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TAI SHAN HIGH WATER SHOW DON'T TELL
HIGH WATER
When the waters rose in the darkness
In the wake of the endless flood
It flowed into our memory -
It flowed into our blood -
When something broke the surface
Just to see the starry dome -
We still feel that relation
When the water takes us home
In the flying spray of the ocean
The water takes you home -
Springing from the weight of the mountains
Like the heart of the earth would burst
Flowing out from marble fountains
In the dreams of a desert thirst
Something swam through the jungles
Where the mighty rivers roam -
Something breaks the silence
When the water takes you home
I hear the wordless voices
When the water takes me home -
Waves that crash on the shoreline
Torrents of tropical rain
Streaming down beyond our memory
Streaming down inside our veins
When something left the ocean
To crawl high above the foam -
We still feel that elation
When the water takes us home
In a driving rain of redemption
The water takes me home...
When the waters rose in the darkness
In the wake of the endless flood
It flowed into our memory -
It flowed into our blood -
When something broke the surface
Just to see the starry dome -
We still feel that relation
When the water takes us home
In the flying spray of the ocean
The water takes you home -
Springing from the weight of the mountains
Like the heart of the earth would burst
Flowing out from marble fountains
In the dreams of a desert thirst
Something swam through the jungles
Where the mighty rivers roam -
Something breaks the silence
When the water takes you home
I hear the wordless voices
When the water takes me home -
Waves that crash on the shoreline
Torrents of tropical rain
Streaming down beyond our memory
Streaming down inside our veins
When something left the ocean
To crawl high above the foam -
We still feel that elation
When the water takes us home
In a driving rain of redemption
The water takes me home...
MARÉ ALTA
Quando as águas se elevaram na escuridão
No despertar de uma inundação sem fim
Fluiu em nossa memória -
Fluiu em nosso sangue -
Quando algo rompeu a superfície
Apenas para ver o firmamento estrelado -
Ainda sentimos aquela conexão
Quando a água nos leva para casa
Na maresia flutuante do oceano
A água te leva para casa -
Saltando do peso das montanhas
Como se o coração da terra fosse explodir
Fluindo de fontes de mármore
Nos sonhos de uma sede desértica
Algo nadou pelas selvas
Onde os rios poderosos vagueiam -
Algo quebra o silêncio
Quando a água te leva para casa
Ouço vozes sem palavras
Quando a água me leva para casa -
Ondas que estalam na costa
Torrentes de chuvas tropicais
Escorrendo além da nossa memória
Escorrendo dentro das nossas veias
Quando algo saiu do oceano
Para rastejar acima da espuma -
Ainda sentimos aquela euforia
Quando a água nos leva para casa
Em uma chuva forte de redenção
A água me leva para casa...
Quando as águas se elevaram na escuridão
No despertar de uma inundação sem fim
Fluiu em nossa memória -
Fluiu em nosso sangue -
Quando algo rompeu a superfície
Apenas para ver o firmamento estrelado -
Ainda sentimos aquela conexão
Quando a água nos leva para casa
Na maresia flutuante do oceano
A água te leva para casa -
Saltando do peso das montanhas
Como se o coração da terra fosse explodir
Fluindo de fontes de mármore
Nos sonhos de uma sede desértica
Algo nadou pelas selvas
Onde os rios poderosos vagueiam -
Algo quebra o silêncio
Quando a água te leva para casa
Ouço vozes sem palavras
Quando a água me leva para casa -
Ondas que estalam na costa
Torrentes de chuvas tropicais
Escorrendo além da nossa memória
Escorrendo dentro das nossas veias
Quando algo saiu do oceano
Para rastejar acima da espuma -
Ainda sentimos aquela euforia
Quando a água nos leva para casa
Em uma chuva forte de redenção
A água me leva para casa...
