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NEW WORLD MAN LOSING IT COUNTDOWN
LOSING IT
The dancer slows her frantic pace
In pain and desperation,
Her aching limbs and downcast face
Aglow with perspiration
Stiff as wire, her lungs on fire,
With just the briefest pause -
The flooding through her memory,
The echoes of old applause.
She limps across the floor
And closes her bedroom door...
The writer stares with glassy eyes -
Defies the empty page
His beard is white, his face is lined
And streaked with tears of rage.
Thirty years ago, how the words would flow
With passion and precision,
But now his mind is dark and dulled
By sickness and indecision
And he stares out the kitchen door
Where the sun will rise no more...
Some are born to move the world -
To live their fantasies
But most of us just dream about
The things we'd like to be
Sadder still to watch it die
Than never to have known it
For you - the blind who once could see -
The bell tolls for thee...
The dancer slows her frantic pace
In pain and desperation,
Her aching limbs and downcast face
Aglow with perspiration
Stiff as wire, her lungs on fire,
With just the briefest pause -
The flooding through her memory,
The echoes of old applause.
She limps across the floor
And closes her bedroom door...
The writer stares with glassy eyes -
Defies the empty page
His beard is white, his face is lined
And streaked with tears of rage.
Thirty years ago, how the words would flow
With passion and precision,
But now his mind is dark and dulled
By sickness and indecision
And he stares out the kitchen door
Where the sun will rise no more...
Some are born to move the world -
To live their fantasies
But most of us just dream about
The things we'd like to be
Sadder still to watch it die
Than never to have known it
For you - the blind who once could see -
The bell tolls for thee...
PERDENDO
A bailarina diminui seu ritmo frenético
Na dor e desespero,
Seus membros doloridos e rosto abatido
Brilham com a transpiração
Rígida como um arame, seus pulmões em chamas,
Apenas com uma pausa breve -
A inundação em sua memória,
Os ecos de velhos aplausos.
Ela manca pelo chão
E fecha a porta do quarto...
O escritor observa com olhos vidrados -
Desafia a folha em branco
Sua barba é branca, seu rosto enrugado
E riscado por lágrimas de raiva.
Trinta anos atrás, como as palavras fluiriam
Com paixão e precisão,
Mas agora sua mente está escura e entorpecida
Pela doença e indecisão
E ele olha fixamente pela porta da cozinha
Onde o Sol não nascerá mais...
Alguns nascem para mover o mundo -
Para viver suas fantasias
Mas a maioria de nós apenas sonha
Com coisas que gostaríamos de ser
Mas triste ainda ver morrer
Do que nunca ter conhecido
Para você - o cego que já viu antes -
O sino dobra por ti...
A bailarina diminui seu ritmo frenético
Na dor e desespero,
Seus membros doloridos e rosto abatido
Brilham com a transpiração
Rígida como um arame, seus pulmões em chamas,
Apenas com uma pausa breve -
A inundação em sua memória,
Os ecos de velhos aplausos.
Ela manca pelo chão
E fecha a porta do quarto...
O escritor observa com olhos vidrados -
Desafia a folha em branco
Sua barba é branca, seu rosto enrugado
E riscado por lágrimas de raiva.
Trinta anos atrás, como as palavras fluiriam
Com paixão e precisão,
Mas agora sua mente está escura e entorpecida
Pela doença e indecisão
E ele olha fixamente pela porta da cozinha
Onde o Sol não nascerá mais...
Alguns nascem para mover o mundo -
Para viver suas fantasias
Mas a maioria de nós apenas sonha
Com coisas que gostaríamos de ser
Mas triste ainda ver morrer
Do que nunca ter conhecido
Para você - o cego que já viu antes -
O sino dobra por ti...
Um olhar sobre os anos crepusculares de vidas talentosas
"Losing It", penúltima canção de Signals, nasceu de alguns exercícios realizados por Alex Lifeson durante as férias da banda no começo de 1982, conforme ocorrido com Geddy Lee em "The Analog Kid". Pouco tempo depois, o trio trabalhou os versos e refrão durante os ensaios, realizando apenas um esqueleto com teclados e bateria para enfim completá-la como uma canção de estúdio.
