PRIME MOVER



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SECOND NATURE  PRIME MOVER  LOCK AND KEY


PRIME MOVER

Basic elemental instinct to survive
Stirs the higher passions
Thrill to be alive
Alternating currents in a tidewater surge
Rational resistance to an unwise urge

anything can happen

From the point of conception
To the moment of Truth
At the point of surrender
To the burden of proof

From the point of ignition
To the final drive
The point of the journey is not to arrive

anything can happen


Basic temperamental filters on our eyes
Alter our perceptions
Lenses polarize

Alternating currents force a show of hands
Rational responses force a change of plans

anything can happen

From a point on the compass
To magnetic north
The point of the needle moving back and forth

From the point of entry -
Until the candle is burned
The point of departure is not to return

anything can happen


I set the wheels in motion
turn up all the machines
activate the programs
and run behind the scene

I set the clouds in motion
turn up light and sound
activate the window
and watch the world go 'round -

anything can happen
PRIMEIRO MOTOR

O instinto de sobrevivência básico e elementar
Desperta as mais fortes paixões
A emoção de estar vivo
Correntes alternadas em uma oscilação de maré
Resistência racional a um impulso imprudente

tudo pode acontecer

Do ponto de concepção
À hora da Verdade
No ponto de rendição
Ao ônus da prova

Do ponto de ignição
Ao percurso final
O sentido da jornada não é a chegada

tudo pode acontecer


Filtros temperamentais básicos em nossos olhos
Alteram nossas percepções
Lentes polarizam

Correntes alternadas forçam um levantar de mãos
Respostas racionais forçam uma mudança de planos

tudo pode acontecer

De um ponto na bússola
Ao norte magnético
A ponta da agulha fica indo e voltando

Do ponto de entrada -
Até que a vela se apague
O sentido da partida não é o retorno

tudo pode acontecer


Coloco as engrenagens em movimento
ligo todas as máquinas
aciono os programas
e faço funcionar nos bastidores

Coloco as nuvens em movimento
ligo a luz e o som
aciono a janela
e assisto o mundo girar -

tudo pode acontecer


Música por Geddy Lee e Alex Lifeson / Letra por Neil Peart


Uma belíssima exaltação à força do ser humano

"Prime Mover" é a quinta canção de Hold Your Fire, outra criação incrivelmente mágica do power-trio canadense. Com sabores leves, a faixa destaca novamente a competente e rica contribuição melódica entre Alex Lifeson (com suas guitarras atmosféricas variadas e sempre versáteis) e Geddy Lee (trazendo linhas de baixo sensacionais, inclusive bastante salientadas em alguns momentos) - componentes basilares para as sensíveis e primorosas investidas percussivas de Neil Peart. Marcada por mudanças de tempo e nuances que se complementam perfeitamente, "Prime Mover" evoca climas especialíssimos, capazes de conduzir o ouvinte em uma das viagens líricas mais impressionantes da carreira do Rush. Certamente, outro exemplo contundente da costumeira versatilidade de Peart com as palavras.

"Sempre temos uma estrutura de cordas, uma fixação melódica ou uma imagem do que a peça vai ser", explica Geddy. "Normalmente, eu e Neil temos padrões de ritmo prontos. Toco em torno da melodia e defino minhas partes através do centro do som ou das estruturas de cordas. Em seguida, Alex realiza solos diferentes sobre o que Neil e eu já fizemos. Ele sempre tem muito conteúdo para trabalhar, pois geralmente está por perto durante as composições, em todos os estágios. Ele conhece as direções que as músicas estão tomando, vindo lamentar sobre isso e aquilo um monte de vezes, mas sempre nos surpreendendo. Suas direções são geralmente diferentes daquelas que esperávamos, mas por fim tudo se encaixa na estrutura melódica que já existente".

"Prime Mover" é uma composição inspiradora e poderosa que exalta a força do ser humano, insistindo que o principal limite que enfrentamos, com relação ao não alcançar de objetivos, são as nossas próprias restrições. Observando apenas o título, o Rush parece querer tecer uma complexa discussão e contemplação quanto à dinâmica do Universo, similar ao que foi abordado em "Mystic Rhythms" (do anterior Power Windows, de 1985). Porém, os primeiros momentos da canção nos entregam elementos ainda mais profundos e abrangentes, como por exemplo a própria observância de duas das três estruturas que compõe o aparelho mental humano, segundo o psiquiatra austríaco Sigmund Freud: a batalha interna do id (fonte da energia psíquica formada pelos instintos, impulsos primitivos e desejos inconscientes) e do superego (parte moral da mente humana que representa os valores da sociedade - o controle do id, por assim dizer). Esse fato, por si só, já nos remete em parte ao teor visitado no épico "Cygnus X-1 Book II: Hemispheres" (do álbum Hemispheres, de 1978), da mesma forma que a imediatamente anterior "Second Nature" nos leva a "Closer to the Heart" (de A Farewell To Kings, de 1977).

