VOLTAR PARA "VAPOR TRAILS"
VOLTAR PARA DISCOGRAFIA
VOLTAR PARA LETRAS E RESENHAS
HOW IT IS VAPOR TRAIL SECRET TOUCH
VAPOR TRAIL
Stratospheric traces of our transitory flight
Trails of condensation held
in narrow bands of white
The sun is turning black
The world is turning gray
All the stars fade from the night
The oceans drain away
Horizon to Horizon
memory written on the wind
Fading away, like an hourglass, grain by grain
Swept away like voices in a hurricane
In a vapor trail
Atmospheric phases make the transitory last
Vaporize the memories that freeze the fading past
Silence all the songbirds
Stilled by the killing frost
Forests burn to ashes
Everything is lost
Washed away like footprints in the rain
In a vapor trail
Stratospheric traces of our transitory flight
Trails of condensation held
in narrow bands of white
The sun is turning black
The world is turning gray
All the stars fade from the night
The oceans drain away
Horizon to Horizon
memory written on the wind
Fading away, like an hourglass, grain by grain
Swept away like voices in a hurricane
In a vapor trail
Atmospheric phases make the transitory last
Vaporize the memories that freeze the fading past
Silence all the songbirds
Stilled by the killing frost
Forests burn to ashes
Everything is lost
Washed away like footprints in the rain
In a vapor trail
RASTRO DE VAPOR
Traços estratosféricos do nosso voo transitório
Rastros de condensação mantidos
em faixas brancas estreitas
O Sol está ficando negro
O mundo está ficando cinza
Todas as estrelas desaparecem da noite
Os oceanos são drenados
Horizonte a Horizonte
memória escrita no vento
Desaparecendo, como uma ampulheta, de grão em grão
Varrida como vozes num furacão
Num rastro de vapor
Fases atmosféricas fazem o transitório durar
Vaporizam as memórias congelando o passado que desaparece
Silenciam todas as aves canoras
Caladas pela geada cortante
Florestas queimam até as cinzas
Tudo está perdido
Lavadas como pegadas na chuva
Num rastro de vapor
Traços estratosféricos do nosso voo transitório
Rastros de condensação mantidos
em faixas brancas estreitas
O Sol está ficando negro
O mundo está ficando cinza
Todas as estrelas desaparecem da noite
Os oceanos são drenados
Horizonte a Horizonte
memória escrita no vento
Desaparecendo, como uma ampulheta, de grão em grão
Varrida como vozes num furacão
Num rastro de vapor
Fases atmosféricas fazem o transitório durar
Vaporizam as memórias congelando o passado que desaparece
Silenciam todas as aves canoras
Caladas pela geada cortante
Florestas queimam até as cinzas
Tudo está perdido
Lavadas como pegadas na chuva
Num rastro de vapor
Descrições poéticas que visitam a natureza das memórias
A belíssima "Vapor Trail" é a sétima canção de Vapor Trails. A faixa altera a direção minimalista tomada pelas duas anteriores "The Stars Look Down" e "How It Is", emanando uma fantástica e doce construção de ares clássicos e bem orquestrados, baseados em guitarras padronizadas inteligentes, linhas de baixo vigorosas e sustentação percussiva primorosa e constante. Através de avanços melódicos e engenhosidade extremamente refinada, o Rush oferece ao ouvinte uma de suas mais incríveis e tocantes construções em todo o álbum.
Após algumas abordagens que não funcionaram em acordo para todos os integrantes, o título dessa música acabou sendo definido para dar nome do álbum - utilizado no plural por refletir, de certa maneira, as intenções gerais de todas as demais faixas.
"Escrevi a melodia de 'Vapor Trail' partindo de um padrão de baixo colado a uma das ótimas jams feitas pelo Alex, que trazia arpegios que se repetiam", explica Geddy Lee. "Essa canção lembra um pouco do nosso material mais antigo: guitarras constantes que dificilmente mudam com o único movimento melódico vindo do baixo. É uma espécie de canção de humor único, a qual mixei no meu instrumento a fim de trazer uma sonoridade mais profunda e com menos vibração. Ela apresenta duas partes no baixo: uma que segue no registro inferior e outra de alta qualidade que fica se repetindo sutilmente".
Na grande maioria das canções, Vapor Trails apresenta o peso de muitas guitarras entrelaçadas, decisão que se transformou num grande divertimento para Alex Lifeson. "Estava apenas me divertindo", explica. "Para cada canção, tinha cinco ou seis partes de guitarra diferentes. Às vezes eram muitas, mas ainda assim foi divertido formular essas partes podendo tomar decisões mais tarde, com aquilo que funcionasse melhor".
