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BRAVEST FACE GOOD NEWS FIRST MALIGNANT NARCISSISM
GOOD NEWS FIRST
The best we can agree on
Is it could have been worse
What happened to your old
Benevolent universe?
You know the one with stars
That revolve around you
Beaming down full of promises
To bring good news
You used to feel that way
The saddest words you could ever say
But I know you'll remember that day
And the most beautiful words I could ever say
The worst thing about it all
Is that you might have been right
And I'm still not really sure
What started that fight
But I still get this feeling
There's more trouble ahead
So never mind the bad news
Let's have the good news instead
Some would said they never fear a thing
Well I do
And I'm afraid enough for both of us -
For me and you
Time, if nothing else, will do it's worst
So do me that favor
And tell me the good news first
The best we can agree on
Is it could have been worse
What happened to your old
Benevolent universe?
You know the one with stars
That revolve around you
Beaming down full of promises
To bring good news
You used to feel that way
The saddest words you could ever say
But I know you'll remember that day
And the most beautiful words I could ever say
The worst thing about it all
Is that you might have been right
And I'm still not really sure
What started that fight
But I still get this feeling
There's more trouble ahead
So never mind the bad news
Let's have the good news instead
Some would said they never fear a thing
Well I do
And I'm afraid enough for both of us -
For me and you
Time, if nothing else, will do it's worst
So do me that favor
And tell me the good news first
BOAS NOTÍCIAS PRIMEIRO
O melhor que podemos concordar
É que poderia ter sido pior
O que aconteceu com seu velho
Universo benevolente?
Você conhece aquele com estrelas
Que giram em torno de você
Irradiando cheio de promessas
De trazer boas notícias
Você costumava se sentir assim
As mais tristes palavras que você poderia dizer
Mas sei que você se lembrará daquele dia
E das mais belas palavras que eu poderia dizer
A pior coisa sobre tudo isso
É que você pode ter tido razão
E ainda não estou certo
Sobre o que começou essa luta
Mas ainda tenho a sensação
De que há mais problemas à frente
Então não se preocupe com as más notícias
Ao invés disso vamos dar as boas notícias
Alguns diriam que nunca temem algo
Bem, eu temo
E tenho medo o suficiente por nós dois -
Por mim e você
O tempo, se nada mais, fará o seu pior
Então faça-me o favor
E me dê as boas notícias primeiro
O melhor que podemos concordar
É que poderia ter sido pior
O que aconteceu com seu velho
Universo benevolente?
Você conhece aquele com estrelas
Que giram em torno de você
Irradiando cheio de promessas
De trazer boas notícias
Você costumava se sentir assim
As mais tristes palavras que você poderia dizer
Mas sei que você se lembrará daquele dia
E das mais belas palavras que eu poderia dizer
A pior coisa sobre tudo isso
É que você pode ter tido razão
E ainda não estou certo
Sobre o que começou essa luta
Mas ainda tenho a sensação
De que há mais problemas à frente
Então não se preocupe com as más notícias
Ao invés disso vamos dar as boas notícias
Alguns diriam que nunca temem algo
Bem, eu temo
E tenho medo o suficiente por nós dois -
Por mim e você
O tempo, se nada mais, fará o seu pior
Então faça-me o favor
E me dê as boas notícias primeiro
Os problemas são inerentes à vida
"Good News First" é a décima primeira faixa de Snakes & Arrows. Reorientando a tendência que destacava fortes momentos acústicos nas canções anteriores, a composição retoma a preponderância elétrica inicial de "Far Cry", porém indicando uma viagem musical mais sinuosa e bastante melódica que continua a abordagem questionadora do álbum, refletindo outras notáveis observações pessoais de Neil Peart.
Camadas de guitarras alternadas por sutilezas muito bem construídas, linhas de baixo pulsantes e bateria incrivelmente dinâmica mergulham o ouvinte num verdadeiro turbilhão de elementos. O caldeirão em "Good News First" se abre com o excelente groove que exprime versos com vocais plangentes e distorcidos, acompanhados pelos toques certeiros e implacáveis de Peart. A atitude musical estimula impulsos perceptivos, num cenário novamente adornado pela beleza discreta de um Mellotron. A canção ainda reserva uma ponte de impressionante melodia e bom gosto, esta que certamente pode ser definida como um dos seus pontos de destaque. Por fim, um grande solo de guitarra é destilado por Alex Lifeson, arrematando outra mostra da grande diversidade dos músicos e da habilidade em oferecer um amplo espectro de sensações. A moderna canção rende outro grande trabalho e envolvimento, oferecendo percussão fantástica, letra poética pungente e uma das mais incríveis composições em todo o álbum. Um belo retrato do Rush.
