THE BIG WHEEL



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WHERE'S MY THING?  THE BIG WHEEL  HERESY


THE BIG WHEEL

Well, I was only a kid - didn't know enough to be afraid
Playing the game, but not the way the big boys played
Nothing to lose - maybe I had something to trade
The way the big wheel spins

Well, I was only a kid, on a holy crusade
I placed no trust in a faith that was ready-made
Take no chances on paradise delayed
So I do a slow fade

PLAYING FOR TIME
Don't want to wait for heaven
LOOKING FOR LOVE
For an angel to forgive my sins
PLAYING WITH FIRE
Chasing something new to believe in
LOOKING FOR LOVE
The way the big wheel spins

Well, I was only a kid, cruising around in a trance
Prisoner of fate, victim of circumstance
I was lined up for glory,
But the tickets sold out in advance
The way the big wheel spins

Well, I was only a kid, gone without a backward glance
Going for broke, going for another chance
Hoping for heaven - hoping for a fine romance
If I do the right dance

Wheel goes round, landing on a twist of faith
Taking your chances you'll have the right answers
When the final judgment begins

Wheel goes round, landing on a leap of fate
Life redirected in ways unexpected
Sometimes the odd number wins

The way the big wheel spins
A GRANDE ROLETA

Bem, eu era apenas um garoto - não sabia o suficiente para ter medo
Jogando o jogo, mas não da forma que os garotos grandes jogavam
Nada a perder - talvez tivesse algo a negociar
Na forma que a grande roleta gira

Bem, eu era apenas um garoto, em uma cruzada santa
Não depositava confiança em uma fé pronta
Não me arriscando no paraíso adiado
Então vou desaparecendo

GANHANDO TEMPO
Não quero esperar pelo céu
PROCURANDO POR AMOR
Por um anjo que perdoe meus pecados
BRINCANDO COM FOGO
Perseguindo algo novo para acreditar
PROCURANDO POR AMOR
Na forma que a grande roleta gira

Bem, eu era apenas um garoto, viajando por aí em transe
Prisioneiro do destino, vítima da circunstância
Estava na fila para a glória,
Mas os ingressos se esgotaram com antecedência
Na forma que a grande roleta gira

Bem, eu era apenas um garoto, que foi sem olhar para trás
Ficando sem grana, seguindo para mais uma possibilidade
Esperando pelo céu - esperando por um belo romance
Se eu dançar conforme a música

A roleta vai dando voltas, parando numa ironia da fé
Aproveitando suas chances você terá as respostas
Quando o julgamento final começar

A roleta vai dando voltas, parando num salto do destino
A vida toma direções inesperadas
Às vezes o número ímpar é o vencedor

Na forma que a grande roleta gira


Música por Geddy Lee e Alex Lifeson / Letra por Neil Peart


A racionalidade que assimila a aleatoriedade e a finitude

A sexta canção do álbum Roll The Bones é "The Big Wheel", uma peça de atmosfera cativante que novamente destaca a imprevisibilidade e a brevidade da vida. Como a inicial "Dreamline", ela parte do ponto de vista da juventude, que simboliza naturalmente momentos de indecisão, mas também ousadia, otimismo, autoconfiança e coragem na busca pelos sonhos.

Neil Peart explora mais uma vez a força de vida geralmente marcante enquanto somos jovens, criando uma interessante dualidade entre a inocência e a experiência do ser humano. De forma nitidamente autobiográfica, negada algumas vezes pelo baterista, "The Big Wheel" exalta de forma inteligente algumas das suas mais antigas bandeiras: o individualismo e a autoafirmação, através das quais podemos nos blindar contra opressões.

"The Big Wheel" é acompanhada por sintetizadores muito bem dispostos que caminham gradualmente para o típico rock and roll produzido pelo Rush. A canção é constante e soa bastante doce e melódica no geral, principalmente através do excelente trabalho de nuances e riffs concebidos por Alex Lifeson combinado às linhas de baixo sempre harmoniosas de Geddy. O refrão bastante agradável e acessível se destaca, criando um contraste cativante com os versos sutilmente mais pesados, traços que acabam rendendo uma admirável composição.

