WE HOLD ON



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WE HOLD ON

How many times
Do we tire of all the little battles
Threaten to call it quits
Tempted to cut and run

How many times
Do we weather out the stormy evenings
Long to slam the front door
Drive away into the setting sun

Keep going until dawn
How many times must another line be drawn
We could be down and gone
But we hold on


How many times
Do we chafe against the repetition
Straining against a fate
Measured out in coffee breaks

How many times
Do we swallow our ambition
Long to give up the same old way
Find another road to take

Keep holding on so long
'Cause there's a chance
that we might not be so wrong
We could be down and gone
But we hold on


How many times
Do we wonder if it's even worth it
There's got to be some other way
To get me through the day

But we hold on
AGUENTAMOS

Quantas vezes
Cansamos de todas as pequenas batalhas
Ameaçamos a dar tudo por encerrado
Tentados a dar no pé

Quantas vezes
Enfrentamos noites tempestuosas
Ansiando bater a porta da frente
Dirigindo em direção ao sol poente

Continue até o amanhecer
Quantas vezes outro caminho tem que ser traçado
Poderíamos estar mortos e enterrados
Mas aguentamos


Quantas vezes
Nos irritamos contra a repetição
Lutando contra um destino
Medido em coffee breaks

Quantas vezes
Engolimos nossa ambição
Há muito tempo desistindo da mesma velha maneira
Encontre outra estrada a tomar

Continue aguentando por muito tempo
Pois há uma chance
de não estarmos tão errados
Poderíamos estar mortos e enterrados
Mas aguentamos


Quantas vezes
Nos perguntamos se realmente vale a pena
Tem que haver outra forma
Que me faça passar o dia

Mas aguentamos



Música por Geddy Lee e Alex Lifeson. Letra por Neil Peart


A importância da perseverança e prudência numa realidade hostil

A canção que encerra Snakes & Arrows é a direta "We Hold On". Fluindo momentos heterogêneos por todo o álbum (que inicia fincado no rock e que gradativamente visita nuances acústicas, elementos clássicos do blues e do jazz e instrumentos peculiares como o Mellotron), o Rush retoma a atmosfera essencial e visceral de "Far Cry", fechando esse que pode ser considerado um dos trabalhos mais ecléticos de toda a carreira do grupo.

"Os versos dessa canção começam de forma muito simples, e os posteriores pontuam 'tatuagens' afiadas nos tons altos", explica Neil. "A primeira investida é dedicada a Mark Craney, enquanto as demais oferecem acenos para vários bateristas do reggae e tocadores de timbales latinos, além de Stewart Copeland, Nick Mason, Kevin Ellman (o primeiro cara que ouvi usando 'tons de concerto' no Todd Rundgren's Utopia) e, ei, eu novamente! É sempre bom encontrar um local para preencher com uma subida aos tons. Os refrões foram influenciados pelas ideias de Booujze (como o pequeno salto na caixa), enquanto o pedal duplo preenche essa repetição".

Abordando no geral temas controversos como a fé no cenário político e social global, "We Hold On" traz uma espécie de lembrete edificante bastante acessível para sacramentar o fechamento de Snakes & Arrows. Ao longo de excelentes linhas vocais elaboradas por Geddy Lee, a enérgica canção é envolta por um otimismo ponderado que novamente se afasta do lugar comum, alicerçada por camadas de guitarras ardentes, percussão certeira e refrão cativante muito oportuno na exposição de outra temática pessoal e universal. Mesclando peso e melodia ao longo de investidas rítmicas mais simples (porém carregadas de uma bela musicalidade progressiva), o trio reflete sobre os pilares da sabedoria, da paciência, da perseverança e da sobrevivência numa realidade cada vez mais vasta e controversa, expondo nas entrelinhas um pouco do seu próprio legado: uma banda integrada por pessoas naturalmente diferentes, mas que conseguem fazer a máquina funcionar coletivamente durante décadas - e que ainda crescem como profissionais e indivíduos.

"We Hold On" retrata de forma material e introspectiva os momentos em que desejamos mudanças, ao notarmos que a nossa realidade é somente um amontoado moldado por variados tipos de pressões. Novamente, Peart consegue capturar particularidades interessantes e comuns à muitas pessoas, descrevendo os momentos súbitos de desejo por rupturas drásticas, mas que são controlados pelo cuidado com as responsabilidades e compromissos de se fazer o que é certo. A intensidade das guitarras de Alex evocam as figuras do arrancar de um carro cantando pneus numa calçada ou do chute numa porta como quebras das amarras para a liberdade, mas que logicamente refletem o que não deve ser feito para permanecermos no curso. As mudanças podem ser benéficas, mas precisam ser sempre muito bem estudadas e calculadas.

