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HIGH WATER SHOW DON'T TELL CHAIN LIGHTNING
SHOW DON'T TELL
how many times do you hear it?
it goes on all day long
everyone knows everything
and no one's ever wrong
until later
who can you believe?
it's hard to play it safe
but apart from a few good friends
we don't take anything on faith
until later
Show Don't Tell
SHOW ME DON'T TELL ME
You've figured out the score
SHOW ME DON'T TELL ME
I've heard it all before
SHOW ME DON'T TELL ME
I don't care what you say
SHOW ME DON'T TELL ME
you can twist perceptions
reality won't budge
you can raise objections
I will be the judge
and the jury
I'll give it due reflection
watching from the fence
give the jury direction
based on the evidence
I, the jury
SHOW ME DON'T TELL ME
Hey - order in the court
SHOW ME DON'T TELL ME
Let's try to keep it short
SHOW ME DON'T TELL ME
Enough of your demands
SHOW ME DON'T TELL ME
Witness take the stand
SHOW ME DON'T TELL ME
SHOW ME DON'T TELL ME
Hey - order in the court
SHOW ME DON'T TELL ME
Let's try to keep it short
SHOW ME DON'T TELL ME
I don't care what you say
SHOW ME DON'T TELL ME
Let's see exhibit A
how many times do you hear it?
it goes on all day long
everyone knows everything
and no one's ever wrong
until later
who can you believe?
it's hard to play it safe
but apart from a few good friends
we don't take anything on faith
until later
Show Don't Tell
SHOW ME DON'T TELL ME
You've figured out the score
SHOW ME DON'T TELL ME
I've heard it all before
SHOW ME DON'T TELL ME
I don't care what you say
SHOW ME DON'T TELL ME
you can twist perceptions
reality won't budge
you can raise objections
I will be the judge
and the jury
I'll give it due reflection
watching from the fence
give the jury direction
based on the evidence
I, the jury
SHOW ME DON'T TELL ME
Hey - order in the court
SHOW ME DON'T TELL ME
Let's try to keep it short
SHOW ME DON'T TELL ME
Enough of your demands
SHOW ME DON'T TELL ME
Witness take the stand
SHOW ME DON'T TELL ME
SHOW ME DON'T TELL ME
Hey - order in the court
SHOW ME DON'T TELL ME
Let's try to keep it short
SHOW ME DON'T TELL ME
I don't care what you say
SHOW ME DON'T TELL ME
Let's see exhibit A
MOSTRE, NÃO DIGA
quantas vezes você ouve isso?
continua o dia inteiro
todos sabem de tudo
e ninguém nunca está errado
até mais tarde
em quem você consegue acreditar?
é duro agir com cautela
fora uns bons amigos
não levamos fé em nada
até mais tarde
Mostre, Não Diga
ME MOSTRE, NÃO ME DIGA
Você acertou o resultado
ME MOSTRE, NÃO ME DIGA
Já ouvi tudo isso antes
ME MOSTRE, NÃO ME DIGA
Não me importo com o que você diz
ME MOSTRE, NÃO ME DIGA
você pode distorcer percepções
a realidade não vai ceder
você pode levantar objeções
eu serei o juiz
e o júri
darei a devida reflexão
assistindo do cercado
dê a direção ao júri
com base nas provas
eu, o júri
ME MOSTRE, NÃO ME DIGA
Ei - ordem no tribunal
ME MOSTRE, NÃO ME DIGA
Vamos tentar ser breves
ME MOSTRE, NÃO ME DIGA
Basta de exigências
ME MOSTRE, NÃO ME DIGA
Testemunhas, tomem posição
ME MOSTRE, NÃO ME DIGA
ME MOSTRE, NÃO ME DIGA
Ei - ordem no tribunal
ME MOSTRE, NÃO ME DIGA
Vamos tentar ser breves
ME MOSTRE, NÃO ME DIGA
Não me importo com o que você diz
ME MOSTRE, NÃO ME DIGA
Vamos ver o anexo A
quantas vezes você ouve isso?
continua o dia inteiro
todos sabem de tudo
e ninguém nunca está errado
até mais tarde
em quem você consegue acreditar?
é duro agir com cautela
fora uns bons amigos
não levamos fé em nada
até mais tarde
Mostre, Não Diga
ME MOSTRE, NÃO ME DIGA
Você acertou o resultado
ME MOSTRE, NÃO ME DIGA
Já ouvi tudo isso antes
ME MOSTRE, NÃO ME DIGA
Não me importo com o que você diz
ME MOSTRE, NÃO ME DIGA
você pode distorcer percepções
a realidade não vai ceder
você pode levantar objeções
eu serei o juiz
e o júri
darei a devida reflexão
assistindo do cercado
dê a direção ao júri
com base nas provas
eu, o júri
ME MOSTRE, NÃO ME DIGA
Ei - ordem no tribunal
ME MOSTRE, NÃO ME DIGA
Vamos tentar ser breves
ME MOSTRE, NÃO ME DIGA
Basta de exigências
ME MOSTRE, NÃO ME DIGA
Testemunhas, tomem posição
ME MOSTRE, NÃO ME DIGA
ME MOSTRE, NÃO ME DIGA
Ei - ordem no tribunal
ME MOSTRE, NÃO ME DIGA
Vamos tentar ser breves
ME MOSTRE, NÃO ME DIGA
Não me importo com o que você diz
ME MOSTRE, NÃO ME DIGA
Vamos ver o anexo A
Busque evidências e profundidade na afirmação de convicções ou crenças
"Show Don't Tell" é a canção inicial de Presto, décimo terceiro álbum de estúdio do Rush. Na época do seu lançamento, o disco era classificado por alguns críticos como "o trabalho mais espontâneo e vívido desde Permanent Waves", de 1980. A banda buscava nesse momento balancear sua musicalidade notavelmente progressiva com a diversidade, trazendo no primeiro single um nítido aperfeiçoamento das investidas que foram marcantes nos álbuns anteriores, ressurgindo com energia renovada.