Nesse ponto, já entendemos que Roll The Bones se propõe a comparar a vida a um jogo totalmente imprevisível, utilizando elementos como dados ("Roll The Bones"), cartas de baralho ("Face Up") e agora uma roleta de cassino ou uma roda da fortuna para figurar suas intenções. Em "The Big Wheel", Peart se utiliza novamente de um jovem personagem solitário e comum para caminhar com seu tema, assim como fez em canções mais antigas como "Circumstances" (Hemispheres, 1978), "Subdivisions" e "The Analog Kid" (Signals, 1982). Definitivamente, o Rush sempre foi uma banda que se importou com os jovens dos subúrbios, não havendo dúvidas de que os músicos, sempre que podem, buscam abordar esse tipo de público em seus temas, com o qual se identifica fortemente.

"'The Big Wheel' é um bom exemplo nesse álbum", define Peart. "Ela parece ser autobiográfica, mas na verdade não é. Eu procurava por algo universal sobre as compensações e desvantagens entre a inocência e a experiência, e essa canção se refere de fato a isso. Não é sobre as circunstâncias da minha própria vida, sendo importante que não fosse autobiográfica, mas sim apenas pautada pela verdade. Sempre procuro muito por coisas universais sobre as quais outras pessoas também possam se identificar, algo que faça parte da vida de todos, e eu acho que provavelmente seja essa a razão de me sentir tão atraído. Portanto, muito do que faço é desenhado a partir das minhas observações sobre as pessoas que estão ao meu redor, o que se torna um fator também, sobre como elas reagem à vida, sobre como levam a mesma e como se adaptam a coisa da inocência e da experiência".

As intenções de Peart em "The Big Wheel" foram primordialmente inspiradas em Canções de Inocência e de Experiência, um dos trabalhos mais famosos do poeta inglês William Blake (1757 - 1827). Publicado em 1789, a obra mostra a infância como uma época e um estado de inocência protegida, mas não imune ao mundo decadente e às suas normas. Por vezes, esse mundo atinge a própria infância, passando então a ser conhecido através da experiência - ou seja, o estado de ser marcado pela perda da vitalidade, pelo medo, pela inibição, pela corrupção social e política e pela opressão diversa da Igreja, Estado e classes dominantes.

Imagens de embasamento cristão misturam-se a retratos da natureza, sendo permeadas pelo espírito de inocência do título, sintetizado nos símbolos do cordeiro, do bom pastor e do paraíso divino. Mas, mesmo nesse universo idílico, há sempre um sopro de realismo, que implica a violência e a pobreza, a crueldade e as contradições humanas - em geral associadas à metrópole, fruto da Revolução Industrial que, na segunda metade do século 18, impunha profundas transformações nas estruturas e valores do trabalho, da moradia e da convivência social. O ambiente agrícola era substituído pelo cenário urbano, e o homem espiritual e religioso perdia lugar para o pensador empírico e racionalista.

Pelo que se propõe Roll The Bones, "The Big Wheel" expressa o inevitável momento que álbum alcançaria: quando as ideias do acaso, da imprevisibilidade e da aleatoriedade esbarram em filosofias contrárias ou, notavelmente, em preceitos religiosos. A canção desenha um jovem garoto que já se sente desconfortável com o sistema de credos no qual foi doutrinado a crescer, propondo um contraponto interessante: ao defender o acaso e a aleatório como únicas certezas, o personagem declina das crenças que defendem um prêmio a ser recebido após a morte, afirmando o amor como um dos sentimentos milagrosos e mágicos que podemos experimentar aqui mesmo, em vida.

"Essas questões são bem difíceis de lidar, pois o conceito de Universo aleatório é aterrorizante para algumas pessoas", reconhece Peart. "Obviamente, o propósito da religião e de várias associações políticas é tentar nos distanciar desse abismo final".

"Não, nunca houve uma época em que acreditei, e questionava realmente quando criança indo para a escola dominical. O ser onipresente e benevolente, o Deus do céu me confundia naquela época e, uma vez que fiquei mais velho, me lembrei de quando era um adolescente no meu quarto em casa. Peguei umas latas de spray, umas latas de grafite, e escrevi 'Deus Está Morto' de Nietzsche. Meus pais, mesmo não sendo religiosos em particular, disseram, 'Oh meu Deus, sua avó vai morrer se ver isso'. Então pintei, 'Deus Não Está Morto'. Não importava pra mim, para ficar tudo em paz".

