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CYGNUS X-1 BOOK II: HEMISPHERES CIRCUMSTANCES THE TREES
CIRCUMSTANCES
A boy alone, so far from home
Endless rooftops from my window
I felt the gloom of empty rooms
On rainy afternoons
Sometimes in confusion
I felt so lost and disillusioned
Innocence gave me confidence
To go up against reality
All the same, we take our chances
Laughed at by Time
Tricked by Circumstances
Plus ça change
Plus c'est la meme chose
The more that things change
The more they stay the same
Now I've gained some understanding
Of the only world that we see
Things that I once dreamed of
Have become reality
These walls that still surround me
Still contain the same old me
Just one more who's searching for
A world that ought to be
A boy alone, so far from home
Endless rooftops from my window
I felt the gloom of empty rooms
On rainy afternoons
Sometimes in confusion
I felt so lost and disillusioned
Innocence gave me confidence
To go up against reality
All the same, we take our chances
Laughed at by Time
Tricked by Circumstances
Plus ça change
Plus c'est la meme chose
The more that things change
The more they stay the same
Now I've gained some understanding
Of the only world that we see
Things that I once dreamed of
Have become reality
These walls that still surround me
Still contain the same old me
Just one more who's searching for
A world that ought to be
CIRCUNSTÂNCIAS
Um garoto sozinho, tão longe de casa
Telhados intermináveis da minha janela
Senti a melancolia de quartos vazios
Em tardes chuvosas
Às vezes na confusão
Senti-me tão perdido e desiludido
Inocência me deu confiança
De ir contra a realidade
Tudo igual, aproveitamos nossas chances
Zombados pelo Tempo
Enganados pelas Circunstâncias
Quanto mais mudanças
Mais é a mesma coisa
Quanto mais as coisas mudam
Mais elas permanecem as mesmas
Agora que ganhei um pouco de entendimento
Do único mundo que vemos
Coisas com as quais uma vez sonhei
Tornaram-se realidade
Essas paredes que ainda me cercam
Ainda contém o mesmo eu antigo
Apenas mais um que está em busca
De um mundo que deveria ser
Um garoto sozinho, tão longe de casa
Telhados intermináveis da minha janela
Senti a melancolia de quartos vazios
Em tardes chuvosas
Às vezes na confusão
Senti-me tão perdido e desiludido
Inocência me deu confiança
De ir contra a realidade
Tudo igual, aproveitamos nossas chances
Zombados pelo Tempo
Enganados pelas Circunstâncias
Quanto mais mudanças
Mais é a mesma coisa
Quanto mais as coisas mudam
Mais elas permanecem as mesmas
Agora que ganhei um pouco de entendimento
Do único mundo que vemos
Coisas com as quais uma vez sonhei
Tornaram-se realidade
Essas paredes que ainda me cercam
Ainda contém o mesmo eu antigo
Apenas mais um que está em busca
De um mundo que deveria ser
A aleatoriedade e imprevisibilidade da vida são as únicas certezas
A segunda canção de Hemispheres é "Circumstances", certamente outro momento importante na carreira do Rush. Após a épica "Cygnus X-1 Book II: Hemispheres", a banda oferece uma composição mais breve e introspectiva de relevantes particularidades, caracterizada pelo seu forte instrumental baseado em excelentes arranjos coroados por belíssimos e empolgantes vocais de Geddy Lee. Trata-se de uma das criações mais dinâmicas e complexas da banda nos anos de 1970.
