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LOCK AND KEY MISSION TURN THE PAGE
MISSION
Hold your fire -
Keep it burning bright
Hold the flame 'til the dream ignites -
A spirit with a vision is a dream with a mission
I hear their passionate music
Read the words that touch my heart
I gaze at their feverish pictures
The secrets that set them apart
When I feel the powerful visions
Their fire has made alive
I wish I had that instinct -
I wish I had that drive
Spirits fly on dangerous missions
Imaginations on fire
Focused high on soaring ambitions
Consumed in a single desire
In the grip of a nameless possession -
A slave to the drive of obsession -
A spirit with a vision
Is a dream with a mission...
I watch their images flicker
Bringing light to a lifeless screen
I walk through their beautiful buildings
And I wish I had their dreams
But dreams don't need to have motion
To keep their spark alive
Obsession has to have action -
Pride turns on the drive
It's cold comfort
To the ones without it
To know how they struggled -
How they suffered about it
If their lives were exotic and strange
They would likely have gladly exchanged them
For something a little more plain
Maybe something a little more sane
We each pay a fabulous price
For our visions of paradise
But a spirit with a vision
Is a dream with a mission...
Hold your fire -
Keep it burning bright
Hold the flame 'til the dream ignites -
A spirit with a vision is a dream with a mission
I hear their passionate music
Read the words that touch my heart
I gaze at their feverish pictures
The secrets that set them apart
When I feel the powerful visions
Their fire has made alive
I wish I had that instinct -
I wish I had that drive
Spirits fly on dangerous missions
Imaginations on fire
Focused high on soaring ambitions
Consumed in a single desire
In the grip of a nameless possession -
A slave to the drive of obsession -
A spirit with a vision
Is a dream with a mission...
I watch their images flicker
Bringing light to a lifeless screen
I walk through their beautiful buildings
And I wish I had their dreams
But dreams don't need to have motion
To keep their spark alive
Obsession has to have action -
Pride turns on the drive
It's cold comfort
To the ones without it
To know how they struggled -
How they suffered about it
If their lives were exotic and strange
They would likely have gladly exchanged them
For something a little more plain
Maybe something a little more sane
We each pay a fabulous price
For our visions of paradise
But a spirit with a vision
Is a dream with a mission...
MISSÃO
Segure seu fogo -
Mantenha-o ardendo brilhantemente
Segure a chama até que o sonho se inflame -
Um espírito com uma visão é um sonho com uma missão
Ouço a música apaixonada deles
Leio as palavras que tocam meu coração
Contemplo suas pinturas febris
Os segredos que as diferenciam
Quando sinto as visões poderosas
Suas chamas trazem vida
Quem me dera ter esse instinto -
Quem me dera ter esse impulso
Espíritos voam em missões perigosas
Imaginações em chamas
Focadas no alto de ambições crescentes
Consumidas em um único desejo
Nas garras de uma possessão sem nome -
Um escravo para o impulso da obsessão -
Um espírito com uma visão
É um sonho com uma missão...
Vejo suas imagens fulgurantes
Trazendo luz a uma tela sem vida
Ando por seus belos edifícios
Quem me dera ter seus sonhos
Mas sonhos não precisam de estímulos
Para manter sua centelha viva
A obsessão tem que ter ação -
O orgulho se torna o impulso
É um conforto frio
Para aqueles sem isso
Saber como eles se esforçaram -
E como sofreram com isso
Se suas vidas foram exóticas e estranhas
Eles provavelmente teriam trocado de bom grado
Por algo um pouco mais simples
Talvez algo um pouco mais sensato
Cada um de nós paga um preço fabuloso
Por nossas visões do paraíso
Mas um espírito com uma visão
É um sonho com uma missão...
Segure seu fogo -
Mantenha-o ardendo brilhantemente
Segure a chama até que o sonho se inflame -
Um espírito com uma visão é um sonho com uma missão
Ouço a música apaixonada deles
Leio as palavras que tocam meu coração
Contemplo suas pinturas febris
Os segredos que as diferenciam
Quando sinto as visões poderosas
Suas chamas trazem vida
Quem me dera ter esse instinto -
Quem me dera ter esse impulso
Espíritos voam em missões perigosas
Imaginações em chamas
Focadas no alto de ambições crescentes
Consumidas em um único desejo
Nas garras de uma possessão sem nome -
Um escravo para o impulso da obsessão -
Um espírito com uma visão
É um sonho com uma missão...