Inicialmente, "Prime Mover" reflete em seu título e no tema central bases em um princípio contido no livro XII da Metafísica - série de tratados escritos por Aristóteles (século IV a.C.) organizados em um conjunto de quatorze livros. Chamado de primeiro motor ou motor imóvel, esse princípio indica a causa primeira de toda a existência: o estado natural de um objeto seria o repouso, e o próprio Universo permaneceria nessa condição se não fosse pela ação de um primeiro motor - uma presença original responsável pela partida inicial dos movimentos das coisas, que por sua vez colocam todas as demais em funcionamento. O mundo todo está em movimento, com o Universo se expandindo, planetas orbitando estrelas, a Terra girando - e algo teve que iniciar tudo isso. Antes, Platão já havia se referido a esse fato associando-o a Demiurgo, uma figura similar ao Deus do Universo físico para sua filosofia, comparado a um artesão divino. O termo primeiro motor, portanto, é geralmente ligado a seu discípulo Aristóteles, que concordou com a definição inicial de seu mestre de que algo deveria acionar todas as coisas.

Ao lado da ideia de que o mundo precisou de uma força inicial para que fosse colocado em movimento, o termo que constitui o título indica também, literalmente, um dispositivo que transforma energia. Neil, como letrista do Rush, sempre construiu seu raciocínio baseado em ideias céticas, humanistas e racionais, e com "Prime Mover" não seria diferente. Nessa composição, ele compartilha sua crença inabalável na capacidade humana de movimentar seu próprio mundo, direcionando assim a vida e suas demais perspectivas. Similar à iniciativa em "Freewill" (de Permanent Waves, 1980), onde o significado de livre-arbítrio como um dom concedido é esvaziado (conferindo ao mesmo o sentido de que as escolhas estão em nossas mãos), em "Prime Mover" ele toma o princípio aristotélico não para expressar a possibilidade da existência de uma entidade superior, mas para descrever, de maneira extraordinária, a própria força humana. A canção, portanto, se mostra em consonância direta com o cerne do álbum, ao visitar novamente o instinto humano. "Prime Mover" nos lembra que temos poder para viver nossas vidas aproveitando a jornada, sendo o processo de contínuo aprendizado o fator que nos move à frente. Não se trata da contemplação de uma força motriz nos céus, mas sim do fato de reconhecermos que somos a nossa própria força, assumindo, compreendendo e desfrutando do viver como queremos. Devemos encontrar beleza e sentido no mundo através do nosso amor pela vida.

Peart continua a construir suas observações em torno das características humanas utilizando termos tecnológicos metafóricos, como ocorrido em "Vital Signs" (de Moving Pictures, 1981). Ele cita, por exemplo, as correntes elétricas alternadas, cujo sentido varia no tempo (ao contrário da corrente contínua, na qual o sentido permanece constante). Em outro trecho, o letrista menciona uma resistência racional, um provável trocadilho que utiliza o termo da eletricidade que define a capacidade de um corpo qualquer se opor à passagem de corrente elétrica, mesmo quando existe uma diferença de potencial aplicada. Temos ainda a utilização de outros termos, como a palavra ignição no trecho "From the point of ignition", que define um dispositivo que inflama o fogo, e a palavra filtro em "Basic temperamental filters on our eyes", onde entendemos o temperamento afetado pela cautela e cuidado sobre as percepções. Já o trecho "lentes polarizam" refere-se àquelas que, além de proteger os olhos e proporcionarem conforto, também fornecem proteção contra o brilho, eliminando o reflexo incômodo que atrapalha a visão no caso de um dia ensolarado ou suprimindo a radiação refletida da água, neve, asfalto ou superfícies metálicas. Aqui, Peart pensa sobre como nossas emoções podem afetar a maneira como vemos as coisas.