"Circumstances" é a composição de menor extensão no álbum. Contundente e poderosa, seus três minutos e quarenta e cinco segundos são principalmente baseados em riffs de guitarra inconstantes, porém cativantes e cheios de energia. Com refrões memoráveis, a peça é um bom exemplo do rock progressivo condensado e, ao mesmo tempo, um vislumbre das mudanças de direcionamento que marcariam os ideais dos músicos no limiar da próxima década. Mesmo breve, a peça consegue visitar vários momentos distintos, com Alex trabalhando em progressões de acordes muito elaboradas e sempre imprevisíveis, trazendo tomadas hipnóticas e cerebrais, com Geddy preenchendo todos os espaços com suas linhas de baixo sempre muito movimentadas e com Peart completando o aparato através de sua percussão construída em tempos incomuns e de grande sofisticação. "Circumstances" ainda reserva uma bela e suave ponte em seu trecho médio que convida à reflexão, caracterizada por uma seção instrumental mais doce que destaca um dueto entre Geddy e seu o sintetizador Oberheim 8-voice Polyphonic, apoiado por pedais Taurus e Peart, trazendo sons de sinos orquestrais conseguidos com seu Glockenspiel. Toda construção é agora envolvida por acordes simples e suaves produzidos por Alex, logo retomando a sensação inicial e mais pesada da música. "Circumstances", portanto, significa o poder da banda em criar canções mais diretas e concisas, sem sacrificar suas características de experimentação definidoras.
Além da música, "Circumstances" também traz posicionamentos filosóficos mais diretos. Há, portanto, um pequeno indício do afastamento de temas inspirados pela ficção científica e fantasia, com a banda e o letrista iniciando uma aproximação às questões mais humanas. Com o passar dos anos, o Rush começaria a abordar assuntos cada vez mais introspectivos, com as composições assumindo significados mais profundos e conectados com as ideias musicais de forma bastante eficaz. Portanto, ao abranger temas como a alienação, introspecção e amadurecimento, temos em "Circumstances" uma espécie de ensaio para uma nova era, na qual as composições dos canadenses passariam por grandes transformações.
Liricamente, "Circumstances" lida de forma simples e direta com a ingenuidade juvenil que, com a experiência, se transforma em idealismo adulto - uma história verdadeira que se tornou famosa com o passar dos anos. Em meio ao período de composições que se dedicavam às investidas mais indiretas e alegóricas, uma pequena parte das inspirações de Peart se voltava para passagens sobre sua própria vida, como ocorrido timidamente nas anteriores "Fly by Night" e "Making Memories" (de Fly By Night, 1975) e "Lakeside Park" (de Caress of Steel, também de 1975), atributo que também marca a segunda faixa de Hemispheres. Aqui, o letrista expõe suas lembranças e ponderações sobre o período em que viveu na Europa antes de retornar ao Canadá, para enfim se juntar ao Rush.
Funcionando com um desdobramento e um complemento filosófico mais experiente para a clássica "Fly By Night", "Circumstances" mostra o jovem Neil, com apenas 18 anos, lutando para alcançar o sonhado sucesso como baterista profissional, deixando sua família e seu país em busca de uma grande mudança. Ele decide tentar seu espaço em Londres, capital que era a cena rock and roll mais importante da época (que levantara seus ídolos Keith Moon e John Bonham), copiando de alguns dos seus álbuns favoritos os nomes de gravadoras e contatos de empresários da música na cidade inglesa. Seu pai, Glen Peart, ajudou a construir uma espécie de caixa de madeira para que pudesse guardar e transportar sua bateria, e ele partiu em busca de suas ambições.
Porém, enquanto esteve na Terra da Rainha, o jovem baterista não conseguiu ser bem sucedido com seu instrumento. Seguiu batendo nas portas das companhias sempre recebendo negativas, inclusive lembrando do que uma senhora lhe disse em uma dessas ocasiões, "Bem, você é corajoso, mas muito ingênuo". Apesar de conseguir tocar em algumas bandas e fazer trabalhos ocasionais, foi forçado a buscar sustento com a venda de objetos para turistas em uma loja de souvenires chamada The Great Frog, localizada na Carnaby Street, no distrito de Soho. Após dezoito meses de projetos decepcionantes, shows em becos e nenhum progresso alcançado em sua carreira musical, Peart, desiludido com o mundo da música e sem dinheiro, decide congelar seus sonhos retornando para sua terra natal. Ao chegar em St. Catharines, vai trabalhar com seu pai, vendendo peças para tratores na Dalziel Equipment, e esse seria o retorno da primeira de suas várias jornadas de autodescoberta ao longo da vida. Certamente que ele não poderia imaginar que estava prestes a alcançar o passo definitivo que o levaria a ser um dos maiores bateristas do rock de todos os tempos, e no mesmo local familiar que havia deixado anteriormente.