"Em 'Vapor Trail' por exemplo, comecei com uma linha descendente na parte de doze cordas da minha Gibson EDS-1275 double neck, para então tentar encontrar contrapontos com outras guitarras. Antes de mixar, a doze cordas era a guitarra principal e algumas guitarras tilintantes faziam um papel de fundo. Mas Dave Leonard, que mixou o disco, decidiu trazer as outras guitarras para cima, colocando a de 12 cordas por baixo, o que deu à canção uma sensação despojada e aberta. Não é algo que eu teria pensado, mas acho que foi a melhor combinação por ter dado mais impacto à natureza vulnerável da letra".
Definitivamente, os vocais de Lee se destacam em "Vapor Trail". Sempre carregados de grande dramaticidade e emoção, a banda opta por trazer novamente palavras e vocalizações dispostas em camadas sublimes, produzindo efeitos e dimensões que ajudam na visualização da letra e das imagens que Neil Peart busca passar. Além disso, a canção presenteia o ouvinte com um solo ressoante e comovente acionado por Lifeson, permeado por texturas acompanhadas de pegadas incessantes e inflamadas pelos demais instrumentos.
Em "Vapor Trail", Peart segue refletindo sobre sua vida e percepções posteriores às devastadoras tragédias pessoais. Ele exprime pensamentos sobre a essência da memória, companhia constante em sua solitária jornada, mais uma vez associando sua composição lírica a curiosas observações naturais. Utilizando o título pela primeira vez durante seu exílio, ao escrever uma carta para o amigo e artista gráfico Hugh Syme, o termo refere-se ao fenômeno dos rastros de condensação ou vapor (também conhecidas como contrails), que geralmente fazem surgir belas e curiosas nuvens estreitas no céu, alongadas por grandes extensões. Essas trilhas são constituídas a partir da condensação dos gases liberados pelas turbinas dos aviões, diferentemente do vapor de água que resulta na formação das nuvens comuns. As formações se desfazem naturalmente se misturando ao ar, e sua duração é relativamente breve, estando ligada à condições como temperatura, vento e também aos níveis de umidade. Peart compara metaforicamente a fragilidade das memórias e a natureza transitória da vida à qualidade passageira desses rastros.
"O título surgiu de uma metáfora que utilizei pela primeira vez em 1999 (numa carta para Hugh Syme), como uma referência improvisada para os fantasmas da memória", explica o letrista.
"Gostamos muito da ideia visual de um rastro de vapor - da sua breve existência", diz Lifeson. "Muito do que aconteceu conosco nos últimos anos trouxe um pouco dessa maneira de pensar, sobre como é importante guardar cada momento que temos. Neil passou por grandes tragédias quase que instantâneas, e a recuperação foi muito lenta para todos nós. O fato de nos reunirmos novamente para esse álbum apenas resume nosso sentimento sobre o quão fugaz a vida pode ser".
"Inicialmente, a ideia era construir o conceito debruçado nos rastros de vapor, e tudo foi explorado - desde as bobagens sérias até as mais sérias ainda, inclusive a ideia de um dragão", explica Hugh Syme, sobre a capa do disco. "Este foi rapidamente rejeitado - meio que pesou na balança o fato de ser bastante ligado à era do rock 'wakemaniano', como o grandioso e terrível tipo de folclore britânico".
Neil acabou concordando com Hugh que um cometa poderia funcionar, e o artista começou a montar uma peça em óleo sobre tela. "Foi uma renderização rápida e suja", ele diz. Porém, quando Neil e seus companheiros viram a imagem, simplesmente adoraram. "O que era um estudo se tornou o original para a capa".
"A arte de Vapor Trails foi bem imediata. A pintura que fiz para o disco só tinha a intenção de indicar para Neil a energia e a sensação impressionista que o cometa deveria transmitir. Discutimos imagens reais da NASA - especialmente de cometas, que simbolizam como nossas vidas brilham e desaparecem. Porém, sentimos que as fotos soavam muito como o Discovery Channel. Assim, fiz essa pintura na manhã seguinte, inicialmente como um estudo de estilo. Ela se tornou a capa oficial na tarde daquele dia, antes da pintura secar".
