LA VILLA STRANGIATO



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THE TREES  LA VILLA STRANGIATO  THE SPIRIT OF RADIO


LA VILLA STRANGIATO

(AN EXERCISE IN SELF-INDULGENCE)

I. Buenos Nochas, Mein Froinds! (0:00)
II. To Sleep, Perchance to Dream... (0:27)
III. Strangiato Theme (2:00)
IV. A Lerxst in Wonderland (3:16)
V. Monsters! (5:49)
VI. The Ghost of the Aragon (6:10)
VII. Danforth and Pape (6:45)
VIII. The Waltz of the Shreves (7:26)
IX. Never Turn Your Back on a Monster! (7:52)
X. Monsters! (Reprise) (8:03)
XI. Strangiato Theme (Reprise) (8:17)
XII. A Farewell to Things (9:17)
LA VILLA STRANGIATO

(UM EXERCÍCIO DE AUTO-INDULGÊNCIA)

I. Boa Noite, Meus Amigos!
II. Dormir, Talvez Sonhar ...
III. Tema Strangiato
IV. A Lerxst no País das Maravilhas
V. Monstros!
VI. O Fantasma do Aragon
VII. Danforth e Pape
VIII. A Valsa dos Shreve
IX. Nunca Dê as Costas Para um Monstro!
X. Monstros! (Reprise)
XI. Tema Strangiato (Reprise)
XII. Um Adeus às Coisas


Música por Geddy Lee, Alex Lifeson e Neil Peart


Pesadelos revelados em uma absurdamente esplêndida construção instrumental

Hemispheres termina trazendo a verdadeira primeira instrumental da carreira do Rush. "La Villa Strangiato" expõe, de forma devastadora, as cada vez mais incríveis capacidades musicais do power-trio canadense. Certamente, uma maneira espetacular de concluir um grande álbum e, acima de tudo, uma era simplesmente inesquecível.

Subtitulada e advertida como "An Exercise In Self-Indulgence" ("Um Exercício de Auto-Indulgência") esse grande e surpreendente épico instrumental combina influências do jazz fusion, metal, power rock e outros gêneros que provocavam as habilidades dos jovens integrantes.

O Rush seguiu intercalando em algumas de suas produções seções vocais com extensas tomadas instrumentais, incluindo introduções, transições, ações virtuosísticas combinadas, porções intermediárias e solos. Dessa forma, seria inevitável que a banda, mais cedo ou mais tarde, acabaria por compor uma peça com narrativas inteiramente isentas de palavras.

Indubitavelmente, os três músicos se apresentam primorosos em suas atribuições, mas "La Villa Strangiato" direciona os holofotes sobretudo para o incrível trabalho de Alex Lifeson, que faz maravilhas com seu instrumento. No geral, a composição funciona como uma vitrine que exibe o quanto o Rush se desenvolveu ao longo dos anos de 1970, culminando em um trabalho diferente de tudo o que já haviam feito. A peça multifacetada é composta por várias etapas, passeando por múltiplos temas musicais interligados que provocam admiração e que incitam análises cuidadosas. Jorrando linhas de baixo e bateria absolutamente heterogêneas, dinâmicas e saborosas, estas solidificam os espaços para que as brilhantes guitarras representem o centro do conto. A junção de todos esses ingredientes acabam produzindo uma obra inovadora, repleta de vestígios dos direcionamentos que reinariam nas fases posteriores da banda. Da mesma forma que em "Cygnus X-1 Book II: Hemispheres", as melodias altamente emotivas aliadas às infinitas variedades de mudanças de andamento, timbres e ritmos alcançam em "La Villa Strangiato" um raro e brilhante equilíbrio entre a acessibilidade e complexidade rítmica, provocando no ouvinte uma forte gama de prazer a cada audição, mesmo sem dispor de linhas vocais.