Vejo suas imagens fulgurantes
Trazendo luz a uma tela sem vida
Ando por seus belos edifícios
Quem me dera ter seus sonhos
Mas sonhos não precisam de estímulos
Para manter sua centelha viva
A obsessão tem que ter ação -
O orgulho se torna o impulso
É um conforto frio
Para aqueles sem isso
Saber como eles se esforçaram -
E como sofreram com isso
Se suas vidas foram exóticas e estranhas
Eles provavelmente teriam trocado de bom grado
Por algo um pouco mais simples
Talvez algo um pouco mais sensato
Cada um de nós paga um preço fabuloso
Por nossas visões do paraíso
Mas um espírito com uma visão
É um sonho com uma missão...
A incrível força dos sonhos e o preço da genialidade
"Mission" é a sétima canção de Hold Your Fire, uma obra notável e incrivelmente marcante do power-trio canadense. Com uma abertura introspectiva e edificante guiada por um profundo dueto entre a voz de Geddy Lee e uma bela camada de teclados, a composição logo explode em movimentos cheios de energia e melodia que evocam algumas das tendências musicais da década, porém sempre munidas com a inconfundível identidade do trio. Linhas de baixo criativas e certeiras, guitarras pautadas por timbres comoventes e percussão impecável ajudam a guiar o ouvinte por uma grande viagem musical, repleta de momentos e elementos mais que especiais.
"Em 'Mission' (...) toquei no compasso 5/4 que Geddy e Alex prepararam", explica Neil Peart. "Faço a batida ímpar quando é preciso ou simplesmente espero até que a mesma venha a mim. Isso se deve bastante à ideia do R&B ou do funk, onde o pulsar é o mais importante, este que você quer que pareça com o 4/4, da mesma forma que Peter Gabriel fez em 'Solsbury Hill': a canção mantém um longo padrão 7/4, mas todos os ouvintes casuais sentem que ela está em 4/4".
"Você pode bater o pé confortavelmente para a música, e essa é a magia que temos sido capazes de aprender: esses elementos não devem parecer estranhos para o público. O compasso ímpar não é de fato 'estranho'; há uma melodia nele, um fluxo, uma cadência humana, precisando somente ser aprendido. Nosso público não sabe contar o 7/4, mas aceitam essas pequenas reviravoltas peculiares que fazem parte da nossa música. Seria presunçoso dizer que educamos nossos ouvintes. Ao invés disso, deixamos que sigam se acostumando conosco por vontade própria".
"Lembro que Peter Collins simplesmente adorou 'Mission'", diz Geddy. "E, em algum momento na Grã-Bretanha, quando estávamos trabalhando no disco, ele quis de fato fazer o que chamou de 'The Full Monty': colocar uma orquestra e um coral nela. Há o som particular de uma banda de metais inglesa, algo que cresceu nele e sobre a qual não tínhamos ideia. Era uma banda que tocava em um gazebo no parque aos domingos".
"Ele estava obcecado em encontrar uma banda autêntica, procurando bastante no norte da Inglaterra para que tocassem nessa faixa. Trabalhamos duro de verdade nesse disco, e houve um fim de semana no qual estariam disponíveis. Pensamos em voar até lá para gravar com eles, mas dizemos, 'Pete, você vai. Você sabe o que você quer, e nós estamos exaustos. Vá até lá e grave. Será um deleite para você'".
"E ele fez isso. Quando voltou, estava todo animado, claro, e nós nunca partilhamos do mesmo entusiasmo [risos]. Por fim, a versão da canção que lançamos acabou meio que despojada. Acho que ele não utilizou muito dos metais da banda - não utilizamos o arranjo completo".
"Em 'Mission' e 'Lock and Key', faço um solo enquanto Geddy e Alex mantém o tempo atrás de mim", explica Neil. "É fantástico, uma bela troca de papéis: um solo de bateria funcionando como um solo de guitarra, com o resto da banda dando o suporte - Geddy e Alex tocam no pulso rítmico real. Isso nos permite experimentar uma nova roupagem, que assume uma nova inter-relação entre nós".