As profundas ligações humanas com as origens da vida
A poética "High Water" é o fechamento de Hold Your Fire. A décima e última canção aborda as incríveis conexões dos seres humanos com a força mais dinâmica da natureza: a água. Trata-se de um trabalho bastante original que expõe novamente a grande habilidade criativa dos canadenses, onde Neil Peart exterioriza mais uma vez todo o seu fascínio pela vida e pelos e fenômenos naturais.
"Com o desenvolvimento de 'Second Nature' e 'High Water', o foco desse álbum mudou subitamente do tema 'tempo' para os temas 'instinto' e 'temperamento', trazendo ideias sobre unidades primitivas e elementos do subconsciente", explica o letrista. "Bem, pensei, se é nisso que meu cérebro quer se empenhar, então que vá em frente".
"Como de costume, cuidei sozinho das letras durante as tardes enquanto os outros dois trabalhavam juntos nas ideias musicais. Aqui é onde Alex chega como um Cientista Musical - criando linhas de bateria programadas para me guiar e capturando seu trabalho e o do Geddy no gravador portátil 'Lersxt Sound'. No meu processo de composição e refinamento, lembro-me do dia em que joguei fora oito páginas de rascunhos de 'High Water' - e isso depois de três dias reescrevendo-a. Dessa forma, não foi nada fácil!".
A conclusão do disco envolve novamente os temas tempo e instinto, dessa vez direcionando o olhar para o nosso passado mais profundo e longínquo. Peart constrói em "High Water" uma maravilhosa linha de pensamento sobre a água como nossa base mais fundamental, mesclando sensações essenciais (que somente esse elemento poderia oferecer) com o próprio funcionamento do organismo dos humanos. A canção observa a chamada memória genética, além de exaltar a relação evolutiva e mística que compartilhamos com a água afirmando que, apesar do nosso desenvolvimento para a vida na terra, continuamos ligados à mesma por conexões primitivas.
"Sempre me sinto confortável quando estou perto da água, seja pelo som do oceano ou até mesmo pela sensação refrescante de um mergulho em uma piscina", diz Peart. "Lembro-me de estar, certa vez, no centro de uma das maiores cidades do Japão, onde a poluição sonora era incrível. No meio de tudo aquilo existia um jardim com uma pequena cachoeira correndo entre algumas rochas, tendo sido projetada de tal forma que se você sentasse nela, sentiria a sensação do som da água abafando todos os ruídos circundantes. Acho que os japoneses entendem melhor da natureza terapêutica das águas do que a maioria".
"High Water" é constituída por belos arranjos orquestrais - uma combinação perfeita entre letra e música que consegue imergir os ouvintes em rios volumosos, mares ou oceanos como pequenas partes integradas. Para essa canção, Peart idealiza um padrão especial de percussão relativamente similar ao trabalho realizado em "Mystic Rhythms", de Power Windows (1985). Geddy Lee, por sua vez, oferece linhas de baixo sempre dinâmicas e robustas, que ajudam a construir perfeitamente o ideal da composição. Outro ponto instrumental interessante é a progressão de acordes criados por Alex Lifeson, estes que nos remetem de forma sutil para uma criação dos primeiros anos do Rush, "Bacchus Plateau", parte da épica "The Fountain of Lamneth" de Caress Of Steel (1975). "High Water" traz também cordas escritas e conduzidas pelo compositor e orquestrador norte-americano Steve Margoshes, além da utilização de algumas vocalizações diminutas texturais da cantora Aimee Mann. Por fim, sua temática lírica rememora a clássica "Natural Science", do álbum Permanent Waves, de 1980.
Peart utiliza algumas figuras para expor sensações relacionadas à água, combinando-as com pequenos trechos que abarcam afirmações evolutivas. A maresia vinda do oceano, precipitações tropicais, belas fontes de águas montanhosas, o alivio da sede, ondas batendo na costa e um simples banho de chuva são oferecidos como imagens que nos transportam, mesmo que por alguns pequenos momentos, à nossa enigmática ligação instintiva e primordial com a água, representada na canção como um retorno para casa.