"'Good News First' veio para mim por um longo caminho", lembra Alex. "Quando escrevemos essa canção no começo, ela era provavelmente uma das (não quero dizer 'mais fracas') - mas em termos de força era a mais inferior. Sempre pensei em fazer algo por ela, dando-lhe mais vida e levando-a para fora do lugar comum que ocupava naquele momento. Enquanto a canção progredia, começamos a apará-la, conseguindo aos poucos uma abordagem bem diferente. Ela era fortemente acústica em toda extensão da versão original, e foi realmente beneficiada pelas tomadas elétricas. Por mais que você queira usar sua imaginação, não estará muito certo até concretizar a ideia".
"Uma vez que nos reunimos para gravá-la, a seção inteira dos versos começou a crescer, e houve uma bela mudança de cenário na ponte. Ela vai de uma condução elétrica e de uma seção rítmica assustadora para uma ponte gloriosa, que traz belas melodias e linhas vocais apaixonadas. E agora, por fim, acabou se tornando uma das minhas canções preferidas no álbum. Acho muito legal quando uma composição desse tipo, que dormia como o filhote mais fraco de uma ninhada, acaba se tornando um dos cães premiados".
"Para mim, essa canção foi a união de diferentes partes", diz Geddy. "Esbocei muitas das suas melodias utilizando somente um tipo de estrutura vocal básica, que permaneceu durante a maior parte do processo de escrita e de gravação até atingirmos as camadas. Bem, decidimos substituir essa linha vocal por um Mellotron. O interessante nessa canção é que foi a nossa primeira oportunidade de trazer aquele velho animal de volta para a paisagem sonora. Acho que não utilizávamos o Mellotron, nossa, desde o 2112. Hugh Syme tocou um desses em 'Tears'. Adorei a ideia de utilizá-lo por soar arcaico e único, e acho que trouxe vida para a canção toda. Ele oferece uma espécie de mágica para o ambiente e para a atmosfera".
"Tenho aqui uma ideia que trabalhei pela primeira vez em uma das canções de Matt Scannell, sendo capaz de desenvolvê-la melhor agora e até mesmo para tentar uma variação em 'Good News First'", afirma Peart. "Quando Alex e Geddy começaram a unir a canção no estúdio com guitarra, baixo e microfone, eles utilizaram uma bateria eletrônica para ritmo e acompanhamento. Alex fez a programação, vindo com trechos altamente incomuns que poderiam me inspirar através da visão de alguém que não é baterista - especialmente um grande não-baterista como ele".
"Os versos 'Neandertais' surgiram dessa maneira (usei meus pratos Trogloditas e as peles Einstein naturalmente). O chimbau sufocado que se alterna na introdução e novamente mais tarde são o tipo de material funky de caras como Vinnie Colaiuta, que parecem consegui-los sempre sem esforço. Para mim, eles são o resultado de muito trabalho e experimentação e, nesse caso, tocá-los com minha mão esquerda foi o truque (usei isso novamente na canção seguinte, pois foi novo para mim). Minha abordagem mais solta por trás do solo de guitarra e na ponte abre caminho para o espírito 'blue-eyed soul' da Toronto dos anos de 1960, com um pouco de Keith Moon no estilo conhecido como 'Wholiganism'. Tudo isso é resultado do Tao de Booujze: 'Apenas seja louco!'".
Complementando a anterior "Bravest Face", Neil Peart e o Rush oferecem outra canção que trata sobre visões distorcidas da realidade. Evocando novamente sentimentos contraditórios e expondo simbolicamente momentos de divergência e discussão entre duas pessoas, o ponto de partida de Peart é baseado em suas observações sobre algumas particularidades de religiões e religiosos, sobretudo do cristianismo ocidental. Peart cresceu em uma família cristã, e suas reflexões sobre o desenvolvimento do protestantismo nos Estados Unidos foram primordiais para muitos dos temas abordados em Snakes & Arrows.