"(…) 'Mission' traz um solo de marimba", continua o baterista. "Nesse disco, usei uma harmonização sincopada na caixa em uníssono com a marimba, e Geddy fez o baixo também em uníssono com ela".
"Mission" nos conduz para o âmago de uma reflexão sobre o surgimento de sentimentos, sensações e renúncia no processo de busca por nossos sonhos. Sua temática inspirativa, que acaba por mergulhar em mais uma forma de instinto, veio de uma conversa entre Neil e Geddy ocorrida na década de 1980, na qual pensavam sobre pessoas insatisfeitas com suas vidas e que sempre lhes perguntavam sobre o momento em que sabiam o que queriam fazer, quando decidiram por sua missão como músicos.
"Esse assunto surgiu em uma conversa minha com o Neil sobre pessoas próximas que já haviam decidido fazer algo em suas vidas, que já possuíam essa ambição e desejo, mas que não conseguiam escolher o que realmente queriam perseguir", diz Geddy. "Sempre ficou muito claro para nós o que faríamos das nossas vidas, pouco importava se conseguiríamos sucesso ou fracasso. Sabíamos que sempre tocaríamos música de alguma maneira. 'Mission' traz um olhar com tristeza sobre pessoas que nunca tiveram certeza do que fazer e que nunca tiveram uma ideia clara sobre onde investir sua capacidade criativa, na busca pela conclusão final".
"Sempre soubemos [o que queríamos fazer]", diz Neil, "no entanto, decidi escrever uma canção partindo desse ponto de vista - não como alguém que já tivesse uma missão, mas alguém que estava à procura de uma (ou, senão procurando ativamente, ao menos à espera)".
As letras de Hold Your Fire se mostram bastante introspectivas, com o foco totalmente voltado para algumas das peculiaridades da natureza humana (talvez mais do que em qualquer outro álbum do Rush). "A maioria das composições do Neil vêm do ponto de vista de um mero observador, que olha para fatos e que opina sobre eles", explica Alex. "Ele nunca prega, mas sugere um ponto de vista e tenta fazer com que as pessoas pensem um pouco mais sobre esses temas específicos".
Expondo proposições relativamente recorrentes, "Mission" traz uma espécie de combinação de assuntos tratados em composições anteriores, como "Limelight" (de Moving Pictures, 1981), "Grand Designs" e "Marathon" (ambas de Power Windows, 1985). A canção, inicialmente, apresenta a imagem da preciosa chama interior, que deverá ser sempre preservada para que se materialize em sonhos, estes que representam a essência da nossa própria vida. Nos versos seguintes, Neil Peart descreve a maneira como músicos, escritores, pintores, cineastas e profissionais de arquitetura e engenharia lhe tocam e lhe inspiram com suas incríveis criações. O letrista expõe a força poderosa que move essas mentes incríveis a perseguirem incessantemente seus sonhos, encarando sua busca como verdadeiras missões de vida que marcam a humanidade. O refrão de "Mission" celebra esses heróis e, nos momentos seguintes, reflete sobre a luta e sofrimento que essas pessoas enfrentam por viverem inteiramente dedicados à concretização de suas expressões.
"Pensei em pessoas como Vincent van Gogh, Virginia Woolf e F. Scott Fitzgerald, esses que se perderam na luta pela arte", explica Neil.
A frase de abertura , "Hold your fire, keep it burning bright" ["Segure seu fogo, mantenha-o ardendo brilhantemente"] deu origem ao nome do disco. De acordo com Peart, a letra de "Mission" também se relaciona com a tendência que muitas pessoas trazem de idealizar a vida dos outros. Muitos tendem a imaginar que aqueles que são ricos e famosos são pessoas com menos problemas pessoais. No entanto, o baterista argumenta que cada vida tem seu próprio nível de dificuldade. Exemplificando a ideia, Peart fala sobre pessoas que se referem a ele como alguém que possui o melhor emprego do mundo. Ele sempre reconheceu sentir orgulho por ser músico, algo com o qual sempre sonhou desde a juventude, no entanto afirma que as pessoas não percebem que estar longe da família por vários meses quando se está em turnê não é algo fácil. A frase chave da canção que pondera esse assunto diz, "We each pay a fabulous price for our visions of paradise" ["Cada um de nós paga um preço fabuloso por nossas visões do paraíso"], na qual o letrista se refere aos sacrifícios pessoais enfrentados para alcançar seus sonhos.