"Assim como as sessões do verso de 'The Analog Kid', o tema principal dessa canção veio dos exercícios de férias do Alex (todos nós fizemos nosso dever de casa!)", lembra Neil Peart. "Trabalhamos os versos e os refrões enquanto estávamos ensaiando, e fizemos o esqueleto da demo apenas com teclado e bateria. Então a deixamos de lado até irmos para estúdio".
Os músicos haviam conversado sobre a inclusão de violinos em algum momento do álbum, e "Losing It" acabou sendo a composição escolhida. Para esse feito inédito dentro da música do Rush, foi convidado o multi-instrumentista canadense Ben Mink. Essa parceria levou os músicos a desenvolveram um instrumental notavelmente jazzístico para a faixa, especialmente criado para a inserção do novo instrumento. Após uma ligação e a resposta positiva de Mink, o trabalho estaria concluído em dois dias.
"Losing It" é, certamente, uma das criações mais sombrias já trabalhadas pelo Rush. Marcada por uma beleza deslumbrante, a composição mescla suavidade e tensão em doses perfeitas, sendo bastante abrilhantada pela eloquência do violino elétrico. A combinação de cordas, guitarras e sintetizadores ajuda a estabelecer a proposta lírica da canção, que trata sobre a dor de reviver glórias do passado que jamais voltarão. Sem dúvidas, mais um trabalho notável de um Peart inspiradíssimo.
"Discutimos por um tempo sobre termos Ben Mink trazendo o violino elétrico nesse álbum, e essa parecia ser a faixa perfeita", explica Peart. "Uma vez no estúdio, desenvolvemos a sessão do solo jazzístico, gravando a trilha base e chamando o Ben. Felizmente, ele pode fugir de seu grupo FM por alguns dias, trazendo seu instrumento único para tocar de coração para nós".
"O violino do Ben! A história em pessoa! Haviam algumas vacas mugindo lá fora, como um dos cenários do filme Festa na Praia, completo com Frankies e Annettes. Tudo iluminado por quatro luzes verdes de Natal - todas essas coisas forneceram inspiração para essa peça. Loucura? Pode apostar!"
"Ele trabalhou duro, o esprememos bastante. Ele ficou ali na frente do console, tocando e tocando, abastecido por goles ocasionais de uma garrafa de Canadian Club. Não somente um fantástico solo monumental como queríamos, mas tivemos também uma gravação inteira multipista de uma sessão de cordas. Isso o ensinou a ser nosso amigo!"
Através da voz pesarosa de Geddy, "Losing It" reflete sobre artistas talentosos mergulhados nas tribulações dos anos de esgotamento criativo, tanto pelo prisma físico quanto mental. Para expressar essa dor, Peart define duas imagens distintas em sua letra: nos primeiros versos, ele expõe a figura de uma bailarina que não consegue exercer sua arte por problemas físicos e, no momento seguinte, a de um velho escritor que descobre que perdeu a capacidade de escrever, entendendo que suas palavras não fluirão com a mesma paixão e precisão de antes.
Conforme relatos do próprio letrista, a inspiração para a bailarina veio do filme Momento de Decisão (The Turning Point), estrelado pela atriz Shirley MacLaine no ano de 1977. A obra traz a história de duas amigas bailarinas, Emma Jacklin (Anne Bancroft) e Deedee Rodgers (MacLaine), que tomaram rumos opostos na vida. Enquanto Emma investe em sua carreira e alcança o estrelato, Deedee opta por se casar e constituir uma família. Sua filha mais velha, Emilia (Leslie Browne), tem a oportunidade de dançar na mesma companhia que Deedee e Emma participavam, decidindo ir para Nova York acompanhada pela mãe. Lá renasce uma antiga rivalidade quando as amigas se reencontram.
