MALIGNANT NARCISSISM



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MALIGNANT NARCISSISM

NARCISISMO MALIGNO


Música por Geddy Lee, Alex Lifeson e Neil Peart


Uma instrumental furiosa nascida por acaso

"Malignant Narcissism" é a penúltima faixa de Snakes & Arrows, e a terceira e última instrumental do disco. Abreviada pelos próprios integrantes por "MalNar", foi indicada ao Grammy 2008 na categoria Melhor Performance de Rock Instrumental, quinta indicação recebida pelo Rush na carreira. No entanto, foi derrotada por "Once Upon a Time in the West", gravada pelo cantor e compositor norte-americano Bruce Springsteen para o álbum We All Love Ennio Morricone, um tributo ao compositor italiano Ennio Morricone lançado em 2007.

Devastadora e furiosa, "MalNar" intensifica o momento mais elétrico do disco. De curta duração e imediatamente acessível a qualquer fã do Rush, a música (de pouco mais de dois minutos) foi criada por acaso no estúdio Allaire em Nova York, no momento em que o trio já havia finalizado praticamente todas as gravações para Snakes & Arrows. O destaque da composição é sua intrincada linha de baixo idealizada por Geddy Lee, esta que se mantém centralizada e em evidência enquanto Peart navega por todos os canais num kit reduzido de quarto peças, se esquivando em duelos individuais de chamada e resposta que refletem uma das patentes mais clássicas do trio. O trabalho do baterista se encaixa perfeitamente na condução de Geddy, e Alex adicionaria mais tarde a quantidade certa de sons para complementar o cenário, rugindo no background com suas guitarras ardentes em intervalos apropriados.

A peça, mesmo não sendo tão ambiciosa quanto "The Main Monkey Business", soa incrivelmente impactante e cativante. Ela traz uma nítida homenagem à clássica "YYZ", de Moving Pictures (1981), nos duelos em que bateria e baixo se preenchem e se compensam. Da mesma forma que Alex em "Hope", Geddy começou a compor a música sem perceber o que fazia. Tudo começou quando a equipe da Fender, empresa que patrocina o músico, enviou para o Allaire um modelo Jaco Pastorius Jazz Bass a seu pedido, no período em que Alex estava na Flórida. Geddy afirmou que estava interessado no instrumento por inúmeras razões, incluindo a falta de familiaridade com baixos do tipo fretless.

"Foi um dos instrumentos mais legais que já usei", ele diz. "Soa incrivelmente. Peguei o mesmo e, em apenas meia hora, já estava tocando entre alguns takes vocais, fazendo esse riff divertido. Nosso produtor estava ouvindo e começou a gravar aquilo pelo microfone vocal de forma acústica. Ele disse, 'Cara, isso aí que você acabou de compor é uma música'. Neil estava lá, mas já havia desmontado seu kit regular, deixando um pequeno conjunto de quarto peças no local. Tocamos juntos apenas com baixo e bateria, ao vivo. Mais tarde, Alex voltou e colocou suas partes. Demorou só mais dois dias para tocarmos os três juntos".  

"Na verdade, 'Malignant Narcissism' nasceu de forma mais espontânea que uma simples jam", explica Geddy. "Foi a última coisa que fizemos no disco - nós a compomos no estúdio e logo depois já estávamos com praticamente tudo pronto. Eu começava a fazer algumas faixas vocais finais quando um amigo me visitou e me falou sobre esse baixo Jaco Pastorius Tribute da Fender. Fui na internet para verificar e me pareceu muito legal, então perguntei se poderiam me emprestar um desses. Comecei a tilintar nele entre as capturas vocais. É um baixo glorioso, e tocar com ele nos  faz sentir especiais".

Jaco Pastorius (1951 - 1987), notável baixista de jazz norte-americano, já foi citado por Geddy algumas vezes ao longo dos anos como uma de suas influências. O músico do Rush decidiu utilizar o instrumento admitindo não estar muito familiarizado com baixos sem trastes, estes que marcaram a carreira de Pastorius. "Geralmente sou um fracasso nesses", admite. "Mas as gravações com o J-Bass fretless foram assustadoras. Torci para que não quisessem nenhum outro instrumento para tocar nessa, pois a afinação havia ficado realmente interessante (risos). Na verdade, pensei que se eu tocasse o mais rápido possível, não daria tempo para ouvir as notas erradas. As notas de passagem surgiram bem rápido e acho que funcionaram muito bem, porque é um puta baixo para se tocar e ouvir. Agora todos os associados nessa sessão querem que eu adquira um desses, e isso é um bom sinal".