Após a não renovação do contrato fonográfico com a Mercury Records, gravadora parceira desde o álbum de estreia, o trio assinaria com uma nova etiqueta: a norte-americana Atlantic. É notório que Geddy Lee, Alex Lifeson e Neil Peart buscavam novos objetivos, dentre eles o de compor canções que fossem prazerosas tanto nas interpretações e gravações quanto nas execuções ao vivo - mesmo apresentadas repetidas vezes nos shows. Pela primeira vez em quinze anos, a assinatura de um novo vínculo profissional os libertava da grande pressão de cumprir compromissos rigorosos, estes que caracterizaram toda a extensão de sua história.
O Rush ingressava com Presto na chamada quarta fase de sua carreira. Nas três primeiras - cada uma formada por quatro álbuns de estúdio seguidos por um ao vivo - os canadenses se solidificaram como uma força musical que sempre buscou inovações. Era nítido que os músicos vinham explorando um diverso número de sons e ritmos em seus últimos trabalhos, mas jamais abandonando a essência musical que os definia como um dos maiores e mais lendários grupos do rock. Presto, portanto, apontou o início de um novo período de transição, onde as composições com forte presença de sintetizadores dariam lugar novamente às melodias mais orientadas pelas guitarras. Os teclados e sequenciadores ainda seriam utilizados, porém de maneiras mais discretas e adicionais se comparados às gravações anteriores.
"Hold Your Fire foi o disco que me disse que havia uma mudança em nossa composição, uma mudança que nos afastava do rock", afirma Geddy. "Começávamos a entrar em uma área mais jazzística, mais leve".
A intenção original do Rush era que Presto fosse coproduzido por Peter Collins, que esteve com a banda nos imediatamente anteriores Power Windows (1985) e Hold Your Fire (1987). Collins decidiu não aceitar a responsabilidade dessa vez, fazendo com que Geddy, Alex e Neil mergulhassem novamente na tarefa de procurar um novo produtor musical, conforme ocorrido em Grace Under Pressure (1984) após a despedida de Terry Brown. Com mais maturidade e menos pressão, os canadenses escolheram Rupert Hine, produtor, compositor e músico britânico que trazia no currículo uma história de mais de setenta discos produzidos, incluindo artistas como Camel, Saga, Tina Turner, The Fixx, Chris DeBurgh e Bob Geldof. O giro que propiciou Hine como novo produtor e colaborador acabaria ajudando na evolução natural do Rush, que mirava a nova década que chegava.
"Parece absolutamente louco para mim que um dos poucos trios remanescentes no planeta, com guitarra, baixo e bateria, esteja sendo sufocado pelos teclados", diz Hine. "Meu interesse era levá-los de volta ao formato trio, com uma abordagem mais moderna. Buscamos descobrir, portanto, a definição contemporânea de trio".
Hine influenciaria no retorno definitivo de Lifeson aos holofotes, algo que já havia sido iniciado de maneira gradual desde o disco anterior. "Alex queria enfatizar mais a guitarra como o instrumento dominante, colocando os teclados em segundo plano. Geddy e eu concordamos", lembra Peart. "Ele construiu um conceito sobre não utilizarmos mais os teclados. Fiquei um pouco triste", confessa Geddy.
"Trabalhamos com Rupert Hine como nosso produtor em Presto", lembra Lifeson. "Tive ideias básicas sobre 'Show Don't Tell' em casa, levando-as para o estúdio quando iniciamos as gravações do álbum. Portanto, começamos a desenvolvê-la a partir dali. A primeira versão era muito mais pesada, com o andamento um pouco mais rápido. O enfoque do Rupert para minha guitarra se mostrou um pouco mais leve do que aquele que eu buscava. Brinquei com tudo o que era novo na época, como sempre fiz. Vínhamos de uma pausa de sete meses, que até então havia sido nosso maior hiato, por isso precisávamos limpar as teias de aranha. Ficamos muito entusiasmados com o trabalho em Presto. A mudança para a Atlantic Records foi boa, pois sentíamos que precisávamos de mudanças por toda a parte. Estávamos entrando na década de noventa, e tudo se fazia novo".
"Foi um tipo de disco reacionário para mim", explica Geddy. "Ele foi uma reação contra cinco anos envolvidos com sintetizadores, baterias eletrônicas, ferramentas de composição computadorizadas, sequenciadores e samplers. Acho que já estávamos saturados de toda aquela tecnologia. Me sentia preso até o fim da última turnê, vítima dos meus próprios projetos. Alex se sentia um pouco assim também, pois muitas das minhas responsabilidades com os teclados acabavam derramando para o seu lado no palco. Ele estava precisando fazer mais e mais para me dar uma pausa, a fim de que eu pudesse tocar mais o baixo. Cada vez mais ele fazia coisas nos teclados".
"Nos tornamos tão presos a isso que, quando chegou o momento da pausa, levamos um longo tempo preparando nosso álbum ao vivo - acho que reagindo a esse fato. [N. do T.: Depois de um longo período trabalhando em turnês todos os anos, o Rush, pela primeira vez, faria uma pausa mais longa. A Hold Your Fire Tour se encerrou em 5 de maio de 1988, e a Presto Tour teria início somente em 15 de fevereiro de 1990]. Não queríamos cair nessa armadilha novamente. Tivemos esse tipo de espírito rebelde e um pouco de raiva, o que de fato é saudável. Dizemos, 'Dane-se. Vamos fazer um disco de rock. Vamos tentar fazer um disco que traga o trio de volta, focando em nos divertirmos mais'".