"Essa ideia veio do filme com Shirley MacLaine sobre duas bailarinas", explica Peart. "Uma delas continuou e se tornou popular, e a outra havia desistido, optando por se casar e formando uma família. Me inspirei um pouco nisso, observando o lado físico de se fazer coisas, como um atleta. Geddy é um grande fã de beisebol. Ele me contou sobre os rebatedores, por exemplo, que foram atingidos na cabeça algumas vezes e que perderam a coragem. Você tem que responder a esse tipo de tragédia compassivamente. É algo horrível. Você passa a vida toda aprendendo a fazer alguma coisa e, em seguida, devido a algo além do seu controle, não é mais capaz. É muito triste. Há uma dinâmica essencial para a vida que se você está no auge, você tem algo que te conduz a esse auge. A essência é saber o que é pior: perder algo grande ou nunca tê-lo conhecido".
O segundo trecho de "Losing It" apresenta um velho escritor enfrentando o drama da perda de sua habilidade. Por várias vezes, Peart afirmou que a imagem reflete diretamente a vida do autor norte-americano Ernest Hemingway (1899-1961, Prêmio Nobel de Literatura em 1954), que faleceu após passar por inúmeros problemas de saúde. Em suas declarações, Peart sempre evitou falar especificamente sobre o motivo da morte de Hemingway: suicídio com arma pela depressão, proveniente da grande quantidade de doenças adquiridas em seus últimos anos, como hipertensão, diabetes, arteriosclerose e perda de memória.
"Como escritor, Hemingway entendia que a coisa mais importante era manter a reputação e integridade", diz Peart. "Felizmente, todos os outros frutos seguiriam a partir daí. Para nós como banda e para mim mesmo como músico, esse era o objetivo idealista quando começamos".
Em "Losing It", Peart faz menções declaradas a dois dos maiores romances de Hemingway: "O Sol Também Se Levanta" ("The Sun Also Rises", de 1926), na frase "And he stares out the kitchen door, where the sun will rise no more" ("E ele olha fixamente pela porta da cozinha, onde o Sol não nascerá mais") e "Por Quem os Sinos Dobram" ("For Whom the Bell Tolls", de 1940), evidenciado no trecho final "For you - the blind who once could see - The bell tolls for thee" ("Para você - o cego que já viu antes - o sino dobra por ti). O baterista sempre demonstrou grande admiração pela obra do escritor, tendo sido inspirado também na escolha do título da canção e nome do álbum "A Farewell To Kings", de 1977.
No livro "O Sol Também Se Levanta" ("The Sun Also Rises"), Hemingway expõe o cotidiano de um grupo de expatriados boêmios, ingleses e norte-americanos, no fim da Primeira Guerra Mundial. O autor criou tipos humanos bastante complexos, buscando representar uma geração contaminada pela ironia e pelo vazio diante da vida, com valores morais destruídos pela guerra e irremediavelmente perdidos. Temas como solidão e morte, alguns dos seus preferidos, são explorados de forma simplesmente brilhante. O título reflete bem o comportamento dos seus personagens: mesmo depois de todos os exageros com o álcool, eles sempre estão de pé quando o sol se anuncia. A inspiração veio do primeiro capítulo do livro de Eclesiastes na Bíblia, expresso no verso 5: "O sol nasce, e o sol se põe, e corre de volta ao seu lugar donde nasce", e a apropriação de Hemingway é nitidamente evidenciada no trecho "Uma geração vai-se, e outra vem, mas a terra permanece para sempre", fato que reforça a busca do autor por caracterizar o sentimento comum que vigorava em torno da vida naquele determinado período: o da crença em sua efemeridade e volatilidade.
Já em "Por Quem os Sinos Dobram", Hemingway narra a história de Robert Jordan, um jovem professor de espanhol norte-americano que se tornou membro das Brigadas Internacionais. Especializando-se no uso de explosivos, Jordan recebe a missão de explodir uma ponte por ocasião de um ataque simultâneo à cidade de Segóvia. Nessa obra, o autor usa como referência sua experiência pessoal como participante voluntário da Guerra Civil Espanhola, ao lado dos republicanos. Mesmo se referindo à inevitabilidade do fim da vida por seu ceticismo (e com isso à desesperança e à futilidade das coisas), o título faz referência a um poema do pastor anglicano e escritor inglês John Donne (1572 - 1631), retirado da obra "Devotions Upon Emergent Occasions", conhecido em português como "Meditações".
