THE COLOR OF RIGHT



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HALF THE WORLD  THE COLOR OF RIGHT  TIME AND MOTION


THE COLOR OF RIGHT

I don't have an explanation
For another lonely night
I just feel this sense of mission
And the sense of what is right

Take it easy on me now -
I'd be there if I could
I'm so full of what is right
I can't see what is good


It's a hopeless situation
Lie awake for half the night
You're not sure what's going on here
But you're sure it isn't right

Make it easy on yourself
There's nothing more you can do
You're so full of what is right
You can't see what is true


A quality of justice
A quantity of light
A particle of mercy
Makes the color of right

Gravity and distance
Change the passage of light
Gravity and distance
Change the color of right
A COR DO QUE É CERTO

Não tenho explicação
Para outra noite solitária
Sinto apenas esse senso de missão
E o senso do que é certo

Tenha calma comigo agora -
Estaria lá se eu pudesse
Estou tão cheio do que é certo
Que não consigo ver o que é bom


É uma situação desesperadora
Ficar acordado parte da noite
Você não tem certeza do que está acontecendo
Mas tem certeza de que não está certo

Torne mais fácil para si mesmo
Não há mais nada que você possa fazer
Está tão cheio do que é certo
Que não consegue ver o que é verdade


Uma qualidade de justiça
Uma quantidade de luz
Uma partícula de compaixão
Fazem a cor do que é certo

Gravidade e distância
Alteram a passagem de luz
Gravidade e distância
Alteram a cor do que é certo


Música por Geddy Lee e Alex Lifeson / Letra por Neil Peart


As variações das percepções e dos princípios morais

"The Color of Right" é a quarta faixa de Test For Echo. Oferecendo uma musicalidade prazerosa e melódica, o Rush presenteia novamente o ouvinte com um convite à reflexão sobre a natureza humana, suscitando dessa vez o ótimo tema da vasta variedade de percepções individuais de moralidade.

"A canção trata da moralidade", explica Neil Peart. "Ela tenta definir o atributo e porque o mesmo é tão diferente em cada um. Você pode dizer, 'Bem, achei que era a coisa certa a se fazer' e alguém responder, 'Isso foi totalmente errado'. Dessa forma, fico me perguntando sobre o surgimento dessas variações, especialmente no contexto das relações".

Musicalmente, "The Color of Right" irradia outra genuína elaboração do Rush. Equilíbrio entre texturas, refrões poderosos, mudanças de andamento e climas muito sutis fazem desta mais uma incrível mágica sensorial.

Um sentimento de frescor pode ser ouvido no soar das primeiras notas, expressando uma progressão de acordes muito próxima à "Lock And Key", canção do álbum Hold Your Fire, de 1987. A composição, alinhada pelos vocais, mostra uma sensação de angústia que se faz primordial para a captação dos desígnios propostos. Seguindo as ondas de leveza características da anterior "Half The World", recebemos um Rush abrandado flutuando com melodias e brincando com harmonias (características presentes em grande parte do álbum, mas que aqui se mostram bastante proeminentes).

"The Color of Right" apresenta bases de teclados muito sutis, importantes para o descanso da obra. O trecho central evidencia riffs de guitarra bastante intensos, que funcionam como uma quebra dos doces momentos iniciais. Geddy e Alex seguem se alternando no comando e, sem jamais perder o brilho, temos ainda Peart se divertindo em diferentes padrões e utilizando toques simples, com destaque para a forma sensível com que aciona seus pratos.

Segundo o baterista, o título e o teor da canção foram escolhidos a partir de uma conversa que teve com sua filha Selena sobre seus estudos de direito. Na verdade, Colour of Right (no inglês britânico) é um termo jurídico utilizado na Inglaterra e nos países da Commonwealth que representa a justificação de um ato ou de uma ação questionada, onde o acusado alega a existência de uma boa razão para sua atitude e nenhuma intenção criminosa. É definido no código de leis como uma crença honesta realizada em direito à propriedade; uma defesa à acusação de roubo, referindo-se ao réu como alguém que acreditava que não haveria problemas em usufruir da propriedade de outrem. Deste modo, o letrista utiliza a ideia para ilustrar as inúmeras percepções do que seriam atitudes verdadeiramente corretas para uma pessoa.

"A frase veio de uma das lições de casa das aulas de direito da minha filha", explica Peart. "Há um termo jurídico na lei canadense chamado 'Colour of Right', e achei que seria uma bela metáfora proveniente da linguagem jurídica para utilizar. Como em 'Cold Fire' de Counterparts, que mostra uma pequena discussão entre duas pessoas, quis dramatizar e ilustrar esse assunto em um conceito mais amplo, fazendo com que algo pessoal e pequeno pudesse se revelar muito maior e abstrato".

Construindo mais uma vez uma composição na forma de um diálogo, Peart põe à prova os inúmeros sistemas dogmáticos de moralidade e a contumaz determinação dos indivíduos em acatá-los, comportamento que sufoca a possibilidade de percepções mais genuínas das situações - o que levaria a uma compreensão mais factual dos frequentes impasses das nossas relações. "The Color of Right" propõe um olhar alternativo às regras éticas pessoais adquiridas por influências, ideologias e tradições, forçando uma busca pela compreensão pura daquilo que é realmente certo, desviando da utilização habitual e superficial do julgamento moral.