"Vapor Trail" simboliza a tendência de desaparecimento das memórias, até mesmo daquelas mais brilhantes ou profundas. Representando indubitavelmente o elemento mais misterioso da mente humana, a memória é formada por conexões temporárias ou permanentes entre os neurônios, e o esquecimento de fatos, atos ou aprendizagens deve ser encarado como um atributo de características naturais e até mesmo saudáveis. Estudiosos afirmam que 99% das informações que vão para a memória somem alguns segundos ou minutos depois, caracterizando um mecanismo de limpeza que ajuda a otimizar o trabalho do cérebro, além de evitar que o mesmo se transforme em um depósito de 'entulho', algo que nos tornaria incapazes de focar em qualquer assunto e que dificultaria bastante o cotidiano. Além de selecionar as atividades repetitivas mais recentes, o esquecimento surge também como um trunfo da evolução, enterrando muitas de nossas dores, sofrimentos e erros pretéritos.
A memória consiste numa forma de congelar o passado distante, estando sujeita à desintegração gradual. Os momentos reais da experiência são construídos em representações mentais mais enxutas, deixando de reter os inúmeros elementos que compõe todo o cenário - o oceano, as estrelas e o canto dos pássaros vão desaparecendo. Em "Vapor Trail", Peart descreve o fato entrelaçando lindas figuras naturais associadas às suas experiências, incitando nas entrelinhas a pergunta: devemos tentar viver como se cada passo fosse o último?
A canção reserva ainda inspirações literárias emocionantes. Segundo relato do próprio músico em seu livro Ghost Rider, seu irmão Danny recitou, durante o funeral de sua filha Selena, um poema chamado Funeral Blues. Escrito em 1936 pelo poeta e crítico inglês W. H. Auden (1907 - 1973), a obra costuma ser citada como uma das expressões mais exemplares sobre o sentimento de perda e luto. O trecho "As estrelas não são mais necessárias; apague-as uma por uma. Guarde a lua, desmonte o sol. Despeje o mar e livre-se da floresta, pois nada mais poderá ser bom como antes era" influenciaram as linhas "All the stars fade from the night, the oceans drain away" ["Todas as estrelas desaparecem da noite, os oceanos são drenados"].
Outra inspiração vem de Black Sun, romance lançado em 1971 pelo autor e ensaísta eco-anarquista norte-americano Edward Abbey (1927 - 1989). Conhecido por sua militância em defesa de questões ambientais e críticas aos detentores de terras públicas e políticas, Peart cita Abbey várias vezes em seu livro, com Black Sun trazendo similaridades com a própria realidade angustiante do baterista em seu exílio. Lidando de forma intensa com a passagem do tempo, a história mostra o personagem principal buscando fugir de um passado doloroso, tornando-se um guarda florestal nos arredores do Grand Canyon a fim de estar mais perto da natureza e de outras pessoas - uma forma de lutar com seus demônios. Ele acaba se apaixonando por uma mulher mais jovem que trabalha no parque, e o envolvimento dos dois acontece em meio às harmonias ocultas da floresta selvagem, despertando os prazeres do amor. Por fim, a jovem desaparece, mergulhando-o numa escuridão insuportável. Portanto, trata-se de uma exploração da solidão envolvida pela natureza, e de como ela pode elevar e ao mesmo tempo esmagar o espírito.
"Naquela época eu me sentia assim, como se o fim do mundo tivesse chegado", lembra Peart. "Dessa forma, quem precisaria das estrelas, oceanos ou das florestas? Mesmo depois de tantos quilômetros na estrada da cura, eu ainda acreditava que 'nada pode chegar a ser bom'. Porém, aos poucos, começava a ficar novamente interessado na saúde dos elementos naturais".
"Comecei a me chamar de Ghost Rider na estrada, pois me sentia muito alienado e isolado da vida normal ao meu redor. Levei todos os meus fantasmas como se fossem minha bagagem, e muitas vezes viajei em rastros de vapor deixados por outros fantasmas antigos, visitando locais que me lembravam Jack London, Ernest Hemingway, Meriwether Lewis e William Clark, além de pioneiros, exploradores (até mesmo algumas cidades fantasmas, que implicavam uma metáfora profunda), cavaleiros do Pony Express, Mórmons, tribos Lakota, Apaches, Astecas e todas as almas perdidas do passado".
A carta do tarô que representa "Vapor Trail" no encarte do disco é o seis de espadas. Ela significa a atividade mental do ser humano utilizada para realizar a organização e a conciliação de suas forças, propondo restabelecimento, novos panoramas, jornada, harmonia, segurança, superação de dificuldades, esquecimento do passado e revelação de elementos antes incompreensíveis, que levam a outra interpretação da vida, eliminando ressentimentos.