"Escrevemos essa na estrada", lembra Alex. "Utilizávamos nossas passagens de som nos shows para executar canções que iríamos gravar, e as gravaríamos ao conseguir alguns dias de folga. Essa canção foi gravada com nós três dentro da mesma sala, estávamos loucos em torno da guitarra, baixo e bateria e olhávamos uns para os outros em busca de sugestões. Meu solo na seção intermediaria foi gravado em overdub, após capturarmos as faixas básicas - toquei o mesmo enquanto fazíamos o primeiro take, regravando-o mais tarde. Se você prestar bastante atenção, poderá ouvir outro solo fantasma ao fundo. Foi um exercício divertido desenvolver uma série de seções diferentes em uma instrumental, dando chance a todos de se estenderem. Nessa época eu tinha minha [Gibson] ES-355, e meus violões Gibson Dove, J-55 e um B-45 de doze cordas. Tinha meu Marshall no estúdio, alem do Twin e dois Hiwatts que eu também utilizava ao vivo, mas o Marshall era meu verdadeiro burro de carga. O pedal Boss Chorus havia acabado de sair, mas acho que usei um Roland JC-120 para os refrões. Hemispheres foi o primeiro de muitos álbuns com refrões".

Nessa altura, um dos maiores desafios da banda, além da incansável busca por peças magníficas, era gravá-las na menor quantidade de takes possível. Os planos iniciais consistiam em fazer "La Villa Strangiato" em apenas uma tomada, mas, devido sua dificuldade inacreditável, tiveram que se contentar em fazê-la em três partes após dezenas de tentativas. Em outras palavras, a peça não foi registrada dentro dos moldes tradicionais, nos quais cada instrumento é capturado em faixas separadas - a versão original é, na verdade, a junção de três surpreendentes gravações nas quais os integrantes agem simultaneamente. Curiosamente, como resultado do grande número de investidas, "La Villa Strangiato" apresenta pequenos ruídos ao fundo (algo talvez ocorrido devido a contínua reutilização da fita de gravação), evidente principalmente durante as passagens mais tranquilas.

Duas semanas antes das gravações foram gastas em ensaios intensos, durante os quais as ideias iam sendo desenvolvidas e descartadas, germinadas e alijadas. A banda recuava para dentro de si, tornando-se insular na preocupação sobre a direção exata que o disco iria tomar. E, provavelmente devido essa corrente de leve pânico, "La Villa Strangiato" emergiu depois de 14 dias, o que acabou sendo algo incomum e estranho na carreira da banda, como propõe simbolicamente o título e teor inspirativo da canção.

"Hemispheres foi o álbum mais difícil que já fizemos", disse Alex, na época do lançamento. "Fomos para a Inglaterra duas semanas antes de gravarmos para começarmos a compor. Não tínhamos nada escrito ainda, exceto a linha principal para 'La Villa Strangiato'. Dessa forma, ao chegarmos, definimos tudo e começamos a trabalhar. Levamos o total de duas semanas nessas composições e terminamos em uma manhã muito especial - às 10 horas dessa mesma manhã, começamos as gravações. Foi dessa forma durante todo o tempo que estivemos por lá. Achávamos que o álbum seria concluído três ou quarto semanas mais cedo do que definimos, inclusive já tínhamos planos para fazermos algumas coisas em Londres, mas acabamos passando mais dois ou três dias no estúdio. Foi incrível – tivemos apenas uma semana de folga".

"Com Hemispheres, acabamos compondo coisas que eram bem difíceis de gravar, como 'La Villa Strangiato'"
, lembra Geddy. "Tentamos capturá-la em um take durante todos os dias da semana, mas não estávamos conseguindo. Tivemos que gravá-la em três partes, unindo-as posteriormente. Conforme íamos ficando melhores, os takes únicos aconteciam cada vez menos - acho que era isso, ou nós mesmos reduzindo nossas expectativas (risos). Passamos mais tempo gravando 'Strangiato' do que o Fly By Night inteiro. Tivemos quarenta tentativas para conseguirmos corretamente! Essa foi nossa primeira peça totalmente sem vocais e, dessa forma, cada seção tinha que se levantar com um tema e uma estrutura musical própria. Foi algo bem pesado para nós. Tínhamos um monte de ideias musicais diferentes e queríamos colocar tudo isso dentro de uma única canção. Queríamos realizar uma música bastante complexa que apresentasse muitas mudanças de tempo e também variações bem radicais de clima e ritmo. Há um pouco de humor nela também".

