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LA VILLA STRANGIATO THE SPIRIT OF RADIO FREEWILL
THE SPIRIT OF RADIO
Begin the day
With a friendly voice,
A companion, unobtrusive
Plays the song that's so elusive
And the magic music makes your
morning mood
Off on your way
Hit the open road,
There is magic at your fingers
For the Spirit ever lingers
Undemanding contact
In your happy solitude
Invisible airwaves
Crackle with life
Bright antennae bristle
With the energy
Emotional feedback
On timeless wavelength
Bearing a gift beyond price -
Almost free...
All this machinery
Making modern music
Can still be open-hearted
Not so coldly charted
It's really just a question
Of your honesty
One likes to believe
In the freedom of music
But glittering prizes
And endless compromises
Shatter the illusion
Of integrity
"For the words of the profits,
Are written on the studio wall,
Concert hall -
Echoes with the sounds...
Of salesmen."
Begin the day
With a friendly voice,
A companion, unobtrusive
Plays the song that's so elusive
And the magic music makes your
morning mood
Off on your way
Hit the open road,
There is magic at your fingers
For the Spirit ever lingers
Undemanding contact
In your happy solitude
Invisible airwaves
Crackle with life
Bright antennae bristle
With the energy
Emotional feedback
On timeless wavelength
Bearing a gift beyond price -
Almost free...
All this machinery
Making modern music
Can still be open-hearted
Not so coldly charted
It's really just a question
Of your honesty
One likes to believe
In the freedom of music
But glittering prizes
And endless compromises
Shatter the illusion
Of integrity
"For the words of the profits,
Are written on the studio wall,
Concert hall -
Echoes with the sounds...
Of salesmen."
O ESPÍRITO DO RÁDIO
Comece o dia
Com uma voz amigável,
Uma companhia discreta
Toque a canção que é tão sutil
E a música mágica faz seu
humor matinal
Fora do seu caminho
Pegue a estrada aberta,
Há mágica em seus dedos
Para o Espírito que nunca tarda
Contato complacente
Em sua solidão feliz
Ondas invisíveis
Crepitam com vida
Antenas brilhantes ouriçadas
Com a energia
Feedback emocional
No comprimento de onda atemporal
Trazendo um presente que não tem preço -
Quase de graça...
Todo esse maquinário
Fazendo música moderna
Ainda pode estar de coração aberto
Não tão friamente projetado
É realmente apenas uma questão
De sua honestidade
Alguém gosta de acreditar
Na liberdade da música
Mas prêmios reluzentes
E compromissos sem fim
Despedaçam a ilusão
De integridade
"Para as palavras dos lucros,
Que estão escritas na parede do estúdio,
Casa de shows -
Ecoa com os sons...
Dos agentes de vendas".
Comece o dia
Com uma voz amigável,
Uma companhia discreta
Toque a canção que é tão sutil
E a música mágica faz seu
humor matinal
Fora do seu caminho
Pegue a estrada aberta,
Há mágica em seus dedos
Para o Espírito que nunca tarda
Contato complacente
Em sua solidão feliz
Ondas invisíveis
Crepitam com vida
Antenas brilhantes ouriçadas
Com a energia
Feedback emocional
No comprimento de onda atemporal
Trazendo um presente que não tem preço -
Quase de graça...
Todo esse maquinário
Fazendo música moderna
Ainda pode estar de coração aberto
Não tão friamente projetado
É realmente apenas uma questão
De sua honestidade
Alguém gosta de acreditar
Na liberdade da música
Mas prêmios reluzentes
E compromissos sem fim
Despedaçam a ilusão
De integridade
"Para as palavras dos lucros,
Que estão escritas na parede do estúdio,
Casa de shows -
Ecoa com os sons...
Dos agentes de vendas".
Inspirada pelo 'Espírito do Rádio' em Toronto, vivo e bem (até agora)
Uma exaltação ao rádio e uma crítica à intensa comercialização da música
O começo de uma nova era para o Rush. Com o limiar dos anos de 1980, Permanent Waves introduz uma encarnação fortemente impactante e diferenciada da banda - mais ágil, direta e moderna. "Queríamos algo mais sucinto", explicou Geddy Lee, na época do lançamento.
Inicialmente, o sétimo álbum de estúdio afirmou uma das mais fortes tendências nas composições do trio no período: a cada vez mais presente orientação por sintetizadores. A adição de novas tecnologias combinadas aos elementos do hard rock e do rock progressivo consolidaria padrões de som que cumpririam não somente funções musicais, mas que também afetariam as próprias propostas dos conteúdos líricos. Alguns dos temas básicos visitados no disco observariam a ciência não como anti-natureza, mas como um elemento possível de completá-la se aplicada corretamente. Dessa forma, para o novo decênio, o Rush apresentava seu som drasticamente renovado, em um belo composto de sua virtuosidade característica com influências contemporâneas. "Era um momento emocionante musicalmente, e queríamos estar nele", afirma Geddy. "O Ska e reggae foram se misturando ao pop comercial e ao rock. A new wave estava acontecendo".
Nesse estágio da carreira, a maior parte das canções dos canadenses buscava uma melhor e mais completa apreciação no contexto dos seus respectivos álbuns. Já "The Spirit of Radio", a faixa de abertura de Permanent Waves, era curta, acessível e independente o suficiente para ser naturalmente absorvida pelas rádios. Tendo em vista o período muito especial de lançamento do disco, a canção passou a ser considerada como uma das primeiras da década, significando também e por si só uma marcante reinvenção e o definitivo crescimento da popularidade do Rush.
Os canadenses jamais haviam conseguido um hit de ponta até então, e "The Spirit of Radio" representou o alcance dessa nova façanha: Permanent Waves foi o primeiro disco do grupo a repetir um relevante sucesso comercial tanto nos EUA quanto do outro lado do Atlântico. A banda havia arranhado o UK Top 40 dois anos antes com "Closer to the Heart" (de A Farewell to Kings), e destilar sua admirável essência musical em uma composição de breves minutos para seus padrões acabou lhes rendendo o primeiro grande êxito internacional. Lançado dois meses depois, em março de 1980, o single "The Spirit of Radio" conseguiu a 13ª posição nas paradas britânicas, além de boas posições nas listas americanas. A nova fase estava instalada e funcionando; o trio garantia sua sobrevivência em um cenário que recusaria muitas das conquistas do rock setentista.
Muito além de sua arte, variados âmbitos da banda pareciam diferentes. Geddy passaria a equilibrar e adequar sua voz, utilizando doses mais graves, ponderadas e introspectivas mescladas às já conhecidas investidas agressivas (até mesmo essas agora nitidamente moderadas). Pelo prisma estético, as vestes proféticas não existiam mais, assim como o imponente e marcante bigode de Neil Peart. Como Alex, seu cabelo estava mais curto, e o extrovertido guitarrista passaria por sua vez a usar gravatas finas e roupas coloridas comuns aos artistas da new wave. Permanent Waves, portanto, era uma transição bastante abrangente na máquina Rush.
A essa altura, a influência da escritora e filosofa Ayn Rand ainda fulgurava em poucos momentos, mas inspirações como Tolkien e Coleridge se despediam definitivamente. "The Spirit of Radio" traria certa ambivalência nos olhares de Peart - embora muitas de suas letras afirmassem o individualismo / objetivismo, há aqui a liberação de críticas sobre um dos princípios fundamentais da base de suas defesas anteriores: a crença na moralidade econômica. "The Spirit of Radio" glorifica a tecnologia e o poder do rádio, mas questiona a corrupção nesse meio brilhante.
Universal e abrangente, a faixa inicial de Permanent Waves aborda temas claros, talvez alguns dos mais diretos oferecidos pela banda em anos. Em geral, o mundo da música foi sendo cada vez mais influenciado pelo poder corporativo das rádios durante os anos finais da década de 1970, o que se intensificou bastante no período seguinte. Para buscar essa direção, temos inicialmente a apresentação de uma atmosfera radiante nos dois primeiros versos, que pensam a alegria que o rádio pode proporcionar para o dia de alguém como uma espécie de amigo pessoal, um companheiro sutil e discreto.