"Acho que o título do álbum se relaciona com o processo criativo - o desejo ardente de fazer alguma coisa e como é importante preservar isso", diz Geddy. "É manter sua chama acesa, preservando seus planos independentemente do quanto você tenha que perseverar, independente das circunstâncias. Acho que é importante manter suas armas. A canção está relacionada com a chama interior pessoal, preservando-a como explicado no começo. Essa foi a intenção e o conceito dessa canção em particular, e também do título do álbum".
"Acho que há certas coisas que você atravessa em sua vida que, quanto mais você envelhece, mais tem que lidar com elas. Na verdade, parece que seus olhos vão se abrindo mais e mais quando você fica mais velho. Não acho que seja algo deprimente - são apenas as coisas que você percorre na vida e que lhe ajudarão a crescer. Elas nem sempre são agradáveis, mas você as supera".
"Neil é uma pessoa muito privada - ele realmente valoriza seu tempo livre, ficando longe dos holofotes", diz Alex. "Acho que é por isso, em parte, que ele escreveu 'Mission'. Ele lida com a obsessão de qualquer artista com sua arte, e sobre como você tem que pagar o preço por sua autossatisfação ou sucesso. Esse preço é geralmente sua privacidade, algo sobre o qual ele falou antes, em 'Limelight', de Moving Pictures".
Perguntado se fez valer sua vida, Peart diz, "Sim. Bob Dylan disse uma vez que a única coisa que você pode fazer a um estranho é lhe dar inspiração. E nós vemos pessoas inspiradas todas as noites. Elas nos dizem isso e, com o tempo, alcançam suas realizações, sejam como atletas ou artistas. Nós ajudamos com que se inspirem em si mesmos. Como Dylan disse, o maior desejo do artista é inspirar seu público. É o ápice".
"Tudo é importante - ser tão bom em casa quanto na carreira profissional. Fazer um ótimo jantar para sua família é tão bom quanto fazer uma boa apresentação. Coisas bem diferentes, mas ambas muito importantes para sua existência. É ser importante".
"Você tem que encontrar sua maneira de ajudar alguém. Recebi uma carta de um primo que mora na África, e ele falava de um projeto no qual constroem casas no valor de mil dólares para famílias que estejam inscritas. Recebi junto uma foto de uma família segurando um cartaz, dizendo: 'Obrigado, Neil'. E você vê essa família na primeira casa de suas vidas. É gratificante. É ser importante. Isso traz um sentido para a vida - proporcionar uma vida melhor para alguém. E aquela foto com todos sorrindo é um exemplo lindo de que você pode fazer a diferença, se sentindo bem".
"Mission" é, inquestionavelmente, um hino sobre a gama de emoções e desdobramentos que compõem a busca por grandes objetivos, quando passamos a ter de suportar uma vida de privações e até mesmo sensações de não-pertencimento a um grupo geral. Para sermos criativos e independentes, é provável que tenhamos que pagar um preço muito alto. Não é fácil, mas a canção traz intrínseca a afirmação de que devemos acreditar que podemos conseguir muito mais do que uma simples vida normal e desinteressante, olhando um pouco mais para nós mesmos.
Lee, novamente, canta letras profundamente filosóficas de Peart, que mais uma vez clamam por uma honestidade heroica em um mundo tomado pela superficialidade. "Mission" consegue expor ideias brilhantes sobre a mentalidade de tipos distintos de pessoas - aquelas que trazem uma chama ardente em si (e que lutam para materializá-las) e aquelas que renunciam a isso. Trata-se, portanto, de um grande dilema, principalmente baseado nas muitas abdicações que temos que fazer para assumir nossas inclinações criativas. Aqueles que querem perseguir objetivos grandiosos precisarão dedicar seu tempo, energia e esforço quase que integralmente, abandonando distrações na busca pela missão do seu espírito - da sua essência. Já os que suprimem sua chama interior procuram um conforto frio, sabendo o quanto terão que dispensar de si próprios - evitando assim sofrimentos e perdas em troca do alcance da sua inclinação.