"Nenhum homem é uma ilha, completa em si mesma; todo homem é um pedaço do continente, uma parte da terra firme. Se um torrão de terra for levado pelo mar, a Europa fica menor, como se tivesse perdido um promontório, ou perdido o solar de um amigo teu, ou o teu próprio. A morte de qualquer homem diminui a mim, porque na humanidade me encontro envolvido; por isso, nunca mandes perguntar por quem os sinos dobram; eles dobram por ti...".
Nesse trabalho, Hemingway evoca o absurdo da guerra, principalmente a guerra civil travada entre irmãos. Mesmo tão diferentes, tanto Donne quanto Heminsgway trazem em comum em seus escritos a chama do existencialismo. Em várias passagens de "Por Quem os Sinos Dobram", os personagens estranham os papéis bizarros que se viram forçados a assumir durante os conflitos, fraquejando ao ver inimigos que poderiam estar em qualquer um dos lados.
Perguntado se a abordagem de "Losing It" reflete um dos medos que traz em sua vida, Peart diz, "Claro. Mas, felizmente para mim, tenho outro conjunto de metas. Quando começar a sentir que não estou melhorando como baterista - não piorando - terei outras coisas com as quais posso trabalhar e melhorar. Os dois caminhos explorados na canção foram a deterioração física com a bailarina e a deterioração mental com o escritor. Na verdade, meu plano original era levá-la um pouco mais para o lado dos músicos. Queria cobrir a ideia de alguém como Bob Marley por exemplo, que perdeu seu talento por uma doença - algo interno sobre o qual você não tem nenhum controle. Ou, no caso do Keith Moon, no sentido autodestrutivo, quando alguém não perde - mas joga fora. É um pouco demais para realizar em uma única canção, mas o conceito que imaginei era sobre todas as maneiras diferentes que existem de se perder algo especial".
"Há uma pungência que sinto com pessoas que tem um sonho não realizado, de qualquer tipo. Quando você conversa com uma pessoa mais velha que diz, 'Bem, eu sempre quis ser tal e tal, mas nunca consegui alcançar', é algo triste. Porém, para mim, não é tão ruim quanto alguém que foi ótimo em algo um dia e que teve que vê-lo desaparecer".
"Losing It" trata, sobretudo, da triste perda de um talento específico devido a alguma inaptidão física adquirida ou envelhecimento, além de pensar também sobre aqueles que nunca alcançarão seus sonhos - o que, por si só, é um alerta pela perseverança e pela busca do desenvolvimento de potencialidades. Em uma declaração íntima e sincera, Peart afirma que é muito mais difícil a perda de um talento do que jamais tê-lo alcançado na vida. A composição, inegavelmente, traz um grande tributo a Ernest Hemingway, um homem conhecido por ser vigoroso, herói de guerra, entusiasta de caças, pescador e boxeador que considerou intolerável perder suas habilidades pelo peso da idade, especialmente no que diz respeito à sua capacidade de escrever.
Novamente, o Rush proporciona uma canção muito emocional e genial que pensa sobre aqueles que viveram anos gloriosos ao longo da vida, mas que se deparam com os momentos obscuros da aproximação do fim, marcados principalmente pela tristeza de não ser mais possível exercer atividades que lhes foram tão preciosas.
© 2015 Rush Fã-Clube Brasil
FISH, Scott K. "Interview: Neil Peart / Modern Drummer Magazine". April 1984.
KREWEN, N. "Surviving with Rush: Drummer-lyricist Neil Peart looks forward". The Canadian Composer, April 1986.
PEART, N. "Rush Backstage Club Newsletter". March 1990.