A primeira parte do refrão visita a maravilha possível pela física – a música que pode ser distribuída por dezenas de quilômetros de forma invisível e instantânea e que visita corações. O panorama intensifica a poesia, com a combinação de elementos abstratos e concretos que buscam descrever o que sentimos quando ouvimos uma canção da qual gostamos muito, como se o rádio conhecesse nossos humores e o que desejamos ouvir em determinados momentos.
A seguir, a exposição das fortes ligações dos ouvintes com o meio de comunicação dá lugar a uma análise conscienciosa sobre dois caminhos cruciais para os músicos modernos: criar músicas que venham do coração e da alma através da liberdade de expressão ou produtos reduzidos e adaptados à exclusiva busca do dinheiro e do sucesso. "The Spirit of Radio" caracteriza novamente os confrontos clássicos de Peart, observando por um lado a liberdade e a possibilidade do rádio como um meio e o seu lado mais duro, frio e real. Do começo edificante, a letra acaba por lidar com a integridade das estações e da música, que se fundamentam cada vez mais na manipulação envolvida sobre o que é decidido ir ao ar e, por conseguinte, às massas.
Até o anterior Hemispheres, o Rush concentrava o cerne de sua criatividade na busca pela coesão típica de álbuns-conceito. Porém, com Permanent Waves, há uma virada de página que define a procura por novos horizontes, com as composições mais intrincadas dando lugar a peças mais minimalistas, sintetizadas e diretas e que tratam de assuntos específicos. Como o autor da esmagadora maioria das letras da banda desde 1975, Peart já havia encontrado inspirações para seus escritos na mitologia, na ficção científica e na fantasia, passando agora a se debruçar em temas com substâncias baseadas mais diretamente na realidade concreta. Embora o estilo rebuscado permaneça, a maior parte do material deixaria de se apresentar em longas extensões e monólogos líricos, com os músicos conseguindo respirar novos ares na manutenção precisa de seus principais e inconfundíveis traços.
É inegável que Permanent Waves trouxe um frescor para o Rush, após as dramáticas sessões de composição e gravação de Hemispherese e dos vários anos de turnês sem pausas mais longas. No período de concepção do disco anterior, Peart já havia sinalizado que álbuns mais convencionais estavam por vir, sugerindo menos conceitos gerais e canções mais curtas. A banda ingressava, portanto, em um período de maior notoriedade ao moldar seu estilo sinuoso de suítes progressivas para canções mais cativantes, porém ainda trabalhadas com notável excelência. Em nenhum outro momento essa nova abordagem é mais evidente do que em "The Spirit of Radio", que representa um impactante choque de boas vindas para os novos tempos. "Nossa intenção, devido Hemispheres ter sugado tanto de nós, foi nos dar um descanso criativo. Decidimos que devíamos isso a nós mesmos, no momento em que havíamos estado na estrada sem parar durante todo o ano e, em seguida, termos ido direto para o estúdio com apenas duas semanas para conseguirmos o material", reconhece o baterista. "Mas não estávamos bem preparados para aquilo e tivemos que nos espremer. Não acho que o resultado tenha sido sofrido – trabalhar sob pressão pode ser muito produtivo – e nós o fizemos. A questão é que você paga um alto preço ao se sentir mal depois. Foi como uma drenagem e bem difícil".
"Trabalhar em uma música de vinte minutos deve parecer com a criação de um filme ou a escrita de romance", continua. "Com algo dessa extensão, você tem muitos tópicos para manter unidos em sua mente o tempo todo, além de se preocupar em gravar uma parte relacionando-a com outras, certificando-se de que a continuidade e a integridade das peças originais estejam acontecendo. É preciso muita concentração para conseguir algo assim. Queríamos descansar um pouco disso, apesar de ainda existirem duas faixas longas no álbum e das mais curtas não serem tão curtas assim".
Curiosamente, "The Spirit of Radio", com seus elogios e críticas flagrantes quanto às variadas naturezas de poder emitidas pelas ondas do rádio, provocaria um tipo de retribuição irônica ao caracterizar a primeira canção da carreira do Rush a desbravar as portas radiofônicas. A motivação basilar para a composição veio da CFNY-FM 102.1, uma rádio diferenciada de Toronto que inclusive é citada no final da letra impressa no encarte do disco. Segundo relatos e vários comentários da própria banda, não havia nada parecido no circuito de rádios da cidade, senão em toda a América do Norte naquele período. Os DJs tocavam basicamente tudo o que de fato apreciavam – new wave, punk, new world music e vários materiais ingleses, sem distinções e amarras. O contraste era grande com todas as demais emissoras, posicionamento que parecia ao mesmo tempo amador e intelectualizado.
"Essa estação de Toronto só tocava canções que você não ouvia em qualquer outra", lembra Alex Lifeson. "Escrevemos 'The Spirit of Radio' com isso em mente – que ainda havia liberdade na música. (...) Ela serviu para saudar essa rádio do leste canadense, havendo inclusive um reconhecimento na própria letra que diz, 'Inspirada pelo Espírito do Rádio em Toronto, vivo e bem (até agora)'".
Durante a gestão do radialista David Marsden, que começara na estação como locutor, o estilo da CFNY evoluiu de especiais de blues e reggae para uma versão mais profissional de uma rádio campus. Em 1978, a música alternativa era algo novo e que ainda não recebia ampla exposição - a new wave e o punk rock surgiam como formas dominantes na música popular - e a CFNY ficou conhecida como uma das poucas estações comerciais que traziam o gênero. Nesse período, a estação começou a utilizar a frase The Spirit of Radio como seu slogan promocional, que os ouvintes também passaram a usar para designá-la. De maneira inovadora e progressista, o foco da estação era ceder oportunidade para músicos e canções excluídos do mainstream, representando, de certa forma, a materialização de uma das bandeiras mais defendidas pelo Rush ao longo dos anos: a liberdade da música.
"Há uma estação de rádio em Toronto chamada CFNY-FM, que no final dos anos setenta era a última verdadeiramente 'livre' na América do Norte. Tocava todo o tipo de coisas estranhas", lembra Neil. "O slogan era (e é) 'The Spirit of Radio', daí a dedicação. A canção foi inspirada na ideia do quão especial o rádio pode ser quando apresentado por 'pessoas reais', e não por tops 10 e estatísticas. Apesar de se tornar um pouco mais formatada ao longo dos anos (daí o 'até agora' no encarte), eles permanecem na área 'alternativa' do rádio".
"A CFNY me fazia lembrar quando as rádios FM começaram nos Estados Unidos e no Canadá", diz Geddy. "Você tinha seu DJ favorito que não trazia nenhuma playlist, mostrando coisas novas para você o tempo inteiro, e essa foi uma das coisas mais importantes que nos motivaram a nos tornarmos músicos. Era um constaste com o que estava acontecendo no início da década de 1980, com o início das programações nas rádios, cinquenta estações em todo o país. É um pouco deprimente pensar nisso. Nossa canção é um lamento por um tempo melhor".
"Estávamos trabalhando em uma fazenda no interior, na parte oeste de Ontário, fazendo viagens pendulares nos fins de semana", recorda o baterista. "Eu me lembro de chegar em casa bem tarde com a rádio CFNY no ar, e de como eu coroava a escarpa com todas as luzes abaixo de Hamilton e da Península do Niágara, onde eu morava, com uma fantástica combinação de canções daquela época".
"(…) De repente, o rádio tornou-se um enorme empreendimento comercial e, infelizmente, algumas pessoas envolvidas no negócio são muito intolerantes, olhando para o curto prazo, para a aquisição rápida do pouco e em longo prazo do muito", continua. "Dessa forma, consequentemente, tudo se converteu aos gráficos frios, onde só há números. Rádio e música não deveriam funcionar por números".
Para o DJ que tocou algo do Rush pela primeira vez na estação, "foi muito lisonjeira a alusão à rádio na música. Nós nem sequer tocávamos muito Rush, mas eles obviamente gostavam muito da nossa disposição em tocar bandas antes de alguém sequer ter chagado perto delas".
"The Spirit of Radio", por sua abordagem e motivações, traz vários elementos musicais distintos, inclusive um pequeno trecho em reggae. "Sempre brincamos com o reggae no estúdio, e estamos habituados a fazer no palco uma introdução no estilo para 'Working Man'", responde Lifeson. "Portanto, quando fizemos 'The Spirit of Radio', pensamos em trazer um pouco do reggae para nos fazer sorrir e nos divertir".