A verdade é que a maioria de nós aprende a se contentar com alcances mais próximos, ao invés de perseguir visões de vida e sonhos mais ousados. O preço a ser pago sempre será muito valioso. Porém, os espíritos com essas visões traduzem seus sonhos em missões não somente por realizações pessoais, mas também pelos próprios desdobramentos que sua escolha poderá causar na vida de outras pessoas, muitas delas longe do seu convívio.
Por outro lado, "Mission" acaba se revelando como uma canção de tema cíclico (fato evidenciado na retomada da frase do verso inicial para a conclusão da letra). Ao atingirmos grandes conquistas, jamais devemos permitir que nossa chama interior se apague. Embalados por um estupendo solo de guitarra apoteótico em fade-out e por cordas belíssimas escritas e conduzidas pelo compositor e orquestrador norte-americano Steve Margoshes, entendemos que precisamos buscar outros objetivos e desenvolvimento, sendo esse de fato o sentido das nossas vidas. É importante que decisões tão cruciais sejam previamente calculadas, a fim de evitarmos arrependimentos dolorosos e frustrações até mesmo no sucesso. O mais importante é sempre confiarmos nos nossos instintos, valorizando nossas qualidades e jamais tendo medo de investir em nós mesmos. Essa, portanto, é a missão dessa encantadora composição do Rush.
© 2015 Rush Fã-Clube Brasil
PRICE, Carol S. PRICE, Robert M. "Mystic Rhythms: The Philosophical Vision of Rush". Borgo Press. 1999.
BERTI, J. "Rush and Philosophy: Heart and Mind United (Popular Culture and Philosophy)". Chicago: Open Court, 2011.
PRICE, Carol S. PRICE, Robert M. "Mystic Rhythms: The Philosophical Vision of Rush". Borgo Press, 1999.
POPOFF, M. "Contents Under Pressure". Canada: ECW Press. 2004.
PONTING, T. "Neil Peart: Mystic Rhythms". Rhythm. August 1988.
ROCKLINE. "Alex Lifeson And Geddy Lee On Rockline For A Show Of Hands". Rockline. February 6, 1989.
TURNER, M. "Geddy Lee - Off The Record". Off The Record With Mary Turner. 1987.
PUTTERFORD, M. "Lifeson Times". Kerrang! Nº 158. October 17, 1987.
PARISI, D. "Fire In The Hold". Music Technology. February 1988.
"Mission" é a sétima canção de Hold Your Fire, uma obra notável e incrivelmente marcante do power-trio canadense. Com uma abertura introspectiva e edificante guiada por um profundo dueto entre a voz de Geddy Lee e uma bela camada de teclados, a composição logo explode em movimentos cheios de energia e melodia que evocam algumas das tendências musicais da década, porém sempre munidas com a inconfundível identidade do trio. Linhas de baixo criativas e certeiras, guitarras pautadas por timbres comoventes e percussão impecável ajudam a guiar o ouvinte por uma grande viagem musical, repleta de momentos e elementos mais que especiais.
"Em 'Mission' (...) toquei no compasso 5/4 que Geddy e Alex prepararam", explica Neil Peart. "Faço a batida ímpar quando é preciso ou simplesmente espero até que a mesma venha a mim. Isso se deve bastante à ideia do R&B ou do funk, onde o pulsar é o mais importante, este que você quer que pareça com o 4/4, da mesma forma que Peter Gabriel fez em 'Solsbury Hill': a canção mantém um longo padrão 7/4, mas todos os ouvintes casuais sentem que ela está em 4/4".
"Você pode bater o pé confortavelmente para a música, e essa é a magia que temos sido capazes de aprender: esses elementos não devem parecer estranhos para o público. O compasso ímpar não é de fato 'estranho'; há uma melodia nele, um fluxo, uma cadência humana, precisando somente ser aprendido. Nosso público não sabe contar o 7/4, mas aceitam essas pequenas reviravoltas peculiares que fazem parte da nossa música. Seria presunçoso dizer que educamos nossos ouvintes. Ao invés disso, deixamos que sigam se acostumando conosco por vontade própria".