"The Color of Right" exprime que o senso de justiça em alguns indivíduos é mais ardente do que a própria felicidade ou satisfação pessoal. A canção expõe ainda o paradoxo entre o que é o correto, o que é bom e o que é verdade, questionando pontos de vista rasos - estes que geralmente não são confrontados e que dificultam o alcance essencial de atitudes mais acertadas.

Da mesma forma que no título, Peart utiliza palavras com significações plurais que enriquecem ainda mais seus argumentos. No último verso, com o trecho "gravity and distance change the passage of light" ["gravidade e distância alteram a passagem de luz], o baterista demonstra conhecimentos da física abordando o comportamento da luz em relação à gravidade e à distância. O conceito-base é o redshift, também conhecido como desvio para o vermelho. Por definição, trata-se da alteração da frequência da luz quando observada em função da velocidade relativa entre a fonte emissora e o receptor-observador. Com uma estrela distante emitindo luz em nossa direção, milhares de fótons acabam chegando aos nossos olhos. Caso a nossa distância em relação à estrela não variasse, veríamos a luz com sua verdadeira frequência - porém, se estivéssemos nos afastando, a frequência das ondas diminuiria. Na frequência mais baixa (ou no comprimento de onda mais alto), a luz que chega até nós passaria a mudar, tomando um tom cada vez mais avermelhado. O efeito redshift, portanto, designa a diferença da cor da luz que chega até nós. O mesmo também ocorreria com a diminuição da distância - nesse caso, a luz apresentaria tons de maiores frequências, como o azul.

Interessante observar que o efeito redshift serviu para que o astrônomo norte-americano Edwin Hubble (1889 - 1953) verificasse o afastamento das galáxias, levando-o a concluir que o Universo se expandia. O redshift continua sendo muito utilizado para medir a velocidade de afastamentos de corpos luminosos relativos a nós, verificando a velocidade de expansão do Universo e ajudando na medição da idade do mesmo. A radiação cósmica de fundo, uma das mais fortes evidencias da Teoria do Big Bang, é entendida graças à compreensão desse efeito.

O campo gravitacional de um corpo atrai outros corpos materiais, fato formalizado através das leis da gravitação clássica de Newton. Indo além, um campo gravitacional suficientemente intenso também é capaz de desviar a trajetória da luz, e a explicação mais adequada para este fenômeno vem da Teoria da Relatividade Geral de Einstein: a gravidade muda a geometria do espaço-tempo localmente - ou seja, onde há um campo gravitacional forte, o espaço se curva e a luz segue então uma trajetória igualmente curva em torno de um objeto massivo. A distância, por sua vez, não interfere na propagação da luz. Incrivelmente, Neil Peart consegue ilustrar com todos esses princípios as próprias relações humanas, representando a gravidade das situações e a distância do observador como pilares que poderão afetar a percepção sobre o que seja certo ou errado, além da compreensão real de uma situação e até mesmo de sua natureza objetiva. A luz, nesse caso, reflete a sabedoria: a busca do esclarecimento sobre as situações que se apresentam.

Os trechos "I'm so full of what is right you can't see what is true" ["Estou tão cheio do que é certo que não consigo ver o que é bom"] e "You're so full of what is right you can't see what is true" ["Está tão cheio do que é certo que não consegue ver o que é verdade"] refere-se, certamente, aos sistemas dogmáticos de moralidade e a determinação que muitas pessoas trazem em aderi-los. Estes podem cegar percepções sobre a verdadeira natureza e abrangência das situações, bloqueando compreensões mais profundas. É verdade que a maioria das pessoas, naturalmente, se recusa a lançar o olhar para fora de suas regras éticas (a fim de verificar se há algo diferente que seja necessário), ignorando ou não se incomodando com a busca pelo real. Assim, elas forçam seu julgamento moral apenas no campo do que entendem de imediato como o certo. Para Peart, justiça, compaixão e sabedoria são elementos imprescindíveis para um entendimento mais abrangente das várias facetas das nossas relações.

"Com relação às frases 'Gravidade e distância alteram a passagem de luz' e 'Gravidade e distância alteram a cor do que é certo', busquei utilizar uma metáfora mudando-a e adequando-a às minhas necessidades. Estava interessado no duplo sentido da gravidade e da distância. Física versus metafísica. Tomo o segundo significado da citação como outra maneira de dizer que há uma grande diferença entre teoria e prática. Quando as coisas se tornam graves ou quando as vemos de perto, elas parecem diferentes".

As letras e músicas do Rush buscam sempre refletir o desejo de um mundo mais sensível, justo e amável, e "The Color of Right" é, certamente, mais um grande exemplo: uma canção que incomoda o interior utilizando uma magnífica mensagem poética que evita os temas habituais das singularidades humanas, revelando algo muito mais laborioso e fascinante: as características que nos são comuns.

© 2016 Rush Fã-Clube Brasil

MIERS, J. "The Road Less Traveled / A Conversation With Neil Peart Of Rush". Weekend Music Editor, Buffalo New York's Metro Weekend. October 17 - 23, 1996.