Ir do rock ao reggae e voltar pela assinatura sempre complexa do Rush é um dos ingredientes mais marcantes em "The Spirit of Radio", que busca no incrível e dinâmico instrumental inicial replicar os sons do dial durante as mudanças de estação. "Isso foi uma metáfora deliberada", diz Peart. "(...) O conceito de 'The Spirit of Radio' era combinar estilos de uma forma radical, para representar como o rádio deveria ser. A canção em si, musicalmente, é um alternar entre as estações de rádio, com uma seção reggae no final. O segundo verso é a new wave, e toco como um baterista punk por lá. Foi tudo intencional". Ainda segundo o baterista, a banda havia internalizado alguns de seus artistas new wave preferidos, como Elvis Costello, Talking Heads e Police, com o objetivo de serem mais sucintos, porém pelos padrões do Rush. O resultado imediato da nova abordagem rendeu uma proeza que traz um rock virtuoso compactado em menos de cinco minutos. "Para nós foi muito conciso – foram canções de apenas cinco minutos", diz Neil com uma risada. "Começamos aqui a compor de forma concisa e econômica", reitera Alex.
"Há sempre duas ou três músicas que tocamos todas as noites, nas quais sempre espero que estejamos todos no mesmo 'time' quando executamos", admite Geddy. "'The Spirit of Radio' é uma delas. Sempre foi difícil tocá-la - sempre prendo a respiração um pouco antes de iniciá-la (...)".
"'The Spirit of Radio' é sobre a integridade musical", define Peart. "Queríamos passar a ideia de uma estação de rádio tocando uma grande variedade de músicas. Há trechos de reggae e um ou dois versos com uma sensação new wave. Os refrões são muito eletrônicos, trazendo um sequenciador digital com um glockenspiel e uma contagem em riff de guitarra. Os versos são padrões, versos do Rush - sempre em frente".
"Na verdade, 'The Spirit of Radio' poderia ser chamada 'The Spirit of Music', porque também diz muito aos músicos, talvez mais do que às próprias estações de rádio", continua. "Ela foi escrita sobre uma estação que é um modelo (...). Dessa forma, ouvi-la constantemente quando estou em casa representa algo para mim, talvez o precioso último reduto de alguma coisa. Seu slogan é "The Spirit of Radio", e por isso fomos inspirados diretamente nessa estação. O primeiro verso da canção lida com uma experiencia pessoal com o rádio, quando você o liga ao acordar pela manhã".
A CFNY também influenciou musicalmente "The Spirit of Radio". Em 1979, a rádio lançou um single promocional chamado "Working On The Radio", gravado pela The 102.1 Band, uma banda formada por integrantes da equipe. O riff dinâmico e inconfundível da canção do Rush é bastante similar ao utilizado no single, além do solo de guiterra de Alex ser muito parecido com o solo feito no violino pelo músico canadense Nash The Slash (1948 - 2014). Ainda sobre os elementos musicais, outro fato interessante são os rumores que afirmam que o som do público que surge na parte final de "The Spirit of Radio" foi capturado durante uma das apresentações da banda canadense Max Webster, que já saia em turnê com o Rush há vários anos. Ao que tudo indica, Geddy procurou o vocalista e guitarrista Kim Mitchel perguntando se a banda não dispunha de sons de plateia gravados.
Mesmo com a nítida negligência sofrida pelo Rush por críticos e de grande parte do negócio da música (incluindo as próprias programações das rádios) durante os anos de 1970, muitos fãs, a essa altura, já dispunham de suas próprias formas de provocar o estouro de um hit. Em Montreal, Canadá, um diretor de promoções da rádio CHOM afirmou que, em dezembro de 1979 (ou seja, menos de um mês antes do lançamento de Permanent Waves), um representante da distribuidora da banda no Canadá, a Capitol, liberou para a equipe uma fita com "The Spirit of Radio". As linhas telefônicas da estação ficaram bloqueadas por dias, invadidas por fãs que pediam a canção sem serem atendidos, pois o representante não havia deixado o material na rádio, esta que acabou executando-a apenas uma vez no ar.
"As rádios eram totalmente livres antes de todos esses grandes programadores chegarem, além dos consultores que explicavam para os gestores de estações como conseguiriam manter seus empregos", diz Geddy. "'Toquem esses discos aqui para isso'. Porém, havia aquela única estação que tocava qualquer coisa, materiais muito abstratos, hard ou clássicos. Ela acabava nos fazendo recordar como costumavam ser quando as FMs no começo (...). Era muito legal, e todos ficavam bastante empolgados com aquilo".
"'The Spirit of Radio' foi, de fato, escrita como um tributo para tudo o que era bom nas rádios, trazendo minha apreciação dos momentos mágicos que tive na infância, quando ouvia 'a música certa na hora certa'", explica Peart. "Entretanto, a celebração dos ideais do rádio pareceu necessariamente um ataque à realidade – à sua fórmula, programações mercenárias em sua maioria, com a música sendo a última preocupação. E sim, foi muito irônico essa canção ter feito sucesso nas rádios, como se fosse um tipo de teste azul de bromotimol. Alguns caras que 'pegaram' a canção poderiam ouvi-la e pensar, 'Era assim que as coisas deveriam funcionar', enquanto outros – os tolos e pretensiosos negociantes no ar – poderiam não estar conscientes sobre o significado dela e, orgulhosamente, aplaudiriam a si mesmos: 'Ela fala sobre nós!'".
"Muitas estações estavam tocando a canção, e é evidente que não estavam ouvindo a letra", brinca Geddy. "Estávamos batendo neles, e eles a defendendo como uma canção sobre o rádio. Um grande momento de ironia".
"Acho que nossa hora chegou ali", afirma Peart. "Foi o que aconteceu com as FMs, praticamente forçadas a tocar nossa música. Tornamos-nos muito populares em muitas cidades onde fazíamos turnês a todo o momento, e as pessoas iam até eles dizendo, 'Ei, toquem Rush'. Dessa forma, as estações não puderam evitar! Eles certamente não fariam voluntariamente. Para muitos, as rádios trazem popularidade, e conosco foi o contrário".
"(...) Vivemos em um tempo em que [a música e o rádio] são tão usurpados pela psicologia corporativa que não há quase nada que não faça contato com marcas ou que não seja patrocinado por alguma coisa", diz Geddy. "A batalha corporativa acabou, e nós perdemos. Porém, de vez em quando devemos questionar, 'Qual deveria ser o espírito do rádio?' O que há para além de surrar a mesma canção de hora em hora?"
"(...)'The Spirit of Radio' foi escrita sobre a CFNY e tudo o que a rádio representava, algo afirmado pela própria banda e pelo gerenciamento deles antes do álbum ser lançado", lembra o locutor David Marsden. "Naquele tempo o Rush e seu empresário me falaram que não haveria nenhuma referência oficial à CFNY, algo que poderia impedir que as outras rádios tocassem a faixa. Como um fã e defensor do Rush, concordamos que seria o melhor plano. Porém, se você ainda tiver o vinil, poderá perceber que a gravação do número de catálogo mostra 1021".
Os lotes originais de Permanent Waves trazem como número de catálogo da gravadora Anthem o ANR-1-1021, uma alusão clara à CFNY 102.1. Sobre a arte da capa do disco, explica o artista gráfico Hugh Syme: "O trabalho aqui é o resultado de uma conversa que eu tive com Neil. Conversamos a noite toda sobre o crescimento do Rush e de como faríamos os eletrocardiogramas de cada integrante quando estivessem gravando. Colamos fitas nas têmporas e peitos deles e tivemos seus batimentos cardíacos reais enquanto tocavam. Dessa forma, Permanent Waves seria uma declaração técnica. Daí, seguimos para dar tratamento àquela lâmina vermelha e dourada, e fazer um bom estudo em design em oposição à coisa fotográfica. Quando saí pela porta disse, 'Espere! Vamos tentar algo com a Donna Reed, com seu penteado permanente, colocando-a andando em uma situação de maremoto'. Neil me respondeu com um olhar vazio: 'Saia já daqui'. No dia seguinte, ele me pediu para fazer exatamente aquilo, pois havia discutido com a banda e todos acharam que a ideia seria mais apropriada para uma capa do que uma abordagem séria".
