SECOND NATURE



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SECOND NATURE

A memo to a higher office
Open letter to the powers-that-be
To a God, a king, a head of state
A captain of industry
To the movers and the shakers -
Can't everybody see?

It ought to be second nature -
I mean, the places where we live!
Let's talk about this sensibly -
We're not insensitive
I know progress has no patience -
But something's got to give

I know you're different -
You know I'm the same
We're both too busy
To be taking the blame
I'd like some changes
But you don't have the time
We can't go on thinking
It's a victimless crime
No one is blameless
But we're all without shame
We fight the fire -
While we're feeding the flames


Folks have got to make choices -
And choices got to have voices
Folks are basically decent
Conventional wisdom would say
Well, we read about the exceptions
In the papers every day

It ought to be second nature -
At least, that's what I feel
"Now I lay me down in Dreamland" -
I know perfect's not for real
I thought we might get closer -
But I'm ready to make a deal

Today is different,
And tomorrow the same
It's hard to take the world
The way that it came
Too many rapids
Keep us sweeping along
Too many captains
Keep on steering us wrong
It's hard to take the heat -
It's hard to lay blame
To fight the fire -
While we're feeding the flames
SEGUNDA NATUREZA

Um memorando para um cargo mais alto
Carta aberta aos poderes constituídos
Para um Deus, um rei, um chefe de estado
Um grande empresário
Para os formadores de opinião -
Será que ninguém vê?

Deveria ser a segunda natureza
Refiro-me aos lugares em que vivemos!
Vamos falar sobre isso com sensatez -
Não somos insensíveis
Sei que o progresso não tem paciência -
Mas algo ele tem que ceder

Sei que você é diferente -
Você sabe que também sou
Nós dois estamos muito ocupados
Para levarmos a culpa
Gostaria de algumas mudanças
Mas você não tem tempo
Não podemos continuar achando
Que é um crime sem vítimas
Ninguém é inocente
Mas não temos vergonha
Combatemos o fogo -
Enquanto alimentamos as chamas


Gente que tem que fazer escolhas -
E as escolhas tem que ter vozes
Gente que é antes de tudo decente
Diria a sabedoria popular
Bem, lemos sobre as exceções
Todos os dias nos jornais

Deveria ser a segunda natureza -
Pelo menos é o que sinto
"Agora me deito na Terra dos Sonhos" -
Sei que o perfeito não é real
Achei que pudéssemos nos aproximar -
Mas estou pronto para fazer um acordo

Hoje é diferente,
E amanhã o mesmo
É duro aceitar o mundo
Da forma que ele se apresenta
Muitas corredeiras
Continuam nos arrastando
Muitos capitães
Continuam nos guiando mal
É duro aceitar a crítica -
É duro colocar a culpa
Combater o fogo -
Enquanto alimentamos as chamas


Música por Geddy Lee e Alex Lifeson / Letra por Neil Peart


A responsabilidade com o mundo deveria nascer naturalmente em todos nós

"Second Nature", quarta canção de Hold Your Fire, é uma cativante composição que intensifica a atmosfera geral de leveza e introspecção que permeia os primeiros movimentos do disco. Propondo um reflexivo conteúdo lírico preparado pela maestria habitual de Neil Peart, a faixa surge como um momento musical bastante agradável, ao apresentar apenas teclados, vocais e marcações na bateria em sua introdução. O cenário convida o ouvinte a refletir sobre os dilemas sociais que emergem quando paramos para idealizar a possibilidade de trabalharmos para a construção de um mundo melhor.

A estrutura de "Second Nature" apresenta uma quantidade considerável de sintetizadores e de elementos percussivos eletrônicos, sendo isenta de solos de guitarra. Mesclando versos amenos com refrões de energia dosada, a canção traz uma mensagem conciliadora: se não conseguimos atingir a perfeição no mundo, deveríamos ao menos tentar melhorá-lo juntos. "Às vezes, temos que aceitar algo menor do que a vitória total", diz Peart. "É como a diferença entre o compromisso e o equilíbrio. O político faz campanhas sobre o ar puro, mas não quer fechar a fábrica que polui em sua cidade devido às milhares de pessoas que perderão seus empregos. Meu ponto de vista é de sempre tentar lutar pela melhoria das coisas, mas sem ferir outras pessoas. Deveríamos desejar que nossas cidades fossem tão bonitas quanto nossas florestas, e que as pessoas se comportassem como humanos. No entanto, sei que isso é um pressuposto ingênuo e risível. Quero sim um mundo perfeito e posso sentir-me incomodado nessa busca, mas é algo que não consigo fazer sozinho. Assim, mesmo que meu próximo não deseje as mesmas coisas que eu, poderíamos pelo menos fazer um acordo e tentar alguma melhoria".

"Não basta apenas gritar sobre isso em uma canção. Se você realmente se preocupa com alguma causa e se envolve com pessoas para fazer algo quanto a isso, então estarão atuando e trabalhando ativamente para melhorar as coisas. Faço no meu próprio tempo, sem qualquer toque de clarim para publicidade. Eu saio para o mundo sujo".