"La Villa Strangiato" traz riffs tensos, tempos perspicazes, fraseados impecáveis e a disciplina habitual do som enérgico da banda que flui sem esforço. De um começo delicado até um final distorcido, rápido e incrivelmente preciso, a composição é talvez um dos maiores símbolos da assombrosa capacidade criativa do Rush, sendo uma das poucas nas quais Peart é creditado também como compositor (normalmente ele é citado apenas pelas letras que escreve), funcionando também como um teste de fogo para o baterista na superação de barreiras de tempo e compassos.

"Essa dificuldade ficou drasticamente clara para mim durante a gravação de 'La Villa Strangiato', afirma Neil. "Durante quatro dias e noites intermináveis, tocamos essa muito longa e difícil instrumental de novo e de novo! Não iríamos desistir. Tocamos mais e mais até nossos dedos ficarem em carne viva e inchados, e nossas mentes serem drenadas e obscurecidas. Estávamos determinados em conseguir a coisa toda perfeita, mas no final simplesmente não podíamos fazer - acabamos reunindo a canção em algumas tomadas diferentes. Em termos de esforço físico, foi uma das mais difíceis que já gravamos. Minhas mãos e pés estavam tão doloridos que mal conseguimos concluir a faixa básica. Foi mentalmente difícil também, devido às mudanças rítmicas que atravessa".

"As horas no estúdio são preciosas e caras, e a pressão durante as faixas básicas cairão sobre o baterista!",
continua. "Todo mundo pode consertar uma nota aqui ou ali, mas com o baterista tem que ser perfeito. O número de microfones envolvidos na criação do som da bateria exclui a possibilidade de parar para corrigir uma batida na caixa ou um toque das baquetas. Em se tratando de uma faixa difícil que leva um longo tempo, isso é tudo o que você espera! Pode ser muito frustrante e até mesmo levá-lo aos excessos de concentração, além dos olhares de reprovação dos outros músicos quando você tenta "mais uma vez" devido algum erro bobo que você nunca cometeria antes ou outra vez em sua vida".

Tida por muitos como a maior criação instrumental já realizada pela banda em toda carreira, "La Villa Strangiato", que também é citada como uma das obras-primas do rock progressivo, segue incentivando e desafiando inúmeros outros músicos através dos tempos. O traço mais geral (e um dos mais interessantes) no composto de prodígios que a constitui é que, mesmo totalmente isenta de vocais, sua composição consegue apresentar um conto instigante de doze seguimentos interligados perfeitamente, nos quais o ouvinte pode liberar sua imaginação para que a impressionante musicalidade preencha todos espaços em branco.

Perguntado sobre a canção que havia tomado tanto tempo e dedicação da banda, Alex respondeu, "Ela tem nove minutos e meio, é uma instrumental de doze partes. É de fato muito peculiar, fora dos padrões e totalmente diferente de tudo o que já fizemos antes. Ela é uma - pode acreditar - recreação musical sobre alguns dos meus pesadelos".

Tão maravilhosamente bizarra quanto suas inspirações, "La Villa Strangiato" tenta reconstruir musicalmente os pesadelos vívidos que atormentavam constantemente o guitarrista, trazendo trechos específicos que correspondem à uma sequência de acontecimentos ocorridos em muitos desses sonhos. O título é resultado de uma fusão intencional entre o espanhol e o italiano significando, segundo a banda, "The Strange City" ("A Cidade Estranha"). "O título", diz Geddy, "é um abastardamento do espanhol e do italiano, se referindo a um lugar imaginário". Com essa composição, o Rush mergulhava de vez no desejo de tornar suas canções cada vez mais visuais.

"Essa é o cérebro de Alex, e cada seção da canção são diferentes sonhos que ele nos contava e nós dizíamos, 'pára, pára'", lembra Peart. "Foram esses sonhos bizarros que ele insistia em contar com todos os detalhes que acabaram se tornando uma brincadeira entre Geddy e eu. 'La Villa Strangiato' significa 'cidade estranha', e havia muita coisa acontecendo nela. Há uma seção big band que foi totalmente para mim, pois sempre quis tocar nessa abordagem. E há também a música de desenho animado com a qual tivemos problemas mais tarde, pois utilizamos uma de um cartoon da década de 1930".

