TERRITORIES



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MARATHON  TERRITORIES  MIDDLETOWN DREAMS


TERRITORIES

I see the Middle Kingdom between Heaven and Earth
Like the Chinese call the country of their birth
We all figure that our homes are set above
Other people than the ones we know and love

In every place with a name
They play the same territorial game
Hiding behind the lines
Sending up warning signs

The whole wide world
An endless universe
Yet we keep looking through
The eyeglass in reverse
Don't feed the people
But we feed the machines
Can't really feel
What international means

In different circles
We keep holding our ground
Indifferent circles
We keep spinning round and round


We see so many tribes - overrun and undermined
While their invaders dream
Of lands they've left behind
Better people - better food - and better beer
Why move around the world
When Eden was so near?

The bosses get talking so tough
And if that wasn't evil enough
We get the drunken and passionate pride
Of the citizens along for the ride

They shoot without shame
In the name of a piece of dirt
For a change of accent
Or the colour of your shirt
Better the pride that resides
In a citizen of the world
Than the pride that divides
When a colourful rag is unfurled
TERRITÓRIOS

Eu vejo o Reino Médio entre o Céu e a Terra
Tal como os chineses chamam o país em que nasceram
Todos nós imaginamos que nossos lares estão acima
De outras pessoas senão aquelas que conhecemos e amamos

Em cada lugar com um nome
Eles jogam o mesmo jogo territorial
Escondendo-se atrás de fronteiras
Enviando sinais de advertência

O mundo inteiro
Um universo sem fim
No entanto continuamos olhando através
De lentes ao contrário
Não alimentamos as pessoas
Mas alimentamos as máquinas
Não podemos sentir de fato
O que significa internacional

Em círculos diferentes
Seguramos firme nossa terra
Círculos indiferentes
Continuamos dando voltas e voltas


Vemos tantas tribos - invadidas e minadas
Enquanto seus invasores sonham
Com países que deixaram para trás
Pessoas melhores - comida melhor - e cerveja melhor
Por que rodar o mundo todo
Se o Éden estava tão perto?

Os chefes começam a falar duramente
E como se não fosse ruim o suficiente
Ficamos com o orgulho bêbado e apaixonado
Dos cidadãos que estão só a passeio

Eles atiram sem pena
Em nome de um pedaço de barro
Por uma mudança de sotaque
Ou pela cor da sua camisa
Melhor o orgulho que reside
No cidadão do mundo
Do que o orgulho que divide
Quando um trapo colorido é desdobrado


Música por Geddy Lee e Alex Lifeson / Letra por Neil Peart


Os poderes nocivos do nacionalismo e das divisões pormenorizadas e cotidianas

"Territories" é a quinta faixa de Power Windows, a mais extensa de todo o disco. Com seis minutos e vinte segundos de duração, a peça é munida de elementos até então inéditos em trabalhos do Rush, fato que lhe confere uma abordagem instrumental de certa forma experimental.

Com seu início propondo o oriente longínquo imaginativo, bateria, sintetizadores, guitarra e baixo se unem para criar um clima bastante diferenciado em obras da banda - um apelo cultural que expõe perfeitamente a proposta temática. Geddy Lee, novamente, demonstra grande criatividade, complexidade e ousadia com suas linhas de baixo, além entregar vocais poderosos e sempre muito bem trabalhados. Sua voz ecoa com energia e intensidade constantes, incorporando com perícia todos os ambientes variados que dão vida à canção. Alex Lifeson, por sua vez, é competente já na notável introdução, trabalhando de forma brilhante ao lado dos teclados - preenchendo espaços com suas guitarras certeiras e por vezes enfurecidas.

"Algumas das guitarras mais pesadas do álbum estão em 'Territories'", explica Alex. "Os sons de guitarra em fúria foram conseguidos pelo trabalho do nosso engenheiro, que configurava o amplificador na posição 11 (histeria). Ele chamava o aparelho de Bertha, e ninguém conseguia ficar na sala com ele ligado. Achei muito legal ir do som moderno da guitarra para uma sonoridade mais antiga e esmagadora, soando como um dinossauro".

Sobre o ótimo trabalho de percussão oferecido por Neil Peart, vale mencionar que seu antigo técnico de bateria, Larry Allen, acompanhou o músico até Londres, a fim de conseguirem tambores africanos e indianos para serem utilizados na faixa final "Mystic Rhythms" e bongôs para incrementarem ainda mais a ambientação em "Territories".