"Tentei falar de coisas que não fossem somente maçantes e chatas. Dessa forma, encontrei imagens como uma 'segunda natureza' - uma analogia sobre a qual me apaixonei, que fala do desejo de que nossos lares se tornem uma segunda natureza".


Peart utiliza o termo 'segunda natureza' para expor duas linhas gerais de pensamento. Na primeira delas, o letrista observa a ideia de separação entre sociedade e natureza instituída ao longo dos séculos (como desdobramento do próprio desenvolvimento humano), na qual o homem entende-se como independente, superior e até mesmo dono legítimo do meio natural. Sob esse ponto de vista, criam-se duas vertentes. Inicialmente, essa realidade pode explicar os dramas provenientes dos desmandos exploratórios da humanidade contra o meio-ambiente e contra os recursos naturais, nos quais suas ações descontroladas vêm acarretando e acumulando inúmeros prejuízos. Por outro lado, pela própria separação instituída, cria-se a idealização de uma natureza (ainda não degradada) como um âmbito destacado, longínquo e harmônico - um lugar de paz que precisa urgentemente ser cuidado e preservado. Esse é exatamente o ponto utilizado por Peart em sua analogia: que o olhar para esse lugar especial também pudesse se voltar para o próprio contexto urbano, social e econômico que integramos.

"Second Nature" se apresenta como uma carta aberta. Trazendo observações muito sinceras e soando como um verdadeiro desabafo, a composição discursa de forma mais acurada preocupações já levantadas em faixas mais antigas, como "Bastille Day" (de Caress of Steel, 1975), "A Farewell to Kings" e "Closer to the Heart" (de A Farewell to Kings, de 1977). Após um doloroso amadurecimento do letrista, nitidamente retratado em "Distant Early Warning" (de Grace Under Pressure, 1984), a composição de Hold Your Fire também expõe o desejo de trabalharmos juntos para tornar o mundo um lugar melhor, porém não mais com a ideia de substituições - e sim de negociações com os poderes constituídos.

Um dos conceitos mais visitados por Peart em suas composições ao longo dos anos é a noção de equilíbrio, novamente expressado em "Second Nature". "Pessoalmente, permaneço essencialmente um idealista e não totalmente desiludido", ele diz. "Assim que comecei a perceber que o mundo não era perfeito, decidi tentar fazer apenas uma parte dele perfeita. No entanto, isso se torna uma cruzada infrutífera muito dolorosa e unilateral depois de um tempo. O resto do mundo é cético na melhor das hipóteses, sendo geralmente cínico, então deveria haver um ponto de encontro na busca por melhorias, com isso se estendendo desde a moralidade musical até a consciência ambiental".

"Second Nature", em seu primeiro verso, dirige-se àqueles que detém o poder, mas logo assume que ninguém é inocente, não importando a posição. O problema da cooperação entre os homens acaba esbarrando na própria natureza humana - Peart defende que não sabemos assumir responsabilidades, quase nunca adotando medidas definitivas contra os nossos próprios erros. Somos todos diferentes, mas cada um deveria trazer intrínseco o reconhecimento da responsabilidade pelos problemas do mundo (deveríamos, naturalmente, apreciar nossa sociedade e lutar para torná-la tão impecável quanto pudéssemos, percebendo suas falhas e reconhecendo-as). Porém, dificilmente tomamos tais iniciativas, pois entendemos que existem outras pessoas cuidando dessas questões para nós. Adiamos nossas demandas e simplesmente ignoramos a existência delas, além seguirmos distribuindo culpas por representar um caminho mais fácil e confortável como forma de atitude. Infelizmente, continuaremos a cometer os mesmos erros enquanto não nos levantarmos pela busca da mudança real: a de nós mesmos.

"É algo que tem que ser dito às vezes, e eu já disse muitas vezes. Uma das maiores inspirações é a raiva. Sabe, você fica tão louco que acaba dizendo alguma coisa. Escrevi em 'Second Nature': 'I know prefect's not for real. I thought we might get closer, but I'm ready to make a deal' ['Sei que o perfeito não é real. Achei que pudéssemos nos aproximar, mas estou pronto para fazer um acordo]. Em outras palavras, ok, se não podemos ser perfeitos, então vamos pelo menos tentar melhorar".

"Assim, em todos esses casos, há coisas que eu realmente quero expressar, descrever ou evocar. Esse é outro fator que atravessa a escrita em prosa: quando estou descrevendo alguma coisa, não se trata necessariamente de algo interno. Na verdade, quero que as pessoas vejam da maneira que eu vi. Esse é um dos fatores que aprendi escrevendo e que tenho aplicado na bateria também - o leitor precisa saber onde quero levá-los, o que tenho a dizer, quais as palavras posso usar (e em que ordem) para expressar o assunto".


A segunda linha de pensamento na composição expressa como 'segunda natureza' algo que deveria fazer parte de nós - atitudes tão óbvias que deveriam surgir naturalmente, mas que acabam ficando totalmente esquecidas e ofuscadas por nossa indiferença. A ideia de ajudar alguém ou lutar por um mundo melhor deveria ser uma naturalidade para os seres humanos, uma busca constante por tornar as coisas melhores. "Second Nature" expõe o quanto somos hipócritas na maioria das vezes, falando de coisas que nos incomodam e que também realizamos contra os outros. Por fim, outro ponto que provoca o pensamento é que estamos ouvindo e concedendo poder às pessoas erradas, sem ao menos avaliar previamente nossas próprias decisões.