Muitas são as teorias sobre o surgimento da água na Terra, e Peart parece utilizar uma delas para a construção de "High Water". O cientista russo Aleksander I. Oparin (1894 - 1980) e o cientista inglês John Burdon S. Haldane (1892 - 1964) propuseram, na década de 1920, hipóteses semelhantes sobre como a vida teria se originado no planeta. Apesar de existirem pequenas diferenças entre suas observações, eles indicaram basicamente que os primeiros seres vivos surgiram a partir de moléculas orgânicas, estas que teriam se formado na atmosfera primitiva e depois nos oceanos, a partir de substâncias inorgânicas.
Resumidamente, a formação do planeta data de aproximadamente 4,6 bilhões de anos. Nesse período, o mesmo era extremamente quente, não abrigando nenhuma forma de vida. Passados milhões de anos, a Terra entrou em um gradativo processo de resfriamento, e essas alterações de temperaturas originaram uma estreita camada de rochas, a crosta terrestre. Assim, uma imensa quantidade de gases e partículas foi sendo expelida do seu interior por vulcões, e a gravidade fez com que tais elementos formassem a atmosfera e o vapor de água, ocasionando as precipitações. A dinâmica sofreria alterações: a água das chuvas não retornaria mais à atmosfera em forma de vapor: em estado líquido, parte escorreria pelas elevações formando os rios, enquanto outra parte se acumularia nas depressões da crosta. Essas águas deram origem aos lagos, mares e oceanos e assim, possivelmente, formou-se a hidrosfera primitiva.
Seguindo teorias científicas, a origem da vida no planeta surgiu a partir da água ao longo de milhões de anos de evolução. Os organismos vivos se diversificaram e se espalharam e, desde então, a sobrevivência de todas as espécies animais e vegetais continua ligada à água. Os seres humanos, por exemplo, durante a gestação, se desenvolvem envoltos no líquido amniótico, sendo inicialmente formado por água proveniente da mãe. Além disso, a importância desse precioso elemento continua se manifestando em nós pela própria composição do nosso organismo, sendo constituído por 75% de água. Por outro lado, as águas cobrem 71% de toda a superfície da Terra.
Tales de Mileto, filósofo da antiga Grécia do século VI a.C., afirmava que 'tudo é água'. A expressão, por intermédio de uma longa tradição aristotélica, passou a ser considerada como a primeira frase filosófica do Ocidente. Sua interpretação, segundo os livros de história da filosofia, aponta para o contexto do surgimento de uma filosofia da natureza, sendo uma preocupação dos primeiros filósofos a determinação de uma substância material primordial, concebida como princípio, origem e matriz de todas as outras coisas. Para Tales, essa substância (Physis) seria a água, e todos os seres existentes seriam, essencialmente, produtos da transformação da água ou água transformada. Por outro lado, seu discípulo e sucessor, Anaximandro (610 - 547 a.C.) divergia da ideia da água como o princípio de todas as coisas. Ele acreditava que o Sol agia sobre a mesma gerando os seres, e estes se deslocariam para a terra se tornando mais elaborados, conforme se desenvolviam. Trata-se, portanto, de um pensamento muito próximo da famosa teoria da evolução das espécies, do naturalista britânico Charles Darwin (1809 - 1882).
Até 1859, apenas livros religiosos propunham respostas para o enigma do surgimento do ser humano, primordialmente em linguagens simbólicas. Nesse ano, Darwin publicou "A Origem das Espécies", trazendo evidências de que as espécies animais são capazes de modificações gradativas ou de evolução através dos tempos, de modo que novas espécies possam surgir. Além disso, o naturalista demonstrou também que as modificações são determinadas pela Lei da Seleção Natural, segundo a qual, na acirrada competição que os seres vivos travam pela sobrevivência, prevalecem aqueles que melhor se adaptam ao meio específico em que vivem. Dessa maneira, as características que contribuíram para a sobrevivência de cada espécie são preservadas, transmitidas para as gerações futuras.