"Prime Mover" observa nossa trajetória no mundo pautada pelo constante debate entre o lado racional e os impulsos apaixonados. Nossos instintos querem abraçar a existência tal como se apresenta, enquanto nosso lado racional tenta nos manter mais avaliativos. A canção apresenta duas frases muito contundentes , que sintetizam perfeitamente a ideia concebida por Peart: "The point of the journey is not to arrive" ["O sentido da jornada não é a chegada"] e "The point of departure is not to return" ["O sentido da partida não é o retorno"]. Estamos presos a este mecanismo de movimento que é o mundo e, quando compreendemos dessa forma, a vida assume inicialmente um caráter de absurdo existencial. Porém, há um objetivo notável - o de fazer a melhor jornada que pudermos, pautados no equilíbrio entre as paixões e o senso. Indo além, os trechos citados negam noções tradicionais de prêmios a receber no final, estes que acabam por menosprezar a vida. Nosso propósito não seria o alcance de um estado pré-definido, mas sim um contínuo e aberto desenvolvimento e consequente evolução como indivíduos - uma busca incessante por nosso pleno potencial como humanos.

Já a frase "Anything can happen" ["Tudo pode acontecer"], repetida várias vezes na canção, provoca em nós a noção de um Universo aleatório, aberto e indiferente, observações que estariam muito presentes em futuras composições da banda. Em vários momentos, o baterista parece abordar a interpretação subjetiva de entrada sensorial de Immanuel Kant (1724 - 1804), que traz como base a noção de que todos os conhecimentos humanos do mundo objetivo são provenientes da experiencia e das percepções pelos sentidos, esses que nos levam a conhecer um mundo exterior real. Indo além, "Prime Mover" também se mostra em conformidade com um componente chave da filosofia existencialista: uma das características humanas mais universais é que o homem geralmente irá escolher trilhar os caminhos de menor resistência, muitas vezes se conformando com repetições coletivas ao invés de experiências mais gratificantes voltadas para o indivíduo. Tomando esse agrupamento de conceitos, entendemos que nosso primeiro motor é o que de fato pode nos levar à frente, nos apresentando um leque gigantesco de expectativas. Portanto, o ser humano traz o potencial para atingir um nível superior e mais elevado de evolução, com possibilidades de mover seu mundo e guiar seu próprio destino.

O termo "Prime Mover", além de expor os domínios aristotélicos, aparece também no romance Midcentury (1961), do escritor norte-americano John Dos Passos (1896 - 1970). Além disso, é o título do episódio 21 da segunda temporada da clássica série de TV The Twilight Zone (Além da Imaginação), que foi ao ar originalmente no dia 24 de março de 1961. Na história, Buddy Ebsen joga com Jimbo Cobb, um dono de cafeteria que tem poderes psíquicos cinéticos. Quando seu parceiro Ace Larsen (interpretado pelo ator Dane Clark) descobre que os poderes de Jimbo lhe permitem manipular os dados, eles decidem ir para Las Vegas. Os dois ganham muito dinheiro juntos, mas Ace não consegue parar de jogar, apesar dos apelos de sua namorada Kitty (Christine White) e do próprio Jimbo, que se preocupa mais com seu amigo do que com todo o dinheiro do mundo.

Curiosamente, ao trecho "I set the clouds in motion" ["Coloco as nuvens em movimento"] veio de uma frase marcante do meteorologista norte-americano Stuart Hall, que trabalhava no Channel 3 de Burlington, Vermont (EUA). "O engenheiro assistente do Le Studio, Robbie Whelan, me recomendou assistir a previsão do tempo que passava todas as noites com o meteorologista Stuart Hall do Channel 3 de Burlington, Vermont, e comecei a assistir religiosamente, todas as noites", lembra Peart. "A linguagem da meteorologia nos relatórios de Hall me influenciou e incorporei algumas de suas palavras em nossas letras. Um pouco antes do vídeo do satélite diário, Hall dizia 'Vamos colocar as nuvens em movimento'. Essa frase se tornou uma metáfora para a canção 'Prime Mover'".

Com um nível de complexidade lírica apaixonante, "Prime Mover" é uma autêntica celebração da vida. "Liricamente, acho que Neil fala sobre usar toda a energia disponível para nós mergulhando nas coisas de forma instintiva", diz Lifeson. "De certa forma, 'Prime Mover' lida com a motivação que nos leva a fazer coisas, e o instinto que trazemos de tentar conseguir algo em nossas vidas".

© 2015 Rush Fã-Clube Brasil

TELLERIA, E. Merely Players Tribute. Quarry Music Books. 2002.
TOLLESON, R. "Geddy Lee: Bass Is Still The Key". Bass Player. November / December 1988.
PUTTERFORD, M. "Lifeson Times". Kerrang! Nº 158. October 17, 1987.