ALIEN SHORE



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ALIEN SHORE

You and I, we are strangers by one chromosome
Slave to the hormone, body and soul
In a struggle to be happy and free
Swimming in a primitive sea

You and I, we must dive below the surface
A world of red neon, and ultramarine
Shining bridges on the ocean floor
Reaching to the alien shore

For you and me - Sex is not a competition
For you and me - Sex is not a job description
For you and me - We agree


You and I, we are pressed into these solitudes
Color and culture, language and race
Just variations on a theme
Islands in a much larger stream

For you and me - Race is not a competition
For you and me - Race is not a definition
For you and me - We agree

Reaching for the alien shore


You and I, we reject these narrow attitudes
We add to each other, like a coral reef
Building bridges on the ocean floor
Reaching for the alien shore

For you and me -
We hold these truths to be self-evident
For you and me - We'd elect each other president
For you and me - We might agree
But that's just us

Reaching for the alien shore
TERRA ESTRANGEIRA

Você e eu, somos estranhos por um cromossomo
Escravo ao hormônio, corpo e alma
Numa luta para ser feliz e livre
Nadando em um mar primitivo

Você e eu, devemos mergulhar abaixo da superfície
Um mundo de neon vermelho, e ultramarino
Pontes brilhantes no fundo do oceano
Alcançando a terra estrangeira

Para você e para mim - Sexo não é uma competição
Para você e para mim - Sexo não é descrição de funções
Para você e para mim - Estamos de acordo


Você eu, somos pressionados nesses desertos
Cor e cultura, língua e raça
Apenas variações de um tema
Ilhas numa corrente bem maior

Para você e para mim - Raça não é uma competição
Para você e para mim - Raça não é uma definição
Para você e para mim - Estamos de acordo

Alcançando a terra estrangeira


Você eu, rejeitamos essas atitudes estritas
Nos acrescentamos, como um recife de coral
Construindo pontes no fundo do oceano
Alcançando a terra estrangeira

Para você e para mim -
Acreditamos nessas verdades como evidentes por si mesmas
Para você e para mim - Elegeríamos um ao outro presidente
Para você e para mim - Estamos de acordo
Mas somos apenas nós

Alcançando a terra estrangeira


Música por Geddy Lee e Alex Lifeson / Letra por Neil Peart


A profunda compreensão e assimilação das diferenças

"Alien Shore" é a sexta faixa em Counterparts, uma canção incisiva e vigorosa onde o Rush mantém firme sua nova proposta musical e lírica: a de apresentar produções de notável crueza preparadas para sustentar temas cada vez mais sombrios e introspectivos.

Inicialmente, percebemos em "Alien Shore" que as guitarras continuam fortalecidas, e com grande preponderância. Após algumas palavras quase ininteligíveis (com Alex Lifeson proferindo de maneira hilariante a frase "out of my nose" de narinas fechadas), um solo categórico e assombroso oferecido por ele mesmo nos convida a mergulhar em um profundo borbulhar de riffs contínuos e linhas de baixo férteis e incessantes, aliados à percussão infalivelmente concisa e arrematados com vocais muito fortes e marcantes. Tais elementos concebem uma atmosfera definitivamente viajante, desembocando em um refrão explosivo que define perfeitamente o argumento central da peça: a quebra de preconceitos entre sexos, culturas e etnias, um apelo ao entendimento e à consciência da complementaridade pelas diferenças.

Utilizando como base um dos mais ricos instrumentais criados para Counterparts, Neil Peart explora em "Alien Shore" conceitos que visitam elementos da psicologia, sociologia e antropologia, tecendo pensamentos sobre as relações entre homens e mulheres e também entre pessoas de grupos étnicos diferentes. O desenrolar temático da canção é desenhado em um diálogo entre dois indivíduos experimentando a afinidade de inclinações e ideias.

"Dualidades como raça e sexo não são opostas, mas complementares - únicas, ainda que diferentes - e não devem ser encaradas como uma competição existencial", explica o letrista. "O dicionário Oxford define o termo 'counterpart' como 'duplicado' e 'oposto', no sentido de 'formar um complemento natural para o outro'. Foi isso que achei interessante sobre a palavra: considerada dessa forma, os contrários são reflexos uns dos outros - são opostos e não necessariamente contrários e inimigos, mas sim 'os outros'. Polaridades não devem ser combatidas, mas reconciliadas, alcançando a terra estrangeira. Particularmente, gosto muito dessa letra".

Neil Peart já havia demonstrado preocupações com impasses decorrentes das divisões entre pessoas em canções como "Subdivisions" (do álbum Signals, de 1982) e "Territories" (do álbum Power Windows, de 1985), e ainda visitaria o tema em composições futuras. Em "Territories", por exemplo, o letrista não falava somente sobre poder global, citando as várias regiões e povos ao redor do mundo, mas também sobre algo mais pessoal e próximo: o sonho do abandono no futuro das inúmeras divisões erguidas pelas diferenças que cercam os indivíduos, buscando, ao invés disso, a aproximação pelas semelhanças.