"Acho que esse foi, verdadeiramente, o objetivo, e a primeira canção que escrevemos para o disco foi 'Show Don't Tell'. Ela nos redefiniu de verdade - foi exatamente o que conversamos sobre o que fazer. Essa musica conseguiu alcançar perfeitamente o lugar para onde onde nossas frustrações nos levavam. Dizemos, 'Ok, aqui está a faixa', e fomos com ela. Ouvimos tantas vezes que acabamos por continuar nessa direção".
"Tivemos algumas canções no disco nais quais, devido ao amor pela variedade, começamos a ceder, dizendo, 'Vamos colocar mais um pouco de teclado aqui, não vamos ser ridículos. Sabemos usar essas cores, vamos ter alguns nessa canção'. Assim, não pudemos ignora-los completamente, e acho que, pela dinâmica, é bom tê-los; é bom sermos capazes de seguir com eles. Porém, a atitude geral foi, 'Vamos manter a tecnologia, usando-a como um pano de fundo para nós, trazendo o trio um pouco mais à frente'".
"Show Don't Tell" consegue expor claramente a busca do Rush por canções com uma maior quantidade de elementos jazzísticos e grooves, algo iniciado timidamente no anterior Hold Your Fire. O trio continuava sendo um dos mais importantes expoentes do rock progressivo, porém, nesse recorte, mergulharia de cabeça na visita à outros estilos. Tais direcionamentos fariam de "Show Don't Tell" uma canção intensa sem ser pesada, munida de ritmos irregulares, fortes riffs de guitarra, percussão poderosa e uma das mais belas linhas de baixo já produzidas em toda a carreira da banda. Sobre os vocais, Geddy intensificaria bastante sua extensão, calibrando sua inconfundível ferramenta para continuar expondo com veemência todas as letras e intenções de Neil Peart.
"'Show Don't Tell' tem seu início guiado por um riff de guitarra sincopada, este que surge mais algumas vezes", diz Peart. "A coisa mais difícil foi encontrar o padrão ideal para ele. Queria manter o groove seguindo as síncopes bizarras que esse riff trazia. Foi exigente tecnicamente e, devido a isso, determinamos que a canção deveria realmente trazer aquele groove por baixo. Para nós, nunca foi suficiente produzir canções somente exigentes tecnicamente - elas sempre têm que mostrar um grande significado musical. Portanto, levamos esse groove por toda canção, criando uma verdadeira pulsação. Ia além do que tocávamos".
Os primeiros dezesseis segundos de "Show Don't Tell", que apresentam uma breve linha percussiva bastante sutil e em volume reduzido, levam o ouvinte a acreditar inicialmente que o trio continuaria seguindo a mesma direção dos seus álbuns anteriores. Porém, toda a ligeira impressão cai por terra no momento em que a guitarra de Lifeson rompe o silencio, explodindo em um poderoso riff funky que permeia todo o trabalho - desfilando uma verdadeira série de mudanças de ritmo e melodias. O baixo de Lee é evidenciado por quase toda composição, rendendo inclusive um solo estupendo - o instrumento passa a soar com certa leveza influenciada pelo novo produtor. Aliás todos os instrumentos se mostram muito mais polidos e sutis, ajudando a fazer de "Show Don't Tell", imediatamente, um outro grande clássico no catálogo do Rush.
"Foram eles que me levaram a fazer esse solo de baixo em 'Show Don't Tell'", explica Geddy. "Nunca tive a intenção. Havíamos planejado uma seção inteira repleta de solos de guitarra ali e, em um determinado momento, chegamos a conversar sobre um solo principal dobrado. Seguimos deixando o espaço vazio. Na fase das demos, Alex raramente coloca um solo, deixando espaços para trabalhar depois. Assim, enquanto o espaço continuava, eu ficava tocando nessa lacuna apenas por diversão e, cada vez que ensaiávamos a canção, fazia algum tipo de solo, apenas por fazer. No período em que estávamos reproduzindo a música de fato, eu passei a fazer as bases com Rupert e Neil. Neil é sempre meu maior fã em se tratando de bases, e ele me disse, 'Bem, porque você não joga isso lá? Pode até simplificar se quiser'. Então eu fiz, e todos pareceram gostar, querendo manter. Continuei perguntando novamente, 'Vocês têm certeza de que querem isso?'".
Liricamente, "Show Don't Tell" solidifica a tendência iniciada por Peart no álbum Grace Under Pressure (1984), quando o letrista se afastava de conceitos e abstrações para pontos de vista mais concretos, alternados entre narrações e perspectivas em primeira pessoa. A frase imperativa do título ("Mostre, Não Fale") e o desenrolar da composição nos apresentam sensações imediatas de convencimento, culpa, confiança e decepção, nos exortando a duvidar e pôr à prova falas e promessas vazias, a não ser que as mesmas venham acompanhadas de elementos e atitudes que certifiquem sua veracidade.
O título refere-se a chamada Show, Don't Tell (Mostre, Não Diga), uma técnica literária idealizada para que o leitor experimente obras primordialmente através da ação, das palavras, pensamentos, sentidos e sentimentos, ao invés de simples exposições, sumarizações e descrições do autor. O objetivo não é apenas trazer uma forte e demasiadamente complexa gama de elementos, mas sim permitir que os leitores interpretem, através da leitura e da subjetividade, detalhes profundos e de fato significativos. A técnica se aplica igualmente à não-ficção e em todas as formas de ficção, incluindo a literatura, discursos, filmes e dramaturgia.