"Outro tema recorrente é minha tentativa constante de conciliar idealismo com a realidade lúcida", diz Peart. "Continuo sendo uma pessoa idealista, algo doloroso para mim às vezes. Cresci dessa forma até o ponto em que toda a vida de repente me desiludiu. Havia imaginado que o mundo seria muito melhor do que ele é de fato, mas toda a rudeza e ignorância da humanidade se deteve sobre mim. Foi tremendamente doído, e verdadeiramente difícil de encarar. Assim, a linha divisória entre as ilusões juvenis e suas subsequentes perdas com a idade foi um atrativo. Há preços e recompensas por isso - você pode trocar suas ilusões e inocência pela experiência e pela forma como as coisas realmente são. Se você enfrentar isso emocionalmente, será uma troca justa. Passei por essa mudança de forma muito extrema, e grande parte do álbum enfrenta esse dilema".

Sobre o engajamento de artistas e personalidades em causas humanitárias, Peart diz, "Fico muito impaciente com o lado 'pop' das causas, com coisas como, 'Vamos nos unir para mudar'. Essas pessoas simplesmente não sabem o que estão falando e não se dão ao trabalho de descobrir como realmente podem mudar algo. É uma mentalidade dos anos sessenta - não havia nenhuma ação e, agora, também não há, sendo apenas som e fúria. E, vamos ser honestos, quantas dessas pessoas só estão emprestando os seus nomes como um movimento para a carreira?".

"Geddy esteve envolvido com a causa do 'Northern Lights' aqui no Canadá, mas o Rush não foi convidado para participar do 'Live Aid' - principalmente, se você observar a lista de convidados, os convites foram feitos muito pela situação 'do público'. (...) Veja, eu não estaria feliz fazendo parte desse cenário. Aquelas estrelas deveriam se calar e dar seu dinheiro se fossem genuínas. Lembro-me que o Tears For Fears tomou a decisão musical e artística de sair do concerto, e foram posteriormente acusados de matar crianças na África - uma atitude chocante, irresponsável e estúpida tomada com relação à banda. Mas não tenho nada de ruim para dizer sobre o Bob Geldof - ele sacrifica sua saúde, sua carreira, tudo por algo no qual acredita. Mas outros ao redor dele se envolveram por outras razões. Alguns daqueles envolvidos no 'Northern Lights' foram citados como orientados por seus empresários a considerar aquelas sessões de gravação, pois seriam um passo para a carreira. Que farsa!".

"Não acredito que todo esse sensacionalismo tenha mudado alguma coisa. Ainda agora, caminhões cheios de alimentos estão sendo explodidos no Quênia, Tanzânia e Uganda, tentando chegar ao Sudão e Etiópia. São roubados ou alvejados, e retornam de lá. Estive na África Ocidental (...), então tenho uma visão em primeira mão sobre o que está acontecendo. Enquanto estive por lá, nada menos que 55 caminhões carregados de alimentos foram apreendidos em Uganda, e todos eles por conta da situação política. Não é a falta de alimentos ou a seca que está causando os problemas, mas a guerra civil! As pessoas estão morrendo de fome deliberadamente e como você vai mudar isso através de um show de rock? Não condeno causas de caridade, mas se alguém me pedisse para fazer um show para ajudar a Etiópia eu diria NÃO! Ficaria muito feliz em doar dinheiro ou fazer alguma coisa que pudesse de fato ajudar, mas acredito que você tenha que se envolver muito mais do que apenas dar algum dinheiro para tranquilizar sua consciência. Esse tipo de caridade é muito negativa, por ser egoísta e superficial".


A frase "Now I lay me down in dreamland" ("Agora eu me deito na Terra dos Sonhos") é baseada em uma oração infantil do Século VIII, geralmente utilizada pelas crianças antes de se prepararem para dormir. "É mais uma paráfrase do que uma citação", diz Peart. "Vem de uma oração que ficava à mostra acima da cama da minha avó. Começava assim: 'Agora que me deito para dormir, peço ao senhor para guardar minha alma'. Quando decidi utilizar a frase, pensei na mesma como um sorriso irônico. Por isso aparece entre aspas".

© 2015 Rush Fã-Clube Brasil

QUILL, G. "Rush Burns Intensely On Hold Your Fire". Toronto Star. September 4, 1987.
PEART, N. "Rush – Counterparts". Rush Backstage Club Newsletter. January 1994.
DOME, M. "All Fired Up". Metal Hammer. April 25, 1988.
MOVER, J. "A Conversation With Neil Peart". Drumhead. September / October 2007.
PRICE, Carol S. "Mystic Rhythms: The Philosophical Vision of Rush". Borgo Press. December 1, 1999.
PEART, N. "Roadshow: Landscape With Drums: A Concert Tour by Motorcycle". Rounder Books. May 14, 2007.