Partindo dessas ideias, observações, estudos de fósseis e experiências, os cientistas puderam traçar uma linha de evolução dos seres vertebrados, afirmando que os mesmos teriam surgido no mar, provenientes de organismos menores. Entre os primeiros vertebrados estariam os peixes, em seguida os anfíbios, e na sequência, os répteis, as aves e os mamíferos. Entre os mamíferos, teria surgido, há cerca de 13 milhões de anos, a ordem dos primatas, que inclui atualmente os símios e os homens. Para percorrer a distância entre os primatas mais simples (através da seleção natural) e o homem, foram necessários milhões de anos.
Outro fator a ser considerado em "High Water", e que é bastante evidente, é a natureza instintiva. Perseguido por todo o disco, o instinto (termos utilizado nas primeiras traduções da obra de Freud para o inglês) designa, em psicologia, etologia, biologia e outras ciências, predisposições inatas para a realização de determinadas sequências de ações (comportamentos), caracterizadas sobretudo por uma realização estereotipada, padronizada e predefinida. Devido a essas características, supõe-se uma forte base genética para os instintos, ideia inclusive defendida por Darwin. Os mecanismos que determinam a influência genética sobre os instintos não são completamente compreendidos, uma vez que se desconhece as estruturas genéticas que determinam sua herdabilidade.
Para o etólogo alemão Konrad Lorenz (1903 - 1989), o instinto em si é desencadeado através de um estímulo-chave e, uma vez provocado, se desenvolve automaticamente, não podendo ser modificado por influência externa. Já o comportamento de apetência (vontade de conseguir certo contentamento ou satisfação) pode ser influenciado pelo aprendizado, por condições ambientais e, no ser humano, pela influência de processos cognitivos.
"High Water", assim como "Countdown" (de Signals, 1982), "Between The Wheels" (de Grace Under Pressure, 1984) e "Mystic Rhythms" (de Power Windows, 1985), conclui Hold Your Fire retomando os temas que permearam todo o disco de forma bastante hermética, buscando a essência mais profunda de todas as ideias delineadas anteriormente. Dedicada e tocante, a composição mergulha na base instintiva mais obscura do ser humano, fazendo uma incrível viagem para nosso desconhecido evolutivo. "High Water", sem dúvidas, representa mais uma celebração da integração do homem com a natureza - uma mostra de como somos dependentes por sermos parte dela. Recebemos, como ouvintes e admiradores, outra síntese de ponderações belíssimas idealizada por Lee, Lifeson e Peart, artistas que dedicam suas composições como verdadeiros exercícios de aprendizado e inspiração.
"Instinto também é algo sobre o qual Neil escreveu em canções como 'Open Secrets' e 'High Water'", diz Alex. "'High Water' preocupa-se com nosso instinto final - nosso retorno à água. Passamos os primeiros nove meses de vida na água. Com nossa evolução a partir da vida nos mares, o retorno para a água tem que ser nosso instinto natural".
É possível afirmar que Hold Your Fire finaliza, portanto, mais uma fase vitoriosa na carreira do Rush. Após conduzir sua música por caminhos, elementos e influências marcantes na década de 1980 (porém jamais permitindo que sua admirada essência fosse perdida), os incansáveis Geddy, Alex e Neil já demonstravam sinais de que um retorno às características fundamentais de um trio seria, a partir de agora, o foco maior para eles.
© 2015 Rush Fã-Clube Brasil
PUTTERFORD, M. "Lifeson Times". Kerrang! No. 158. October 17, 1987.
BERTI, J. "Rush and Philosophy: Heart and Mind United (Popular Culture and Philosophy)". Chicago: Open Court, 2011.