"Alex tem alguns dos pesadelos mais bizarros, especialmente quando estamos longe na estrada"
, diz o baterista. "Às vezes, quando todos deveriam estar dormindo rapidamente em seus quartos de hotel, ele acordaria Geddy ou eu com um telefonema no meio da noite, para começar a nos contar tudo sobre esses terríveis sonhos. Por você estar quase inconsciente, algumas daquelas historias que ele trazia poderiam ser bem chocantes".

"La Villa Strangiato é uma trilha sonora para um filme que não existe"
, descreve Geddy. "Tivemos esse tipo de fantasia para essa cidade imaginária, uma cidade louca. Dessa forma, foi muito divertido fazer todas essas peças para a música - muitas canções dentro de uma canção - e tentar obter uma atmosfera para cada parte que se relacionasse com seu título. Foi um bom veiculo para nós, e uma das musicas mais divertidas na qual trabalhamos juntos - uma pequena e ótima aventura".

Como já mencionado, apesar de ser totalmente instrumental, a canção conta uma história completa com seqüência e personagens, sendo dividida em doze partes:

I: "Buenas Noches, Mein Froinds!" (0:00 - 0:26 / Total: 0:26)

Iniciando "La Villa Strangiato", temos "Buenos Nochas, Mein Froinds!", uma pequenina porém marcante introdução de 27 segundos preparada em um belíssimo violão clássico oferecido por Alex Lifeson. A inspiração vem de uma outra canção chamada "Gute Nacht, Freunde" ("Boa Noite, Amigos"), originalmente gravada em 1972 pelo cantor e compositor alemão Reinhard Mey, peça que encerra o álbum Mein Achtel Lorbeerblatt. Além das melodias, é possível notar também certa similaridade entre os títulos, aqui representados por um interessante trocadilho de palavras.

Como no título principal, o nome dessa primeira seção combina duas línguas - um pobre espanhol com algo próximo ao alemão. O trecho, por sua natureza flamenca, evoca sensações de tranquilidade que ajudam a projetar o momento em que o protagonista (que já podemos compreender como o próprio Alex) adormece tranquilamente, mergulhando a seguir em um sono muito profundo. Sua mente está longe.

"O início flamenco de "La Villa Strangiato" foi feito com palheta, para que fluísse mais rapidamente", explica Lifeson. "Nem tudo é estritamente tradicional, mas acaba trazendo um caráter clássico, como Steve Howe em 'Mood for a Day'".

II: "To sleep, Perchance to Dream..." (0:27 - 1:59 / Total: 1:32)

O segundo movimento em "La Villa Strangiato", "To Sleep, Perchance to Dream..." teve seu título recortado de um trecho da tragédia Hamlet, de William Shakespeare (1564-1616). Encontra-se no Ato III, Cena I, no verso citado pelo personagem principal que se inicia com a famosa frase "Ser ou não ser, eis a questão". O trecho cresce envolvente, em fade in, indicando o atravessar da consciência do protagonista para uma atmosfera onírica, incluindo um ostinato repetido e descendente que embala o momento. Funcionando como outro trecho introdutório, ele se torna cada vez mais alto e atrativo, incluindo sinos, sintetizadores e finalmente acenos de baixo, guitarra e bateria com padrões que se intensificam. Esse momento do sonho permanece misterioso, incompleto e ambíguo.

"Dormir... Talvez sonhar: eis onde surge o obstáculo:
Pois quando livres do tumulto da existência,
No repouso da morte o sonho que tenhamos
Devem fazer-nos hesitar: eis a suspeita
Que impõe tão longa vida aos nossos infortúnios".


III: "Strangiato Theme" (2:00 - 3:15 / Total: 1:15)

Esse trecho se apresenta como o tema principal da canção, além de encarnar o mergulho definitivo no cenário recôndito. Irrompendo o trecho anterior, "Strangiato Theme" é a primeira seção mais claramente delineada, envolvendo sincopações suaves alternadas com descidas bastante frenéticas. Conforme seu título e as explicações dos integrantes, sugerimos que Alex está agora totalmente absorto em seus sonhos, perdido e aflito em uma 'cidade estranha'. A segunda metade traz uma breve passagem angular, que oscila bruscamente através de um trítono, sugerindo movimento, desespero e busca.