Um dos autores mais visitados por Peart em suas composições, o norte-americano Ernest Hemingway (1899 - 1961), foi um notável proponente do Show, Don't Tell. Hemingway é famoso por elaborar a chamada Teoria do Iceberg ou Teoria da Omissão, com a qual afirma que o leitor não é apenas aquele capaz de realizar críticas construtivas após a leitura, mas sim alguém que está atento ao que há por trás das palavras - ao que está nas entrelinhas. Na escrita de Hemingway, os fatos flutuam sobre a água, mas suas notáveis estruturas de apoio e simbolismos operam fora da vista. Ou seja, o autor mostra somente o necessário ao contar uma história, sempre sem entregar o principal: a essência que lhe sustenta.
Neil Peart idealiza em "Show Don't Tell" a brilhante ilustração de um pseudo-tribunal, utilizando imagens e movimentos de um julgamento como a solução para um protagonista enganado e cético, este que decide assumir os papéis de juiz e júri para avaliar profundamente o que lhe é apresentado. A técnica do Mostre, Não Diga é o gancho para as intenções da canção, pois nela o autor, ao invés de relatar e afirmar aos seus leitores o que eles devem saber, acaba por descortinar elementos com detalhes verdadeiramente relevantes e substância. Essa atitude, indubitavelmente, aproxima o leitor da obra, inserindo-o na trama e fazendo-o conhecer personagens como pessoas da vida real. Afinal, somos incapazes de captar prévia e imediatamente comportamentos, intenções e atitudes de outros indivíduos, sendo a convivência a única maneira possível (e nem sempre eficaz) de se conhecer efetivamente alguém. Um personagem, portanto, pode ser bem mais convincente através de práticas, e não somente por falas. É a materialização do antigo ditado: "Uma ação vale mais que mil palavras".
"Show Don't Tell" suscita ideias variadas e já visitadas pelo Rush em composições anteriores, como o separar de fatos das emoções e a verdade da mentira, identificando o que são apenas percepções superficiais e distorcidas (mitos ou propagandas por exemplo) e o que é realidade. O protagonista da canção exige, como o juiz e o júri, a apresentação das provas para apreciação e decisão - é a necessidade do ver para crer, ao invés de apenas acreditar no que é dito. São muitas as possibilidades de manipulação dos fatos, que acabam por desviar a atenção pelo engano. Peart, aqui, clama por uma postura crítica e exigente, sempre tentando avaliar com cuidado o cenário, os personagens e as circunstâncias que nos são apresentadas a todo momento.
Nos primeiros movimentos de "Show Don't Tell", o letrista nos leva a pensar sobre o quanto as pessoas não são desconfiadas o suficiente, aceitando tudo o que lhes é apresentado por simples confiança ou fé. Não se trata apenas da fé religiosa, mas da fé em pessoas comuns, em líderes diversos, em ideologias e filosofias, insistindo cegamente em ideias superficiais como certezas absolutas, desperdiçando suas vidas e descobrindo tarde demais que estavam errados.
Por outro lado, "Show Don't Tell" aborda assuntos como culpa e prepotência. Geralmente, as pessoas trazem em si dificuldades de assumir erros - muitos culpam tudo, mas não conseguem olhar para si mesmos. Quando somos criticados ou quando alguém aponta nossas falhas, buscamos nos esconder atrás das muralhas erguidas em nossas próprias mentes. Tendemos empunhar um escudo para nos defender de ataques alheios (mesmo reconhecendo interiormente as nossas imperfeições). Nossa mente se fecha, encurralada pelo seu pior inimigo e pronta para contra-atacar.
Não é difícil afirmar que é mais fácil encontrar culpados do que assumir nossos deslizes. Reconhecer erros soa, aos outros, que somos fracassados. Tal atitude fere nosso ego e nos diminui perante uma sociedade que se baseia, em muitos casos, na mentira. Ouvir verdades soa como um insulto ao nosso orgulho, pois somos muito apegados a elogios e torna-se difícil compreender que são as críticas que nos fortalecem e que nos edificam. Assumir os nossos próprios erros é abdicar da autossuficiência que nos prende e, sentir-se dono da verdade revela-se, no fim das contas, como uma grande ignorância. Quem nunca errou também nunca descobriu algo novo.
É bastante complicado termos a medida correta entre a autoconfiança e a prepotência. No mundo atual, sabemos que não são bem vistas personalidades inseguras. Nossos pares sempre esperam de nós uma postura autoconfiante: que possamos transmitir segurança e sensatez em nossas decisões, que nos expressemos com tranquilidade, que nos disponhamos a enfrentar desafios e que estejamos preparados para assumir responsabilidades. Porém, algumas vezes, essa coerção social encontra indivíduos despreparados que acabam agindo na defensiva, com arrogância e agressividade para fazer prevalecer seus pontos de vista.
"Show Don't Tell" também nos leva a pensar na dificuldade de saber se devemos ou não confiar em alguém. Essas duas opções apresentam riscos e são perigosas, principalmente em um mundo conturbado pelo despreparo, displicência, enganos, superficialidades e traições. Obviamente, todos nós precisamos de pessoas de confiança que nos apoiem em momentos de dificuldades. Porém, existem os aproveitadores, aqueles que conseguem manipular situações para obter vantagens e para prejudicar outras pessoas. Confiar em demasia pode nos levar a decepções dolorosas. Não devemos ser ingênuos e inexperientes, acreditando cegamente em tudo e em todos, mas devemos olhar e analisar criteriosamente aqueles em quem devemos depositar nossa preciosa confiança.