"Lembro que Peter Collins simplesmente adorou 'Mission'", diz Geddy. "E, em algum momento na Grã-Bretanha, quando estávamos trabalhando no disco, ele quis de fato fazer o que chamou de 'The Full Monty': colocar uma orquestra e um coral nela. Há o som particular de uma banda de metais inglesa, algo que cresceu nele e sobre a qual não tínhamos ideia. Era uma banda que tocava em um gazebo no parque aos domingos".
"Ele estava obcecado em encontrar uma banda autêntica, procurando bastante no norte da Inglaterra para que tocassem nessa faixa. Trabalhamos duro de verdade nesse disco, e houve um fim de semana no qual estariam disponíveis. Pensamos em voar até lá para gravar com eles, mas dizemos, 'Pete, você vai. Você sabe o que você quer, e nós estamos exaustos. Vá até lá e grave. Será um deleite para você'".
"E ele fez isso. Quando voltou, estava todo animado, claro, e nós nunca partilhamos do mesmo entusiasmo [risos]. Por fim, a versão da canção que lançamos acabou meio que despojada. Acho que ele não utilizou muito dos metais da banda - não utilizamos o arranjo completo".
"Em 'Mission' e 'Lock and Key', faço um solo enquanto Geddy e Alex mantém o tempo atrás de mim", explica Neil. "É fantástico, uma bela troca de papéis: um solo de bateria funcionando como um solo de guitarra, com o resto da banda dando o suporte - Geddy e Alex tocam no pulso rítmico real. Isso nos permite experimentar uma nova roupagem, que assume uma nova inter-relação entre nós".
"(…) 'Mission' traz um solo de marimba", continua o baterista. "Nesse disco, usei uma harmonização sincopada na caixa em uníssono com a marimba, e Geddy fez o baixo também em uníssono com ela".
"Mission" nos conduz para o âmago de uma reflexão sobre o surgimento de sentimentos, sensações e renúncia no processo de busca por nossos sonhos. Sua temática inspirativa, que acaba por mergulhar em mais uma forma de instinto, veio de uma conversa entre Neil e Geddy ocorrida na década de 1980, na qual pensavam sobre pessoas insatisfeitas com suas vidas e que sempre lhes perguntavam sobre o momento em que sabiam o que queriam fazer, quando decidiram por sua missão como músicos.
"Esse assunto surgiu em uma conversa minha com o Neil sobre pessoas próximas que já haviam decidido fazer algo em suas vidas, que já possuíam essa ambição e desejo, mas que não conseguiam escolher o que realmente queriam perseguir", diz Geddy. "Sempre ficou muito claro para nós o que faríamos das nossas vidas, pouco importava se conseguiríamos sucesso ou fracasso. Sabíamos que sempre tocaríamos música de alguma maneira. 'Mission' traz um olhar com tristeza sobre pessoas que nunca tiveram certeza do que fazer e que nunca tiveram uma ideia clara sobre onde investir sua capacidade criativa, na busca pela conclusão final".
"Sempre soubemos [o que queríamos fazer]", diz Neil, "no entanto, decidi escrever uma canção partindo desse ponto de vista - não como alguém que já tivesse uma missão, mas alguém que estava à procura de uma (ou, senão procurando ativamente, ao menos à espera)".
As letras de Hold Your Fire se mostram bastante introspectivas, com o foco totalmente voltado para algumas das peculiaridades da natureza humana (talvez mais do que em qualquer outro álbum do Rush). "A maioria das composições do Neil vêm do ponto de vista de um mero observador, que olha para fatos e que opina sobre eles", explica Alex. "Ele nunca prega, mas sugere um ponto de vista e tenta fazer com que as pessoas pensem um pouco mais sobre esses temas específicos".