IV: "A Lerxst in Wonderland" (3:16 - 5:48 / Total: 2:32)

Seguramente, um dos trechos mais célebres de toda a canção. Há aqui um retardo da parte rítmica, que muda a fórmula de compasso codificando sensações de 'esperança ilusória' para esse novo cenário, sugerindo a impossibilidade de fuga da Wonderland. Temos aqui um dos mais fabulosos e admirados trabalhos de Lifeson em seu instrumento durante toda a carreira com o Rush, um solo de guitarra absurdamente longo, emotivo e intenso que replica todas as mudanças imaginativas e sensoriais do momento, dando-lhe a qualidade real de sonho, de suspense, de mistério e de uma experiência desencarnada. O ambiente é obscuro, inexplicável e opaco, no qual o protagonista busca compreender o que ocorre e como escapar desse cerco indistinto.

"A Lerxst in Wonderland" tem como inspiração a história Alice no País das Maravilhas (título original em inglês: Alice's Adventures in Wonderland, frequentemente abreviado para Alice in Wonderland), obra mais famosa de Lewis Carroll (1832 - 1898), pseudônimo do romancista e matemático inglês Charles Lutwidge Dodgson. Considerado um grande clássico da literatura inglesa, Alice foi publicado em 4 de julho de 1865, representando uma das mais notáveis histórias do gênero literário nonsense e do surrealismo. O livro conta a história de uma menina que cai numa toca de coelho que a transporta para um lugar fantástico povoado por criaturas peculiares e antropomórficas, revelando uma lógica absurda característica dos sonhos. Lerxst, por sua vez, é o apelido de Alex entre os integrantes da banda e 'A Lerxst', conforme surge no título da quarta parte, cria um divertido contraponto com o nome da heroína.

"Sentíamos que 'La Villa Strangiato' era uma música que precisava dessa sensação de espontaneidade para funcionar", afirma Alex. "Dessa forma, passamos mais de uma semana aprendendo antes de gravarmos. Depois que terminamos, nenhum de nós achava que seria capaz de reproduzir tudo aquilo novamente, mas agora posso tocá-la enquanto assisto TV. Sempre gosto de tocar aquele solo, gosto das suas mudanças de emoção. Ele sempre permanece o mesmo em todas as noites. A banda fica ao fundo, modulando entre duas notas, e isso me dá a chance de lamentar com o instrumento".

V: "Monsters!" (5:49 - 6:09 / Total: 0:20)

Após todas as incríveis e nebulosas sensações de suspense e incertezas de "Wonderland", o pequenino quinto trecho provavelmente exprime uma fuga desesperada de Alex ao se deparar com criaturas (ou até mesmo medos) que ele classifica como "Monstros!". A perseguição, com ares de desenho animado, foi baseada na melodia principal da segunda seção de "Powerhouse", clássico instrumental criado em 1937 pelo maestro Raymond Scott (1908-1994). O antigo diretor musical da Warner Bros., Carl Stalling, (1891-1972) utilizou a composição como trilha sonora para vários cartoons da Merrie Melodies e da Looney Tunes nos anos de 1940 e 50 (a música não havia sido escrita originalmente para esses fins, porém, os direitos autorais acabaram sendo vendidos à Warner em 1943). Na apropriação de "Powerhouse", o Rush deixou de creditar o compositor original pela utilização, o que acabou acarretando alguns problemas legais para a banda. Os empresários dos canadenses, sendo muito cordiais com o Sr. e a Sra. Scott (Raymond ainda era vivo na época), ofereceram um pagamento pelo deslize, sentindo ser o mais ético a ser feito, o que evitou que o caso fosse levado aos tribunais. Todos os envolvidos ficaram satisfeitos com o acordo e o Rush não teve grandes obrigações financeiras, além de não precisar ceder os créditos a Scott.