"Losing It", penúltima canção de Signals, nasceu de alguns exercícios realizados por Alex Lifeson durante as férias da banda no começo de 1982, conforme ocorrido com Geddy Lee em "The Analog Kid". Pouco tempo depois, o trio trabalhou os versos e refrão durante os ensaios, realizando apenas um esqueleto com teclados e bateria para enfim completá-la como uma canção de estúdio.
"Assim como as sessões do verso de 'The Analog Kid', o tema principal dessa canção veio dos exercícios de férias do Alex (todos nós fizemos nosso dever de casa!)", lembra Neil Peart. "Trabalhamos os versos e os refrões enquanto estávamos ensaiando, e fizemos o esqueleto da demo apenas com teclado e bateria. Então a deixamos de lado até irmos para estúdio".
Os músicos haviam conversado sobre a inclusão de violinos em algum momento do álbum, e "Losing It" acabou sendo a composição escolhida. Para esse feito inédito dentro da música do Rush, foi convidado o multi-instrumentista canadense Ben Mink. Essa parceria levou os músicos a desenvolveram um instrumental notavelmente jazzístico para a faixa, especialmente criado para a inserção do novo instrumento. Após uma ligação e a resposta positiva de Mink, o trabalho estaria concluído em dois dias.
"Losing It" é, certamente, uma das criações mais sombrias já trabalhadas pelo Rush. Marcada por uma beleza deslumbrante, a composição mescla suavidade e tensão em doses perfeitas, sendo bastante abrilhantada pela eloquência do violino elétrico. A combinação de cordas, guitarras e sintetizadores ajuda a estabelecer a proposta lírica da canção, que trata sobre a dor de reviver glórias do passado que jamais voltarão. Sem dúvidas, mais um trabalho notável de um Peart inspiradíssimo.
"Discutimos por um tempo sobre termos Ben Mink trazendo o violino elétrico nesse álbum, e essa parecia ser a faixa perfeita", explica Peart. "Uma vez no estúdio, desenvolvemos a sessão do solo jazzístico, gravando a trilha base e chamando o Ben. Felizmente, ele pode fugir de seu grupo FM por alguns dias, trazendo seu instrumento único para tocar de coração para nós".
"O violino do Ben! A história em pessoa! Haviam algumas vacas mugindo lá fora, como um dos cenários do filme Festa na Praia, completo com Frankies e Annettes. Tudo iluminado por quatro luzes verdes de Natal - todas essas coisas forneceram inspiração para essa peça. Loucura? Pode apostar!"
"Ele trabalhou duro, o esprememos bastante. Ele ficou ali na frente do console, tocando e tocando, abastecido por goles ocasionais de uma garrafa de Canadian Club. Não somente um fantástico solo monumental como queríamos, mas tivemos também uma gravação inteira multipista de uma sessão de cordas. Isso o ensinou a ser nosso amigo!"
Através da voz pesarosa de Geddy, "Losing It" reflete sobre artistas talentosos mergulhados nas tribulações dos anos de esgotamento criativo, tanto pelo prisma físico quanto mental. Para expressar essa dor, Peart define duas imagens distintas em sua letra: nos primeiros versos, ele expõe a figura de uma bailarina que não consegue exercer sua arte por problemas físicos e, no momento seguinte, a de um velho escritor que descobre que perdeu a capacidade de escrever, entendendo que suas palavras não fluirão com a mesma paixão e precisão de antes.
Conforme relatos do próprio letrista, a inspiração para a bailarina veio do filme Momento de Decisão (The Turning Point), estrelado pela atriz Shirley MacLaine no ano de 1977. A obra traz a história de duas amigas bailarinas, Emma Jacklin (Anne Bancroft) e Deedee Rodgers (MacLaine), que tomaram rumos opostos na vida. Enquanto Emma investe em sua carreira e alcança o estrelato, Deedee opta por se casar e constituir uma família. Sua filha mais velha, Emilia (Leslie Browne), tem a oportunidade de dançar na mesma companhia que Deedee e Emma participavam, decidindo ir para Nova York acompanhada pela mãe. Lá renasce uma antiga rivalidade quando as amigas se reencontram.