"Depois de 'Territories', falo novamente em 'Alien Shore' sobre distinções superficiais", afirma Peart. "Visito esse assunto novamente porque essas coisas me incomodam muito. Escrevo sempre sobre isso: coisas que me emocionam ou que me incomodam".

Como na inicial "Animate", Peart expõe em "Alien Shore" a dualidade entre o sexo feminino e masculino, utilizando uma frase de teor bastante perspicaz que ilustra o quanto homens e mulheres são iguais e simultaneamente diferentes, quase que estrangeiros um para o outro: "You and I, we are strangers by one chromosome / slave to the hormone, body and soul" ("Você e eu somos estranhos por um cromossomo / escravo ao hormônio, corpo e alma"). É sabido que, em cada conjunto dos 23 pares de cromossomos, os seres humanos possuem apenas um par responsável pelo sexo. Os homens possuem um cromossomo X e um cromossomo Y, enquanto as mulheres possuem dois cromossomos X. Portanto, a definição sexual se diferencia apenas por um cromossomo. Indo além, o que o letrista propõe é que, apesar de sermos tão diferentes, temos muitas características, aspirações e interesses em comum. A verdade é que não somos rivais e que, ao mergulharmos fundo em nosso ser negando a superficialidade, encontraremos o acordo, a compreensão e a tolerância na chamada terra estrangeira, estado de espírito onde nos adequamos e seguimos em frente em unidade. Temos aqui, em síntese, a compreensão do sexo oposto.

Em um segundo momento, Peart considera o afastamento entre pessoas de culturas diferentes, no qual visita em poucas palavras os conceitos antropológicos de etnocentrismo e de relativismo cultural. O trecho "You and I, we are pressed into these solitudes. Colour and culture, language and race" ("Você eu, somos pressionados nesses desertos. Cor e cultura, língua e raça") reflete os efeitos do etnocentrismo, este que ocorre quando determinado indivíduo ou grupo que possui os mesmos hábitos e caráter social discrimina o outro, julgando-se melhor ou pior, seja por causa de sua condição social, pelos diferentes hábitos ou até mesmo por uma diferente forma de se vestir. Já o trecho "Just variations on a theme, islands in a much larger stream" ("Apenas variações de um tema, ilhas numa corrente bem mais intensa") propõe o relativismo cultural, que parte do pressuposto de que cada cultura se expressa de forma diferente, pregando que a atividade humana individual deve ser interpretada em contexto, nos termos de sua própria cultura.

"Com 'Alien Shore', estava pensando em discussões que tive entre amigos, onde falamos sobre diferenças de gênero e diferenças raciais. Podíamos falar sobre esses assuntos desapaixonadamente, pois éramos normais, sensatos, generosos e pessoas bem viajadas, contabilizando todas essas diferenças entre amigos e iguais. Percebo que esses temas são, em muitos casos, bem perigosos de se discutir, pois são carregados de preconceitos e mal-entendidos. Queria pegar esse tema e colocar em um contexto pessoal de uma conversa que diz, 'Você e eu somos diferentes, mas isso não é problema para mim'. Infelizmente, para muitas das pessoas, senão para maioria ao nosso redor, isso é um problema".

Algumas curiosidades sutis podem ser percebidas em "Alien Shore". Após o segundo refrão, enquanto ocorre o longo e psicodélico solo de guitarra, é possível ouvir alguns diálogos enigmáticos e o termo "slowly engulfs" ("engolfos lentos"), vocalizado de forma curiosa por Lifeson. No último refrão, a frase "We hold these truths to be self-evident" ("Consideramos essas verdades como evidentes por si mesmas") é a transcrição da primeira parte do preâmbulo da Declaração de Independência das Treze Colônias ou Declaração da Independência dos Estados Unidos, escrita por Thomas Jefferson em 1776.

Por fim, Neil Peart reafirma no terceiro verso que as similaridades existem entre todas as pessoas. Há muito mais para todos do que apenas raça, religião, sexo ou cultura, propondo a necessidade do rompimento de divisões na busca da idealizada terra estrangeira, um lugar novo que experimenta a verdadeira aproximação da complementaridade. Liricamente, Counterparts continua na senda de temas emocionais e obscuros que exploram conceitos difíceis e polêmicos, mas é nítido que todos caminham certeiros na busca da esperança pela plenitude humana.

© 2015 Rush Fã-Clube Brasil

STREETER, S. "Live On Paper! The Steve Streeter And Neil Peart Interview". A Show Of Fans #17. Summer 1997.
HAMILTON, P. ""The Whole Is Greater Than The Sum Of Its Parts" - An Interview with Neil Peart". Canadian Musician Magazine. February 1994.