"Monsters!" replica a atmosfera do tipo de 'música mecânica' que era bastante utilizada pela Warner em seus desenhos antigos, e a banda consegue algumas alterações para que os elementos de "Powerhouse" se encaixassem perfeitamente com suas características - há a combinação de trinados na guitarra às linhas de baixo, além de tomadas mais frenéticas e tempos alternados. A combinação de tais investidas produz um efeito perturbador de pressa e atividade no ouvinte, similar ao chamado Rapid Eye Movement (Movimento Rápido dos Olhos), fase do sono na qual ocorrem os sonhos mais vívidos. Nesse estágio, os olhos movimentam-se rapidamente e a atividade cerebral é similar àquela que se passa quando se está acordado. As pessoas despertadas durante o sono REM normalmente sentem-se alertas, com maior índice de atenção ou mais dispostas e prontas para uma atividade normal, o que certamente acabou inspirando a clareza e a intensidade das imagens dessa seção. Aqui, Lifeson e Lee também utilizam a técnica do palm-muting, forçando a não propagação das notas da melodia.

"À medida que 'La Villa Strangiato' se desenvolvia, decidimos temperar determinadas seções com algumas ideias de desenhos animados", revela Alex.

VI: "The Ghost of the Aragon" (6:10 - 6:44 / Total: 0:34)

"The Ghost of the Aragon" é outro pequenino e extremamente marcante trecho de "La Villa Strangiato". Intenso e perturbador, ele oferece como maiores destaques as ações de Geddy Lee e Neil Peart em suas atribuições, estes que trazem solos terrivelmente intrincados em seus instrumentos, fato que caracteriza o momento como um dos mais enérgicos e complexos de toda a canção. Mantendo a estética febril de "Monsters!", "The Ghost of the Aragon" tem início com um solo de baixo muito virtuoso, continuando com acordes de guitarra abertos, vivos, claros e altamente sincopados, e com sua textura se tornando cada vez mais ímpar e instável.

Nesse trecho, é possível que Alex se depare bruscamente em seu pesadelo com uma nova entidade amedrontadora, classificada como "O Fantasma do Aragon". A inspiração para esse personagem pode relacionar-se ao Aragon Ballroom, casa de shows tradicional localizada em Chicago, Illinois (EUA), onde o Rush tocou por oito vezes entre 1974 e 1978. Inaugurado em 1926 e nomeado como a comunidade autônoma da Espanha (Aragão), o Aragon foi projetado em estilo mourisco, com o interior semelhante a uma aldeia espanhola, sendo um sucesso imediato e se mantendo como uma atração popular principalmente por toda a década de 1940. Funcionando como uma extravagante casa da era do jazz, a sugestão de inspiração acaba corroborando com as tomadas sensivelmente jazzísticas dessa seção.

VII: "Danforth and Pape" (6:45 - 7:25 / Total: 0:40)

"Danforth and Pape", a sétima parte do conto, refere-se a um cruzamento localizado na cidade de Toronto, Canadá. A Danforth Avenue é uma avenida arterial leste-oeste conhecida também como Highway 5, uma movimentada via da região com grande tráfego de veículos. É um local primariamente comercial, notório por abrigar historicamente a maior comunidade grega da América do Norte. Já a Pape Avenue segue até Pape Village, um pequeno distrito da cidade.

Após se deparar com o "Fantasma do Aragon", a perseguição avança cada vez mais frenética, agora com o protagonista desnorteado em um ambiente urbano que é marcado, acima de tudo, por arquiteturas antigas. Lifeson destila para essa seção um solo de guitarra altamente sincopado, com mudanças dissonantes desconcertantes que incorporam acordes prolongados. A investida parece retratar a fuga de Alex pela cidade frisando o cruzamento, exprimindo total confusão e desespero, na qual é possível imaginar o protagonista completamente perdido e aflito, olhando para todos os lados tentando encontrar um local para se proteger. Interessante perceber que o final retoma extratos variados e bizarros de "Strangiato Theme", o que reforça a ideia de ambiente externo.

VIII: "The Waltz of the Shreves" (7:26 - 7:51 / Total: 0:25)

A comicidade é, certamente, um dos traços mais marcantes de Lifeson, e o trecho "The Waltz of the Shreves" ("A Valsa dos Shreves") parece retratar de maneira contundente tal característica. Ao que tudo indica, o protagonista, em sua fuga, acaba entrando subitamente em um ambiente onde acontece uma valsa, nesse caso da família Shreve. Da mesma forma como o próprio gênero musical, a oitava parte também apresenta um compasso ternário. Definitivamente, não há limites para a criatividade e versatilidade dos canadenses.