Como letrista, alguns de seus traços mais destacados em décadas são suas interessantes considerações sobre a sociedade e as pessoas que o cercam, elementos que alimentam a grande maioria de suas investidas líricas em toda carreira. Partindo dessa premissa, "Good News First" oferece um olhar metafórico que envolve as chamadas boas notícias (ou boas novas) referenciadas no evangelho cristão. Os seguidores entendem que receberam de Jesus Cristo o mandamento de fazer discípulos a partir de uma mensagem proclamada, e o teor da canção, como nos tópicos de explorações anteriores, não denota simplesmente críticas deliberadas, mas à forma como muitos fiéis fazem uso da mesma: o apego passivo a palavras vazias e mecânicas, o não se importar verdadeiramente com as dificuldades do próximo e a opressão como um grupo escolhido que carrega a verdade intocável.
"Em 'Good News First', utilizei um dispositivo que era novo para mim numa abordagem lírica. Eu tinha a noção de que não queria escrever temas que não fossem sobre mim e outra pessoa, mas sim sobre mim e muitas pessoas. Eram tipos de letras de divã em canções tradicionais sobre relacionamentos, que traziam uma discussão entre duas pessoas - mas que eram de fato um discutir com massas inteiras que só discordarão de mim. Outro elemento também comum de se ouvir é, 'Eu tenho notícias boas e más', e sempre digo, 'Me dê as boas primeiro'. Sabe, para mim é evidente e claro: me dê o sorvete, depois o remédio - não o contrário".
"Foi um tipo de toque humorístico que quis trazer aqui, abordando uma certa mentalidade que eu discutia. A ideia na ponte refere-se às pessoas que dizem nunca temerem nada. Primeiro, me sinto meio cansado disso, pois dizer que não tem medo de nada é como uma bravata vazia. Se você não tem medo, não tem imaginação. Essa foi a maneira que coloquei. Infelizmente, por outro lado, você pode ter muita imaginação e ter muito medo, andando numa linha na qual se sente sensível e com receio de muitas coisas. Dessa forma, levo a canção a outro extremo e digo, 'Tenho medo o bastante por mim e por você'. Há um senso de auto revelação lá, mas é um sentimento muito maior do indivíduo contra uma massa de pessoas".
Da mesma forma como na faixa "The Way The Wind Blows", o primeiro verso de "Good News First" traz novamente uma sutil influência da escritora e filósofa Ayn Rand, ao abordar a premissa do Universo Benevolente. Num primeiro olhar, Peart faz uso desse tema ambíguo discutido pela pensadora em vários dos seus ensaios, cartas e diários, como "Uma visão do mundo que sugere que estamos bem adaptados para viver nele, e que o sucesso e a felicidade não são somente realizáveis, mas provavelmente serão se levarmos vidas agradáveis", o que parece contradizer sua abordagem central, mas que demonstra a própria superficialidade de discursos repetitivos e vazios. O Universo Benevolente de Rand não significa um todo que age gentilmente para o homem, ajudando-o a atingir seus objetivos (assunto já abordado em canções como a anterior "Spindrift" e em "The Stars Look Down", de Vapor Trails, 2002): ele é neutro e não responde aos nossos anseios, e nós, como humanos, devemos nos adaptar a ele - nunca o contrário. E a realidade é benevolente no sentido daquilo que fazemos para nos adaptarmos, ou seja, nossas atitudes racionais e ponderadas podem nos levar à conquistas.
Seguindo essa linha, a dor, o sofrimento e o fracasso não têm significado metafísico - eles revelam a natureza da realidade. As pessoas não compreendem a tragédia como um destino natural, e não vivem sempre temendo o desastre. Não pensamos no desastre enquanto não temos motivos específicos para esperá-lo e, quando o encontramos, torna-se necessário combatê-lo. Não é a felicidade, mas sim o sofrimento que consideramos antinatural. Não é o sucesso, mas sim a calamidade que consideramos como uma das exceções anormais na vida humana. Esses desastres são golpeados por Rand com uma única resposta: ação (ou a não aceitação da derrota).