"Numa certa manhã, Larry (que cuida da minha bateria) e eu fomos até Londres, voltando com a van carregada de tambores africanos e indianos. Queríamos utilizar estes elementos para criar sons percussivos e ritmos mais místicos. Fiquei emocionado em fazer minha estreia no bongô em 'Territories'. Novos horizontes".

Liricamente, a banda teve dificuldades no início para expor sua abordagem. "Essa canção também foi difícil de ser trabalhada", explica Alex. "Neil trouxe a letra para nós - é sempre importante que ele e Geddy conversem sobre as letras, afinal Ged tem que cantá-las. Descobrimos que estava muito prolixa, trabalhando mais no sentido de uma história. Neil gosta de ser o mais completo e sucinto possível quando escreve mas, dessa vez, havia escrito de forma mais longa, e Geddy teve problemas para cantá-la. Então Neil levou a letra de volta e, depois de alguns dias, voltou com uma versão da mesma que captou a mensagem diretamente, trazendo o ritmo oral certo para Geddy cantar. Foi melhor para todos".

Em "Territories", Peart se dedica à observação dos efeitos preocupantes do nacionalismo e das divisões entre as pessoas em todo o mundo, abordando o assunto em variadas escalas. O título da canção foi influenciado por uma área em torno de Hong Kong conhecida por Novos Territórios, um setor que compreende ao todo onze distritos distintos. Esses territórios foram arrendados pela Dinastia Ming ao Reino Unido em 1898, durante a segunda Convenção de Pequim, permanecendo dessa forma por 99 anos. Peart diz que ficou impressionado com o som da expressão e o instinto intrínseco da mesma. Além disso, o baterista pensou também nos Territórios do Noroeste no Canadá.

Um dos termos iniciais da canção é "Middle Kingdom" ("Reino Médio"), que se refere à própria China. Os chineses entendem que o seu território é o centro do mundo e, dessa forma, utilizam normalmente essa nomenclatura sobre si mesmos. Peart visitou o país (e também Hong Kong) um mês antes do lançamento de Power Windows, fazendo uma grande viagem aventureira de bicicleta. "Essa foi, certamente, uma das experiências mais importantes da minha vida - a de ser jogado em uma cultura como aquela. Acho que a viagem estendeu minha visão de mundo por assim dizer, embora eu já tendesse a pensar no planeta como um lugar muito maior do que a Península do Niágara ou o Canadá, da forma como muitas pessoas estão acostumadas a enxergar".

"O título da canção veio dessa viagem. Como estávamos indo para lá (apenas nós e algumas pessoas da nossa equipe), li tudo sobre o assunto e aprendi o máximo que pude antes de chegarmos. Tomei o termo pela maneira que soava sobre os instintos territoriais - que são parte da vida natural das aves, animais e também dos seres humanos. Um instinto muito fundamental para os desenhos das linhas territoriais".

"Era o tipo certo de palavra que eu procurava. Foi o mesmo com a linha de abertura sobre o Reino Médio, que é a forma como a China se denomina até hoje. A razão é que significa um meio termo entre o céu e a terra - em outras palavras, é como se eles estivessem um pouco abaixo do céu, mas acima de todos na Terra. Traz a ideia de que a China é melhor do que qualquer outro lugar, menos do que o céu".

"O estilo de vida da China é muito diferente para compreendermos - havia poucas coisas com as quais poderia fazer um paralelo com nosso próprio estilo. A China se diferencia de todos os outros países, e essa mesma mentalidade, porém, se traduz em todo o planeta - por exemplo, quando todos os países que já visitei afirmam ter a melhor cerveja do mundo. Isso se tornou uma piada para nós - rimos todas as vezes que alguém diz isso, pois sabemos que todos dizem a mesma coisa".

"Foi o tipo certo de palavra para descrever o que eu estava procurando. Tinha o som poético correto e também o contato visual, coisas importantes para mim em um título. Essa foi sua essência".


Peart começou a escrever "Territories" ao lado de "Manhattan Project", durante sua estadia na fazenda canadense Elora, na qual se isolou por alguns dias. Abordando o nacionalismo e o regionalismo em todo o mundo, o letrista observa lutas pormenorizadas e constantes dos homens por pedaços de terra cada vez maiores, por espaços maiores e por poderes maiores.

"Essa é minha canção favorita do disco, tanto musicalmente quanto liricamente", explica o letrista. "Fiquei muito satisfeito com o resultado. Ela fala do aspecto do mundo como sendo o lugar onde as pessoas vivem, e não onde elas estão. Isso é algo que aprendemos quando viajamos muito. Algumas brincadeiras na canção são baseadas em experiências reais, como as pessoas afirmando ter a melhor comida e a melhor cerveja".