"A mulher na capa é de fato um símbolo de nós mesmos", esclarece Neil. "A ideia é a imperturbabilidade perfeita dela em face a todo aquele caos. É nisso que ela nos representa. No sentido básico, tudo o que aquela foto significa é forjado na indiferença, em estar completamente alheio a todo o caos e ao absurdo ridículo que acontece ao nosso redor. Ao mesmo tempo, ela representa o verdadeiro espírito da música e o espírito do rádio, um símbolo de perfeita integridade, verdade e beleza".
"Hugh Syme, que era a força criativa por trás das capas do Rush, me contratou para estilizar a capa do álbum Permanent Waves, devido meu trabalho na música e na moda", diz Deborah Samuel, fotógrafa canadense. "Havia dois fotógrafos no Permanent Waves que já tinham fornecido o fundo com o furacão e as fotos da banda. Eu finalizei criando o estilo da modelo e fotografando o jornal ('Dewey Defeats Truman'), enquanto outro fotógrafo britânico, Fin Costello, fotografou a garota e o próprio Hugh Syme, que aparece encostado no poste acenando. Quando conseguimos os quatro elementos – o fundo com o furacão fotografado por Flip Shulke, a garota Permanent Waves, o jornal e Hugh no poste, imprimimos os quatro negativos sobre uma folha de papel (...), levando a noite inteira para conseguir o registro único das quatro imagens".
A garota em destaque acabou sendo uma modelo chamada Paula Turnbull que, segundo Syme, fez um relevante sucesso na Europa. O jornal citado pela fotógrafa é a curiosa edição de 04 de novembro de 1948 do Chicago Tribune, este que forçou a banda a alterar a manchete na maioria das edições da capa do disco. Outro ponto curioso é que os outdoors que aparecem à direita, normalmente com os nomes dos integrantes, traziam logos de serviços e produtos reais. Um deles, agora com 'Lifeson', mostrava originalmente a marca da Coca-Cola, esta que os canadenses também foram obrigados a alterar. Com todas essas questões, a capa do disco passou por várias alterações sutis ao longo dos anos.
"Há sempre crises de última hora inevitáveis, como o Chicago Daily Tribune ainda envergonhado com o seu erro 'Dewey defeats Truman' de mais de trinta anos, que eles realmente recusaram que usássemos na capa", explica Peart no tour book do álbum.
Segundo Hugh Syme, "Fotografamos o jornal com a manchete 'Dewey Defeats Truman'. (...) Conseguimos uma ameaça do jurídico do Chicago Tribune, que ainda se sente envergonhado com sua muito ansiosa manchete... tudo que diz respeito a ela, de acordo com o jornal, é uma vergonha para eles, o que nos deixaria sujeitos a processos judiciais se continuássemos a imprimir qualquer faceta da mesma. Para piorar, a Coca-Cola pediu que retirássemos seu outdoor do fundo, pois estava muito perto do monte pubiano na calcinha de algodão".
A cena retratada é a esquina da Seawall Boulevard com a 23rd Street em Galveston, Texas (EUA), fotografada por Flip Schulke durante o Furacão Carla em 11 de setembro de 1961. Flip conseguiu na época fotos em primeira mão de pelo menos cinco furacões, incluindo Carla, o terceiro desastre mais destrutivo da história dos Estados Unidos. A construção do lado esquerdo é o Murdoch's Bathhouse, um estabelecimento especializado em drinks e souverniers originalmente construído no final do século XIX, sendo destruído por furacões e reconstruído muitas vezes ao longo de sua história.
"Finalmente nos deparamos com uma foto de um cara chamado Flip Schulke", lembra Syme. "Flip ficou conhecido por se amarrar a postes telefônicos para pegar o pior do tempo sobre a costa da Flórida, e essa foi uma dessas imagens. Fui capaz de trabalhar nela como base".
Para a última estrofe de "The Spirit of Radio", Peart reservaria ainda um interessante jogo de palavras baseado em uma passagem da canção "The Sound of Silence", escrita pelo cantor e compositor norte-americano Paul Simon e interpretada pela dupla folk Simon & Garfunkel, faixa que integra o disco Wednesday Morning, 3 A.M., de 1964. Enquanto "The Sound of Silence" traz o verso "And the sign said, 'The words of the prophets are written on the subway walls and tenement halls' and whispered in the sound of silence" ["E a placa dizia, 'As palavras dos profetas estão escritas nas paredes do metrô e nos corredores das casas' e sussurradas no som do silêncio"] Peart, expondo sua crítica ao lado venal da indústria musical, oferece em "The Spirit of Radio", "The words of the profits are written on the studio walls - concert hall" ["As palavras dos lucros estão escritas nas paredes do estúdio - casa de shows"]. A beleza desse trecho traz inclusive uma tomada sutil na performance vocal de Geddy - quando o músico canta a palavra "sound", o som da letra 's' é rapidamente intensificado e prolongado, fazendo menção a um pedido de silêncio.
Liricamente, as duas canções trazem muito em comum. Em uma entrevista para a National Public Radio (NPR), Paul Simon explicou como escreveu "The Sound of Silence", enquanto trabalhava em seu primeiro emprego na música. "Foi quando eu estava saindo da faculdade. Meu emprego era pegar músicas de uma grande editora e sair por aí atrás das gravadoras para ver se alguns dos seus artistas iriam querer gravar as mesmas. Trabalhei para eles por aproximadamente seis meses e nunca consegui emplacar uma canção, mas lhes dei duas das minhas porque me senti muito culpado por receber dinheiro para isso. Entrei em uma discussão com eles e disse, 'Olha, parei, e não vou dar minha nova música a vocês'. A canção que eu acabara de escrever era 'The Sound of Silence', e pensei, 'Eu mesmo vou lançá-la'. A partir desse ponto passei a gerir minhas próprias músicas, o que foi um argumento de sorte".
"Acho que as canções não se restringem apenas ao que as palavras dizem, mas também ao que dizem a melodia e o som", continua Simon. "Meu pensamento é que, se você não tem a melodia certa, não importa o que tenha a dizer, as pessoas não irão ouvir. Elas só estarão disponíveis quando o som as arrebatar, fazendo-as abrir o pensamento. De fato, a chave para 'The Sound of Silence' é a simplicidade da melodia e das palavras, que tratam de alienação juvenil. (...) Não era um pensamento sofisticado - não era algo que eu estava pensando em algum nível muito profundo - ninguém me ouve, ninguém ouve ninguém - era uma angústia pós-adolescente, mas que tinha algum nível de verdade por ter ressoado em milhões de pessoas".
"É aqui que entra o senso de humor", explica Peart. "Eu estava sentado buscando uma conclusão para a música e essa paródia veio à minha mente. Pensei, 'Bem, ou é muito estúpido ou é muito bom'. Tudo o que ela diz é: agentes de vendas são como artistas e posso ver a função como um ideal, mas eles não têm vez para opinar sobre o que devemos tocar no palco, não têm lugar para opinar sobre o que devemos gravar... nada mais são do que vendedores de carros em um estúdio de gravação".
"The Spirit of Radio" provoca pensamentos sobre a liberdade de se produzir música com o coração, reproduzindo e gravando-as a partir de escolhas e não de regras imposta por grandes corporações. A frase "Modern machinery making modern music can still be open-hearted" ["Todo esse maquinário fazendo música moderna ainda pode estar de coração aberto"], que dá início à segunda parte da canção, pode significar inicialmente uma descrição poética do próprio aparato técnico necessário para as transmissões de rádio, mas também uma afirmação do uso dos sintetizadores, presença crescente nas criações da banda. Tais instrumentos, vistos de forma controversa por muitos dentro do rock, já vinham sendo utilizados de maneira destacada desde A Farewell to Kings (1977), sendo agora ainda mais evidentes.
No entanto, o sintetizador não seria tão prejudicial à música quanto a paulatina falta de substância que a afetaria a longo prazo. Por esse motivo, podemos entender "The Spirit of Radio" como uma obra que oferece ideias representando questões e desdobramentos do presente. Um dos assuntos mais consistentes e recorrentes nas composições do Rush é a valorização e a defesa da ciência e da tecnologia. Embora muitos no rock lamentem o progresso e o avanço tecnológico em suas composições, o Rush observaria várias vertentes científicas e tecnológicas ao logo da carreira, inclusive abraçando uma forte gama de recursos eletrônicos em seu próprio aparato instrumental, que enriqueceriam ainda mais suas grandiosas composições.