PEART, N. "Fireworks - The Making Of "Hold Your Fire". The Hold Your Fire Tour Book. 1987
A poética "High Water" é o fechamento de Hold Your Fire. A décima e última canção aborda as incríveis conexões dos seres humanos com a força mais dinâmica da natureza: a água. Trata-se de um trabalho bastante original que expõe novamente a grande habilidade criativa dos canadenses, onde Neil Peart exterioriza mais uma vez todo o seu fascínio pela vida e pelos e fenômenos naturais.
"Com o desenvolvimento de 'Second Nature' e 'High Water', o foco desse álbum mudou subitamente do tema 'tempo' para os temas 'instinto' e 'temperamento', trazendo ideias sobre unidades primitivas e elementos do subconsciente", explica o letrista. "Bem, pensei, se é nisso que meu cérebro quer se empenhar, então que vá em frente".
"Como de costume, cuidei sozinho das letras durante as tardes enquanto os outros dois trabalhavam juntos nas ideias musicais. Aqui é onde Alex chega como um Cientista Musical - criando linhas de bateria programadas para me guiar e capturando seu trabalho e o do Geddy no gravador portátil 'Lersxt Sound'. No meu processo de composição e refinamento, lembro-me do dia em que joguei fora oito páginas de rascunhos de 'High Water' - e isso depois de três dias reescrevendo-a. Dessa forma, não foi nada fácil!".
A conclusão do disco envolve novamente os temas tempo e instinto, dessa vez direcionando o olhar para o nosso passado mais profundo e longínquo. Peart constrói em "High Water" uma maravilhosa linha de pensamento sobre a água como nossa base mais fundamental, mesclando sensações essenciais (que somente esse elemento poderia oferecer) com o próprio funcionamento do organismo dos humanos. A canção observa a chamada memória genética, além de exaltar a relação evolutiva e mística que compartilhamos com a água afirmando que, apesar do nosso desenvolvimento para a vida na terra, continuamos ligados à mesma por conexões primitivas.
"Sempre me sinto confortável quando estou perto da água, seja pelo som do oceano ou até mesmo pela sensação refrescante de um mergulho em uma piscina", diz Peart. "Lembro-me de estar, certa vez, no centro de uma das maiores cidades do Japão, onde a poluição sonora era incrível. No meio de tudo aquilo existia um jardim com uma pequena cachoeira correndo entre algumas rochas, tendo sido projetada de tal forma que se você sentasse nela, sentiria a sensação do som da água abafando todos os ruídos circundantes. Acho que os japoneses entendem melhor da natureza terapêutica das águas do que a maioria".
"High Water" é constituída por belos arranjos orquestrais - uma combinação perfeita entre letra e música que consegue imergir os ouvintes em rios volumosos, mares ou oceanos como pequenas partes integradas. Para essa canção, Peart idealiza um padrão especial de percussão relativamente similar ao trabalho realizado em "Mystic Rhythms", de Power Windows (1985). Geddy Lee, por sua vez, oferece linhas de baixo sempre dinâmicas e robustas, que ajudam a construir perfeitamente o ideal da composição. Outro ponto instrumental interessante é a progressão de acordes criados por Alex Lifeson, estes que nos remetem de forma sutil para uma criação dos primeiros anos do Rush, "Bacchus Plateau", parte da épica "The Fountain of Lamneth" de Caress Of Steel (1975). "High Water" traz também cordas escritas e conduzidas pelo compositor e orquestrador norte-americano Steve Margoshes, além da utilização de algumas vocalizações diminutas texturais da cantora Aimee Mann. Por fim, sua temática lírica rememora a clássica "Natural Science", do álbum Permanent Waves, de 1980.
Peart utiliza algumas figuras para expor sensações relacionadas à água, combinando-as com pequenos trechos que abarcam afirmações evolutivas. A maresia vinda do oceano, precipitações tropicais, belas fontes de águas montanhosas, o alivio da sede, ondas batendo na costa e um simples banho de chuva são oferecidos como imagens que nos transportam, mesmo que por alguns pequenos momentos, à nossa enigmática ligação instintiva e primordial com a água, representada na canção como um retorno para casa.