"Eu só era curioso e aberto a isso, e quando entrei na idade adulta, aprendendo sobre diferentes religiões e filosofias, disse, 'Bem, não há nada aqui para mim'. Às vezes, aparecia alguma que eu poderia adotar - em termos de crenças, a reencarnação nunca me atraiu, me parecendo impossível ou improvável, mas outras atitudes pareciam perfeitamente certas".

"Mencionei anteriormente que a raiva e a indignação às vezes me trazem inspiração, e acabo escrevendo sobre essas coisas. Pessoas irão perguntar, 'Porque você é intolerante com a fé?'. Eu não me sinto um intolerante com a fé. Só não é algo com o qual fico pensando o dia inteiro, e minha vida tem sido completa sem nenhum desses aspectos. Não entendo porque seja necessária essa espécie de lavagem cerebral em quase todos os casos, em que pobres crianças têm sido criadas e formadas nesses moldes e, de repente, esse 'ismo' é colocado após o seu nome a partir do momento em que nasce. Elas não escolheram isso, e nunca questionam. Sempre questionei, desde o começo".

"Fui à escola dominical quando garoto, e naquela época eles nos diziam para cantar a canção 'Deus Observa os Pardais' - e eu dizia, 'Eu não penso assim de fato, olhe para o mundo agora'. Há um comediante e ótimo escritor chamado Stephen Fry que outro dia falava sobre isso, dizendo, 'E se você fosse para o céu encontrar Deus? Embora fosse um encontro agradável, eu diria, 'Porque você cria todos esses parasitas que crescem atrás dos olhos dos bebês, destruindo sua visão'. Nenhum tipo de Deus deveria ser adorado por isso, não é?".

"Digo que se eu subir para conhecer São Pedro, Jesus, Deus, Alá, Buda ou qualquer um que você quiser na foto, estarei bem, pois vivi uma vida baseada na crença da generosidade, caridade, bondade e cortesia, todas essas coisas que parecem boas para mim de qualquer maneira. Não preciso de uma ameaça que me faça me comportar dessa forma e não preciso de uma recompensa. Há sempre a mística em todos os aspectos: não importa o quão ruim essa vida é, você vai pro céu, ou, se isso não funcionar muito bem, é melhor você se comportar ou irá para o inferno, sendo esses os dois únicos lados que a religião lhe oferece. Eu não acho necessário, e fico curioso por saber porque outras pessoas precisam desse amigo invisível, ao passo que para as nações 'o meu amigo invisível pode detonar o seu amigo invisível'".

"Ao me voltar para as religiões pagãs (estou aberto a todas elas, não estou sendo cínico) quando viajei para a África, estava muito interessado no panteísmo deles, e sobre como atribuem espiritualidade para tudo ao seu redor. As religiões acabaram se arqueando às nossas buscas. Elas não são um fim, mas admiro a busca espiritual. Não sinto que preciso, mas se elas são inocentes e não prejudicam as crianças, então está tudo bem".


"The Big Wheel" reserva em seus versos finais dois trocadilhos bastante interessantes e fundamentais. Peart toma duas famosas expressões, "Leap of Faith" ("Salto da fé") e "Twist of Fate" ("Ironia do Destino") invertendo-as, criando "Twist of Faith" ("Ironia da Fé") e "Leap of Fate" ("Salto do Destino"). Inicialmente, "Salto da fé", no sentido mais comumente utilizado, é o ato de crer ou aceitar algo intangível, improvável ou sem evidência empírica. A fé representa um salto - a ausência da mediação humana - por não haver transição racional entre o finito e o infinito. Crer, nesse caso, é saltar para o absurdo, penetrando na esfera do paradoxo e do inverossímil, onde a figura de Deus se situa - implicando a conversão, isto é, o separar-se da oferta da razão. A fé, portanto, é definida como um movimento ao absurdo.