Enquanto Geddy experimentava o baixo no estúdio, o coprodutor Nick Raskulinecz ouvia seu riff atraente, decidindo sugerir que o mesmo fosse incorporado numa nova música. Neil estava presente, mas seu kit original já havia sido despachado com o suposto fim das gravações. Com o incentivo de Raskulinecz, o baterista decidiu se desafiar num set diferente, da mesma forma que Geddy no baixo fretless. Peart havia montado um kit mínimo de quatro peças e quatro pratos para alguma situação emergencial que surgisse no fim dos trabalhos, e esse acabou se tornando o menor que ele já utilizou numa gravação de álbum com o Rush.

"Quando estávamos no fim das sessões de gravação do disco, Geddy geralmente pegava o baixo entre as últimas capturas vocais para tocar sem intenção, e Boouzje começou a ficar animado", lembra Neil. "Começamos a gravar alguns daqueles trechos no microfone, nos incendiando com a ideia de juntá-los para criar uma instrumental curta e nada convencional. E, por sorte, isso inspirou a décima terceira faixa, 'Malignant Narcissism' (um título apropriado para uma instrumental com solos de baixo e bateria vindo do cartoon Team America: World Police). Para o uso diário, aquele palavrão foi logo abreviado para 'MalNar' (típica voz de robô, 'Nós somos do planeta MalNar'). Havia deixado um kit pequeno de quatro peças no estúdio para Boouzje tocar, e acabei gravando 'Malignant Narcissism' naquilo, só por diversão". 

"Por acaso Neil ainda estava por ali, e ele tinha esse kit de quatro peças", lembra Geddy. "No dia seguinte pegamos o baixo e o amplificador, sentamos e começamos tocar juntos. Alex estava na Flórida naquele momento, e a gravação inicial tinha somente baixo e bateria. Dissemos a nós mesmos, 'Já temos canções suficientes para esse disco, então, se fizermos outra instrumental, teremos que ter uma limitação de tempo'. Então Nick nos disse, 'Ok, dois minutos e quinze segundos'. Por fim, nós só a fizemos porque na verdade ela tinha por volta de dois minutos e quinze segundos realmente". (Na verdade, a faixa marca 2:17).

Quando Alex retornou ao estúdio, ele teve um dia para compor as partes de guitarra - a fim de tocá-las por cima dos riffs de Geddy no fretless, tarefa que realizou. A peça foi adicionada ao álbum já quase terminado, tornando Snakes & Arrows o primeiro disco do Rush a conter mais de uma instrumental, terminando com três. Além de Geddy, Raskulinecz também ajudaria Peart a ir além da sua zona de conforto. Depois de conseguirem a segurança da definição das canções (Peart gravava cerca de quatro ou cinco tomadas por música) o produtor o mandava de volta para a cabine de bateria com uma ordem simples: "Vá até lá e seja louco".

Assim como as linhas de baixo de Lee no estúdio, a abertura com a contagem na borda da caixa da bateria também foi por acaso. "Booujze me ouviu contando o tempo dessa forma e quis que eu começasse a peça assim", explica Peart. "Percebi que nada iria ser perdido. Mesmo que eu tivesse uma boa performance, se acontecesse alguma coisa útil depois, seria ótimo. Posso me ouvir nesse disco quando estava apenas no começo, e adoro isso. Alguém poderá dizer que esse cara nunca tocou dessa forma antes, e isso é muito excitante para mim. Nick tem o mesmo instinto; ele gosta de me pegar para trabalhar descansado e cru".

Raskulinecz foi um dos que incentivaram Peart a tocar uma faixa instrumental num kit mínimo de quatro peças básicas. "Ele estava inflexível sobre isso", ri Peart. "Mas, para mim, não fazia a menor diferença: se você tem bumbo, caixa e chimbal, pode tocar uma música. Adicione um par de tons e alguns pratos e estará sorrindo - não acho que há limitação. Perto do fim das sessões, com as faixas de bateria todas gravadas, estava assistindo Geddy e Booujze trabalhando nos vocais. Entre os takes, enquanto Geddy descansava sua voz por alguns minutos, ele ficava brincando com um baixo fretless, apenas fazendo alguns riffs nele. Booujze começou a gravar alguns desses riffs com o microfone vocal, e ele achou que seria legal colocar algumas daquelas coisas em conjunto - a fim de fazer uma pequena e rápida instrumental para ser a nossa (sortuda) décima terceira faixa".