Um dia que começa com uma voz amigável que toca suas músicas favoritas – uma espécie de magia, capaz de se conectar com o emocional alegrando e iluminando sua rotina diária. A sintonia impactante de "The Spirit of Radio" evoca de imediato uma grande descarga de adrenalina, celebrando o simples prazer da arte, primordialmente sincero e profundo, com potencial de alcançar inúmeras vidas e de influenciá-las. A canção, em sua brilhante presciência, também prediz a propriedade corporativa, a consolidação e o afastamento do foco local e pessoal, pesando adequação e liberdade. O Rush, portanto, continua e intensifica ainda mais o preenchimento de suas canções com letras honestas, inteligentes e que instigam o ouvinte a levar seus pensamentos para inúmeros temas de forma sempre muito especial.
"Damos ao público o mesmo crédito que damos a nós mesmos", afirma Peart. "Se uma ideia soa boa para nós – que nos empolga e que nos faz pensar – teoricamente terá esse efeito também em outras pessoas".
A palavra integridade, destacada em "The Spirit of Radio", surge duas vezes em todo o álbum. "Não tinha percebido que havia batido nessa mesma tecla, e muitas pessoas apontaram isso como algo que digo muito no disco. Acho que é verdade, a integridade é uma ideia fixa, pois para nós o ponto de partida é sermos músicos, e tudo o mais resulta disso. Se quisermos alcançar nossa integridade nessa atividade, então cada decisão que tomarmos deverá ser a coisa mais importante. É muito fácil decidir como um empresário, como um executivo de uma gravadora ou um compositor, mas tentamos basear tudo na verdade pura e simples de que somos músicos que amam a música".
© 2014 Rush Fã-Clube Brasil
BANASIEWICZ, B. Rush Visions: The Official Biography. Omnibus Press, 1987.
TELLERIA, R. Merely Players Tribute. Quarry Music Books, 2002.
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INNERVIEW WITH JIM LADD, March 1980.
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Inicialmente, o sétimo álbum de estúdio afirmou uma das mais fortes tendências nas composições do trio no período: a cada vez mais presente orientação por sintetizadores. A adição de novas tecnologias combinadas aos elementos do hard rock e do rock progressivo consolidaria padrões de som que cumpririam não somente funções musicais, mas que também afetariam as próprias propostas dos conteúdos líricos. Alguns dos temas básicos visitados no disco observariam a ciência não como anti-natureza, mas como um elemento possível de completá-la se aplicada corretamente. Dessa forma, para o novo decênio, o Rush apresentava seu som drasticamente renovado, em um belo composto de sua virtuosidade característica com influências contemporâneas. "Era um momento emocionante musicalmente, e queríamos estar nele", afirma Geddy. "O Ska e reggae foram se misturando ao pop comercial e ao rock. A new wave estava acontecendo".
Nesse estágio da carreira, a maior parte das canções dos canadenses buscava uma melhor e mais completa apreciação no contexto dos seus respectivos álbuns. Já "The Spirit of Radio", a faixa de abertura de Permanent Waves, era curta, acessível e independente o suficiente para ser naturalmente absorvida pelas rádios. Tendo em vista o período muito especial de lançamento do disco, a canção passou a ser considerada como uma das primeiras da década, significando também e por si só uma marcante reinvenção e o definitivo crescimento da popularidade do Rush.
Os canadenses jamais haviam conseguido um hit de ponta até então, e "The Spirit of Radio" representou o alcance dessa nova façanha: Permanent Waves foi o primeiro disco do grupo a repetir um relevante sucesso comercial tanto nos EUA quanto do outro lado do Atlântico. A banda havia arranhado o UK Top 40 dois anos antes com "Closer to the Heart" (de A Farewell to Kings), e destilar sua admirável essência musical em uma composição de breves minutos para seus padrões acabou lhes rendendo o primeiro grande êxito internacional. Lançado dois meses depois, em março de 1980, o single "The Spirit of Radio" conseguiu a 13ª posição nas paradas britânicas, além de boas posições nas listas americanas. A nova fase estava instalada e funcionando; o trio garantia sua sobrevivência em um cenário que recusaria muitas das conquistas do rock setentista.
Muito além de sua arte, variados âmbitos da banda pareciam diferentes. Geddy passaria a equilibrar e adequar sua voz, utilizando doses mais graves, ponderadas e introspectivas mescladas às já conhecidas investidas agressivas (até mesmo essas agora nitidamente moderadas). Pelo prisma estético, as vestes proféticas não existiam mais, assim como o imponente e marcante bigode de Neil Peart. Como Alex, seu cabelo estava mais curto, e o extrovertido guitarrista passaria por sua vez a usar gravatas finas e roupas coloridas comuns aos artistas da new wave. Permanent Waves, portanto, era uma transição bastante abrangente na máquina Rush.
A essa altura, a influência da escritora e filosofa Ayn Rand ainda fulgurava em poucos momentos, mas inspirações como Tolkien e Coleridge se despediam definitivamente. "The Spirit of Radio" traria certa ambivalência nos olhares de Peart - embora muitas de suas letras afirmassem o individualismo / objetivismo, há aqui a liberação de críticas sobre um dos princípios fundamentais da base de suas defesas anteriores: a crença na moralidade econômica. "The Spirit of Radio" glorifica a tecnologia e o poder do rádio, mas questiona a corrupção nesse meio brilhante.
Universal e abrangente, a faixa inicial de Permanent Waves aborda temas claros, talvez alguns dos mais diretos oferecidos pela banda em anos. Em geral, o mundo da música foi sendo cada vez mais influenciado pelo poder corporativo das rádios durante os anos finais da década de 1970, o que se intensificou bastante no período seguinte. Para buscar essa direção, temos inicialmente a apresentação de uma atmosfera radiante nos dois primeiros versos, que pensam a alegria que o rádio pode proporcionar para o dia de alguém como uma espécie de amigo pessoal, um companheiro sutil e discreto.
A primeira parte do refrão visita a maravilha possível pela física – a música que pode ser distribuída por dezenas de quilômetros de forma invisível e instantânea e que visita corações. O panorama intensifica a poesia, com a combinação de elementos abstratos e concretos que buscam descrever o que sentimos quando ouvimos uma canção da qual gostamos muito, como se o rádio conhecesse nossos humores e o que desejamos ouvir em determinados momentos.
A seguir, a exposição das fortes ligações dos ouvintes com o meio de comunicação dá lugar a uma análise conscienciosa sobre dois caminhos cruciais para os músicos modernos: criar músicas que venham do coração e da alma através da liberdade de expressão ou produtos reduzidos e adaptados à exclusiva busca do dinheiro e do sucesso. "The Spirit of Radio" caracteriza novamente os confrontos clássicos de Peart, observando por um lado a liberdade e a possibilidade do rádio como um meio e o seu lado mais duro, frio e real. Do começo edificante, a letra acaba por lidar com a integridade das estações e da música, que se fundamentam cada vez mais na manipulação envolvida sobre o que é decidido ir ao ar e, por conseguinte, às massas.
Até o anterior Hemispheres, o Rush concentrava o cerne de sua criatividade na busca pela coesão típica de álbuns-conceito. Porém, com Permanent Waves, há uma virada de página que define a procura por novos horizontes, com as composições mais intrincadas dando lugar a peças mais minimalistas, sintetizadas e diretas e que tratam de assuntos específicos. Como o autor da esmagadora maioria das letras da banda desde 1975, Peart já havia encontrado inspirações para seus escritos na mitologia, na ficção científica e na fantasia, passando agora a se debruçar em temas com substâncias baseadas mais diretamente na realidade concreta. Embora o estilo rebuscado permaneça, a maior parte do material deixaria de se apresentar em longas extensões e monólogos líricos, com os músicos conseguindo respirar novos ares na manutenção precisa de seus principais e inconfundíveis traços.