"Circumstances" traz uma combinação do pessoal e do universal ao retratar um período chave da vida e da carreira do baterista, que decide estender sua experiência para uma apreciação inteiramente filosófica. Os dois primeiros versos da canção descrevem a expressão da angústia e da frustração de forma muito convincente, referindo-se aos sentimentos experimentados por Neil em sua decepcionante viagem. Longe de casa, tudo era triste e sombrio, reconhecendo ter sido precipitado ao tentar alcançar seus sonhos em outro país, apenas confiando em suas capacidades. A inocência da juventude lhe influiu acreditar que conseguiria obter seus desejos naturalmente, somente com essa grande mudança.
O refrão traz a experiência em termos mais gerais, uma vez que discute todas as chances que temos e de como essas estão relacionadas com a ação do tempo (elemento fundamental que consolidaria a busca) e das circunstâncias em que ocorrem. Com o passar dos dias, estes acabam trazendo para Peart desdobramentos cada vez mais decepcionantes e jamais imaginados, e todos os seus sonhos vão se afastando. As circunstâncias, que se referem à conjuntura, aos momentos e às ocasiões, refletem que todas as decisões sempre dependerão de uma série de fatores externos aleatórios. Ao retornar para o Canadá e decidido abandonar seus sonhos, ele surpreendentemente recebe um convite para substituir o baterista de uma banda local, essa que se tornaria a máquina para o alcance do seu sucesso e do reconhecimento como um dos maiores no instrumento de todos os tempos.
No segundo verso, Neil afirma ter conseguido alcançar o que almejava, porém agora um pouco mais amadurecido. Ele se torna uma estrela do rock, conquistando enfim o que desejava desde que era apenas um garoto. Talvez a motivação para a composição de "Circumstances" venha do fato da banda estar gravando seu segundo álbum no Reino Unido, além estar conseguindo construir um público sólido no país, o que contrasta com uma época bastante difícil e incerta. Além dessa constatação, Peart faz questão de reconhecer que continua à mercê do universo e de seus desdobramentos - como a realidade de qualquer outra pessoa.
O famoso epigrama francês "Plus ça change, plus c'est la même chose" ("Quanto mais mudanças, mais é a mesma coisa"), utilizado em "Circumstances", é atribuído ao crítico, jornalista e novelista francês Jean-Baptiste Alphonse Karr (1808 – 1890). Além de transmitir o pensamento da canção de forma sinóptica, a própria decisão de enfatizar o cerne nesse idioma ilustra que a natureza das mudanças, por fim, significam o mesmo - sempre dependerão de vários fatores externos, sendo fortuitas e muitas vezes surpreendentes. O que quer que façamos e as decisões que escolhamos seguir sempre dependerão do tempo e das circunstâncias - nunca estaremos no total controle. A aleatoriedade e a imprevisibilidade continuam e continuarão, além do contínuo aprendizado.
"Sim, somos peões de forças aleatórias que estão além do nosso controle", diz Peart. "As coisas mudam perpetuamente, porém, quanto mais elas mudam, mais continuam as mesmas".
Geddy, por sua vez, consegue novamente capturar perfeitamente a história de Peart, através de suas investidas vocais que denotam os vários humores, utilizando notas bastante altas principalmente nos refrões. "Quando entrei para fazer os vocais, percebi que não havia cantado nenhuma dessas canções com os caras durante o processo de composição. Enquanto escrevíamos a música, eu sentava e cantava algumas melodias de forma acústica, e todo mundo dizia, 'Sim, isso vai funcionar'. Então concluíamos que tudo ia ficar bem. Não havíamos verificado a afinação das composições. Quando fui cantá-las, foi terrível de gravar. Lembro-me de ser incrivelmente frustrante. Tinha explosões enormes com Terry [Brown]".