A condução de Peart em "Show Don't Tell", utilizando a relação entre um tribunal do júri, o réu e o juiz, representa metaforicamente a necessidade de avaliação e estudo profundo das diversas situações com as quais nos defrontamos ao longo da vida. Nos Estados Unidos, todos os crimes são da competência do júri, com os processos sendo instruídos perante os jurados. O interrogatório do réu e a inquirição das testemunhas são procedidos diretamente pelas partes. Os jurados não respondem a quesitos, decidindo apenas se o réu é ou não culpado. Se o réu quiser renunciar ao direito de ser julgado pelo Júri, basta antecipar-se ao veredicto, confessando sua culpa, em audiência prévia. Somente nesse caso é que será julgado pelo juiz. Não ha incomunicabilidade entre os jurados e não se admite decisão por maioria.
O sistema americano de justiça baseia-se, essencialmente, em processos onde há confrontos. O sistema entende que a verdade tem maior probabilidade de aparecer quando os dois lados - a defesa e a acusação - podem apresentar a sua causa de forma veemente a um júri, em conformidade com normas imparciais que regem as provas perante um juiz isento. O caráter meramente diretivo da atuação do juiz no processo pelo júri nos EUA é um traço característico daquele sistema.
O Tribunal do Júri foi popularizado especialmente pelos filmes norte-americanos, onde a dramaticidade do confronto entre teses de acusação e de defesa é explorada para caracterizar a difícil missão de avaliar as evidências para se fazer justiça. A maioria dessas obras americanas apresenta a discussão do caso no tribunal, ao mesmo tempo em que há uma batalha de forças envolvendo a paixão pela justiça, a ambição de se desviar dela e o interesse em tirar proveito dessas situações. Essas imagens, na canção do Rush, expõem a percepção inicial do que nos é apresentado (juiz), os confrontos internos de avaliação e ponderação (o júri), e a exteriorização da decisão (juiz). Sem dúvidas, outra magnífica criação de Peart em seu esplêndido trabalho como letrista.
"Show Don’t Tell" é um belo retrato de Presto, um presságio do Rush para o futuro. A banda se reunia novamente revisando sua abordagem, na busca por manter-se interessante e mais uma vez provando que a ampla visão do rock progressivo pode se enraizar em qualquer lugar, a qualquer momento.
© 2015 Rush Fã-Clube Brasil
STIX, J. "Alex Lifeson: The Art Of Preparation". Guitar For The Practicing Musician. May 1991.
STIX, J. "Geddy Lee: Organic". Guitar For The Practicing Musician. June 1990.
GILL, C. "Living In The Limelight" / "A Peart Response" And "Time And Motion". Guitar World. November 1996
POSICH, L. "Por que é tão difícil assumirmos nossos próprios erros?". Administradores.com. 24 de abril de 2014.
"Show Don't Tell" é a canção inicial de Presto, décimo terceiro álbum de estúdio do Rush. Na época do seu lançamento, o disco era classificado por alguns críticos como "o trabalho mais espontâneo e vívido desde Permanent Waves", de 1980. A banda buscava nesse momento balancear sua musicalidade notavelmente progressiva com a diversidade, trazendo no primeiro single um nítido aperfeiçoamento das investidas que foram marcantes nos álbuns anteriores, ressurgindo com energia renovada.
Após a não renovação do contrato fonográfico com a Mercury Records, gravadora parceira desde o álbum de estreia, o trio assinaria com uma nova etiqueta: a norte-americana Atlantic. É notório que Geddy Lee, Alex Lifeson e Neil Peart buscavam novos objetivos, dentre eles o de compor canções que fossem prazerosas tanto nas interpretações e gravações quanto nas execuções ao vivo - mesmo apresentadas repetidas vezes nos shows. Pela primeira vez em quinze anos, a assinatura de um novo vínculo profissional os libertava da grande pressão de cumprir compromissos rigorosos, estes que caracterizaram toda a extensão de sua história.
O Rush ingressava com Presto na chamada quarta fase de sua carreira. Nas três primeiras - cada uma formada por quatro álbuns de estúdio seguidos por um ao vivo - os canadenses se solidificaram como uma força musical que sempre buscou inovações. Era nítido que os músicos vinham explorando um diverso número de sons e ritmos em seus últimos trabalhos, mas jamais abandonando a essência musical que os definia como um dos maiores e mais lendários grupos do rock. Presto, portanto, apontou o início de um novo período de transição, onde as composições com forte presença de sintetizadores dariam lugar novamente às melodias mais orientadas pelas guitarras. Os teclados e sequenciadores ainda seriam utilizados, porém de maneiras mais discretas e adicionais se comparados às gravações anteriores.
"Hold Your Fire foi o disco que me disse que havia uma mudança em nossa composição, uma mudança que nos afastava do rock", afirma Geddy. "Começávamos a entrar em uma área mais jazzística, mais leve".
A intenção original do Rush era que Presto fosse coproduzido por Peter Collins, que esteve com a banda nos imediatamente anteriores Power Windows (1985) e Hold Your Fire (1987). Collins decidiu não aceitar a responsabilidade dessa vez, fazendo com que Geddy, Alex e Neil mergulhassem novamente na tarefa de procurar um novo produtor musical, conforme ocorrido em Grace Under Pressure (1984) após a despedida de Terry Brown. Com mais maturidade e menos pressão, os canadenses escolheram Rupert Hine, produtor, compositor e músico britânico que trazia no currículo uma história de mais de setenta discos produzidos, incluindo artistas como Camel, Saga, Tina Turner, The Fixx, Chris DeBurgh e Bob Geldof. O giro que propiciou Hine como novo produtor e colaborador acabaria ajudando na evolução natural do Rush, que mirava a nova década que chegava.