Expondo proposições relativamente recorrentes, "Mission" traz uma espécie de combinação de assuntos tratados em composições anteriores, como "Limelight" (de Moving Pictures, 1981), "Grand Designs" e "Marathon" (ambas de Power Windows, 1985). A canção, inicialmente, apresenta a imagem da preciosa chama interior, que deverá ser sempre preservada para que se materialize em sonhos, estes que representam a essência da nossa própria vida. Nos versos seguintes, Neil Peart descreve a maneira como músicos, escritores, pintores, cineastas e profissionais de arquitetura e engenharia lhe tocam e lhe inspiram com suas incríveis criações. O letrista expõe a força poderosa que move essas mentes incríveis a perseguirem incessantemente seus sonhos, encarando sua busca como verdadeiras missões de vida que marcam a humanidade. O refrão de "Mission" celebra esses heróis e, nos momentos seguintes, reflete sobre a luta e sofrimento que essas pessoas enfrentam por viverem inteiramente dedicados à concretização de suas expressões.
"Pensei em pessoas como Vincent van Gogh, Virginia Woolf e F. Scott Fitzgerald, esses que se perderam na luta pela arte", explica Neil.
A frase de abertura , "Hold your fire, keep it burning bright" ["Segure seu fogo, mantenha-o ardendo brilhantemente"] deu origem ao nome do disco. De acordo com Peart, a letra de "Mission" também se relaciona com a tendência que muitas pessoas trazem de idealizar a vida dos outros. Muitos tendem a imaginar que aqueles que são ricos e famosos são pessoas com menos problemas pessoais. No entanto, o baterista argumenta que cada vida tem seu próprio nível de dificuldade. Exemplificando a ideia, Peart fala sobre pessoas que se referem a ele como alguém que possui o melhor emprego do mundo. Ele sempre reconheceu sentir orgulho por ser músico, algo com o qual sempre sonhou desde a juventude, no entanto afirma que as pessoas não percebem que estar longe da família por vários meses quando se está em turnê não é algo fácil. A frase chave da canção que pondera esse assunto diz, "We each pay a fabulous price for our visions of paradise" ["Cada um de nós paga um preço fabuloso por nossas visões do paraíso"], na qual o letrista se refere aos sacrifícios pessoais enfrentados para alcançar seus sonhos.
"Acho que o título do álbum se relaciona com o processo criativo - o desejo ardente de fazer alguma coisa e como é importante preservar isso", diz Geddy. "É manter sua chama acesa, preservando seus planos independentemente do quanto você tenha que perseverar, independente das circunstâncias. Acho que é importante manter suas armas. A canção está relacionada com a chama interior pessoal, preservando-a como explicado no começo. Essa foi a intenção e o conceito dessa canção em particular, e também do título do álbum".
"Acho que há certas coisas que você atravessa em sua vida que, quanto mais você envelhece, mais tem que lidar com elas. Na verdade, parece que seus olhos vão se abrindo mais e mais quando você fica mais velho. Não acho que seja algo deprimente - são apenas as coisas que você percorre na vida e que lhe ajudarão a crescer. Elas nem sempre são agradáveis, mas você as supera".
"Neil é uma pessoa muito privada - ele realmente valoriza seu tempo livre, ficando longe dos holofotes", diz Alex. "Acho que é por isso, em parte, que ele escreveu 'Mission'. Ele lida com a obsessão de qualquer artista com sua arte, e sobre como você tem que pagar o preço por sua autossatisfação ou sucesso. Esse preço é geralmente sua privacidade, algo sobre o qual ele falou antes, em 'Limelight', de Moving Pictures".
Perguntado se fez valer sua vida, Peart diz, "Sim. Bob Dylan disse uma vez que a única coisa que você pode fazer a um estranho é lhe dar inspiração. E nós vemos pessoas inspiradas todas as noites. Elas nos dizem isso e, com o tempo, alcançam suas realizações, sejam como atletas ou artistas. Nós ajudamos com que se inspirem em si mesmos. Como Dylan disse, o maior desejo do artista é inspirar seu público. É o ápice".
"Tudo é importante - ser tão bom em casa quanto na carreira profissional. Fazer um ótimo jantar para sua família é tão bom quanto fazer uma boa apresentação. Coisas bem diferentes, mas ambas muito importantes para sua existência. É ser importante".