"Circumstances" traz, à princípio, mais um confronto para Hemispheres - mudanças ou estabilidade - porém novamente com a ideia de equilíbrio entre as duas decisões. Trata-se de um tema autobiográfico sobre planos, fracassos, imprevisibilidade e amadurecimento. Neil buscou se tornar um músico profissional em Londres e, não conseguindo, estava pronto para desistir de sua carreira, quando um convite surgiu naturalmente para o teste com o Rush. A canção pode ser definida como uma exaltação dos sonhos com responsabilidade, tendo sempre em vista as dificuldades que poderão ser enfrentadas na jornada para alcançá-los, além da ciência da possibilidade de não conquistá-los. Um jovem assimila a aleatoriedade de sua existência, sempre interligada por uma série de fatores, sabendo que os desdobramentos poderão encaminhar os planos de uma maneira totalmente surpreendente. Para Peart, isso é dar significado e importância à vida, sendo essa, portanto, a sua beleza.
© 2014 Rush Fã-Clube Brasil
TELLERIA, R. "Merely Players Tribute". Quarry Music Books, 2002.
BANASIEWICZ, B. "Rush Visions: The Official Biography". Omnibus Press, 1987.
POPOFF, M. "Contents Under Pressure". Canada: ECW Press, 2004
PEART, N. "Traveling Music: The Soundtrack to My Life and Times". Canada: ECW Press, 2004
BERTI, J. "Rush and Philosophy: Heart and Mind United (Popular Culture and Philosophy)". Chicago: Open Court, 2011.
"Circumstances" é a composição de menor extensão no álbum. Contundente e poderosa, seus três minutos e quarenta e cinco segundos são principalmente baseados em riffs de guitarra inconstantes, porém cativantes e cheios de energia. Com refrões memoráveis, a peça é um bom exemplo do rock progressivo condensado e, ao mesmo tempo, um vislumbre das mudanças de direcionamento que marcariam os ideais dos músicos no limiar da próxima década. Mesmo breve, a peça consegue visitar vários momentos distintos, com Alex trabalhando em progressões de acordes muito elaboradas e sempre imprevisíveis, trazendo tomadas hipnóticas e cerebrais, com Geddy preenchendo todos os espaços com suas linhas de baixo sempre muito movimentadas e com Peart completando o aparato através de sua percussão construída em tempos incomuns e de grande sofisticação. "Circumstances" ainda reserva uma bela e suave ponte em seu trecho médio que convida à reflexão, caracterizada por uma seção instrumental mais doce que destaca um dueto entre Geddy e seu o sintetizador Oberheim 8-voice Polyphonic, apoiado por pedais Taurus e Peart, trazendo sons de sinos orquestrais conseguidos com seu Glockenspiel. Toda construção é agora envolvida por acordes simples e suaves produzidos por Alex, logo retomando a sensação inicial e mais pesada da música. "Circumstances", portanto, significa o poder da banda em criar canções mais diretas e concisas, sem sacrificar suas características de experimentação definidoras.
Além da música, "Circumstances" também traz posicionamentos filosóficos mais diretos. Há, portanto, um pequeno indício do afastamento de temas inspirados pela ficção científica e fantasia, com a banda e o letrista iniciando uma aproximação às questões mais humanas. Com o passar dos anos, o Rush começaria a abordar assuntos cada vez mais introspectivos, com as composições assumindo significados mais profundos e conectados com as ideias musicais de forma bastante eficaz. Portanto, ao abranger temas como a alienação, introspecção e amadurecimento, temos em "Circumstances" uma espécie de ensaio para uma nova era, na qual as composições dos canadenses passariam por grandes transformações.