Sem o fogo não haveria a vida, esta que sempre deixa seu rastro. Segundo Peart, uma das frases mais emblemáticas para o retorno da banda foi encontrada durante suas viagens em uma parede de bar em Montana, atribuída a um jogador de hockey canadense chamado Reggie Leach: "'O sucesso não é resultado de combustão espontânea, você deve se pôr no fogo'. Parecia um lugar improvável para encontrar uma inspiração, mas carreguei essa comigo, e pensei nisso mais de uma vez durante a realização desse álbum. É claro que, como todo mundo, esperamos que as pessoas sempre gostem do nosso trabalho, e que nosso entusiasmo compartilhado, energia e amor pelo que fazemos faça comunicação com o ouvinte. Ao colocar-se no fogo e apontar para o céu, você espera deixar para trás algumas faíscas de calor e luz... como um rastro de vapor".
© 2016 Rush Fã-Clube Brasil
A belíssima "Vapor Trail" é a sétima canção de Vapor Trails. A faixa altera a direção minimalista tomada pelas duas anteriores "The Stars Look Down" e "How It Is", emanando uma fantástica e doce construção de ares clássicos e bem orquestrados, baseados em guitarras padronizadas inteligentes, linhas de baixo vigorosas e sustentação percussiva primorosa e constante. Através de avanços melódicos e engenhosidade extremamente refinada, o Rush oferece ao ouvinte uma de suas mais incríveis e tocantes construções em todo o álbum.
Após algumas abordagens que não funcionaram em acordo para todos os integrantes, o título dessa música acabou sendo definido para dar nome do álbum - utilizado no plural por refletir, de certa maneira, as intenções gerais de todas as demais faixas.
"Escrevi a melodia de 'Vapor Trail' partindo de um padrão de baixo colado a uma das ótimas jams feitas pelo Alex, que trazia arpegios que se repetiam", explica Geddy Lee. "Essa canção lembra um pouco do nosso material mais antigo: guitarras constantes que dificilmente mudam com o único movimento melódico vindo do baixo. É uma espécie de canção de humor único, a qual mixei no meu instrumento a fim de trazer uma sonoridade mais profunda e com menos vibração. Ela apresenta duas partes no baixo: uma que segue no registro inferior e outra de alta qualidade que fica se repetindo sutilmente".
Na grande maioria das canções, Vapor Trails apresenta o peso de muitas guitarras entrelaçadas, decisão que se transformou num grande divertimento para Alex Lifeson. "Estava apenas me divertindo", explica. "Para cada canção, tinha cinco ou seis partes de guitarra diferentes. Às vezes eram muitas, mas ainda assim foi divertido formular essas partes podendo tomar decisões mais tarde, com aquilo que funcionasse melhor".
"Em 'Vapor Trail' por exemplo, comecei com uma linha descendente na parte de doze cordas da minha Gibson EDS-1275 double neck, para então tentar encontrar contrapontos com outras guitarras. Antes de mixar, a doze cordas era a guitarra principal e algumas guitarras tilintantes faziam um papel de fundo. Mas Dave Leonard, que mixou o disco, decidiu trazer as outras guitarras para cima, colocando a de 12 cordas por baixo, o que deu à canção uma sensação despojada e aberta. Não é algo que eu teria pensado, mas acho que foi a melhor combinação por ter dado mais impacto à natureza vulnerável da letra".
Definitivamente, os vocais de Lee se destacam em "Vapor Trail". Sempre carregados de grande dramaticidade e emoção, a banda opta por trazer novamente palavras e vocalizações dispostas em camadas sublimes, produzindo efeitos e dimensões que ajudam na visualização da letra e das imagens que Neil Peart busca passar. Além disso, a canção presenteia o ouvinte com um solo ressoante e comovente acionado por Lifeson, permeado por texturas acompanhadas de pegadas incessantes e inflamadas pelos demais instrumentos.