"Todos os lugares para os quais viajamos acham que fazem a melhor cerveja do mundo - mesmo lugares que você não imaginaria por um minuto que se atreveriam a dizer isso. Não importa onde você vá, da Bélgica ao Japão, China, todos dizem que fazem a melhor cerveja e que você jamais terá uma alimentação melhor".

"Acho que essa canção é obscura em alguns aspectos, mas otimista"
, diz Lifeson. "Não precisamos lutar por pedaços estúpidos de terra. Toda a essência da canção é sobre quebrar fronteiras, onde talvez pudéssemos conviver melhor com as pessoas ao invés de termos 'americanos' ou 'canadenses', ou coisas do tipo. Todos nós somos políticos, estamos mais preocupados com política do que viver a vida de maneira responsável".

"É uma situação infeliz e uma pena que não possamos viver juntos e em paz como uma família global"
, continua. "'Territories' lida com isso de outra forma, dizendo que, se pudéssemos afrouxar um pouco os limites entre nós, talvez então todos pudessem se dar melhor. Por que não podemos ser cidadãos universais ao invés de pessoas separadas e presas em pequenos países, como se fossem de espécies diferentes? Podemos ser diferentes, mas somos iguais também".

"Não estávamos pensando especificamente no Apartheid, mas sim, há muito disso. Temos territórios como nossos próprios países, mas também territórios dentro de territórios, como o Apartheid. O que estamos dizendo é, 'Por que tem que haver essas divisões?'".


A declaração de Lifeson sobre o teor de "Territories" é muito pertinente, trazendo compreensão sobre a amplitude das intenções de Peart ao conceber o tema. Conforme a abordagem de trabalhos anteriores como "Entre Nous" (de Permanent Waves, 1980) e "Subdivisions" (de Signals, 1982), trata-se de uma preocupação constante do letrista, que aqui não pensa apenas no poder global (com as várias regiões e povos em todo o mundo), mas também em algo cotidiano e próximo. Esse olhar permearia várias outras obras do trio no futuro.

"Territories" vai além do nacionalismo. A composição observa o 'nós contra eles', a visão egocêntrica das pessoas que se veem como mais inteligentes ou capacitadas devido às suas próprias percepções de mundo. Cada país ou pequeno grupo desenvolve a mentalidade do ser melhor, o que faz com que o indivíduo deixe de compreender e apreciar outros lugares, culturas e posicionamentos. É como se as pessoas utilizassem apenas lentes ao contrário, deixando de enxergar o que está mais longe.

"Essa é a maneira que as pessoas em cada pequena cidade olham para o mundo", diz Peart. "Elas acham que o pequeno bairro onde vivem é um pouco mais saudável, um pouco mais normal e um pouco mais especial do que qualquer outro lugar. Isso parece, superficialmente, uma atitude inocente. Porém, na verdade, são essas pequenas perspectivas que acabam desaguando futuramente no racismo, no nacionalismo, na xenofobia, nas perseguições e nas guerras. Nos meus tempos de escola, se você fosse de um bairro que se opunha a outro, era considerado um ser humano inferior. Parecia estúpido na época e agora me parece ainda mais, principalmente quando você vê adultos buscando identificações dentro do esporte. Se alguém ganha alguma coisa, é como se todos em determinada cidade ganhassem pessoalmente algo, como a Copa Stanley ou a Copa do Mundo. É patético".

"Veja o que acontece na Inglaterra durante os tumultos do futebol. As pessoas se matam apenas por não compartilhar admiração por uma mesma equipe. É a mesma coisa que acontece na Irlanda por causa da religião, na África do Sul por causa do racismo e no norte da África por causa de política".

"Cada pequena cidade que você visita na América, no Canadá ou na Inglaterra é um pouco melhor do que a pequena cidade vizinha. E o fato de eu ter crescido em pequenos bairros é outra parte da canção. Cresci em uma cidade que tinha em torno de dez mil pessoas. Se você fosse de um determinado bairro, então seria de uma classe melhor ou pior de pessoas".

"Não se tratava de algo ligado à posição econômica - era apenas um estrato social em um bairro que seria legal e outro não. Não era sobre ricos ou pobres - era apenas um bairro e outro bairro, e todos de classe média. Não havia diferenças, mas ainda assim as pessoas se dividiam em áreas territoriais batalhando uns contra os outros, somente por que eram de uma rua diferente".