Muitas são as teorias sobre o surgimento da água na Terra, e Peart parece utilizar uma delas para a construção de "High Water". O cientista russo Aleksander I. Oparin (1894 - 1980) e o cientista inglês John Burdon S. Haldane (1892 - 1964) propuseram, na década de 1920, hipóteses semelhantes sobre como a vida teria se originado no planeta. Apesar de existirem pequenas diferenças entre suas observações, eles indicaram basicamente que os primeiros seres vivos surgiram a partir de moléculas orgânicas, estas que teriam se formado na atmosfera primitiva e depois nos oceanos, a partir de substâncias inorgânicas.
Resumidamente, a formação do planeta data de aproximadamente 4,6 bilhões de anos. Nesse período, o mesmo era extremamente quente, não abrigando nenhuma forma de vida. Passados milhões de anos, a Terra entrou em um gradativo processo de resfriamento, e essas alterações de temperaturas originaram uma estreita camada de rochas, a crosta terrestre. Assim, uma imensa quantidade de gases e partículas foi sendo expelida do seu interior por vulcões, e a gravidade fez com que tais elementos formassem a atmosfera e o vapor de água, ocasionando as precipitações. A dinâmica sofreria alterações: a água das chuvas não retornaria mais à atmosfera em forma de vapor: em estado líquido, parte escorreria pelas elevações formando os rios, enquanto outra parte se acumularia nas depressões da crosta. Essas águas deram origem aos lagos, mares e oceanos e assim, possivelmente, formou-se a hidrosfera primitiva.
Seguindo teorias científicas, a origem da vida no planeta surgiu a partir da água ao longo de milhões de anos de evolução. Os organismos vivos se diversificaram e se espalharam e, desde então, a sobrevivência de todas as espécies animais e vegetais continua ligada à água. Os seres humanos, por exemplo, durante a gestação, se desenvolvem envoltos no líquido amniótico, sendo inicialmente formado por água proveniente da mãe. Além disso, a importância desse precioso elemento continua se manifestando em nós pela própria composição do nosso organismo, sendo constituído por 75% de água. Por outro lado, as águas cobrem 71% de toda a superfície da Terra.
Tales de Mileto, filósofo da antiga Grécia do século VI a.C., afirmava que 'tudo é água'. A expressão, por intermédio de uma longa tradição aristotélica, passou a ser considerada como a primeira frase filosófica do Ocidente. Sua interpretação, segundo os livros de história da filosofia, aponta para o contexto do surgimento de uma filosofia da natureza, sendo uma preocupação dos primeiros filósofos a determinação de uma substância material primordial, concebida como princípio, origem e matriz de todas as outras coisas. Para Tales, essa substância (Physis) seria a água, e todos os seres existentes seriam, essencialmente, produtos da transformação da água ou água transformada. Por outro lado, seu discípulo e sucessor, Anaximandro (610 - 547 a.C.) divergia da ideia da água como o princípio de todas as coisas. Ele acreditava que o Sol agia sobre a mesma gerando os seres, e estes se deslocariam para a terra se tornando mais elaborados, conforme se desenvolviam. Trata-se, portanto, de um pensamento muito próximo da famosa teoria da evolução das espécies, do naturalista britânico Charles Darwin (1809 - 1882).
Até 1859, apenas livros religiosos propunham respostas para o enigma do surgimento do ser humano, primordialmente em linguagens simbólicas. Nesse ano, Darwin publicou "A Origem das Espécies", trazendo evidências de que as espécies animais são capazes de modificações gradativas ou de evolução através dos tempos, de modo que novas espécies possam surgir. Além disso, o naturalista demonstrou também que as modificações são determinadas pela Lei da Seleção Natural, segundo a qual, na acirrada competição que os seres vivos travam pela sobrevivência, prevalecem aqueles que melhor se adaptam ao meio específico em que vivem. Dessa maneira, as características que contribuíram para a sobrevivência de cada espécie são preservadas, transmitidas para as gerações futuras.