Em "Vapor Trail", Peart segue refletindo sobre sua vida e percepções posteriores às devastadoras tragédias pessoais. Ele exprime pensamentos sobre a essência da memória, companhia constante em sua solitária jornada, mais uma vez associando sua composição lírica a curiosas observações naturais. Utilizando o título pela primeira vez durante seu exílio, ao escrever uma carta para o amigo e artista gráfico Hugh Syme, o termo refere-se ao fenômeno dos rastros de condensação ou vapor (também conhecidas como contrails), que geralmente fazem surgir belas e curiosas nuvens estreitas no céu, alongadas por grandes extensões. Essas trilhas são constituídas a partir da condensação dos gases liberados pelas turbinas dos aviões, diferentemente do vapor de água que resulta na formação das nuvens comuns. As formações se desfazem naturalmente se misturando ao ar, e sua duração é relativamente breve, estando ligada à condições como temperatura, vento e também aos níveis de umidade. Peart compara metaforicamente a fragilidade das memórias e a natureza transitória da vida à qualidade passageira desses rastros.
"O título surgiu de uma metáfora que utilizei pela primeira vez em 1999 (numa carta para Hugh Syme), como uma referência improvisada para os fantasmas da memória", explica o letrista.
"Gostamos muito da ideia visual de um rastro de vapor - da sua breve existência", diz Lifeson. "Muito do que aconteceu conosco nos últimos anos trouxe um pouco dessa maneira de pensar, sobre como é importante guardar cada momento que temos. Neil passou por grandes tragédias quase que instantâneas, e a recuperação foi muito lenta para todos nós. O fato de nos reunirmos novamente para esse álbum apenas resume nosso sentimento sobre o quão fugaz a vida pode ser".
"Inicialmente, a ideia era construir o conceito debruçado nos rastros de vapor, e tudo foi explorado - desde as bobagens sérias até as mais sérias ainda, inclusive a ideia de um dragão", explica Hugh Syme, sobre a capa do disco. "Este foi rapidamente rejeitado - meio que pesou na balança o fato de ser bastante ligado à era do rock 'wakemaniano', como o grandioso e terrível tipo de folclore britânico".
Neil acabou concordando com Hugh que um cometa poderia funcionar, e o artista começou a montar uma peça em óleo sobre tela. "Foi uma renderização rápida e suja", ele diz. Porém, quando Neil e seus companheiros viram a imagem, simplesmente adoraram. "O que era um estudo se tornou o original para a capa".
"A arte de Vapor Trails foi bem imediata. A pintura que fiz para o disco só tinha a intenção de indicar para Neil a energia e a sensação impressionista que o cometa deveria transmitir. Discutimos imagens reais da NASA - especialmente de cometas, que simbolizam como nossas vidas brilham e desaparecem. Porém, sentimos que as fotos soavam muito como o Discovery Channel. Assim, fiz essa pintura na manhã seguinte, inicialmente como um estudo de estilo. Ela se tornou a capa oficial na tarde daquele dia, antes da pintura secar".
"Vapor Trail" simboliza a tendência de desaparecimento das memórias, até mesmo daquelas mais brilhantes ou profundas. Representando indubitavelmente o elemento mais misterioso da mente humana, a memória é formada por conexões temporárias ou permanentes entre os neurônios, e o esquecimento de fatos, atos ou aprendizagens deve ser encarado como um atributo de características naturais e até mesmo saudáveis. Estudiosos afirmam que 99% das informações que vão para a memória somem alguns segundos ou minutos depois, caracterizando um mecanismo de limpeza que ajuda a otimizar o trabalho do cérebro, além de evitar que o mesmo se transforme em um depósito de 'entulho', algo que nos tornaria incapazes de focar em qualquer assunto e que dificultaria bastante o cotidiano. Além de selecionar as atividades repetitivas mais recentes, o esquecimento surge também como um trunfo da evolução, enterrando muitas de nossas dores, sofrimentos e erros pretéritos.
A memória consiste numa forma de congelar o passado distante, estando sujeita à desintegração gradual. Os momentos reais da experiência são construídos em representações mentais mais enxutas, deixando de reter os inúmeros elementos que compõe todo o cenário - o oceano, as estrelas e o canto dos pássaros vão desaparecendo. Em "Vapor Trail", Peart descreve o fato entrelaçando lindas figuras naturais associadas às suas experiências, incitando nas entrelinhas a pergunta: devemos tentar viver como se cada passo fosse o último?
A canção reserva ainda inspirações literárias emocionantes. Segundo relato do próprio músico em seu livro Ghost Rider, seu irmão Danny recitou, durante o funeral de sua filha Selena, um poema chamado Funeral Blues. Escrito em 1936 pelo poeta e crítico inglês W. H. Auden (1907 - 1973), a obra costuma ser citada como uma das expressões mais exemplares sobre o sentimento de perda e luto. O trecho "As estrelas não são mais necessárias; apague-as uma por uma. Guarde a lua, desmonte o sol. Despeje o mar e livre-se da floresta, pois nada mais poderá ser bom como antes era" influenciaram as linhas "All the stars fade from the night, the oceans drain away" ["Todas as estrelas desaparecem da noite, os oceanos são drenados"].