"Essa ideia veio do filme com Shirley MacLaine sobre duas bailarinas", explica Peart. "Uma delas continuou e se tornou popular, e a outra havia desistido, optando por se casar e formando uma família. Me inspirei um pouco nisso, observando o lado físico de se fazer coisas, como um atleta. Geddy é um grande fã de beisebol. Ele me contou sobre os rebatedores, por exemplo, que foram atingidos na cabeça algumas vezes e que perderam a coragem. Você tem que responder a esse tipo de tragédia compassivamente. É algo horrível. Você passa a vida toda aprendendo a fazer alguma coisa e, em seguida, devido a algo além do seu controle, não é mais capaz. É muito triste. Há uma dinâmica essencial para a vida que se você está no auge, você tem algo que te conduz a esse auge. A essência é saber o que é pior: perder algo grande ou nunca tê-lo conhecido".
O segundo trecho de "Losing It" apresenta um velho escritor enfrentando o drama da perda de sua habilidade. Por várias vezes, Peart afirmou que a imagem reflete diretamente a vida do autor norte-americano Ernest Hemingway (1899-1961, Prêmio Nobel de Literatura em 1954), que faleceu após passar por inúmeros problemas de saúde. Em suas declarações, Peart sempre evitou falar especificamente sobre o motivo da morte de Hemingway: suicídio com arma pela depressão, proveniente da grande quantidade de doenças adquiridas em seus últimos anos, como hipertensão, diabetes, arteriosclerose e perda de memória.
"Como escritor, Hemingway entendia que a coisa mais importante era manter a reputação e integridade", diz Peart. "Felizmente, todos os outros frutos seguiriam a partir daí. Para nós como banda e para mim mesmo como músico, esse era o objetivo idealista quando começamos".
Em "Losing It", Peart faz menções declaradas a dois dos maiores romances de Hemingway: "O Sol Também Se Levanta" ("The Sun Also Rises", de 1926), na frase "And he stares out the kitchen door, where the sun will rise no more" ("E ele olha fixamente pela porta da cozinha, onde o Sol não nascerá mais") e "Por Quem os Sinos Dobram" ("For Whom the Bell Tolls", de 1940), evidenciado no trecho final "For you - the blind who once could see - The bell tolls for thee" ("Para você - o cego que já viu antes - o sino dobra por ti). O baterista sempre demonstrou grande admiração pela obra do escritor, tendo sido inspirado também na escolha do título da canção e nome do álbum "A Farewell To Kings", de 1977.
No livro "O Sol Também Se Levanta" ("The Sun Also Rises"), Hemingway expõe o cotidiano de um grupo de expatriados boêmios, ingleses e norte-americanos, no fim da Primeira Guerra Mundial. O autor criou tipos humanos bastante complexos, buscando representar uma geração contaminada pela ironia e pelo vazio diante da vida, com valores morais destruídos pela guerra e irremediavelmente perdidos. Temas como solidão e morte, alguns dos seus preferidos, são explorados de forma simplesmente brilhante. O título reflete bem o comportamento dos seus personagens: mesmo depois de todos os exageros com o álcool, eles sempre estão de pé quando o sol se anuncia. A inspiração veio do primeiro capítulo do livro de Eclesiastes na Bíblia, expresso no verso 5: "O sol nasce, e o sol se põe, e corre de volta ao seu lugar donde nasce", e a apropriação de Hemingway é nitidamente evidenciada no trecho "Uma geração vai-se, e outra vem, mas a terra permanece para sempre", fato que reforça a busca do autor por caracterizar o sentimento comum que vigorava em torno da vida naquele determinado período: o da crença em sua efemeridade e volatilidade.