Partindo dessas ideias, observações, estudos de fósseis e experiências, os cientistas puderam traçar uma linha de evolução dos seres vertebrados, afirmando que os mesmos teriam surgido no mar, provenientes de organismos menores. Entre os primeiros vertebrados estariam os peixes, em seguida os anfíbios, e na sequência, os répteis, as aves e os mamíferos. Entre os mamíferos, teria surgido, há cerca de 13 milhões de anos, a ordem dos primatas, que inclui atualmente os símios e os homens. Para percorrer a distância entre os primatas mais simples (através da seleção natural) e o homem, foram necessários milhões de anos.
Outro fator a ser considerado em "High Water", e que é bastante evidente, é a natureza instintiva. Perseguido por todo o disco, o instinto (termos utilizado nas primeiras traduções da obra de Freud para o inglês) designa, em psicologia, etologia, biologia e outras ciências, predisposições inatas para a realização de determinadas sequências de ações (comportamentos), caracterizadas sobretudo por uma realização estereotipada, padronizada e predefinida. Devido a essas características, supõe-se uma forte base genética para os instintos, ideia inclusive defendida por Darwin. Os mecanismos que determinam a influência genética sobre os instintos não são completamente compreendidos, uma vez que se desconhece as estruturas genéticas que determinam sua herdabilidade.
Para o etólogo alemão Konrad Lorenz (1903 - 1989), o instinto em si é desencadeado através de um estímulo-chave e, uma vez provocado, se desenvolve automaticamente, não podendo ser modificado por influência externa. Já o comportamento de apetência (vontade de conseguir certo contentamento ou satisfação) pode ser influenciado pelo aprendizado, por condições ambientais e, no ser humano, pela influência de processos cognitivos.
"High Water", assim como "Countdown" (de Signals, 1982), "Between The Wheels" (de Grace Under Pressure, 1984) e "Mystic Rhythms" (de Power Windows, 1985), conclui Hold Your Fire retomando os temas que permearam todo o disco de forma bastante hermética, buscando a essência mais profunda de todas as ideias delineadas anteriormente. Dedicada e tocante, a composição mergulha na base instintiva mais obscura do ser humano, fazendo uma incrível viagem para nosso desconhecido evolutivo. "High Water", sem dúvidas, representa mais uma celebração da integração do homem com a natureza - uma mostra de como somos dependentes por sermos parte dela. Recebemos, como ouvintes e admiradores, outra síntese de ponderações belíssimas idealizada por Lee, Lifeson e Peart, artistas que dedicam suas composições como verdadeiros exercícios de aprendizado e inspiração.
"Instinto também é algo sobre o qual Neil escreveu em canções como 'Open Secrets' e 'High Water'", diz Alex. "'High Water' preocupa-se com nosso instinto final - nosso retorno à água. Passamos os primeiros nove meses de vida na água. Com nossa evolução a partir da vida nos mares, o retorno para a água tem que ser nosso instinto natural".
É possível afirmar que Hold Your Fire finaliza, portanto, mais uma fase vitoriosa na carreira do Rush. Após conduzir sua música por caminhos, elementos e influências marcantes na década de 1980 (porém jamais permitindo que sua admirada essência fosse perdida), os incansáveis Geddy, Alex e Neil já demonstravam sinais de que um retorno às características fundamentais de um trio seria, a partir de agora, o foco maior para eles.
© 2015 Rush Fã-Clube Brasil
PUTTERFORD, M. "Lifeson Times". Kerrang! No. 158. October 17, 1987.
BERTI, J. "Rush and Philosophy: Heart and Mind United (Popular Culture and Philosophy)". Chicago: Open Court, 2011.
PEART, N. "Fireworks - The Making Of "Hold Your Fire". The Hold Your Fire Tour Book. 1987