Liricamente, "Circumstances" lida de forma simples e direta com a ingenuidade juvenil que, com a experiência, se transforma em idealismo adulto - uma história verdadeira que se tornou famosa com o passar dos anos. Em meio ao período de composições que se dedicavam às investidas mais indiretas e alegóricas, uma pequena parte das inspirações de Peart se voltava para passagens sobre sua própria vida, como ocorrido timidamente nas anteriores "Fly by Night" e "Making Memories" (de Fly By Night, 1975) e "Lakeside Park" (de Caress of Steel, também de 1975), atributo que também marca a segunda faixa de Hemispheres. Aqui, o letrista expõe suas lembranças e ponderações sobre o período em que viveu na Europa antes de retornar ao Canadá, para enfim se juntar ao Rush.
Funcionando com um desdobramento e um complemento filosófico mais experiente para a clássica "Fly By Night", "Circumstances" mostra o jovem Neil, com apenas 18 anos, lutando para alcançar o sonhado sucesso como baterista profissional, deixando sua família e seu país em busca de uma grande mudança. Ele decide tentar seu espaço em Londres, capital que era a cena rock and roll mais importante da época (que levantara seus ídolos Keith Moon e John Bonham), copiando de alguns dos seus álbuns favoritos os nomes de gravadoras e contatos de empresários da música na cidade inglesa. Seu pai, Glen Peart, ajudou a construir uma espécie de caixa de madeira para que pudesse guardar e transportar sua bateria, e ele partiu em busca de suas ambições.
Porém, enquanto esteve na Terra da Rainha, o jovem baterista não conseguiu ser bem sucedido com seu instrumento. Seguiu batendo nas portas das companhias sempre recebendo negativas, inclusive lembrando do que uma senhora lhe disse em uma dessas ocasiões, "Bem, você é corajoso, mas muito ingênuo". Apesar de conseguir tocar em algumas bandas e fazer trabalhos ocasionais, foi forçado a buscar sustento com a venda de objetos para turistas em uma loja de souvenires chamada The Great Frog, localizada na Carnaby Street, no distrito de Soho. Após dezoito meses de projetos decepcionantes, shows em becos e nenhum progresso alcançado em sua carreira musical, Peart, desiludido com o mundo da música e sem dinheiro, decide congelar seus sonhos retornando para sua terra natal. Ao chegar em St. Catharines, vai trabalhar com seu pai, vendendo peças para tratores na Dalziel Equipment, e esse seria o retorno da primeira de suas várias jornadas de autodescoberta ao longo da vida. Certamente que ele não poderia imaginar que estava prestes a alcançar o passo definitivo que o levaria a ser um dos maiores bateristas do rock de todos os tempos, e no mesmo local familiar que havia deixado anteriormente.
"Circumstances" traz uma combinação do pessoal e do universal ao retratar um período chave da vida e da carreira do baterista, que decide estender sua experiência para uma apreciação inteiramente filosófica. Os dois primeiros versos da canção descrevem a expressão da angústia e da frustração de forma muito convincente, referindo-se aos sentimentos experimentados por Neil em sua decepcionante viagem. Longe de casa, tudo era triste e sombrio, reconhecendo ter sido precipitado ao tentar alcançar seus sonhos em outro país, apenas confiando em suas capacidades. A inocência da juventude lhe influiu acreditar que conseguiria obter seus desejos naturalmente, somente com essa grande mudança.
O refrão traz a experiência em termos mais gerais, uma vez que discute todas as chances que temos e de como essas estão relacionadas com a ação do tempo (elemento fundamental que consolidaria a busca) e das circunstâncias em que ocorrem. Com o passar dos dias, estes acabam trazendo para Peart desdobramentos cada vez mais decepcionantes e jamais imaginados, e todos os seus sonhos vão se afastando. As circunstâncias, que se referem à conjuntura, aos momentos e às ocasiões, refletem que todas as decisões sempre dependerão de uma série de fatores externos aleatórios. Ao retornar para o Canadá e decidido abandonar seus sonhos, ele surpreendentemente recebe um convite para substituir o baterista de uma banda local, essa que se tornaria a máquina para o alcance do seu sucesso e do reconhecimento como um dos maiores no instrumento de todos os tempos.