Existem teorias que afirmam as origens antigas da família Shreve como advindas da Itália ou Grécia, e até mesmo da região dos Bálcãs, local de onde a família Zivojinovich (de Alex) emigrou para o Canadá. Essa mistura entre ingredientes de povos e nacionalidades variadas pode representar algumas das estranhezas da cidade devaneadora, elementos inclusive já utilizados na parte introdutória "Buenos Nochas, Mein Froinds!" e no próprio título da canção.

IX: "Never Turn Your Back on a Monster!" (7:52 - 8:02 / Total: 0:10)

Em "Never Turn Your Back on a Monster!", o menor trecho de toda "La Villa Strangiato", é provável que o protagonista tenha se distraído com a valsa ou pensava estar momentaneamente protegido. Porém, para seu horror, um outro monstro (ou um dos mesmos anteriores) ressurge. O cenário em blues é de suspense mórbido e de muita tensão, soando como uma versão mais lenta de "Monsters!".

X: "Monsters! (Reprise)" (8:03 - 8:16 / Total: 0:13)

O breve retorno do tema baseado em "Powerhouse" exibe novamente a desvairada perseguição.

XI: "Strangiato theme (Reprise)" (8:17 - 9:20 / Total: 1:03)

Uma retomada do tema principal, que desenha mais uma vez a soturna "Cidade Estranha". Tal qual uma prisão, aparentemente, não mostra escapatória, mas o protagonista (agora representando toda a banda), conseguiria dizer adeus para frenética jornada que pode representar, por fim, a própria natureza dos trabalhos produzidos pelos músicos até aqui.

XII: "A Farewell to Things" (9:20 - 9:37 / Total: 0:17)

Em poucos segundos, o Rush conclui uma de suas mais incríveis obras. Reprisando parte de "Monsters!" e, como ato final, com os holofotes se voltando para o baixo de Geddy (como em "The Ghost of the Aragon"), o título da última seção de "La Villa Strangiato" remete, sem dúvidas, ao álbum anterior, A Farewell to Kings, este que consolidou o período de composições extremamente complexas, fantasiosas e avassaladoras do grupo. O gracejo provavelmente sugere que a banda brevemente se moveria em uma nova direção. Nesse momento, os integrantes estavam um pouco mais inclinados para o lado do cérebro dominado por Apolo, que busca a razão lógica, mas, certamente, haviam decidido perseguir o equilíbrio abrangente se aproximando de Dionísio, como o próprio núcleo de Hemispheres propõe.

Com "La Villa Strangiato", Alex foi perguntado se a banda gostaria de continuar a incluir outros estilos e influências mais ecléticas em suas músicas. "É muito divertido fazer coisas assim, e soa muito bem. Acho que continuaremos. Estamos sempre ouvindo o que está acontecendo, além de tentar perceber como as outras pessoas são influenciadas e como somos influenciados por elas, por suas atitudes com relação à música".

"Esse álbum foi mais instrumental do que qualquer outro anterior, e acho que vamos continuar nessa", diz Geddy. "Tivemos aqui nossa primeira peça puramente instrumental e vejo isso como um ponto de partida para a banda. Aprendemos muito com essa música e sobre o que podemos fazer sem usar letras. Sobre a pegada mística e de fantasia em nossas canções, não podemos dizer no momento o quão longe irá, pois ainda não compomos para o próximo álbum - apenas começamos a escrever e a discutir para onde iremos. Não posso dar dicas sobre a estrutura, e também não muito sobre o conteúdo, mas acho que vamos para o próximo com talvez duas canções de dez minutos, seguidas por quatro ou cinco músicas curtas, pois já faz um tempo que estamos concentrando nossos esforços em escrever canções de menor extensão".

"Devo admitir que 'La Villa Strangiato' foi mais um exercício técnico do que qualquer outra coisa"
, reconhece Alex.

"Nos últimos quarto discos, trabalhamos fazendo canções de vinte minutos e tentando acertar", continua Geddy. "As faixas épicas trazem um esforço excessivo especialmente no palco, mas elas acabam nos satisfazendo por serem incrivelmente indulgentes, além do público parecer gostar disso tanto quanto nós".

© 2014 Rush Fã-Clube Brasil

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