um Neil Peart que reconhece a hostilidade do mundo para os livres pensadores, a canção evoca nas entrelinhas uma das pensadoras que mais influenciaram o letrista nos primeiros anos de criação com o Rush: a escritora norte-americana Ayn Rand (1905 - 1982). Com seu objetivismo, Rand entendia as religiões como pungentes por exigirem auto-sacrifício, e por serem utilizadas como mecanismos de controle. Devido não ser possível argumentar logicamente a existência divina a partir de dados sensoriais, ela apontava que o místico acabava por trazer guerras do passado sobre as cabeças do mundo moderno, e que as doutrinas que pregam a cegueira em discursos, em sua estimativa, jamais foram capazes de oferecer algo de real valor à vida humana.

"A religião, no sentido de crença cega, de crença sem base ou contrária aos fatos da realidade e às conclusões da razão, nunca trouxe benefícios aos homens", explica Rand. "A fé, como tal, é extremamente deletéria à vida humana: é a negação da razão. Mas, deve-se lembrar que a religião é uma forma primitiva de filosofia, e que as primeiras tentativas de explicar o Universo e de dar ao homem uma estrutura coerente de referência (e um código moral) foram feitas por ela - antes que a humanidade se desenvolvesse o suficiente para chegar à filosofia. E, enquanto filosofias, algumas religiões possuem valiosos ensinamentos morais. Podem ter boas influências ou princípios apropriados, porém geralmente num contexto muito contraditório e - como dizer - numa base perigosa e maligna: a fé".

O termo fundamentalismo é usado para se referir à crença conservadora da interpretação literal dos livros sagrados. Os fundamentalistas são encontrados entre certos grupos religiosos e pregam que seus dogmas sejam seguidos à risca, representando a tendência de alguns adeptos de retornarem ao que consideram como fundamental ou original. A partir do pavor ocorrido no 11 de setembro e do cenário bélico político e fundamentalista constante no Oriente, a canção tem como um dos seus maiores motivos a guerra promovida pelos EUA no Iraque, conflito iniciado em março de 2003 por uma coalizão militar multinacional liderada pelos americanos e que, formalmente, foi encerrado somente em dezembro de 2011. Partindo do primeiro verso, o letrista remonta tempos obscuros - um mundo de leste a oeste baseado na superstição e medo. A seguir, ambos os lados dispõem de soldados ávidos para defender sua causa, orando aos seus deuses e apontando suas armas para a morte. Na ponte, há o reforço de que muitos seguem os caminhos dos mitos e das guerras, mas que há outros veem as coisas de forma diferente, acreditando em alternativas mais pacíficas bem como a opção de não acatarem cegamente filosofias religiosas. Nesse caso, o letrista alerta para que esses tenham cuidado ao expor seus pontos de vista, devido o risco de combate veementemente da maioria.

O refrão de "The Way The Wind Blows" destaca que pessoas são obrigadas a assistir aos conflitos e destruição praticamente impedidas de atuarem sobre tais questões, com o forte risco de serem descriminados por ambos os lados por negarem as suas versões da verdade. O terceiro verso, talvez o mais revelador, expõe os líderes que discursam para as massas e que jamais se baseiam em fatos, enganando e servindo à ordem do dia. No símbolo de maior exposição da canção, todos lutam por um deus percebido, nesse caso Alá ou Jesus Cristo, tanto nos conflitos islâmicos quanto nas decisões do Ocidente (exemplificadas muitas vezes pelo 43º presidente dos Estados Unidos, George W. Bush, ao se reunir com base em preceitos religiosos quando falava de uma cruzada contra o chamado eixo do mal, restaurando a inspiração dos antigos cruzados, que também proveram morte e destruição em suas investidas.

O quarto e quinto verso reservam espaço à ciência, afirmando que inúmeros no Ocidente e Oriente seguem alimentados por propostas cegas, afastando-se do pensamento racional. Já o trecho "They leave no child behind" ("E não deixam nenhuma criança pra trás") funciona como outra notável analogia, ao representar um ataque direto à lei norte-americana do governo Bush Nenhuma Criança Será Deixada para Trás (No Child Left Behind Act - NCLB), que ficou marcada como um grande paradoxo. Essa lei federal é a mais importante no apoio à educação pública nos Estados Unidos. Assinada em janeiro de 2002, representa a maior fonte de fundos para as escolas primárias e secundárias do país. Apesar de complexa, traz propósitos simples: assegurar que todas as crianças recebam uma educação de alta qualidade no país e corrigir a diferença de desempenho dos estudantes. Ao mesmo tempo que as autoridades se importam em não deixar nenhuma criança para trás, disseminam mortes de inocentes pelo mundo em conflitos bélicos.

Uma das frases mais marcantes de "The Way The Wind Blows" é "Pray, and pass the ammunition" ("Ore, e passe a munição"). Esse trecho foi inspirado no ataque japonês à Pearl Harbor, quando o capelão norte-americano Howell M. Forgy (1908 - 1972), à bordo do navio U.S.S. New Orleans no dia 7 de dezembro de 1941, exortou os soldados com as palavras "Praise The Lord And Pass The Ammunition" ("Ore a Deus e Passe a Munição") - palavras que, inclusive, se tornaram o título de uma canção patriótica bastante popular no país no ano seguinte.

"The Way the Wind Blows" condena a intolerância fundamentalista, o extremismo, o fanatismo e ignorância que permeiam as relações humanas. A canção traz um lamento sobre vidas presas ao que lhes é transferido como herança ideológica e dogmática, refletindo a preocupação em torno da hostilidade e do medo que oprimem outros pontos de vista. A faixa também observa as intervenções recentes de potências ocidentais em países do Oriente Médio, salientando nestes, por sua vez, as ações de governos teocráticos e atividades de grupos terroristas que remontam conflitos medievais, combinando a sombria investida religiosa com disputas ideológicas e territoriais.

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