Outra inspiração vem de Black Sun, romance lançado em 1971 pelo autor e ensaísta eco-anarquista norte-americano Edward Abbey (1927 - 1989). Conhecido por sua militância em defesa de questões ambientais e críticas aos detentores de terras públicas e políticas, Peart cita Abbey várias vezes em seu livro, com Black Sun trazendo similaridades com a própria realidade angustiante do baterista em seu exílio. Lidando de forma intensa com a passagem do tempo, a história mostra o personagem principal buscando fugir de um passado doloroso, tornando-se um guarda florestal nos arredores do Grand Canyon a fim de estar mais perto da natureza e de outras pessoas - uma forma de lutar com seus demônios. Ele acaba se apaixonando por uma mulher mais jovem que trabalha no parque, e o envolvimento dos dois acontece em meio às harmonias ocultas da floresta selvagem, despertando os prazeres do amor. Por fim, a jovem desaparece, mergulhando-o numa escuridão insuportável. Portanto, trata-se de uma exploração da solidão envolvida pela natureza, e de como ela pode elevar e ao mesmo tempo esmagar o espírito.
"Naquela época eu me sentia assim, como se o fim do mundo tivesse chegado", lembra Peart. "Dessa forma, quem precisaria das estrelas, oceanos ou das florestas? Mesmo depois de tantos quilômetros na estrada da cura, eu ainda acreditava que 'nada pode chegar a ser bom'. Porém, aos poucos, começava a ficar novamente interessado na saúde dos elementos naturais".
"Comecei a me chamar de Ghost Rider na estrada, pois me sentia muito alienado e isolado da vida normal ao meu redor. Levei todos os meus fantasmas como se fossem minha bagagem, e muitas vezes viajei em rastros de vapor deixados por outros fantasmas antigos, visitando locais que me lembravam Jack London, Ernest Hemingway, Meriwether Lewis e William Clark, além de pioneiros, exploradores (até mesmo algumas cidades fantasmas, que implicavam uma metáfora profunda), cavaleiros do Pony Express, Mórmons, tribos Lakota, Apaches, Astecas e todas as almas perdidas do passado".
A carta do tarô que representa "Vapor Trail" no encarte do disco é o seis de espadas. Ela significa a atividade mental do ser humano utilizada para realizar a organização e a conciliação de suas forças, propondo restabelecimento, novos panoramas, jornada, harmonia, segurança, superação de dificuldades, esquecimento do passado e revelação de elementos antes incompreensíveis, que levam a outra interpretação da vida, eliminando ressentimentos.
Sem o fogo não haveria a vida, esta que sempre deixa seu rastro. Segundo Peart, uma das frases mais emblemáticas para o retorno da banda foi encontrada durante suas viagens em uma parede de bar em Montana, atribuída a um jogador de hockey canadense chamado Reggie Leach: "'O sucesso não é resultado de combustão espontânea, você deve se pôr no fogo'. Parecia um lugar improvável para encontrar uma inspiração, mas carreguei essa comigo, e pensei nisso mais de uma vez durante a realização desse álbum. É claro que, como todo mundo, esperamos que as pessoas sempre gostem do nosso trabalho, e que nosso entusiasmo compartilhado, energia e amor pelo que fazemos faça comunicação com o ouvinte. Ao colocar-se no fogo e apontar para o céu, você espera deixar para trás algumas faíscas de calor e luz... como um rastro de vapor".
© 2016 Rush Fã-Clube Brasil
CORYAT, K. "Track By Track: Geddy Lee On Rush's Vapor Trails". Bass Player. July 2002.
HAMMOND, S. "Back In The Limelight / Alex Lifeson And Rush Reignite After A Five-Year Hiatus". Guitar Player, August 2002.
PEART, N. "Behind The Fire - The Making Of Vapor Trails". The Vapor Trails Tour Book. 2002.
SIMMONS, P "Klbj Interviews Alex Lifeson. Klbj FM Austin, Texas. April 10, 2002.
WILDING, P. "Classic Rock Presents: Rush Clockwork Angels". Classic Rock Special Edition. June 11, 2012.