No segundo verso, Neil afirma ter conseguido alcançar o que almejava, porém agora um pouco mais amadurecido. Ele se torna uma estrela do rock, conquistando enfim o que desejava desde que era apenas um garoto. Talvez a motivação para a composição de "Circumstances" venha do fato da banda estar gravando seu segundo álbum no Reino Unido, além estar conseguindo construir um público sólido no país, o que contrasta com uma época bastante difícil e incerta. Além dessa constatação, Peart faz questão de reconhecer que continua à mercê do universo e de seus desdobramentos - como a realidade de qualquer outra pessoa.
O famoso epigrama francês "Plus ça change, plus c'est la même chose" ("Quanto mais mudanças, mais é a mesma coisa"), utilizado em "Circumstances", é atribuído ao crítico, jornalista e novelista francês Jean-Baptiste Alphonse Karr (1808 – 1890). Além de transmitir o pensamento da canção de forma sinóptica, a própria decisão de enfatizar o cerne nesse idioma ilustra que a natureza das mudanças, por fim, significam o mesmo - sempre dependerão de vários fatores externos, sendo fortuitas e muitas vezes surpreendentes. O que quer que façamos e as decisões que escolhamos seguir sempre dependerão do tempo e das circunstâncias - nunca estaremos no total controle. A aleatoriedade e a imprevisibilidade continuam e continuarão, além do contínuo aprendizado.
"Sim, somos peões de forças aleatórias que estão além do nosso controle", diz Peart. "As coisas mudam perpetuamente, porém, quanto mais elas mudam, mais continuam as mesmas".
Geddy, por sua vez, consegue novamente capturar perfeitamente a história de Peart, através de suas investidas vocais que denotam os vários humores, utilizando notas bastante altas principalmente nos refrões. "Quando entrei para fazer os vocais, percebi que não havia cantado nenhuma dessas canções com os caras durante o processo de composição. Enquanto escrevíamos a música, eu sentava e cantava algumas melodias de forma acústica, e todo mundo dizia, 'Sim, isso vai funcionar'. Então concluíamos que tudo ia ficar bem. Não havíamos verificado a afinação das composições. Quando fui cantá-las, foi terrível de gravar. Lembro-me de ser incrivelmente frustrante. Tinha explosões enormes com Terry [Brown]".
"Circumstances" traz, à princípio, mais um confronto para Hemispheres - mudanças ou estabilidade - porém novamente com a ideia de equilíbrio entre as duas decisões. Trata-se de um tema autobiográfico sobre planos, fracassos, imprevisibilidade e amadurecimento. Neil buscou se tornar um músico profissional em Londres e, não conseguindo, estava pronto para desistir de sua carreira, quando um convite surgiu naturalmente para o teste com o Rush. A canção pode ser definida como uma exaltação dos sonhos com responsabilidade, tendo sempre em vista as dificuldades que poderão ser enfrentadas na jornada para alcançá-los, além da ciência da possibilidade de não conquistá-los. Um jovem assimila a aleatoriedade de sua existência, sempre interligada por uma série de fatores, sabendo que os desdobramentos poderão encaminhar os planos de uma maneira totalmente surpreendente. Para Peart, isso é dar significado e importância à vida, sendo essa, portanto, a sua beleza.
© 2014 Rush Fã-Clube Brasil
TELLERIA, R. "Merely Players Tribute". Quarry Music Books, 2002.
BANASIEWICZ, B. "Rush Visions: The Official Biography". Omnibus Press, 1987.
POPOFF, M. "Contents Under Pressure". Canada: ECW Press, 2004
PEART, N. "Traveling Music: The Soundtrack to My Life and Times". Canada: ECW Press, 2004
BERTI, J. "Rush and Philosophy: Heart and Mind United (Popular Culture and Philosophy)". Chicago: Open Court, 2011.