Já em "Por Quem os Sinos Dobram", Hemingway narra a história de Robert Jordan, um jovem professor de espanhol norte-americano que se tornou membro das Brigadas Internacionais. Especializando-se no uso de explosivos, Jordan recebe a missão de explodir uma ponte por ocasião de um ataque simultâneo à cidade de Segóvia. Nessa obra, o autor usa como referência sua experiência pessoal como participante voluntário da Guerra Civil Espanhola, ao lado dos republicanos. Mesmo se referindo à inevitabilidade do fim da vida por seu ceticismo (e com isso à desesperança e à futilidade das coisas), o título faz referência a um poema do pastor anglicano e escritor inglês John Donne (1572 - 1631), retirado da obra "Devotions Upon Emergent Occasions", conhecido em português como "Meditações".
"Nenhum homem é uma ilha, completa em si mesma; todo homem é um pedaço do continente, uma parte da terra firme. Se um torrão de terra for levado pelo mar, a Europa fica menor, como se tivesse perdido um promontório, ou perdido o solar de um amigo teu, ou o teu próprio. A morte de qualquer homem diminui a mim, porque na humanidade me encontro envolvido; por isso, nunca mandes perguntar por quem os sinos dobram; eles dobram por ti...".
Nesse trabalho, Hemingway evoca o absurdo da guerra, principalmente a guerra civil travada entre irmãos. Mesmo tão diferentes, tanto Donne quanto Heminsgway trazem em comum em seus escritos a chama do existencialismo. Em várias passagens de "Por Quem os Sinos Dobram", os personagens estranham os papéis bizarros que se viram forçados a assumir durante os conflitos, fraquejando ao ver inimigos que poderiam estar em qualquer um dos lados.
Perguntado se a abordagem de "Losing It" reflete um dos medos que traz em sua vida, Peart diz, "Claro. Mas, felizmente para mim, tenho outro conjunto de metas. Quando começar a sentir que não estou melhorando como baterista - não piorando - terei outras coisas com as quais posso trabalhar e melhorar. Os dois caminhos explorados na canção foram a deterioração física com a bailarina e a deterioração mental com o escritor. Na verdade, meu plano original era levá-la um pouco mais para o lado dos músicos. Queria cobrir a ideia de alguém como Bob Marley por exemplo, que perdeu seu talento por uma doença - algo interno sobre o qual você não tem nenhum controle. Ou, no caso do Keith Moon, no sentido autodestrutivo, quando alguém não perde - mas joga fora. É um pouco demais para realizar em uma única canção, mas o conceito que imaginei era sobre todas as maneiras diferentes que existem de se perder algo especial".
"Há uma pungência que sinto com pessoas que tem um sonho não realizado, de qualquer tipo. Quando você conversa com uma pessoa mais velha que diz, 'Bem, eu sempre quis ser tal e tal, mas nunca consegui alcançar', é algo triste. Porém, para mim, não é tão ruim quanto alguém que foi ótimo em algo um dia e que teve que vê-lo desaparecer".
"Losing It" trata, sobretudo, da triste perda de um talento específico devido a alguma inaptidão física adquirida ou envelhecimento, além de pensar também sobre aqueles que nunca alcançarão seus sonhos - o que, por si só, é um alerta pela perseverança e pela busca do desenvolvimento de potencialidades. Em uma declaração íntima e sincera, Peart afirma que é muito mais difícil a perda de um talento do que jamais tê-lo alcançado na vida. A composição, inegavelmente, traz um grande tributo a Ernest Hemingway, um homem conhecido por ser vigoroso, herói de guerra, entusiasta de caças, pescador e boxeador que considerou intolerável perder suas habilidades pelo peso da idade, especialmente no que diz respeito à sua capacidade de escrever.
Novamente, o Rush proporciona uma canção muito emocional e genial que pensa sobre aqueles que viveram anos gloriosos ao longo da vida, mas que se deparam com os momentos obscuros da aproximação do fim, marcados principalmente pela tristeza de não ser mais possível exercer atividades que lhes foram tão preciosas.
© 2015 Rush Fã-Clube Brasil
FISH, Scott K. "Interview: Neil Peart / Modern Drummer Magazine". April 1984.
KREWEN, N. "Surviving with Rush: Drummer-lyricist Neil Peart looks forward". The Canadian Composer, April 1986.
PEART, N. "Rush Backstage Club Newsletter". March 1990.