"Você tem que encontrar sua maneira de ajudar alguém. Recebi uma carta de um primo que mora na África, e ele falava de um projeto no qual constroem casas no valor de mil dólares para famílias que estejam inscritas. Recebi junto uma foto de uma família segurando um cartaz, dizendo: 'Obrigado, Neil'. E você vê essa família na primeira casa de suas vidas. É gratificante. É ser importante. Isso traz um sentido para a vida - proporcionar uma vida melhor para alguém. E aquela foto com todos sorrindo é um exemplo lindo de que você pode fazer a diferença, se sentindo bem".
"Mission" é, inquestionavelmente, um hino sobre a gama de emoções e desdobramentos que compõem a busca por grandes objetivos, quando passamos a ter de suportar uma vida de privações e até mesmo sensações de não-pertencimento a um grupo geral. Para sermos criativos e independentes, é provável que tenhamos que pagar um preço muito alto. Não é fácil, mas a canção traz intrínseca a afirmação de que devemos acreditar que podemos conseguir muito mais do que uma simples vida normal e desinteressante, olhando um pouco mais para nós mesmos.
Lee, novamente, canta letras profundamente filosóficas de Peart, que mais uma vez clamam por uma honestidade heroica em um mundo tomado pela superficialidade. "Mission" consegue expor ideias brilhantes sobre a mentalidade de tipos distintos de pessoas - aquelas que trazem uma chama ardente em si (e que lutam para materializá-las) e aquelas que renunciam a isso. Trata-se, portanto, de um grande dilema, principalmente baseado nas muitas abdicações que temos que fazer para assumir nossas inclinações criativas. Aqueles que querem perseguir objetivos grandiosos precisarão dedicar seu tempo, energia e esforço quase que integralmente, abandonando distrações na busca pela missão do seu espírito - da sua essência. Já os que suprimem sua chama interior procuram um conforto frio, sabendo o quanto terão que dispensar de si próprios - evitando assim sofrimentos e perdas em troca do alcance da sua inclinação.
A verdade é que a maioria de nós aprende a se contentar com alcances mais próximos, ao invés de perseguir visões de vida e sonhos mais ousados. O preço a ser pago sempre será muito valioso. Porém, os espíritos com essas visões traduzem seus sonhos em missões não somente por realizações pessoais, mas também pelos próprios desdobramentos que sua escolha poderá causar na vida de outras pessoas, muitas delas longe do seu convívio.
Por outro lado, "Mission" acaba se revelando como uma canção de tema cíclico (fato evidenciado na retomada da frase do verso inicial para a conclusão da letra). Ao atingirmos grandes conquistas, jamais devemos permitir que nossa chama interior se apague. Embalados por um estupendo solo de guitarra apoteótico em fade-out e por cordas belíssimas escritas e conduzidas pelo compositor e orquestrador norte-americano Steve Margoshes, entendemos que precisamos buscar outros objetivos e desenvolvimento, sendo esse de fato o sentido das nossas vidas. É importante que decisões tão cruciais sejam previamente calculadas, a fim de evitarmos arrependimentos dolorosos e frustrações até mesmo no sucesso. O mais importante é sempre confiarmos nos nossos instintos, valorizando nossas qualidades e jamais tendo medo de investir em nós mesmos. Essa, portanto, é a missão dessa encantadora composição do Rush.
© 2015 Rush Fã-Clube Brasil
PRICE, Carol S. PRICE, Robert M. "Mystic Rhythms: The Philosophical Vision of Rush". Borgo Press. 1999.
BERTI, J. "Rush and Philosophy: Heart and Mind United (Popular Culture and Philosophy)". Chicago: Open Court, 2011.
PRICE, Carol S. PRICE, Robert M. "Mystic Rhythms: The Philosophical Vision of Rush". Borgo Press, 1999.
POPOFF, M. "Contents Under Pressure". Canada: ECW Press. 2004.
PONTING, T. "Neil Peart: Mystic Rhythms". Rhythm. August 1988.
ROCKLINE. "Alex Lifeson And Geddy Lee On Rockline For A Show Of Hands". Rockline. February 6, 1989.
TURNER, M. "Geddy Lee - Off The Record". Off The Record With Mary Turner. 1987.
PUTTERFORD, M. "Lifeson Times". Kerrang! Nº 158. October 17, 1987.
PARISI, D. "Fire In The Hold". Music Technology. February 1988.