É interessante a colocação de Peart sobre o significado concreto de boas notícias - a expectativa de um cenário de paz posterior ou uma novidade de esperança consoladora e renovadora anunciada por muitos grupos, especialmente para aqueles que se encontram em momentos de dificuldade em diversos graus. Neil sugere, simbolicamente, uma alteração dessa ordem, que as boas novas sejam anunciadas primeiro, e não como um tipo de alívio para o sofrimento, que é certo no porvir. Indo além, a composição também reflete um convite para um olhar mais minucioso sobre a realidade, que por sua própria aleatoriedade não condiz somente ao que é ruim e desagradável, mas que também se revela na felicidade muitas vezes esquecida ou não observada pelo pessimismo que carregamos. Trata-se, portanto, da compreensão e aceitação da vida como um complexo inevitável e contingente de alegrias e tristezas.
"Good News First", assim todo o núcleo lírico de Snakes & Arrows, não devem ser vistos como ataques diretos à variadas filosofias e religiões, mas como um conjunto de percepções pessoais de um livre pensador que exemplifica sua maneira de compreender a real afirmação do ser humano. Somos todos imperfeitos, todos temos medos, mas também somos capazes de nos esforçarmos para fazermos o melhor em nossas circunstâncias. Quando sabemos que há uma má notícia se aproximando (e iremos lidar com isso o tempo todo), precisamos olhar para o que temos de bom primeiro, a fim de nos fortalecemos para o enfrentamento. De certa forma, "Good News First" evoca o símbolo da célebre frase de abertura da clássica "The Spirit of Radio", de Permanent Waves (1980): "Begin the day with a friendly voice".
© 2016 Rush Fã-Clube Brasil
"Good News First" é a décima primeira faixa de Snakes & Arrows. Reorientando a tendência que destacava fortes momentos acústicos nas canções anteriores, a composição retoma a preponderância elétrica inicial de "Far Cry", porém indicando uma viagem musical mais sinuosa e bastante melódica que continua a abordagem questionadora do álbum, refletindo outras notáveis observações pessoais de Neil Peart.
Camadas de guitarras alternadas por sutilezas muito bem construídas, linhas de baixo pulsantes e bateria incrivelmente dinâmica mergulham o ouvinte num verdadeiro turbilhão de elementos. O caldeirão em "Good News First" se abre com o excelente groove que exprime versos com vocais plangentes e distorcidos, acompanhados pelos toques certeiros e implacáveis de Peart. A atitude musical estimula impulsos perceptivos, num cenário novamente adornado pela beleza discreta de um Mellotron. A canção ainda reserva uma ponte de impressionante melodia e bom gosto, esta que certamente pode ser definida como um dos seus pontos de destaque. Por fim, um grande solo de guitarra é destilado por Alex Lifeson, arrematando outra mostra da grande diversidade dos músicos e da habilidade em oferecer um amplo espectro de sensações. A moderna canção rende outro grande trabalho e envolvimento, oferecendo percussão fantástica, letra poética pungente e uma das mais incríveis composições em todo o álbum. Um belo retrato do Rush.
"'Good News First' veio para mim por um longo caminho", lembra Alex. "Quando escrevemos essa canção no começo, ela era provavelmente uma das (não quero dizer 'mais fracas') - mas em termos de força era a mais inferior. Sempre pensei em fazer algo por ela, dando-lhe mais vida e levando-a para fora do lugar comum que ocupava naquele momento. Enquanto a canção progredia, começamos a apará-la, conseguindo aos poucos uma abordagem bem diferente. Ela era fortemente acústica em toda extensão da versão original, e foi realmente beneficiada pelas tomadas elétricas. Por mais que você queira usar sua imaginação, não estará muito certo até concretizar a ideia".
"Uma vez que nos reunimos para gravá-la, a seção inteira dos versos começou a crescer, e houve uma bela mudança de cenário na ponte. Ela vai de uma condução elétrica e de uma seção rítmica assustadora para uma ponte gloriosa, que traz belas melodias e linhas vocais apaixonadas. E agora, por fim, acabou se tornando uma das minhas canções preferidas no álbum. Acho muito legal quando uma composição desse tipo, que dormia como o filhote mais fraco de uma ninhada, acaba se tornando um dos cães premiados".