É inegável que Permanent Waves trouxe um frescor para o Rush, após as dramáticas sessões de composição e gravação de Hemispherese e dos vários anos de turnês sem pausas mais longas. No período de concepção do disco anterior, Peart já havia sinalizado que álbuns mais convencionais estavam por vir, sugerindo menos conceitos gerais e canções mais curtas. A banda ingressava, portanto, em um período de maior notoriedade ao moldar seu estilo sinuoso de suítes progressivas para canções mais cativantes, porém ainda trabalhadas com notável excelência. Em nenhum outro momento essa nova abordagem é mais evidente do que em "The Spirit of Radio", que representa um impactante choque de boas vindas para os novos tempos. "Nossa intenção, devido Hemispheres ter sugado tanto de nós, foi nos dar um descanso criativo. Decidimos que devíamos isso a nós mesmos, no momento em que havíamos estado na estrada sem parar durante todo o ano e, em seguida, termos ido direto para o estúdio com apenas duas semanas para conseguirmos o material", reconhece o baterista. "Mas não estávamos bem preparados para aquilo e tivemos que nos espremer. Não acho que o resultado tenha sido sofrido – trabalhar sob pressão pode ser muito produtivo – e nós o fizemos. A questão é que você paga um alto preço ao se sentir mal depois. Foi como uma drenagem e bem difícil".
"Trabalhar em uma música de vinte minutos deve parecer com a criação de um filme ou a escrita de romance", continua. "Com algo dessa extensão, você tem muitos tópicos para manter unidos em sua mente o tempo todo, além de se preocupar em gravar uma parte relacionando-a com outras, certificando-se de que a continuidade e a integridade das peças originais estejam acontecendo. É preciso muita concentração para conseguir algo assim. Queríamos descansar um pouco disso, apesar de ainda existirem duas faixas longas no álbum e das mais curtas não serem tão curtas assim".
Curiosamente, "The Spirit of Radio", com seus elogios e críticas flagrantes quanto às variadas naturezas de poder emitidas pelas ondas do rádio, provocaria um tipo de retribuição irônica ao caracterizar a primeira canção da carreira do Rush a desbravar as portas radiofônicas. A motivação basilar para a composição veio da CFNY-FM 102.1, uma rádio diferenciada de Toronto que inclusive é citada no final da letra impressa no encarte do disco. Segundo relatos e vários comentários da própria banda, não havia nada parecido no circuito de rádios da cidade, senão em toda a América do Norte naquele período. Os DJs tocavam basicamente tudo o que de fato apreciavam – new wave, punk, new world music e vários materiais ingleses, sem distinções e amarras. O contraste era grande com todas as demais emissoras, posicionamento que parecia ao mesmo tempo amador e intelectualizado.
"Essa estação de Toronto só tocava canções que você não ouvia em qualquer outra", lembra Alex Lifeson. "Escrevemos 'The Spirit of Radio' com isso em mente – que ainda havia liberdade na música. (...) Ela serviu para saudar essa rádio do leste canadense, havendo inclusive um reconhecimento na própria letra que diz, 'Inspirada pelo Espírito do Rádio em Toronto, vivo e bem (até agora)'".
Durante a gestão do radialista David Marsden, que começara na estação como locutor, o estilo da CFNY evoluiu de especiais de blues e reggae para uma versão mais profissional de uma rádio campus. Em 1978, a música alternativa era algo novo e que ainda não recebia ampla exposição - a new wave e o punk rock surgiam como formas dominantes na música popular - e a CFNY ficou conhecida como uma das poucas estações comerciais que traziam o gênero. Nesse período, a estação começou a utilizar a frase The Spirit of Radio como seu slogan promocional, que os ouvintes também passaram a usar para designá-la. De maneira inovadora e progressista, o foco da estação era ceder oportunidade para músicos e canções excluídos do mainstream, representando, de certa forma, a materialização de uma das bandeiras mais defendidas pelo Rush ao longo dos anos: a liberdade da música.
"Há uma estação de rádio em Toronto chamada CFNY-FM, que no final dos anos setenta era a última verdadeiramente 'livre' na América do Norte. Tocava todo o tipo de coisas estranhas", lembra Neil. "O slogan era (e é) 'The Spirit of Radio', daí a dedicação. A canção foi inspirada na ideia do quão especial o rádio pode ser quando apresentado por 'pessoas reais', e não por tops 10 e estatísticas. Apesar de se tornar um pouco mais formatada ao longo dos anos (daí o 'até agora' no encarte), eles permanecem na área 'alternativa' do rádio".
"A CFNY me fazia lembrar quando as rádios FM começaram nos Estados Unidos e no Canadá", diz Geddy. "Você tinha seu DJ favorito que não trazia nenhuma playlist, mostrando coisas novas para você o tempo inteiro, e essa foi uma das coisas mais importantes que nos motivaram a nos tornarmos músicos. Era um constaste com o que estava acontecendo no início da década de 1980, com o início das programações nas rádios, cinquenta estações em todo o país. É um pouco deprimente pensar nisso. Nossa canção é um lamento por um tempo melhor".
"Estávamos trabalhando em uma fazenda no interior, na parte oeste de Ontário, fazendo viagens pendulares nos fins de semana", recorda o baterista. "Eu me lembro de chegar em casa bem tarde com a rádio CFNY no ar, e de como eu coroava a escarpa com todas as luzes abaixo de Hamilton e da Península do Niágara, onde eu morava, com uma fantástica combinação de canções daquela época".
"(…) De repente, o rádio tornou-se um enorme empreendimento comercial e, infelizmente, algumas pessoas envolvidas no negócio são muito intolerantes, olhando para o curto prazo, para a aquisição rápida do pouco e em longo prazo do muito", continua. "Dessa forma, consequentemente, tudo se converteu aos gráficos frios, onde só há números. Rádio e música não deveriam funcionar por números".
Para o DJ que tocou algo do Rush pela primeira vez na estação, "foi muito lisonjeira a alusão à rádio na música. Nós nem sequer tocávamos muito Rush, mas eles obviamente gostavam muito da nossa disposição em tocar bandas antes de alguém sequer ter chagado perto delas".
"The Spirit of Radio", por sua abordagem e motivações, traz vários elementos musicais distintos, inclusive um pequeno trecho em reggae. "Sempre brincamos com o reggae no estúdio, e estamos habituados a fazer no palco uma introdução no estilo para 'Working Man'", responde Lifeson. "Portanto, quando fizemos 'The Spirit of Radio', pensamos em trazer um pouco do reggae para nos fazer sorrir e nos divertir".
Ir do rock ao reggae e voltar pela assinatura sempre complexa do Rush é um dos ingredientes mais marcantes em "The Spirit of Radio", que busca no incrível e dinâmico instrumental inicial replicar os sons do dial durante as mudanças de estação. "Isso foi uma metáfora deliberada", diz Peart. "(...) O conceito de 'The Spirit of Radio' era combinar estilos de uma forma radical, para representar como o rádio deveria ser. A canção em si, musicalmente, é um alternar entre as estações de rádio, com uma seção reggae no final. O segundo verso é a new wave, e toco como um baterista punk por lá. Foi tudo intencional". Ainda segundo o baterista, a banda havia internalizado alguns de seus artistas new wave preferidos, como Elvis Costello, Talking Heads e Police, com o objetivo de serem mais sucintos, porém pelos padrões do Rush. O resultado imediato da nova abordagem rendeu uma proeza que traz um rock virtuoso compactado em menos de cinco minutos. "Para nós foi muito conciso – foram canções de apenas cinco minutos", diz Neil com uma risada. "Começamos aqui a compor de forma concisa e econômica", reitera Alex.
"Há sempre duas ou três músicas que tocamos todas as noites, nas quais sempre espero que estejamos todos no mesmo 'time' quando executamos", admite Geddy. "'The Spirit of Radio' é uma delas. Sempre foi difícil tocá-la - sempre prendo a respiração um pouco antes de iniciá-la (...)".
"'The Spirit of Radio' é sobre a integridade musical", define Peart. "Queríamos passar a ideia de uma estação de rádio tocando uma grande variedade de músicas. Há trechos de reggae e um ou dois versos com uma sensação new wave. Os refrões são muito eletrônicos, trazendo um sequenciador digital com um glockenspiel e uma contagem em riff de guitarra. Os versos são padrões, versos do Rush - sempre em frente".