"Parece absolutamente louco para mim que um dos poucos trios remanescentes no planeta, com guitarra, baixo e bateria, esteja sendo sufocado pelos teclados", diz Hine. "Meu interesse era levá-los de volta ao formato trio, com uma abordagem mais moderna. Buscamos descobrir, portanto, a definição contemporânea de trio".
Hine influenciaria no retorno definitivo de Lifeson aos holofotes, algo que já havia sido iniciado de maneira gradual desde o disco anterior. "Alex queria enfatizar mais a guitarra como o instrumento dominante, colocando os teclados em segundo plano. Geddy e eu concordamos", lembra Peart. "Ele construiu um conceito sobre não utilizarmos mais os teclados. Fiquei um pouco triste", confessa Geddy.
"Trabalhamos com Rupert Hine como nosso produtor em Presto", lembra Lifeson. "Tive ideias básicas sobre 'Show Don't Tell' em casa, levando-as para o estúdio quando iniciamos as gravações do álbum. Portanto, começamos a desenvolvê-la a partir dali. A primeira versão era muito mais pesada, com o andamento um pouco mais rápido. O enfoque do Rupert para minha guitarra se mostrou um pouco mais leve do que aquele que eu buscava. Brinquei com tudo o que era novo na época, como sempre fiz. Vínhamos de uma pausa de sete meses, que até então havia sido nosso maior hiato, por isso precisávamos limpar as teias de aranha. Ficamos muito entusiasmados com o trabalho em Presto. A mudança para a Atlantic Records foi boa, pois sentíamos que precisávamos de mudanças por toda a parte. Estávamos entrando na década de noventa, e tudo se fazia novo".
"Foi um tipo de disco reacionário para mim", explica Geddy. "Ele foi uma reação contra cinco anos envolvidos com sintetizadores, baterias eletrônicas, ferramentas de composição computadorizadas, sequenciadores e samplers. Acho que já estávamos saturados de toda aquela tecnologia. Me sentia preso até o fim da última turnê, vítima dos meus próprios projetos. Alex se sentia um pouco assim também, pois muitas das minhas responsabilidades com os teclados acabavam derramando para o seu lado no palco. Ele estava precisando fazer mais e mais para me dar uma pausa, a fim de que eu pudesse tocar mais o baixo. Cada vez mais ele fazia coisas nos teclados".
"Nos tornamos tão presos a isso que, quando chegou o momento da pausa, levamos um longo tempo preparando nosso álbum ao vivo - acho que reagindo a esse fato. [N. do T.: Depois de um longo período trabalhando em turnês todos os anos, o Rush, pela primeira vez, faria uma pausa mais longa. A Hold Your Fire Tour se encerrou em 5 de maio de 1988, e a Presto Tour teria início somente em 15 de fevereiro de 1990]. Não queríamos cair nessa armadilha novamente. Tivemos esse tipo de espírito rebelde e um pouco de raiva, o que de fato é saudável. Dizemos, 'Dane-se. Vamos fazer um disco de rock. Vamos tentar fazer um disco que traga o trio de volta, focando em nos divertirmos mais'".
"Acho que esse foi, verdadeiramente, o objetivo, e a primeira canção que escrevemos para o disco foi 'Show Don't Tell'. Ela nos redefiniu de verdade - foi exatamente o que conversamos sobre o que fazer. Essa musica conseguiu alcançar perfeitamente o lugar para onde onde nossas frustrações nos levavam. Dizemos, 'Ok, aqui está a faixa', e fomos com ela. Ouvimos tantas vezes que acabamos por continuar nessa direção".
"Tivemos algumas canções no disco nais quais, devido ao amor pela variedade, começamos a ceder, dizendo, 'Vamos colocar mais um pouco de teclado aqui, não vamos ser ridículos. Sabemos usar essas cores, vamos ter alguns nessa canção'. Assim, não pudemos ignora-los completamente, e acho que, pela dinâmica, é bom tê-los; é bom sermos capazes de seguir com eles. Porém, a atitude geral foi, 'Vamos manter a tecnologia, usando-a como um pano de fundo para nós, trazendo o trio um pouco mais à frente'".
"Show Don't Tell" consegue expor claramente a busca do Rush por canções com uma maior quantidade de elementos jazzísticos e grooves, algo iniciado timidamente no anterior Hold Your Fire. O trio continuava sendo um dos mais importantes expoentes do rock progressivo, porém, nesse recorte, mergulharia de cabeça na visita à outros estilos. Tais direcionamentos fariam de "Show Don't Tell" uma canção intensa sem ser pesada, munida de ritmos irregulares, fortes riffs de guitarra, percussão poderosa e uma das mais belas linhas de baixo já produzidas em toda a carreira da banda. Sobre os vocais, Geddy intensificaria bastante sua extensão, calibrando sua inconfundível ferramenta para continuar expondo com veemência todas as letras e intenções de Neil Peart.
"'Show Don't Tell' tem seu início guiado por um riff de guitarra sincopada, este que surge mais algumas vezes", diz Peart. "A coisa mais difícil foi encontrar o padrão ideal para ele. Queria manter o groove seguindo as síncopes bizarras que esse riff trazia. Foi exigente tecnicamente e, devido a isso, determinamos que a canção deveria realmente trazer aquele groove por baixo. Para nós, nunca foi suficiente produzir canções somente exigentes tecnicamente - elas sempre têm que mostrar um grande significado musical. Portanto, levamos esse groove por toda canção, criando uma verdadeira pulsação. Ia além do que tocávamos".