"Para mim, essa canção foi a união de diferentes partes", diz Geddy. "Esbocei muitas das suas melodias utilizando somente um tipo de estrutura vocal básica, que permaneceu durante a maior parte do processo de escrita e de gravação até atingirmos as camadas. Bem, decidimos substituir essa linha vocal por um Mellotron. O interessante nessa canção é que foi a nossa primeira oportunidade de trazer aquele velho animal de volta para a paisagem sonora. Acho que não utilizávamos o Mellotron, nossa, desde o 2112. Hugh Syme tocou um desses em 'Tears'. Adorei a ideia de utilizá-lo por soar arcaico e único, e acho que trouxe vida para a canção toda. Ele oferece uma espécie de mágica para o ambiente e para a atmosfera".
"Tenho aqui uma ideia que trabalhei pela primeira vez em uma das canções de Matt Scannell, sendo capaz de desenvolvê-la melhor agora e até mesmo para tentar uma variação em 'Good News First'", afirma Peart. "Quando Alex e Geddy começaram a unir a canção no estúdio com guitarra, baixo e microfone, eles utilizaram uma bateria eletrônica para ritmo e acompanhamento. Alex fez a programação, vindo com trechos altamente incomuns que poderiam me inspirar através da visão de alguém que não é baterista - especialmente um grande não-baterista como ele".
"Os versos 'Neandertais' surgiram dessa maneira (usei meus pratos Trogloditas e as peles Einstein naturalmente). O chimbau sufocado que se alterna na introdução e novamente mais tarde são o tipo de material funky de caras como Vinnie Colaiuta, que parecem consegui-los sempre sem esforço. Para mim, eles são o resultado de muito trabalho e experimentação e, nesse caso, tocá-los com minha mão esquerda foi o truque (usei isso novamente na canção seguinte, pois foi novo para mim). Minha abordagem mais solta por trás do solo de guitarra e na ponte abre caminho para o espírito 'blue-eyed soul' da Toronto dos anos de 1960, com um pouco de Keith Moon no estilo conhecido como 'Wholiganism'. Tudo isso é resultado do Tao de Booujze: 'Apenas seja louco!'".
Complementando a anterior "Bravest Face", Neil Peart e o Rush oferecem outra canção que trata sobre visões distorcidas da realidade. Evocando novamente sentimentos contraditórios e expondo simbolicamente momentos de divergência e discussão entre duas pessoas, o ponto de partida de Peart é baseado em suas observações sobre algumas particularidades de religiões e religiosos, sobretudo do cristianismo ocidental. Peart cresceu em uma família cristã, e suas reflexões sobre o desenvolvimento do protestantismo nos Estados Unidos foram primordiais para muitos dos temas abordados em Snakes & Arrows.
Como letrista, alguns de seus traços mais destacados em décadas são suas interessantes considerações sobre a sociedade e as pessoas que o cercam, elementos que alimentam a grande maioria de suas investidas líricas em toda carreira. Partindo dessa premissa, "Good News First" oferece um olhar metafórico que envolve as chamadas boas notícias (ou boas novas) referenciadas no evangelho cristão. Os seguidores entendem que receberam de Jesus Cristo o mandamento de fazer discípulos a partir de uma mensagem proclamada, e o teor da canção, como nos tópicos de explorações anteriores, não denota simplesmente críticas deliberadas, mas à forma como muitos fiéis fazem uso da mesma: o apego passivo a palavras vazias e mecânicas, o não se importar verdadeiramente com as dificuldades do próximo e a opressão como um grupo escolhido que carrega a verdade intocável.
"Em 'Good News First', utilizei um dispositivo que era novo para mim numa abordagem lírica. Eu tinha a noção de que não queria escrever temas que não fossem sobre mim e outra pessoa, mas sim sobre mim e muitas pessoas. Eram tipos de letras de divã em canções tradicionais sobre relacionamentos, que traziam uma discussão entre duas pessoas - mas que eram de fato um discutir com massas inteiras que só discordarão de mim. Outro elemento também comum de se ouvir é, 'Eu tenho notícias boas e más', e sempre digo, 'Me dê as boas primeiro'. Sabe, para mim é evidente e claro: me dê o sorvete, depois o remédio - não o contrário".