A canção traz um tipo de abordagem que estimula percepções e análise das nossas próprias cognições, desconfortos e atitudes. Inicialmente, há uma espécie de resumo sobre a ideia central do álbum, sugerindo a queda de pensamentos adaptativos. É possível perceber novamente a tendência de Peart em propor confrontos (que são sempre necessários para o aprimoramento), estes que podem ser notados em temas anteriores como "Vital Signs" de Moving Pictures (1981), que indica a necessidade de se manter somente o que precisamos, e em "Distant Early Warning", de Grace Under Pressure (1984), que traz a frase "Who can face the knowledge that the truth is not the truth?" ("Quem pode enfrentar o conhecimento de que a verdade não é a verdade?"). A composição lírica de "We Hold On" mostra, portanto, que não devemos simplesmente abandonar uma longa convivência de ideias através de cortes bruscos. Se existem anseios por mudanças ou abandono de crenças e de pensamentos adaptativos, elas precisam ser graduais e bem avaliadas, como a fragmentação descrita em "Carve Away the Stone", de Test For Echo (1996): podemos fazer com que a soma de pequenos movimentos se tornem grandes ao longo do tempo. Portanto, o processo abordado por Peart em todo o álbum e concluído em "We Hold On" trata sobre a perda de ilusões, e não de um encontro com novas verdades.

Toda a carreira do Rush é uma grande lição de perseverança, e os conselhos dos músicos sobre a fixação passível e o questionamento da superficialidade são muitas vezes mais memoráveis nas histórias que eles contam do que em simples apelos diretos. "We Hold On", da mesma forma que em faixas como "Dreamline" (de Roll The Bones, 1991), "Driven" (de Test For Echo, 1996) e "Ghost Rider" (de Vapor Trails, 2002), oferece uma atmosfera construída na representatividade figurada de movimentos numa estrada. O conto desobediente "Red Barchetta" (de Moving Pictures, 1981) é um belo exemplo dessas duas características. A descrição de um passeio ousado em um veiculo proibido no futuro detalha o verdadeiro prazer inerente do desafio de regras impostas e não examinadas. O fato do velho tio ter guardado seu veloz desportivo reflete uma mensagem agradável sobre a beleza do cuidado interpessoal. A melodia rítmica ecoa o som de um hot rod, e o sucesso do narrador em iludir aqueles que lhe negam a liberdade é um triunfo celebrado. Desbastar crenças arcaicas e mal adaptadas ou mesmo ideias que tenham ido longe demais pode evidenciar uma nova fonte de alegria e de renovação. Essas crenças podem surgir a partir de governos, da família, educação ou da religião, e geralmente se colocam como sagradas e intocáveis, suprimindo a independência de espírito.

Assim como na canção "Open Secrets" de Hold Your Fire (1987), o poema A Canção de Amor de J. Alfred Prufrock (The Love Song of J. Alfred Prufrock), escrito em 1917 pelo poeta modernista, dramaturgo e crítico literário inglês T.S. Eliot (1888 - 1965), também influenciou Peart na construção de "We Hold On". "O mesmo instrumento de 'discussão amorosa' colore o movimento final do álbum, 'We Hold On', com um aceno para T.S. Eliot em 'medidas em coffee breaks'.) Se muitas das outras letras iluminam as lutas que temos que enfrentar no amor e na vida, essa mostra como lidar com ela: aguentando".

"We Hold On" propõe um olhar interessante sobre as armadilhas da passividade, das repetições, das tensões e das rotinas. Se a maioria das canções de Snakes & Arrows abordam muitas das lutas que devemos encarar nos relacionamentos e na vida, o fechamento do disco propõe a forma de enfrentamento essencial: continuarmos firmes. O reflexo da própria história do Rush invade inúmeras outras vidas: eles continuam seguindo ao longo dos anos, vencendo desafios de forma inteligente e calculada e ousando cada vez mais. A vida nem sempre é agradável para as variadas realidades, e ninguém nunca estará completamente isento de dor. Como um todo, Snakes & Arrows representa perfeitamente como o Rush continua a ser relevante, mesmo após décadas de carreira. Seus arranjos e dinâmica das canções combinados à pensamentos provocantes e tons líricos um tanto quanto controversos criam um álbum atmosférico que se apoia no passado em vários momentos, mas que forja o caminho da banda para o futuro.

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