Os primeiros dezesseis segundos de "Show Don't Tell", que apresentam uma breve linha percussiva bastante sutil e em volume reduzido, levam o ouvinte a acreditar inicialmente que o trio continuaria seguindo a mesma direção dos seus álbuns anteriores. Porém, toda a ligeira impressão cai por terra no momento em que a guitarra de Lifeson rompe o silencio, explodindo em um poderoso riff funky que permeia todo o trabalho - desfilando uma verdadeira série de mudanças de ritmo e melodias. O baixo de Lee é evidenciado por quase toda composição, rendendo inclusive um solo estupendo - o instrumento passa a soar com certa leveza influenciada pelo novo produtor. Aliás todos os instrumentos se mostram muito mais polidos e sutis, ajudando a fazer de "Show Don't Tell", imediatamente, um outro grande clássico no catálogo do Rush.
"Foram eles que me levaram a fazer esse solo de baixo em 'Show Don't Tell'", explica Geddy. "Nunca tive a intenção. Havíamos planejado uma seção inteira repleta de solos de guitarra ali e, em um determinado momento, chegamos a conversar sobre um solo principal dobrado. Seguimos deixando o espaço vazio. Na fase das demos, Alex raramente coloca um solo, deixando espaços para trabalhar depois. Assim, enquanto o espaço continuava, eu ficava tocando nessa lacuna apenas por diversão e, cada vez que ensaiávamos a canção, fazia algum tipo de solo, apenas por fazer. No período em que estávamos reproduzindo a música de fato, eu passei a fazer as bases com Rupert e Neil. Neil é sempre meu maior fã em se tratando de bases, e ele me disse, 'Bem, porque você não joga isso lá? Pode até simplificar se quiser'. Então eu fiz, e todos pareceram gostar, querendo manter. Continuei perguntando novamente, 'Vocês têm certeza de que querem isso?'".
Liricamente, "Show Don't Tell" solidifica a tendência iniciada por Peart no álbum Grace Under Pressure (1984), quando o letrista se afastava de conceitos e abstrações para pontos de vista mais concretos, alternados entre narrações e perspectivas em primeira pessoa. A frase imperativa do título ("Mostre, Não Fale") e o desenrolar da composição nos apresentam sensações imediatas de convencimento, culpa, confiança e decepção, nos exortando a duvidar e pôr à prova falas e promessas vazias, a não ser que as mesmas venham acompanhadas de elementos e atitudes que certifiquem sua veracidade.
O título refere-se a chamada Show, Don't Tell (Mostre, Não Diga), uma técnica literária idealizada para que o leitor experimente obras primordialmente através da ação, das palavras, pensamentos, sentidos e sentimentos, ao invés de simples exposições, sumarizações e descrições do autor. O objetivo não é apenas trazer uma forte e demasiadamente complexa gama de elementos, mas sim permitir que os leitores interpretem, através da leitura e da subjetividade, detalhes profundos e de fato significativos. A técnica se aplica igualmente à não-ficção e em todas as formas de ficção, incluindo a literatura, discursos, filmes e dramaturgia.
Um dos autores mais visitados por Peart em suas composições, o norte-americano Ernest Hemingway (1899 - 1961), foi um notável proponente do Show, Don't Tell. Hemingway é famoso por elaborar a chamada Teoria do Iceberg ou Teoria da Omissão, com a qual afirma que o leitor não é apenas aquele capaz de realizar críticas construtivas após a leitura, mas sim alguém que está atento ao que há por trás das palavras - ao que está nas entrelinhas. Na escrita de Hemingway, os fatos flutuam sobre a água, mas suas notáveis estruturas de apoio e simbolismos operam fora da vista. Ou seja, o autor mostra somente o necessário ao contar uma história, sempre sem entregar o principal: a essência que lhe sustenta.
Neil Peart idealiza em "Show Don't Tell" a brilhante ilustração de um pseudo-tribunal, utilizando imagens e movimentos de um julgamento como a solução para um protagonista enganado e cético, este que decide assumir os papéis de juiz e júri para avaliar profundamente o que lhe é apresentado. A técnica do Mostre, Não Diga é o gancho para as intenções da canção, pois nela o autor, ao invés de relatar e afirmar aos seus leitores o que eles devem saber, acaba por descortinar elementos com detalhes verdadeiramente relevantes e substância. Essa atitude, indubitavelmente, aproxima o leitor da obra, inserindo-o na trama e fazendo-o conhecer personagens como pessoas da vida real. Afinal, somos incapazes de captar prévia e imediatamente comportamentos, intenções e atitudes de outros indivíduos, sendo a convivência a única maneira possível (e nem sempre eficaz) de se conhecer efetivamente alguém. Um personagem, portanto, pode ser bem mais convincente através de práticas, e não somente por falas. É a materialização do antigo ditado: "Uma ação vale mais que mil palavras".
"Show Don't Tell" suscita ideias variadas e já visitadas pelo Rush em composições anteriores, como o separar de fatos das emoções e a verdade da mentira, identificando o que são apenas percepções superficiais e distorcidas (mitos ou propagandas por exemplo) e o que é realidade. O protagonista da canção exige, como o juiz e o júri, a apresentação das provas para apreciação e decisão - é a necessidade do ver para crer, ao invés de apenas acreditar no que é dito. São muitas as possibilidades de manipulação dos fatos, que acabam por desviar a atenção pelo engano. Peart, aqui, clama por uma postura crítica e exigente, sempre tentando avaliar com cuidado o cenário, os personagens e as circunstâncias que nos são apresentadas a todo momento.