"Isso fez parte do meu crescimento, mas há aqui também o enorme chauvinismo internacional e um outro elemento no qual trabalhei, a ideia de xenofobia - o medo de pessoas estranhas e de outras etnias. Isso é muito comum em todos os lugares - odeio ver e ouvir isso. Odeio ir à Europa e ouvi-los dizer que os Estados Unidos é um lugar podre, tendo a incrível ousadia de afirmar que 200 milhões de pessoas que lá vivem são um bando de vagabundos. Eles nunca estiveram aqui, e nunca conheceram nenhum americano".

"Canadenses e americanos vieram exatamente do mesmo lugar - todos vieram da Europa. Um grupo inteiro deles veio após a Segunda Guerra Mundial - todos nós integramos o mesmo caldeirão cultural. Mas é engraçado, as pessoas trazem a ideia de que seu caldeirão é, de alguma forma, superior ao que está ao lado. Pessoas podem dizer que um pouco de patriotismo não é ruim, e que não haveria nada de errado em impulsionar seu bairro e estar orgulhoso de sua cidade, província ou estado. Bem, na verdade isso é ruim, pois acaba gerando um monte de problemas e preconceitos, que são exatamente o mesmo que racismo. Há vários lados muito complicados da natureza humana que estão representados nessas formas de pensamento e de comportamento. E essas coisas aparecem, causando muita maldade".


Com uma clara inspiração vinda da famosa frase "Não sou ateniense ou grego, sou um cidadão do mundo" de Sócrates, Peart afirma em "Territories" que "Melhor é o orgulho que reside em um cidadão do mundo" ("Better the pride that resides in a citizen of the world") - um dos trechos mais marcantes da composição. "Não escrevo letras como um canadense ou como um norte-americano - as escrevo como um cidadão do mundo. Essa foi a mensagem em 'Territories'. É algo que sinto por natureza. Não sou nacionalista e os canadenses ficam bravos comigo, dizendo que deveríamos ser representantes do Canadá. Bem, não somos. Somos representantes da raça humana, tanto quanto nos preocupamos. Adoro vários lugares no mundo, como a Europa, América do Norte, os Estados Unidos e a África. Todos têm um espaço no meu quadro do mundo".

Neil faz alusão à falta de sentido em todo o exercício de se levar a pátria acima dos outros, incluindo pessoas que deixam sua terra natal para escapar de problemas como a fome, escassez de trabalho ou problemas políticos. "Como a religião, esse tipo de patriotismo causa muitos problemas", ele diz. "Territories" provoca pensamentos sobre todas as divisões geográficas possíveis e de como essas distinções afetam a vida e o relacionamento das pessoas através dos tempos. Seja nas divisões em grande escala ou nas menores, o sentimento de unidade das pessoas, mesmo com toda diversidade de culturas, é definitivamente esquecido. Deixamos de nos perceber como indivíduos que formam um só planeta, e sim apenas como pequenas partes dele.

"Territories" observa o nacionalismo (e qualquer outra natureza de divisão) como algo perigoso - muitas vezes, enraizados em sentimentos xenófobos e racistas que podem culminar em conflitos bastante sérios, em variados graus. Disfarçado de patriotismo e amor pela terra natal, a ideologia consegue tornar honroso inúmeros horrores. A maior parte de nós valoriza a cultura que nos modelou como o desenvolvimento, esta que nos deu o sentido que possuímos de identidade individual e coletiva. Porém, o sentimento nacionalista persuade-nos de que a existência de outros grupos e culturas coloca vários desses elementos em perigo, sendo a única atitude de proteção possível nos reconhecermos como membros de um coletivo distinto, definido em termos de etnia, geografia, uniformidade linguística ou religiosa. Dessa forma, construímos um muro à nossa volta, que nos isola de toda a sorte de estrangeiros. Não basta que os outros sejam diferentes; temos de vê-los como uma ameaça - pelo menos para o nosso modo de vida.

A ideia de nacionalismo depende da ideia de nação. Se todas as nações são híbridas, mistura de imigrações e miscigenação de povos ao longo do tempo, as mesmas representam nada mais que construções artificiais, cujas fronteiras foram traçadas no sangue proveniente de guerras. E não se deve confundir cultura e nacionalidade: não existe país no mundo que não albergue mais do que uma cultura diferente, porém coexistente. Patrimônio cultural não é mesmo que identidade nacional.

Com "Territories", o Rush traz um apelo à unidade, uma sincera chamada à paz - um despertar para que deixemos de observar e ressaltar somente nossas diferenças em algum tempo, passando a olhar e compreender de fato nossas semelhanças.

© 2015 Rush Fã-Clube Brasil

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SHARP, K. "A Parallax View / On Their Latest Opus, Power Windows, Rush Conduct An Extensive Study Of Power And Its Many Manifestations From Two Opposing Perspectives: Good And Evil". Music Express. December 1985.