"Fiquei fora do estúdio por algumas semanas, mas havia pedido ao meu técnico Gump para deixar algumas peças do kit original para Booujze utilizar - quatro tambores e quatro pratos. Antes que eu percebesse, havia microfones ao redor dessa pequena configuração, e Geddy e eu estávamos trabalhando num novo arranjo. Até o fim do dia, havíamos gravado 'Malignant Narcissism', que foi intencionalmente bruta e pronta, barata e alegre, dura e suja, e todos esses tipos de coisa. Booujze me ouviu contando o tempo na borda da caixa, e quis que eu começasse a faixa assim. Vale mencionar que meus breaks na bateria representam mais alguns 'tributos': o primeiro é uma variação de algumas coisas de Buddy Rich, o segundo incorpora uma mistura de Tony Williams, Terry Bozzio, Steve Gadd e eu. E sim - foi divertido gravar naquele kit básico".

A pequena experimentação que se tornou um momento divertido traz um título que significa, basicamente, um encanto mortal. Um narcisista é alguém muito apaixonado por sua beleza, e a palavra maligno refere-se a algo extremamente prejudicial. Vários tipos diferentes de narcisismo são conhecidos, e o termo genérico foi introduzido pelo médico e neurologista Sigmund Freud (1856 - 1939) ao se referir a uma pessoa que é patologicamente egocêntrica. A palavra é derivada da Mitologia Grega a partir da história de Narciso, um jovem e belo rapaz que rejeitou a ninfa Eco, que desesperadamente o desejava. Como punição, foi amaldiçoado de forma a apaixonar-se incontrolavelmente por sua própria imagem refletida na água. Incapaz de levar a termos sua paixão, Narciso cometeu suicídio por afogamento. Se as pessoas tornam-se obcecadas por si mesmos, elas podem desenvolver o que é chamado de transtorno de personalidade narcisista. O Narcisismo Maligno, portanto, reflete um cruzamento entre o transtorno de personalidade narcisista e o transtorno de personalidade antissocial. Nesses casos, a pessoa mostra sinais de paranoia, buscando níveis mais altos de satisfação psicológica de suas realizações que, por sua vez, agravam os sintomas da doença.

Mantendo seu inconfundível senso de humor, a banda encontrou a inspiração num diálogo do filme Team America: Detonando o Mundo (Team America: World Police), a partir de uma frase sobre a forma de pensar dos terroristas. Lançado em 2004, a comédia foi escrita e dirigida pelos amigos do Rush Trey Parker, Matt Stone e Pam Brady, conhecidos também por serem os criadores da popular série televisiva de animação South Park. O filme conta com um elenco composto de marionetes, com o Team America sendo uma equipe fictícia de policiais norte-americanos que age em âmbito mundial, com a missão de proteger o planeta de ameaças para garantir sua estabilidade. Eles tentam salvar o mundo de uma conspiração terrorista violenta, liderada pelo ex-ditador da Coreia do Norte Kim Jong-il (1942 - 2011) e, ao descobrirem que o mesmo está armazenando armas em seu país, a equipe é enviada ao local para combatê-lo.

A única voz audível na canção é feminina, e foi retirada diretamente do filme. Ela surge a 1:08 dizendo, "Usually a case of malignant narcissism brought on during childhood" ("Normalmente, um caso de narcisismo maligno é provocado na infância").

"Todos nós somos grandes fãs do Matt Stone e do South Park, e por isso adoramos o filme - além de Neil ser amigo Matt Stone", diz Geddy. "Matt e Trey Parker são fãs do Rush, então eles mantém contato. Neil disse, 'Olha, queremos fazer com que essa se chame 'Malignant Narcissism', e Matt ficou emocionado. Ele disse, 'Ótimo!'".

Bobby Standridge, criador de um famoso vídeo 3D para "YYZ", acabou sendo contratado pelo Rush para criar outro clipe para Snakes & Arrows. A canção escolhida foi "Malignant Narcissism", e o material traz uma demonstração muito interessante do desenvolvimento das religiões através da história.

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