Nos primeiros movimentos de "Show Don't Tell", o letrista nos leva a pensar sobre o quanto as pessoas não são desconfiadas o suficiente, aceitando tudo o que lhes é apresentado por simples confiança ou fé. Não se trata apenas da fé religiosa, mas da fé em pessoas comuns, em líderes diversos, em ideologias e filosofias, insistindo cegamente em ideias superficiais como certezas absolutas, desperdiçando suas vidas e descobrindo tarde demais que estavam errados.
Por outro lado, "Show Don't Tell" aborda assuntos como culpa e prepotência. Geralmente, as pessoas trazem em si dificuldades de assumir erros - muitos culpam tudo, mas não conseguem olhar para si mesmos. Quando somos criticados ou quando alguém aponta nossas falhas, buscamos nos esconder atrás das muralhas erguidas em nossas próprias mentes. Tendemos empunhar um escudo para nos defender de ataques alheios (mesmo reconhecendo interiormente as nossas imperfeições). Nossa mente se fecha, encurralada pelo seu pior inimigo e pronta para contra-atacar.
Não é difícil afirmar que é mais fácil encontrar culpados do que assumir nossos deslizes. Reconhecer erros soa, aos outros, que somos fracassados. Tal atitude fere nosso ego e nos diminui perante uma sociedade que se baseia, em muitos casos, na mentira. Ouvir verdades soa como um insulto ao nosso orgulho, pois somos muito apegados a elogios e torna-se difícil compreender que são as críticas que nos fortalecem e que nos edificam. Assumir os nossos próprios erros é abdicar da autossuficiência que nos prende e, sentir-se dono da verdade revela-se, no fim das contas, como uma grande ignorância. Quem nunca errou também nunca descobriu algo novo.
É bastante complicado termos a medida correta entre a autoconfiança e a prepotência. No mundo atual, sabemos que não são bem vistas personalidades inseguras. Nossos pares sempre esperam de nós uma postura autoconfiante: que possamos transmitir segurança e sensatez em nossas decisões, que nos expressemos com tranquilidade, que nos disponhamos a enfrentar desafios e que estejamos preparados para assumir responsabilidades. Porém, algumas vezes, essa coerção social encontra indivíduos despreparados que acabam agindo na defensiva, com arrogância e agressividade para fazer prevalecer seus pontos de vista.
"Show Don't Tell" também nos leva a pensar na dificuldade de saber se devemos ou não confiar em alguém. Essas duas opções apresentam riscos e são perigosas, principalmente em um mundo conturbado pelo despreparo, displicência, enganos, superficialidades e traições. Obviamente, todos nós precisamos de pessoas de confiança que nos apoiem em momentos de dificuldades. Porém, existem os aproveitadores, aqueles que conseguem manipular situações para obter vantagens e para prejudicar outras pessoas. Confiar em demasia pode nos levar a decepções dolorosas. Não devemos ser ingênuos e inexperientes, acreditando cegamente em tudo e em todos, mas devemos olhar e analisar criteriosamente aqueles em quem devemos depositar nossa preciosa confiança.
A condução de Peart em "Show Don't Tell", utilizando a relação entre um tribunal do júri, o réu e o juiz, representa metaforicamente a necessidade de avaliação e estudo profundo das diversas situações com as quais nos defrontamos ao longo da vida. Nos Estados Unidos, todos os crimes são da competência do júri, com os processos sendo instruídos perante os jurados. O interrogatório do réu e a inquirição das testemunhas são procedidos diretamente pelas partes. Os jurados não respondem a quesitos, decidindo apenas se o réu é ou não culpado. Se o réu quiser renunciar ao direito de ser julgado pelo Júri, basta antecipar-se ao veredicto, confessando sua culpa, em audiência prévia. Somente nesse caso é que será julgado pelo juiz. Não ha incomunicabilidade entre os jurados e não se admite decisão por maioria.
O sistema americano de justiça baseia-se, essencialmente, em processos onde há confrontos. O sistema entende que a verdade tem maior probabilidade de aparecer quando os dois lados - a defesa e a acusação - podem apresentar a sua causa de forma veemente a um júri, em conformidade com normas imparciais que regem as provas perante um juiz isento. O caráter meramente diretivo da atuação do juiz no processo pelo júri nos EUA é um traço característico daquele sistema.
O Tribunal do Júri foi popularizado especialmente pelos filmes norte-americanos, onde a dramaticidade do confronto entre teses de acusação e de defesa é explorada para caracterizar a difícil missão de avaliar as evidências para se fazer justiça. A maioria dessas obras americanas apresenta a discussão do caso no tribunal, ao mesmo tempo em que há uma batalha de forças envolvendo a paixão pela justiça, a ambição de se desviar dela e o interesse em tirar proveito dessas situações. Essas imagens, na canção do Rush, expõem a percepção inicial do que nos é apresentado (juiz), os confrontos internos de avaliação e ponderação (o júri), e a exteriorização da decisão (juiz). Sem dúvidas, outra magnífica criação de Peart em seu esplêndido trabalho como letrista.
"Show Don’t Tell" é um belo retrato de Presto, um presságio do Rush para o futuro. A banda se reunia novamente revisando sua abordagem, na busca por manter-se interessante e mais uma vez provando que a ampla visão do rock progressivo pode se enraizar em qualquer lugar, a qualquer momento.
© 2015 Rush Fã-Clube Brasil
STIX, J. "Alex Lifeson: The Art Of Preparation". Guitar For The Practicing Musician. May 1991.
STIX, J. "Geddy Lee: Organic". Guitar For The Practicing Musician. June 1990.
GILL, C. "Living In The Limelight" / "A Peart Response" And "Time And Motion". Guitar World. November 1996
POSICH, L. "Por que é tão difícil assumirmos nossos próprios erros?". Administradores.com. 24 de abril de 2014.