"Na verdade, 'The Spirit of Radio' poderia ser chamada 'The Spirit of Music', porque também diz muito aos músicos, talvez mais do que às próprias estações de rádio", continua. "Ela foi escrita sobre uma estação que é um modelo (...). Dessa forma, ouvi-la constantemente quando estou em casa representa algo para mim, talvez o precioso último reduto de alguma coisa. Seu slogan é "The Spirit of Radio", e por isso fomos inspirados diretamente nessa estação. O primeiro verso da canção lida com uma experiencia pessoal com o rádio, quando você o liga ao acordar pela manhã".
A CFNY também influenciou musicalmente "The Spirit of Radio". Em 1979, a rádio lançou um single promocional chamado "Working On The Radio", gravado pela The 102.1 Band, uma banda formada por integrantes da equipe. O riff dinâmico e inconfundível da canção do Rush é bastante similar ao utilizado no single, além do solo de guiterra de Alex ser muito parecido com o solo feito no violino pelo músico canadense Nash The Slash (1948 - 2014). Ainda sobre os elementos musicais, outro fato interessante são os rumores que afirmam que o som do público que surge na parte final de "The Spirit of Radio" foi capturado durante uma das apresentações da banda canadense Max Webster, que já saia em turnê com o Rush há vários anos. Ao que tudo indica, Geddy procurou o vocalista e guitarrista Kim Mitchel perguntando se a banda não dispunha de sons de plateia gravados.
Mesmo com a nítida negligência sofrida pelo Rush por críticos e de grande parte do negócio da música (incluindo as próprias programações das rádios) durante os anos de 1970, muitos fãs, a essa altura, já dispunham de suas próprias formas de provocar o estouro de um hit. Em Montreal, Canadá, um diretor de promoções da rádio CHOM afirmou que, em dezembro de 1979 (ou seja, menos de um mês antes do lançamento de Permanent Waves), um representante da distribuidora da banda no Canadá, a Capitol, liberou para a equipe uma fita com "The Spirit of Radio". As linhas telefônicas da estação ficaram bloqueadas por dias, invadidas por fãs que pediam a canção sem serem atendidos, pois o representante não havia deixado o material na rádio, esta que acabou executando-a apenas uma vez no ar.
"As rádios eram totalmente livres antes de todos esses grandes programadores chegarem, além dos consultores que explicavam para os gestores de estações como conseguiriam manter seus empregos", diz Geddy. "'Toquem esses discos aqui para isso'. Porém, havia aquela única estação que tocava qualquer coisa, materiais muito abstratos, hard ou clássicos. Ela acabava nos fazendo recordar como costumavam ser quando as FMs no começo (...). Era muito legal, e todos ficavam bastante empolgados com aquilo".
"'The Spirit of Radio' foi, de fato, escrita como um tributo para tudo o que era bom nas rádios, trazendo minha apreciação dos momentos mágicos que tive na infância, quando ouvia 'a música certa na hora certa'", explica Peart. "Entretanto, a celebração dos ideais do rádio pareceu necessariamente um ataque à realidade – à sua fórmula, programações mercenárias em sua maioria, com a música sendo a última preocupação. E sim, foi muito irônico essa canção ter feito sucesso nas rádios, como se fosse um tipo de teste azul de bromotimol. Alguns caras que 'pegaram' a canção poderiam ouvi-la e pensar, 'Era assim que as coisas deveriam funcionar', enquanto outros – os tolos e pretensiosos negociantes no ar – poderiam não estar conscientes sobre o significado dela e, orgulhosamente, aplaudiriam a si mesmos: 'Ela fala sobre nós!'".
"Muitas estações estavam tocando a canção, e é evidente que não estavam ouvindo a letra", brinca Geddy. "Estávamos batendo neles, e eles a defendendo como uma canção sobre o rádio. Um grande momento de ironia".
"Acho que nossa hora chegou ali", afirma Peart. "Foi o que aconteceu com as FMs, praticamente forçadas a tocar nossa música. Tornamos-nos muito populares em muitas cidades onde fazíamos turnês a todo o momento, e as pessoas iam até eles dizendo, 'Ei, toquem Rush'. Dessa forma, as estações não puderam evitar! Eles certamente não fariam voluntariamente. Para muitos, as rádios trazem popularidade, e conosco foi o contrário".
"(...) Vivemos em um tempo em que [a música e o rádio] são tão usurpados pela psicologia corporativa que não há quase nada que não faça contato com marcas ou que não seja patrocinado por alguma coisa", diz Geddy. "A batalha corporativa acabou, e nós perdemos. Porém, de vez em quando devemos questionar, 'Qual deveria ser o espírito do rádio?' O que há para além de surrar a mesma canção de hora em hora?"
"(...)'The Spirit of Radio' foi escrita sobre a CFNY e tudo o que a rádio representava, algo afirmado pela própria banda e pelo gerenciamento deles antes do álbum ser lançado", lembra o locutor David Marsden. "Naquele tempo o Rush e seu empresário me falaram que não haveria nenhuma referência oficial à CFNY, algo que poderia impedir que as outras rádios tocassem a faixa. Como um fã e defensor do Rush, concordamos que seria o melhor plano. Porém, se você ainda tiver o vinil, poderá perceber que a gravação do número de catálogo mostra 1021".
Os lotes originais de Permanent Waves trazem como número de catálogo da gravadora Anthem o ANR-1-1021, uma alusão clara à CFNY 102.1. Sobre a arte da capa do disco, explica o artista gráfico Hugh Syme: "O trabalho aqui é o resultado de uma conversa que eu tive com Neil. Conversamos a noite toda sobre o crescimento do Rush e de como faríamos os eletrocardiogramas de cada integrante quando estivessem gravando. Colamos fitas nas têmporas e peitos deles e tivemos seus batimentos cardíacos reais enquanto tocavam. Dessa forma, Permanent Waves seria uma declaração técnica. Daí, seguimos para dar tratamento àquela lâmina vermelha e dourada, e fazer um bom estudo em design em oposição à coisa fotográfica. Quando saí pela porta disse, 'Espere! Vamos tentar algo com a Donna Reed, com seu penteado permanente, colocando-a andando em uma situação de maremoto'. Neil me respondeu com um olhar vazio: 'Saia já daqui'. No dia seguinte, ele me pediu para fazer exatamente aquilo, pois havia discutido com a banda e todos acharam que a ideia seria mais apropriada para uma capa do que uma abordagem séria".
"A mulher na capa é de fato um símbolo de nós mesmos", esclarece Neil. "A ideia é a imperturbabilidade perfeita dela em face a todo aquele caos. É nisso que ela nos representa. No sentido básico, tudo o que aquela foto significa é forjado na indiferença, em estar completamente alheio a todo o caos e ao absurdo ridículo que acontece ao nosso redor. Ao mesmo tempo, ela representa o verdadeiro espírito da música e o espírito do rádio, um símbolo de perfeita integridade, verdade e beleza".
"Hugh Syme, que era a força criativa por trás das capas do Rush, me contratou para estilizar a capa do álbum Permanent Waves, devido meu trabalho na música e na moda", diz Deborah Samuel, fotógrafa canadense. "Havia dois fotógrafos no Permanent Waves que já tinham fornecido o fundo com o furacão e as fotos da banda. Eu finalizei criando o estilo da modelo e fotografando o jornal ('Dewey Defeats Truman'), enquanto outro fotógrafo britânico, Fin Costello, fotografou a garota e o próprio Hugh Syme, que aparece encostado no poste acenando. Quando conseguimos os quatro elementos – o fundo com o furacão fotografado por Flip Shulke, a garota Permanent Waves, o jornal e Hugh no poste, imprimimos os quatro negativos sobre uma folha de papel (...), levando a noite inteira para conseguir o registro único das quatro imagens".
A garota em destaque acabou sendo uma modelo chamada Paula Turnbull que, segundo Syme, fez um relevante sucesso na Europa. O jornal citado pela fotógrafa é a curiosa edição de 04 de novembro de 1948 do Chicago Tribune, este que forçou a banda a alterar a manchete na maioria das edições da capa do disco. Outro ponto curioso é que os outdoors que aparecem à direita, normalmente com os nomes dos integrantes, traziam logos de serviços e produtos reais. Um deles, agora com 'Lifeson', mostrava originalmente a marca da Coca-Cola, esta que os canadenses também foram obrigados a alterar. Com todas essas questões, a capa do disco passou por várias alterações sutis ao longo dos anos.