A expressão foi atribuída ao filósofo e teólogo dinamarquês Sören Kierkegaard (1813 - 1855). Kierkegaard defendia que o salto é a forma como agem os apaixonados e os que creem em Deus. Segundo ele, a fé não é algo que possa ser baseado em evidências ou lógica, de forma que não há qualquer lógica que possa justificar o comprometimento total, seja em torno da verdadeira fé ou de um "amor romântico" - um dos elementos utilizados por Peart na canção. Esse salto se efetua de maneira instantânea, sendo o momento da decisão de obedecer à ordem absurda do ser que transcende a racionalidade humana. A defesa de Kierkegaard representa a fé como um comprometimento incondicional - um salto no escuro - que não apresenta nenhuma garantia racional para o indivíduo, significando sua salvação exatamente por esse motivo. Em muitos casos, trata-se da ruptura de uma antiga atitude perante a vida (ética) para outra (religiosa), colocando o indivíduo em relação direta com o Deus absoluto, causando um rompimento entre ele e o geral (a sociedade e suas regras).

Já "Ironia do Destino" refere-se a uma ocorrência imprevisível e aleatória com consequências de longo alcance. É uma expressão muito popular utilizada para indicar um acontecimento inesperado e por vezes curioso, servindo para mostrar que nem sempre controlamos os acontecimentos na vida. Assim, a ressignificação de Peart parece resumir perfeitamente os seus posicionamentos pessoais: definitivamente, não há certeza ou plano superior determinando ativamente o desenrolar da vida humana.

O tour book da turnê Roll The Bones apresenta uma mensagem sutil em código-morse, ilustrada por crânios e ossos que diz, "remember death". O lembrete foi inspirado na expressão medieval latina memento mori, significando algo como "lembre-se de que você é mortal", "lembre-se de que você vai morrer", ou "lembre-se da morte". Era utilizada como meio de se considerar a vaidade da vida e a natureza transitória de todos os bens terrenos e buscas, além de ser parte importante de disciplinas ascéticas como forma de aperfeiçoamento de caráter - cultivando o desapego e outras virtudes, além de olhar para a imortalidade da alma e para a vida após a morte. Na arte, memento mori representa lembranças artísticas ou simbólicas da mortalidade, sendo desenvolvida no contexto da arte cristã europeia com o crescimento do próprio cristianismo - sublinhando o Céu, o Inferno e a salvação da alma. O termo, portanto, é bastante aproximado do gênero artístico Vanitas, que marca o trabalho gráfico do disco. Porém, toda essa estética clássica é utilizada por Peart para representar justamente a nossa finitude.

"A arte da capa reflete um estilo holandês de pintura do século XVII chamado Vanitas, no qual símbolos como crânios (e também velas, livros, flores, cartas de baralho, etc.) eram utilizados para lembrar aos holandeses sobre a brevidade da vida, além da definitiva transitoriedade de todas as coisas materiais e dos prazeres sensuais", explica Peart. "Essas pinturas às vezes utilizavam o dizer latino 'memento mori', que se traduz como 'lembre-se da morte'. Portanto, como se pode ver, é basicamente uma daquelas piadas intelectuais, daquelas que faz seu cérebro doer de pensar. Mas afinal, se você não for um seguidor da Shirley MacLaine, como pode 'se lembrar a morte?'. Só pode se lembrar que ela está lá".

Temos em "The Big Wheel" uma nova afirmação de imprevisibilidade em Roll The Bones. A ideia dessa grande roleta pode ser angustiante para muitos, mas a força humana deveria vir dessa própria ciência. Relembrando canções como "Time Stand Still" e "Turn The Page" (ambas de Hold Your Fire, 1987), é importante tentarmos não sofrer pensando no futuro ou relembrando passado, mas sim buscando viver o presente inspirando-se e aguçando a percepção - não somente sobre tudo o que está ao nosso redor, mas sobre nós mesmos. É como o próprio Peart menciona no tour book da turnê, "Jogando o jogo, mas não do jeito que os adultos jogam. Gire a roleta! Desculpe, mas você perdeu. A vida é tão injusta! Esmagado por essa bobina mortal nesse vale de lágrimas, jogando o game show cósmico, esperando a festa do fim do mundo, esperando por intervalos comerciais e navegando pelos canais - e de repente o show acaba? Se você jogou bem e deu tudo o que tinha, você certamente é um vencedor, mas às vezes o vencedor não leva nada".

© 2015 Rush Fã-Clube Brasil

HAYMES, G. "Thinking Man's Rock Still Pushing, Hard-Rocking Rush Admits To Ambition, Not Pretension". Albany Times Union. December 12, 1991.
LADD, J. "Jim Ladd Interviews Neil Peart". SiriusXM. February 3, 2015.