"Foi um tipo de toque humorístico que quis trazer aqui, abordando uma certa mentalidade que eu discutia. A ideia na ponte refere-se às pessoas que dizem nunca temerem nada. Primeiro, me sinto meio cansado disso, pois dizer que não tem medo de nada é como uma bravata vazia. Se você não tem medo, não tem imaginação. Essa foi a maneira que coloquei. Infelizmente, por outro lado, você pode ter muita imaginação e ter muito medo, andando numa linha na qual se sente sensível e com receio de muitas coisas. Dessa forma, levo a canção a outro extremo e digo, 'Tenho medo o bastante por mim e por você'. Há um senso de auto revelação lá, mas é um sentimento muito maior do indivíduo contra uma massa de pessoas".
Da mesma forma como na faixa "The Way The Wind Blows", o primeiro verso de "Good News First" traz novamente uma sutil influência da escritora e filósofa Ayn Rand, ao abordar a premissa do Universo Benevolente. Num primeiro olhar, Peart faz uso desse tema ambíguo discutido pela pensadora em vários dos seus ensaios, cartas e diários, como "Uma visão do mundo que sugere que estamos bem adaptados para viver nele, e que o sucesso e a felicidade não são somente realizáveis, mas provavelmente serão se levarmos vidas agradáveis", o que parece contradizer sua abordagem central, mas que demonstra a própria superficialidade de discursos repetitivos e vazios. O Universo Benevolente de Rand não significa um todo que age gentilmente para o homem, ajudando-o a atingir seus objetivos (assunto já abordado em canções como a anterior "Spindrift" e em "The Stars Look Down", de Vapor Trails, 2002): ele é neutro e não responde aos nossos anseios, e nós, como humanos, devemos nos adaptar a ele - nunca o contrário. E a realidade é benevolente no sentido daquilo que fazemos para nos adaptarmos, ou seja, nossas atitudes racionais e ponderadas podem nos levar à conquistas.
Seguindo essa linha, a dor, o sofrimento e o fracasso não têm significado metafísico - eles revelam a natureza da realidade. As pessoas não compreendem a tragédia como um destino natural, e não vivem sempre temendo o desastre. Não pensamos no desastre enquanto não temos motivos específicos para esperá-lo e, quando o encontramos, torna-se necessário combatê-lo. Não é a felicidade, mas sim o sofrimento que consideramos antinatural. Não é o sucesso, mas sim a calamidade que consideramos como uma das exceções anormais na vida humana. Esses desastres são golpeados por Rand com uma única resposta: ação (ou a não aceitação da derrota).
É interessante a colocação de Peart sobre o significado concreto de boas notícias - a expectativa de um cenário de paz posterior ou uma novidade de esperança consoladora e renovadora anunciada por muitos grupos, especialmente para aqueles que se encontram em momentos de dificuldade em diversos graus. Neil sugere, simbolicamente, uma alteração dessa ordem, que as boas novas sejam anunciadas primeiro, e não como um tipo de alívio para o sofrimento, que é certo no porvir. Indo além, a composição também reflete um convite para um olhar mais minucioso sobre a realidade, que por sua própria aleatoriedade não condiz somente ao que é ruim e desagradável, mas que também se revela na felicidade muitas vezes esquecida ou não observada pelo pessimismo que carregamos. Trata-se, portanto, da compreensão e aceitação da vida como um complexo inevitável e contingente de alegrias e tristezas.
"Good News First", assim todo o núcleo lírico de Snakes & Arrows, não devem ser vistos como ataques diretos à variadas filosofias e religiões, mas como um conjunto de percepções pessoais de um livre pensador que exemplifica sua maneira de compreender a real afirmação do ser humano. Somos todos imperfeitos, todos temos medos, mas também somos capazes de nos esforçarmos para fazermos o melhor em nossas circunstâncias. Quando sabemos que há uma má notícia se aproximando (e iremos lidar com isso o tempo todo), precisamos olhar para o que temos de bom primeiro, a fim de nos fortalecemos para o enfrentamento. De certa forma, "Good News First" evoca o símbolo da célebre frase de abertura da clássica "The Spirit of Radio", de Permanent Waves (1980): "Begin the day with a friendly voice".
© 2016 Rush Fã-Clube Brasil