"Há sempre crises de última hora inevitáveis, como o Chicago Daily Tribune ainda envergonhado com o seu erro 'Dewey defeats Truman' de mais de trinta anos, que eles realmente recusaram que usássemos na capa", explica Peart no tour book do álbum.
Segundo Hugh Syme, "Fotografamos o jornal com a manchete 'Dewey Defeats Truman'. (...) Conseguimos uma ameaça do jurídico do Chicago Tribune, que ainda se sente envergonhado com sua muito ansiosa manchete... tudo que diz respeito a ela, de acordo com o jornal, é uma vergonha para eles, o que nos deixaria sujeitos a processos judiciais se continuássemos a imprimir qualquer faceta da mesma. Para piorar, a Coca-Cola pediu que retirássemos seu outdoor do fundo, pois estava muito perto do monte pubiano na calcinha de algodão".
A cena retratada é a esquina da Seawall Boulevard com a 23rd Street em Galveston, Texas (EUA), fotografada por Flip Schulke durante o Furacão Carla em 11 de setembro de 1961. Flip conseguiu na época fotos em primeira mão de pelo menos cinco furacões, incluindo Carla, o terceiro desastre mais destrutivo da história dos Estados Unidos. A construção do lado esquerdo é o Murdoch's Bathhouse, um estabelecimento especializado em drinks e souverniers originalmente construído no final do século XIX, sendo destruído por furacões e reconstruído muitas vezes ao longo de sua história.
"Finalmente nos deparamos com uma foto de um cara chamado Flip Schulke", lembra Syme. "Flip ficou conhecido por se amarrar a postes telefônicos para pegar o pior do tempo sobre a costa da Flórida, e essa foi uma dessas imagens. Fui capaz de trabalhar nela como base".
Para a última estrofe de "The Spirit of Radio", Peart reservaria ainda um interessante jogo de palavras baseado em uma passagem da canção "The Sound of Silence", escrita pelo cantor e compositor norte-americano Paul Simon e interpretada pela dupla folk Simon & Garfunkel, faixa que integra o disco Wednesday Morning, 3 A.M., de 1964. Enquanto "The Sound of Silence" traz o verso "And the sign said, 'The words of the prophets are written on the subway walls and tenement halls' and whispered in the sound of silence" ["E a placa dizia, 'As palavras dos profetas estão escritas nas paredes do metrô e nos corredores das casas' e sussurradas no som do silêncio"] Peart, expondo sua crítica ao lado venal da indústria musical, oferece em "The Spirit of Radio", "The words of the profits are written on the studio walls - concert hall" ["As palavras dos lucros estão escritas nas paredes do estúdio - casa de shows"]. A beleza desse trecho traz inclusive uma tomada sutil na performance vocal de Geddy - quando o músico canta a palavra "sound", o som da letra 's' é rapidamente intensificado e prolongado, fazendo menção a um pedido de silêncio.
Liricamente, as duas canções trazem muito em comum. Em uma entrevista para a National Public Radio (NPR), Paul Simon explicou como escreveu "The Sound of Silence", enquanto trabalhava em seu primeiro emprego na música. "Foi quando eu estava saindo da faculdade. Meu emprego era pegar músicas de uma grande editora e sair por aí atrás das gravadoras para ver se alguns dos seus artistas iriam querer gravar as mesmas. Trabalhei para eles por aproximadamente seis meses e nunca consegui emplacar uma canção, mas lhes dei duas das minhas porque me senti muito culpado por receber dinheiro para isso. Entrei em uma discussão com eles e disse, 'Olha, parei, e não vou dar minha nova música a vocês'. A canção que eu acabara de escrever era 'The Sound of Silence', e pensei, 'Eu mesmo vou lançá-la'. A partir desse ponto passei a gerir minhas próprias músicas, o que foi um argumento de sorte".
"Acho que as canções não se restringem apenas ao que as palavras dizem, mas também ao que dizem a melodia e o som", continua Simon. "Meu pensamento é que, se você não tem a melodia certa, não importa o que tenha a dizer, as pessoas não irão ouvir. Elas só estarão disponíveis quando o som as arrebatar, fazendo-as abrir o pensamento. De fato, a chave para 'The Sound of Silence' é a simplicidade da melodia e das palavras, que tratam de alienação juvenil. (...) Não era um pensamento sofisticado - não era algo que eu estava pensando em algum nível muito profundo - ninguém me ouve, ninguém ouve ninguém - era uma angústia pós-adolescente, mas que tinha algum nível de verdade por ter ressoado em milhões de pessoas".
"É aqui que entra o senso de humor", explica Peart. "Eu estava sentado buscando uma conclusão para a música e essa paródia veio à minha mente. Pensei, 'Bem, ou é muito estúpido ou é muito bom'. Tudo o que ela diz é: agentes de vendas são como artistas e posso ver a função como um ideal, mas eles não têm vez para opinar sobre o que devemos tocar no palco, não têm lugar para opinar sobre o que devemos gravar... nada mais são do que vendedores de carros em um estúdio de gravação".
"The Spirit of Radio" provoca pensamentos sobre a liberdade de se produzir música com o coração, reproduzindo e gravando-as a partir de escolhas e não de regras imposta por grandes corporações. A frase "Modern machinery making modern music can still be open-hearted" ["Todo esse maquinário fazendo música moderna ainda pode estar de coração aberto"], que dá início à segunda parte da canção, pode significar inicialmente uma descrição poética do próprio aparato técnico necessário para as transmissões de rádio, mas também uma afirmação do uso dos sintetizadores, presença crescente nas criações da banda. Tais instrumentos, vistos de forma controversa por muitos dentro do rock, já vinham sendo utilizados de maneira destacada desde A Farewell to Kings (1977), sendo agora ainda mais evidentes.
No entanto, o sintetizador não seria tão prejudicial à música quanto a paulatina falta de substância que a afetaria a longo prazo. Por esse motivo, podemos entender "The Spirit of Radio" como uma obra que oferece ideias representando questões e desdobramentos do presente. Um dos assuntos mais consistentes e recorrentes nas composições do Rush é a valorização e a defesa da ciência e da tecnologia. Embora muitos no rock lamentem o progresso e o avanço tecnológico em suas composições, o Rush observaria várias vertentes científicas e tecnológicas ao logo da carreira, inclusive abraçando uma forte gama de recursos eletrônicos em seu próprio aparato instrumental, que enriqueceriam ainda mais suas grandiosas composições.
Um dia que começa com uma voz amigável que toca suas músicas favoritas – uma espécie de magia, capaz de se conectar com o emocional alegrando e iluminando sua rotina diária. A sintonia impactante de "The Spirit of Radio" evoca de imediato uma grande descarga de adrenalina, celebrando o simples prazer da arte, primordialmente sincero e profundo, com potencial de alcançar inúmeras vidas e de influenciá-las. A canção, em sua brilhante presciência, também prediz a propriedade corporativa, a consolidação e o afastamento do foco local e pessoal, pesando adequação e liberdade. O Rush, portanto, continua e intensifica ainda mais o preenchimento de suas canções com letras honestas, inteligentes e que instigam o ouvinte a levar seus pensamentos para inúmeros temas de forma sempre muito especial.
"Damos ao público o mesmo crédito que damos a nós mesmos", afirma Peart. "Se uma ideia soa boa para nós – que nos empolga e que nos faz pensar – teoricamente terá esse efeito também em outras pessoas".
A palavra integridade, destacada em "The Spirit of Radio", surge duas vezes em todo o álbum. "Não tinha percebido que havia batido nessa mesma tecla, e muitas pessoas apontaram isso como algo que digo muito no disco. Acho que é verdade, a integridade é uma ideia fixa, pois para nós o ponto de partida é sermos músicos, e tudo o mais resulta disso. Se quisermos alcançar nossa integridade nessa atividade, então cada decisão que tomarmos deverá ser a coisa mais importante. É muito fácil decidir como um empresário, como um executivo de uma gravadora ou um compositor, mas tentamos basear tudo na verdade pura e simples de que somos músicos que amam a música".
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